Era estranho: os seus olhos eram demasiado duros, demasiado cruéis e frios.
Um homem como Milton Carey devia
ter crescido com um olhar bondoso, que incitasse a confiança. Nao foi assim. Os seus olhos tinham algo metálico que parecia atravessar a pele do homem ou da mulher em que pousassem.
E aquele olhar dominador, implacável, fez muitas mulheres desejarem ser amadas por ele. Sem embargo, para Milton Carey nenhuma teve importância. Nem sequer correu as vulgares aventuras que todo o pesquisador de ouro tinha de contar. Atras do seu peito de gigante nao parecia existir um coração sensivel. Talvez isso mesmo fosse a causa de que as mulheres se fixassem mais nele, mas sem resultado.
Luigi Starza chegava-lhe agora aos ombros, pois Milton ainda tinha crescido mais. As suas costas eram as mais largas de qualquer comarca que visitasse, e os seus braços morenos e musculosos inspiravam terror. Mas a impressão temível que causavam a sua corpulência e os seus olhos duros, desvanecia-se quando se olhava para os seus lábios onde havia um sorriso candoroso, cheio de boa intenção.
No dia em que Milton Carey cumpriu vinte e um anos, foi em companhia de Starza a uma pequena cidade chamada Dusty Plain.
As suas ruas eram amplas, e estavam cheias de estabelecimentos atrativos e buliçosos. Starza avançou pela rua principal, com sinais de verdadeira alegria.
— Hoje vamo-nos divertir, amigo —riu, batendo nas costas de Milton. —Até é possível que, depois de beber, me tenhas de tirar da povoação às costas. Além disso, hoje conhecerás a que vai ser minha esposa.
— Tua esposa?
Starza tinha falado muitas vezes, veladamente, dum misterioso amor que acalentava nas suas horas difíceis, por uma bela calabreza que o tinha acompanhado na expatriação e que trabalhava num lugar muito seleto. Escrevia-lhe todas as semanas, regularmente, qualquer que fosse o lugar em que se encontrasse. Mas como Gina, era este o nome da sua amada, era uma rapariga de muita categoria, não poderia casar-se com ela até encontrar um bom filão. Sendo um qualquer, nao podia aspirar a mantê-la.
A Milton sempre lhe tinha surpreendido um pouco tudo aquilo, mas o seu assombro aumentou quando soube que Gina trabalhava como bailarina num saloon de Dusty Plain.
Entraram nele por volta das nove horas da noite, quando a animação estava no seu apogeu. Tanto Milton como Starza iam desarmados por completo. Estavam já pela sua rodada, encostados ao balcão, quando Gina começou a bailar. Era uma morena agil e desperta, que interpretava o can-can, valsas clássicas e uma tarantela, as suas três especialidades, com um verdadeiro sentido do ritmo e uma surpreendente picardia.
— Tem de manter seu pai, que é um borracho. Somos noivos desde crianças, e viemos para a América no mesmo barco. Nao quero casar-me com ela até que possa oferecer-lhe uma vida digna.
—E esta é-o?
— Seu pai protege-a. Ninguém se excede com ela, mas já estou farto de que vivamos separados. Agora sei que os meus sonhos eram uma estupidez, e que nao encontrarei ouro jamais. Se hoje vim a Dusty Pain e para casar-me com ela.
—E queres condená-la a vaguear contigo por todos esses rios?
—Pensei mil vezes isso. For isso nao somos marido e mulher. Mas repito que já estou farto de nao vê-la. E ela deseja que a tire daqui.
Milton ia a responder, mas naquele momenta os seus olhos dilataram-se. Apareceu neles uma luz nova e estranha.
Sobre o pequeno tablado, bailava agora uma rapariga de uns vinte anos. Pele morena, cabeleira comprida e negra, olhos que desprendiam um desconhecido fulgor. Era uma India. A mais formosa India que Milton tinha contemplado jamais. O seu rosto nao tinha mudado muito desde que a vira pela primeira vez, atada ao poste com os dois negros.
Como que empurrado por uma força irresistível, igual a um autómato, Milton Carey aproximou-se do palco. Teve de afastar para isso vários grupos de vaqueiros, mas nem sequer se fixou nesse detalhe.
A rapariga India bailava de um modo selvagem, com um vigor, uma agilidade e um sentido primitivo do ritmo que estremeciam e causavam assombro. Pela primeira vez na sua vida, Milton sentiu que o seu corarão galopava muito depressa, mas era uma sensação grata.
A rapariga também se fixou nele. Por uns instantes, enquanto se mexia freneticamente, poisou os olhos no gigante de cabelos loiros. Ao terminar a sua dança, uma assombrosa ovação fez estremecer os âmbitos da sala. E então ocorreu algo inexplicável, odioso. Algo que pôs rígidos os músculos de Carey.
Quando a rapariga se retirava para os bastidores, uma mão de homem golpeou-a selvaticamente no queixo, fazendo-a cair no centro do palco.
Um rumor de estupefação percorreu a sala, mas antes que alguém pudesse intervir, três homens apareceram no palco. Estavam vestidos como vaqueiros vulgares, e as suas proporções eram gigantescas. Nao tinham sacado os seus revolveres nem pareciam ter necessidade de fazê-lo, coma se atuassem em território conquistado.
Um deles pôs a sua bota sobre as costas da rapariga India. As mãos de Milton foram instintivamente para as ancas vazias.
-- É Lou «Tiger», o guarda-costas de Brakam — gritou uma voz a seu lado.
E com efeito, todo o mundo parecia conhecer os recém-aparecidos.
Com uma naturalidade que só podia comparar-se a brutalidade empregada, langaram a rapariga sobre o piano, ao pé do palco. A India langou um grito. As suas formas esculturais pareciam excitar os homens de Brakam. Saltando para o chão do saloon, o mais corpulento deles, o conhecido como Lou «Tiger», levantou a rapariga com uma só mão.
Milton Carey estava perplexo. Ao que parece, ninguém ousava enfrentar-se com aqueles três homens, e na sala reinava uma espécie de respeitoso silencio, uma aprovação unânime e tácita.
Um homem como Milton Carey devia
ter crescido com um olhar bondoso, que incitasse a confiança. Nao foi assim. Os seus olhos tinham algo metálico que parecia atravessar a pele do homem ou da mulher em que pousassem.
E aquele olhar dominador, implacável, fez muitas mulheres desejarem ser amadas por ele. Sem embargo, para Milton Carey nenhuma teve importância. Nem sequer correu as vulgares aventuras que todo o pesquisador de ouro tinha de contar. Atras do seu peito de gigante nao parecia existir um coração sensivel. Talvez isso mesmo fosse a causa de que as mulheres se fixassem mais nele, mas sem resultado.
Luigi Starza chegava-lhe agora aos ombros, pois Milton ainda tinha crescido mais. As suas costas eram as mais largas de qualquer comarca que visitasse, e os seus braços morenos e musculosos inspiravam terror. Mas a impressão temível que causavam a sua corpulência e os seus olhos duros, desvanecia-se quando se olhava para os seus lábios onde havia um sorriso candoroso, cheio de boa intenção.
No dia em que Milton Carey cumpriu vinte e um anos, foi em companhia de Starza a uma pequena cidade chamada Dusty Plain.
As suas ruas eram amplas, e estavam cheias de estabelecimentos atrativos e buliçosos. Starza avançou pela rua principal, com sinais de verdadeira alegria.
— Hoje vamo-nos divertir, amigo —riu, batendo nas costas de Milton. —Até é possível que, depois de beber, me tenhas de tirar da povoação às costas. Além disso, hoje conhecerás a que vai ser minha esposa.
— Tua esposa?
Starza tinha falado muitas vezes, veladamente, dum misterioso amor que acalentava nas suas horas difíceis, por uma bela calabreza que o tinha acompanhado na expatriação e que trabalhava num lugar muito seleto. Escrevia-lhe todas as semanas, regularmente, qualquer que fosse o lugar em que se encontrasse. Mas como Gina, era este o nome da sua amada, era uma rapariga de muita categoria, não poderia casar-se com ela até encontrar um bom filão. Sendo um qualquer, nao podia aspirar a mantê-la.
A Milton sempre lhe tinha surpreendido um pouco tudo aquilo, mas o seu assombro aumentou quando soube que Gina trabalhava como bailarina num saloon de Dusty Plain.
Entraram nele por volta das nove horas da noite, quando a animação estava no seu apogeu. Tanto Milton como Starza iam desarmados por completo. Estavam já pela sua rodada, encostados ao balcão, quando Gina começou a bailar. Era uma morena agil e desperta, que interpretava o can-can, valsas clássicas e uma tarantela, as suas três especialidades, com um verdadeiro sentido do ritmo e uma surpreendente picardia.
— Tem de manter seu pai, que é um borracho. Somos noivos desde crianças, e viemos para a América no mesmo barco. Nao quero casar-me com ela até que possa oferecer-lhe uma vida digna.
—E esta é-o?
— Seu pai protege-a. Ninguém se excede com ela, mas já estou farto de que vivamos separados. Agora sei que os meus sonhos eram uma estupidez, e que nao encontrarei ouro jamais. Se hoje vim a Dusty Pain e para casar-me com ela.
—E queres condená-la a vaguear contigo por todos esses rios?
—Pensei mil vezes isso. For isso nao somos marido e mulher. Mas repito que já estou farto de nao vê-la. E ela deseja que a tire daqui.
Milton ia a responder, mas naquele momenta os seus olhos dilataram-se. Apareceu neles uma luz nova e estranha.
Sobre o pequeno tablado, bailava agora uma rapariga de uns vinte anos. Pele morena, cabeleira comprida e negra, olhos que desprendiam um desconhecido fulgor. Era uma India. A mais formosa India que Milton tinha contemplado jamais. O seu rosto nao tinha mudado muito desde que a vira pela primeira vez, atada ao poste com os dois negros.
Como que empurrado por uma força irresistível, igual a um autómato, Milton Carey aproximou-se do palco. Teve de afastar para isso vários grupos de vaqueiros, mas nem sequer se fixou nesse detalhe.
A rapariga India bailava de um modo selvagem, com um vigor, uma agilidade e um sentido primitivo do ritmo que estremeciam e causavam assombro. Pela primeira vez na sua vida, Milton sentiu que o seu corarão galopava muito depressa, mas era uma sensação grata.
A rapariga também se fixou nele. Por uns instantes, enquanto se mexia freneticamente, poisou os olhos no gigante de cabelos loiros. Ao terminar a sua dança, uma assombrosa ovação fez estremecer os âmbitos da sala. E então ocorreu algo inexplicável, odioso. Algo que pôs rígidos os músculos de Carey.
Quando a rapariga se retirava para os bastidores, uma mão de homem golpeou-a selvaticamente no queixo, fazendo-a cair no centro do palco.
Um rumor de estupefação percorreu a sala, mas antes que alguém pudesse intervir, três homens apareceram no palco. Estavam vestidos como vaqueiros vulgares, e as suas proporções eram gigantescas. Nao tinham sacado os seus revolveres nem pareciam ter necessidade de fazê-lo, coma se atuassem em território conquistado.
Um deles pôs a sua bota sobre as costas da rapariga India. As mãos de Milton foram instintivamente para as ancas vazias.
-- É Lou «Tiger», o guarda-costas de Brakam — gritou uma voz a seu lado.
E com efeito, todo o mundo parecia conhecer os recém-aparecidos.
Com uma naturalidade que só podia comparar-se a brutalidade empregada, langaram a rapariga sobre o piano, ao pé do palco. A India langou um grito. As suas formas esculturais pareciam excitar os homens de Brakam. Saltando para o chão do saloon, o mais corpulento deles, o conhecido como Lou «Tiger», levantou a rapariga com uma só mão.
Milton Carey estava perplexo. Ao que parece, ninguém ousava enfrentar-se com aqueles três homens, e na sala reinava uma espécie de respeitoso silencio, uma aprovação unânime e tácita.
Foi o assombro de Milton o que o impediu de reagir. Os três homens, arrastando a rapariga, que se debatia furiosa e inutilmente, saíram para a rua, por um corredor que os frequentadores do bar tinham aberto com toda a rapidez.
Milton Carey saiu atras deles, antes que o corredor humano se fechasse.
Os três indivíduos já estavam no meio da rua e dirigiam-se, sem soltar a rapariga, para os seus cavalos, atados a umas cinquenta jardas. A primeira intenção de Milton foi procurar o sheriff para que impedisse legalmente aquele atropelo, mas o seu assombro nao teve limites ao ver que o representante da lei, apoiado tranquilamente numa das barras do portal, fazendo um cigarro e sem prestar a menor atenção aos seus raptores, apesar de que ao saírem lhe tinham quase sacudido o pó das roupas.
De um salto, Milton Carey lançou-se no meio da rua. A sua voz soou com um tom violento e selvagem, um acento que fez voltar rapidamente os três homens de Brakam.
— Soltem essa mulher!
Os três cravaram nele, ao princípio, uns olhos assombrados e receosos. Depois, os seus olhares tornaram-se raivosos e irónicos ao ver que o seu inimigo nao levava armas. Lou «Tiger» foi o primeiro a reagir.
—Ouve, fantoche, mete a língua onde nao a possas tirar.
—E vocês estendam bem os pescoços para que eu veja o efeito que farão nos caixões.
Os três soltaram ao mesmo tempo uma estrondosa gargalhada.
-- Com que nos mataras? Com os dedos?
Milton olhou para as ancas, limpas de toda a classe de armas. Lou extraiu um dos seus revólveres e soprou cerimoniosamente na boca do cano.
— Matá-los-ei com os dentes, maricas!
O inesperado insulto, lançado a cara dos três homens mais terríveis de Dusty Plain, produziu um instantâneo efeito. Os três, com as feições lívidas pela ira, sacaram os revolveres e apontaram ao intruso.
Lou, que era o que agarrava a India, atirou-a com um brutal pontapé para o chão, para que lhe deixasse as mãos livres.
Naquele instante, uma grande multidão começava já a chegar a ambos os lados da rua, fora das possíveis linhas de tiro, e um profundo silencio reinava, sem embargo, no ambiente, abafando todos.
O sheriff salvou com a sua intervenção a vida de Milton Carey.
—Nao quero sangue na povoação, «Tiger». Guardem os revolveres. Este insensato nao sabe o que diz.
Milton voltou-se para ele.
— Nunca falei em vão, sheriff, e mantenho as minhas palavras. Quero que soltem essa mulher ou os matarei.
— Essa mulher estava empregada no «Brakam Ranch», e se o nao sabe, é o mais importante e honrado da comarca, e fugiu roubando uma espingarda e um cavalo.
Estes homens detiveram-na com a minha autorização. Foi tao estúpida que para querer ganhar aqui algum dinheiro, pensando que ia despistar todos os seus perseguidores, e se a deixaram terminar o seu número foi unicamente por mera cortesia.
—Cortesia! — gritou Milton. — De modo que é do «Brakam Ranch» que você cobra o seu segundo soldo.
Aquele novo insulto, e agora atirado a cara do sheriff, fez com que um ar de tragedia caísse sobre a rua. Todos supuseram, a partir daquele instante, que aquele jovem ia morrer. Os três pistoleiros afastaram-se cautelosamente, colocando-se em três ângulos distintos e de cara para o intruso. O sheriff voltou as costas.
— Ele provocou-os e então podem usar o vosso direito, rapazes. Eu nada posso fazer.
Lou «Tiger», que estava no ângulo direito, riu sinistramente.
— Tudo vai ser legal, amigo. Temos os revolveres enfundados, e matar-te-á o mais rápido. Mas ainda podes salvar a tua vida. Poe-te de joelhos.
Milton Carey cuspiu no chão.
— Se tens olhos, ter-te-ás fixado que o pessoal nao interveio quando prendemos a rapariga — grunhiu o inimigo do centro, um gigante barbudo e porco -- se alem de olhos tens cérebro, pensaras que isso significa algo. Somos os três homens de confiança de Wilburn Brakam. Somos três pistoleiros, se isso te soa melhor. O meu revolver tem cinco balas.
Milton voltou a cuspir.
—Isto é para Brakam—disse.
Houve um estremecimento de ira nos três homens que tinha a frente dele.
—Pronto! Dois revolveres para este louco! —gritou «Tiger».
Do grupo da direita de Carey saiu algo voando. Um cinturão com dois revólveres foi cair aos seus pés, levantando uma nuvem de pó. O homem que os tinha langado, um velho sem dentes, adiantou-se um passo.
— Este homem tem aspeto pacifico — gritou rancorosamente para «Tiger», assinalando Milton Carey. —Mas eu te digo, canalha, que nao te metas com os homens pacíficos. Os seus revolveres tem fome!
Milton, agachando-se, agarrou o cinturão, que começou a abotoar com movimentos tranquilos e calmos. Uma estranha serenidade, uma pasmosa segurança em si mesmo tinha-se apoderado dele. A rapariga India, que nao se tinha levantado ainda e estava no centro da linha de tiro, olhava-o com os olhos brilhantes como as estrelas da noite.
—Deixem que saia essa rapariga daí — pediu Milton.
-- Nao. Nao corre perigo. E será delicioso para ti, seu defensor, que a manches com o teu sangue. Vamos, homenzito, queres jogar o jogo das três esquinas?
Carey olhou para os seus três inimigos, postados em triangulo, e compreendeu o trágico significado daquela frase. Ia disputar um duelo contra três pistoleiros profissionais duma só vez. Nao podia haver dúvida sobre qual seria o resultado do mesmo.
Os braços dos inimigos arquearam-se sobre as fundas. Os olhos de Milton pareciam de metal. Os nervos da sua mão direita tremiam. Havia uma misteriosa parte de si mesmo que se alegrava diante do selvático espetáculo da sua própria morte, que sem dúvida iria acompanhada por algum dos seus rivais.
Para excitá-lo, como a um animal a quem se vai sacrificar depois de se divertir com ele, o homem do centro deu uma patada no chão, atirando poeira sobre a rapariga India, que langou um grito. E naquele instante atuou Milton Carey.
As suas duas mãos fecharam-se sobre as culatras, e os revolveres fizeram fogo sucessivamente, sem mesmo saírem totalmente das fundas. O direito primeiro, contra o inimigo do centro, em cuja testa apareceu um terceiro olho minúsculo e sangrento. O esquerdo cruzado sobre o inimigo da direita, que recebeu o chumbo no baixo ventre, com um estrondoso alarido. Nenhum dos dois tinha tido tempo de disparar. Ficava Lou «Tiger» a esquerda, e este sim que o fez. Tinha tido tempo de apontar a Milton Carey enquanto este disparara, e a bala ia certamente dirigida para ele. Lou «Tiger» nao falhava a pontaria, e desta vez tinha atirado a matar.
Mas naquele momenta, algo redondo e negro interp6s-se no caminho da bala. um homem. Um homem vestido de farrapos negros. Alcançado no peito, o salvador de Milton Carey caia no chão, sem langar um só gemido.
Os dois adversários nao tiveram tempo de dar-se conta do sucedido, e levantaram os seus revólveres duma só vez. Mas assim coma a direita de Carey estava rígida e firma, coma se se tratasse duma pega da máquina, a de «Tiger» tremia ao fazer fogo. As duas balas cruzaram-se por cima do homem de negro.
Só uma alcançou o seu objetivo, e ainda que nao completamente. Tocado no ombro, Lou teve de soltar o revolver que empunhava na sua mão esquerda, com o qual tinha disparado a primeira vez.
A arma caiu sem fazer ruido no chão da rua. E naquele momento, o pistoleiro sentiu como uma estranha luz brotava nas profundidades do seu cérebro. Olhou para Carey com uns olhos que pareciam de cristal. Das profundidades da sua memoria, surgiu a recordação de algo que tinha vivido anos atras, numa povoação seca e morta de Novo México. Como num quadro grande e escuro, ante os seus olhos apareceu de novo uma cena que tinha esquecido já, e na qual figuravam um pistoleiro e uma criança sem mão.
—Tu és... —gritou.
Nos lábios de Milton Carey apareceu um sorriso quadrado, cínico. A sua memoria tinha-lhe devolvido a imagem longínqua daquele rosto. Estava agora a pouca distancia de Lou «Tiger», e os disparos tinham de ser mortais. Para igualar-se a ele, deixou cair no chão o revolver da mão esquerda. E fê-lo com tal sinal de desprezo, que as feições do pistoleiro se contraíram de raiva.
— Sou «Mão Marta» — disse Carey, mastigando as silabas. — Vamos, levanta esse revolver!
Queria disparar no momenta em que «Tiger» cerrasse o dedo sobre o gatilho. Uma estranha segurança em si mesmo dizia-lhe que podia permitir-se a essa confiança. Os seus olhos, fixos no revolver do seu inimigo, nao pestanejaram no momento da decisão. E o seu disparo foi mais rápido.
Antes de que o dedo de Lou tivesse podido cerrar-se completamente sobre o gatilho, uma segunda bala bateu--lhe nos ossos do ombro direito. Teve de soltar o revólver, langando um grito, e ao saltar de dor, a sua testa encontrou a terceira bala.
Com um estranho chasquido, o frontal ficou completamente arrasado. Lou, pouco a pouco, como se as suas forças se negassem a abandonar a torre de músculos que tinha sido o seu corpo, foi-se dobrando sobre os joelhos e caiu ao chão.
Nao podia mover os braços, e por isso as suas três espantosas feridas estavam a descoberto. Ao cair, o seu rosto ficou enterrado no chão, e este moveu-se com uma insignificante onda ao recolher o seu suspiro. Ainda nao tinha caído de todo o seu inimigo quando Milton Carey, de um salto, abalançou-se sobre o vulto negro que jazia no meio da trajetória das balas. Ainda chegou a tempo de receber o último sorriso, a última baforada de álcool do impenitente borracho Lutteil.
—Vi-te ao começar isto, meu filho... Mas nao queria que me visses to porque me dava vergonha... Amanhã ia ser expulso desta povoação. E vi como empregavas a mão, meu filho... fiz um bom trabalho. Que seja para bem.
E com as duas mãos apoiadas nas costas de Milton Carey, exalou o seu último suspiro.
— Que seja para bem— repetiu o gigante loiro, cerrando-lhe os olhos.
Dezenas de olhares convergiram nas suas costas e percorreram-nas até chegar aos coldres dos revolveres. Ali se detinham, como que hipnotizadas.
Milton Carey, ao apertar contra o peito a cabeça de Luttell, teve campo livre diante dos olhos, e divisou alguns desses olhares. Olhos turvos de admiração e de inveja pousaram-se nas suas armas. Os mesmos olhos turvos que tinham perseguido seu pai. Com uns olhos assim o tinham morto debaixo do sol, em Novo México.
Levantando-se bruscamente, desapossou-se do cinturão, atirando-o ao velho que lho tinha emprestado, e que o olhava com um sorriso idiota.
— Fique com ele, maldito velho! — gritou.
O interpelado, sem se mover, agarrou nas armas. —Fazes mal em devolver-mas, «Gatilho» Brakam irá a tua procura agora. E Brakam atira melhor que qualquer dos seus profissionais.
Milton Carey nao respondeu. Branco como a cal da parede, viu junto dele Luigi Starza.
— Ajuda-me a carregar o corpo deste homem — disse--lhe. —Enterrá-lo-emos no deserto.
Não se tinha fixado sequer na India. Tinha-a esquecido já por completo, como se ela nao tivesse sido o motivo daquela carnificina. Mas a India nao se tinha esquecido dele. Pôs-lhe uma mão nas costas.
—Eu vou contigo—afirmou, subindo a mão até ao pescoço, onde o acariciou.
Milton Carey saiu atras deles, antes que o corredor humano se fechasse.
Os três indivíduos já estavam no meio da rua e dirigiam-se, sem soltar a rapariga, para os seus cavalos, atados a umas cinquenta jardas. A primeira intenção de Milton foi procurar o sheriff para que impedisse legalmente aquele atropelo, mas o seu assombro nao teve limites ao ver que o representante da lei, apoiado tranquilamente numa das barras do portal, fazendo um cigarro e sem prestar a menor atenção aos seus raptores, apesar de que ao saírem lhe tinham quase sacudido o pó das roupas.
De um salto, Milton Carey lançou-se no meio da rua. A sua voz soou com um tom violento e selvagem, um acento que fez voltar rapidamente os três homens de Brakam.
— Soltem essa mulher!
Os três cravaram nele, ao princípio, uns olhos assombrados e receosos. Depois, os seus olhares tornaram-se raivosos e irónicos ao ver que o seu inimigo nao levava armas. Lou «Tiger» foi o primeiro a reagir.
—Ouve, fantoche, mete a língua onde nao a possas tirar.
—E vocês estendam bem os pescoços para que eu veja o efeito que farão nos caixões.
Os três soltaram ao mesmo tempo uma estrondosa gargalhada.
-- Com que nos mataras? Com os dedos?
Milton olhou para as ancas, limpas de toda a classe de armas. Lou extraiu um dos seus revólveres e soprou cerimoniosamente na boca do cano.
— Matá-los-ei com os dentes, maricas!
O inesperado insulto, lançado a cara dos três homens mais terríveis de Dusty Plain, produziu um instantâneo efeito. Os três, com as feições lívidas pela ira, sacaram os revolveres e apontaram ao intruso.
Lou, que era o que agarrava a India, atirou-a com um brutal pontapé para o chão, para que lhe deixasse as mãos livres.
Naquele instante, uma grande multidão começava já a chegar a ambos os lados da rua, fora das possíveis linhas de tiro, e um profundo silencio reinava, sem embargo, no ambiente, abafando todos.
O sheriff salvou com a sua intervenção a vida de Milton Carey.
—Nao quero sangue na povoação, «Tiger». Guardem os revolveres. Este insensato nao sabe o que diz.
Milton voltou-se para ele.
— Nunca falei em vão, sheriff, e mantenho as minhas palavras. Quero que soltem essa mulher ou os matarei.
— Essa mulher estava empregada no «Brakam Ranch», e se o nao sabe, é o mais importante e honrado da comarca, e fugiu roubando uma espingarda e um cavalo.
Estes homens detiveram-na com a minha autorização. Foi tao estúpida que para querer ganhar aqui algum dinheiro, pensando que ia despistar todos os seus perseguidores, e se a deixaram terminar o seu número foi unicamente por mera cortesia.
—Cortesia! — gritou Milton. — De modo que é do «Brakam Ranch» que você cobra o seu segundo soldo.
Aquele novo insulto, e agora atirado a cara do sheriff, fez com que um ar de tragedia caísse sobre a rua. Todos supuseram, a partir daquele instante, que aquele jovem ia morrer. Os três pistoleiros afastaram-se cautelosamente, colocando-se em três ângulos distintos e de cara para o intruso. O sheriff voltou as costas.
— Ele provocou-os e então podem usar o vosso direito, rapazes. Eu nada posso fazer.
Lou «Tiger», que estava no ângulo direito, riu sinistramente.
— Tudo vai ser legal, amigo. Temos os revolveres enfundados, e matar-te-á o mais rápido. Mas ainda podes salvar a tua vida. Poe-te de joelhos.
Milton Carey cuspiu no chão.
— Se tens olhos, ter-te-ás fixado que o pessoal nao interveio quando prendemos a rapariga — grunhiu o inimigo do centro, um gigante barbudo e porco -- se alem de olhos tens cérebro, pensaras que isso significa algo. Somos os três homens de confiança de Wilburn Brakam. Somos três pistoleiros, se isso te soa melhor. O meu revolver tem cinco balas.
Milton voltou a cuspir.
—Isto é para Brakam—disse.
Houve um estremecimento de ira nos três homens que tinha a frente dele.
—Pronto! Dois revolveres para este louco! —gritou «Tiger».
Do grupo da direita de Carey saiu algo voando. Um cinturão com dois revólveres foi cair aos seus pés, levantando uma nuvem de pó. O homem que os tinha langado, um velho sem dentes, adiantou-se um passo.
— Este homem tem aspeto pacifico — gritou rancorosamente para «Tiger», assinalando Milton Carey. —Mas eu te digo, canalha, que nao te metas com os homens pacíficos. Os seus revolveres tem fome!
Milton, agachando-se, agarrou o cinturão, que começou a abotoar com movimentos tranquilos e calmos. Uma estranha serenidade, uma pasmosa segurança em si mesmo tinha-se apoderado dele. A rapariga India, que nao se tinha levantado ainda e estava no centro da linha de tiro, olhava-o com os olhos brilhantes como as estrelas da noite.
—Deixem que saia essa rapariga daí — pediu Milton.
-- Nao. Nao corre perigo. E será delicioso para ti, seu defensor, que a manches com o teu sangue. Vamos, homenzito, queres jogar o jogo das três esquinas?
Carey olhou para os seus três inimigos, postados em triangulo, e compreendeu o trágico significado daquela frase. Ia disputar um duelo contra três pistoleiros profissionais duma só vez. Nao podia haver dúvida sobre qual seria o resultado do mesmo.
Os braços dos inimigos arquearam-se sobre as fundas. Os olhos de Milton pareciam de metal. Os nervos da sua mão direita tremiam. Havia uma misteriosa parte de si mesmo que se alegrava diante do selvático espetáculo da sua própria morte, que sem dúvida iria acompanhada por algum dos seus rivais.
Para excitá-lo, como a um animal a quem se vai sacrificar depois de se divertir com ele, o homem do centro deu uma patada no chão, atirando poeira sobre a rapariga India, que langou um grito. E naquele instante atuou Milton Carey.
As suas duas mãos fecharam-se sobre as culatras, e os revolveres fizeram fogo sucessivamente, sem mesmo saírem totalmente das fundas. O direito primeiro, contra o inimigo do centro, em cuja testa apareceu um terceiro olho minúsculo e sangrento. O esquerdo cruzado sobre o inimigo da direita, que recebeu o chumbo no baixo ventre, com um estrondoso alarido. Nenhum dos dois tinha tido tempo de disparar. Ficava Lou «Tiger» a esquerda, e este sim que o fez. Tinha tido tempo de apontar a Milton Carey enquanto este disparara, e a bala ia certamente dirigida para ele. Lou «Tiger» nao falhava a pontaria, e desta vez tinha atirado a matar.
Mas naquele momenta, algo redondo e negro interp6s-se no caminho da bala. um homem. Um homem vestido de farrapos negros. Alcançado no peito, o salvador de Milton Carey caia no chão, sem langar um só gemido.
Os dois adversários nao tiveram tempo de dar-se conta do sucedido, e levantaram os seus revólveres duma só vez. Mas assim coma a direita de Carey estava rígida e firma, coma se se tratasse duma pega da máquina, a de «Tiger» tremia ao fazer fogo. As duas balas cruzaram-se por cima do homem de negro.
Só uma alcançou o seu objetivo, e ainda que nao completamente. Tocado no ombro, Lou teve de soltar o revolver que empunhava na sua mão esquerda, com o qual tinha disparado a primeira vez.
A arma caiu sem fazer ruido no chão da rua. E naquele momento, o pistoleiro sentiu como uma estranha luz brotava nas profundidades do seu cérebro. Olhou para Carey com uns olhos que pareciam de cristal. Das profundidades da sua memoria, surgiu a recordação de algo que tinha vivido anos atras, numa povoação seca e morta de Novo México. Como num quadro grande e escuro, ante os seus olhos apareceu de novo uma cena que tinha esquecido já, e na qual figuravam um pistoleiro e uma criança sem mão.
—Tu és... —gritou.
Nos lábios de Milton Carey apareceu um sorriso quadrado, cínico. A sua memoria tinha-lhe devolvido a imagem longínqua daquele rosto. Estava agora a pouca distancia de Lou «Tiger», e os disparos tinham de ser mortais. Para igualar-se a ele, deixou cair no chão o revolver da mão esquerda. E fê-lo com tal sinal de desprezo, que as feições do pistoleiro se contraíram de raiva.
— Sou «Mão Marta» — disse Carey, mastigando as silabas. — Vamos, levanta esse revolver!
Queria disparar no momenta em que «Tiger» cerrasse o dedo sobre o gatilho. Uma estranha segurança em si mesmo dizia-lhe que podia permitir-se a essa confiança. Os seus olhos, fixos no revolver do seu inimigo, nao pestanejaram no momento da decisão. E o seu disparo foi mais rápido.
Antes de que o dedo de Lou tivesse podido cerrar-se completamente sobre o gatilho, uma segunda bala bateu--lhe nos ossos do ombro direito. Teve de soltar o revólver, langando um grito, e ao saltar de dor, a sua testa encontrou a terceira bala.
Com um estranho chasquido, o frontal ficou completamente arrasado. Lou, pouco a pouco, como se as suas forças se negassem a abandonar a torre de músculos que tinha sido o seu corpo, foi-se dobrando sobre os joelhos e caiu ao chão.
Nao podia mover os braços, e por isso as suas três espantosas feridas estavam a descoberto. Ao cair, o seu rosto ficou enterrado no chão, e este moveu-se com uma insignificante onda ao recolher o seu suspiro. Ainda nao tinha caído de todo o seu inimigo quando Milton Carey, de um salto, abalançou-se sobre o vulto negro que jazia no meio da trajetória das balas. Ainda chegou a tempo de receber o último sorriso, a última baforada de álcool do impenitente borracho Lutteil.
—Vi-te ao começar isto, meu filho... Mas nao queria que me visses to porque me dava vergonha... Amanhã ia ser expulso desta povoação. E vi como empregavas a mão, meu filho... fiz um bom trabalho. Que seja para bem.
E com as duas mãos apoiadas nas costas de Milton Carey, exalou o seu último suspiro.
— Que seja para bem— repetiu o gigante loiro, cerrando-lhe os olhos.
Dezenas de olhares convergiram nas suas costas e percorreram-nas até chegar aos coldres dos revolveres. Ali se detinham, como que hipnotizadas.
Milton Carey, ao apertar contra o peito a cabeça de Luttell, teve campo livre diante dos olhos, e divisou alguns desses olhares. Olhos turvos de admiração e de inveja pousaram-se nas suas armas. Os mesmos olhos turvos que tinham perseguido seu pai. Com uns olhos assim o tinham morto debaixo do sol, em Novo México.
Levantando-se bruscamente, desapossou-se do cinturão, atirando-o ao velho que lho tinha emprestado, e que o olhava com um sorriso idiota.
— Fique com ele, maldito velho! — gritou.
O interpelado, sem se mover, agarrou nas armas. —Fazes mal em devolver-mas, «Gatilho» Brakam irá a tua procura agora. E Brakam atira melhor que qualquer dos seus profissionais.
Milton Carey nao respondeu. Branco como a cal da parede, viu junto dele Luigi Starza.
— Ajuda-me a carregar o corpo deste homem — disse--lhe. —Enterrá-lo-emos no deserto.
Não se tinha fixado sequer na India. Tinha-a esquecido já por completo, como se ela nao tivesse sido o motivo daquela carnificina. Mas a India nao se tinha esquecido dele. Pôs-lhe uma mão nas costas.
—Eu vou contigo—afirmou, subindo a mão até ao pescoço, onde o acariciou.
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