Antes que tivesse tempo de disparar o seu revólver, já o impacto duma bala fazia tombar o indivíduo do bar. A detonação soou no tranquilo entardecer de Elmdale, enquanto que o homenzarrão soltava a arma e crispava as mãos em volta do ventre, por onde jorrava sangue aos borbotões.
Apareceram duas cabeças à porta do saloon. Dolan disparou uma única bala que levantou estilhas de madeira quando embateu no umbral da porta. As cabeças retrocederam, rápidas, e o tiroteio começou a ser dirigido contra ele, enquanto a larga e redonda praça deserta se povoava de zumbido e balos que procuravam Shady Dolan.
O alto forasteiro fugindo em ziguezague para o seu cavalo, não respondeu ao fogo.
Os cavalos, agitados pelas detonações e pela presença do corpo caído que se esvaía em sangue, relinchavam, tentando rebentar as amarras. Um homem surgiu no alpendre, empunhando um revólver, e disparou contra Shady.
A bala roçou-lhe os cabelos, continuando na sua trajetória. Rapidamente, Dolan apertou o gatilho da sua arma e via cambalear o adversário. Alguém gritou, no interior do bar:
— Apanhem esse homem! Apanhem-no a todo o custo! É um fugitivo sulista, um condenado à morte que fugiu de Fort Cooper! É Shady Dolan, um confederado!
Dolan lançou-se em vertiginoso galope para o extremo da rua principal. Antes de desaparecer, voltou-se na sela e disparou mais uma bala contra os cavalos amarrados. O projétil roçou as orelhas dos animais que se empinaram desvairadamente.
Um deles derrubou o cavaleiro que ia a montá-lo e outros três precipitaram-se em louca carreira. Tudo isto prejudicou os perseguidores alguns segundos; o suficiente para Dolan alcançar vantagem.
Shady apertou as esporas contra a ilharga do cavalo, forçando-o ao máximo. Nesses momento recordava o seu querido «Ulisses», o melhor cavalo de todo o Oeste. Apesar de tudo, este cumpria dignamente a sua missão, atendendo à distância que o separava dos perseguidores.
Rapidamente, os projéteis começaram a zumbir sobre ele, e uma gritaria enorme irrompe na rua principal, quando os irados cavaleiros tomaram a sua perseguição.
Muitas coisas estranhas e inexplicáveis havia naquela aventura, mas Dolan nesses momentos concentrava toda a sua atenção em escapar àquele misterioso grupo de homens vestidos de civil, que montavam cavalos que não pertenciam ao Exército, usavam armas de todas as origens e ocultavam nas selas o uniforme azul com que atacaram e mataram Crooks e os seus companheiros.
A rua tinha na extremidade uma apertada curva e Dolan apressava a marcha num último esforço, no sentido de se defender das balas cada vez mais abundantes.
Conseguiu alcançar a esquina e dobrou a curva entre uma imensa poeirada levantada pelos cascos do cavalo. Atrás de si, o, alentado indivíduo que chefiava o grupo e que era sem dúvida aquele que se chamava Burns, ergueu a sua «Marlin» e apertou o gatilho.
A bala atingiu o cavalo que Shady montava. Relinchou dolorosamente, fincando em terra as patas traseiras e erguendo as da frente. Dolan saltou agilmente, proferindo urna imprecação e evitando que o animal ao tombar o colhesse na queda.
Empunhando o revólver que poucas balas já continha no tambor, Shady ergueu-se, desatando a correr precipitadamente. Desapareceu atrás da esquina, no meio duma chuva de balas.
Naquele local havia raras casas dispersas entre largos quintais e solitários estábulos. Dolan, desesperado, correu para o quintal mais próximo. Começava a escalar a cerca que o protegia, quando notou a presença duma mulher à entrada duma das casas.
A casa distava somente dez metros do lugar onde se achava. Era uma casa pequena, mas bem arranjada e pertencia sem dúvida a pessoas bem colocadas na povoação.
Shady não vacilou. Dirigiu-se para a casa, A mulher, ao notá-lo, apressou-se em atuar. Tentava fechar a porta e Dolan esforçou-se desesperadamente para alcançá-la em poucos segundos.
No momento exato em que ela fechava a porta, Dolan penetrou violentamente e abriu-a com um empurrão, o suficiente para penetrar no interior e apontar à aterrorizada mulher, o cano da pistola.
— Um grito e morrerá! — proferiu Dolan, duramente.
Ela permaneceu imóvel, lívida e silenciosa. Na rua, ouvia-se uma imensa gritaria. Vozes, relinchos e ordens, soavam por detrás da porta, a que Dolan se encostara apontando a pistola à imóvel mulher. Quase não respirava, com os nervos tensos como cabos de aço.
— Procurem por toda a parte! — clamou uma voz potente e autoritária. — Esse maldito sulista deve estar escondido em algum canto. Pesquizem os estábulos e as casas até que ele apareça e então castigá-lo-emos como merece! Vamos, comecem! Depressa!
Dolan engoliu em seco, sem que os seus olhos se afastassem da rapariga. O alto californiano começava agora a tomar atenção à mulher em cuja vivenda penetrara como um foragido ou um assassino. Uma rapariga formosíssima, pele delicada e doce, cabelos doirados, olhos grandes, expressivos e inteligentes duma cor castanha sedosa. Tinha uma boca vermelha e carnuda, e um corpo escultural modelado por um vestido caro, mas simples.
Dolan cortou dificilmente a contemplação daquela maravilhosa criatura e falou roucamente:
—Preciso de me ocultar em alguma parte. Se me encontram, matam-me.
— Não fazem mais que o seu dever — replicou ela, friamente. — Não é um sulista?
— Não é essa a razão por que me perseguem. As pessoas que me perseguem não são soldados, nem unionistas. São simples assassinos, gente sem consciência, que receberam a tarefa de me matar onde quer que seja...
—Porquê?
A pergunta deixou Dolan perplexo por alguns momentos. Estudou a rapariga com interesse:
— Isso mesmo pergunto eu, porquê? Estou metido num sério apuro, e o pior de toda esta história é que ignoro absolutamente as causas de tudo isto. Nada tem sentido, mas o que importa é que as coisas vão sucedendo.
— O seu relato é tão estranho como incongruente, senhor. Não posso albergar em minha casa fugitivos, e multo menos quando eles estão armados.
— Mas terá que fazê-lo, se não quer que a mate — disse Dolan com um ar gelado e duro.
— Se você for capaz de me matar, é sinal que seria capaz de tudo, e nesse caso é melhor que o apanhem e o enforquem. É o destino firme dos assassinos... e dos traidores.
— Julga que por ser mulher não dispararei contra si?
Ela permaneceu calada alguns segundos antes de falar. Os ruídos dos homens no exterior, eram perfeitamente audíveis e ressoavam com dramática nitidez.
—Julgo; não por ser mulher, mas por estar desarmada, e portanto não ter o direito moral de me matar, nem sequer em defesa própria.
— Defendo a minha vida, não se esqueça. Se você discordar, terei que escolher entre a minha vida e a sua. Faça algum gesto e pagará com a vida.
— Bem, então faça o que quiser... — ela começou a mover-se para uma porta vizinha, sempre seguida pelo movimento circular da arma, — Vou abrir a janela do quarto ao lado e chamar os homens para esta casa. Dispare, se achar que isto pode beneficiá-lo.
— Não se mexa! murmurou Dolan, agudamente.
Ela não fez caso e continuou a andar. Estava calma, fria e consciente. Shady odiou-a e admirou-a simultaneamente. Era formosa... e dura. Shady repetiu:
— Não se mexa...
— As suas ordens já não valem nada — replicou ela com uma serenidade incrível. — Dispare se quiser. É o único meio, bem sabe, sou do Norte, não ajudo os confederados...
— Está bem — Shady baixou a arma. — Você é admirável e horrível. Podia matá-la facilmente, sem fazer barulho. Mas tem razão. Não tenho o direito de matá-la, nem que seja para me salvar. Vamos, chame-os. Não deixa de ter graça ser uma mulher a derrotar-me...
A formosa loira parou. Parecia assombrada, e olhava Dolan com uma expressão gelada e indecifrável. De repente soaram passos no exterior. Passos rudes, bruscos e fortes. Um bater brutal na porta antecedeu a voz:
— Abram! Abram esta porta em nome da União! —novos golpes soaram e a voz insistiu: — Abram em nome da União! Procura-se um traidor confederado!
Dolan não falava nem respirava. A sua mão crispava-se em torno do revólver e aproximou-se lentamente da porta. Dispararia a última bala sobre eles. Isto é, a penúltima, porque a última seria para ele. Assim evitaria a forca, a humilhação, a crueldade dos seus adversários.
De repente, uma mão firme, suave e enérgica, apertou o seu braço. Ergueu a cabeça. Junto do seu rosto, encontrou a face tranquila e serena da rapariga loira. Os olhos castanhos sorriam, a boca tinha um desenho firme e seguro.
— Dirija-se para aquele lado — ordenou num balbucio quase inaudível. — Exatamente. Silêncio.
Dolan obedeceu, com o pensamento confuso. A rapariga do cabelo dourado ergueu a cabeça, adiantou o busto moldado pela blusa branca, e abriu a porta, ocultando com ela o fugitivo que ficou virtualmente esmagado contra a parede do corredor.
— Que desejam? — interrogou ela friamente, observando os homens colocados diante dela.
— Vamos revistar a sua casa — disse uma voz rude e zangada.
— Quietos! — soou como uma detonação a voz seca da rapariga.— Se têm amor às vossas vidas, não cruzem esta porta, a não ser que tragam uma autorização assinada pela máxima autoridade militar do Kansas.
— Eh? Está louca, mulher? Procuramos um fugitivo, um sulista traidor, e entraremos... quer queira, quer não queira.
—Esta casa pertence ao juiz militar do sul do Kansas, Archibald Hodgins — declarou a jovem inesperadamente. — Eu sou sua filha. Chamo-me Virgínia. Ninguém pode violentar a entrada em casa do juiz federal do Exército, ou então será colocado no banco dos réus. Ainda continuam interessados em entrar? Se o desejam, têm a porta livre.
— A senhora tem razão — concordou uma voz, por detrás dos que falaram. —É a vivenda do juiz Hodgins, em Elmdale. Eu, como «sheriff» da povoação, proíbo-lhes a entrada nessa casa.
— Mas nós, como agentes da União, temos que revistar todas as casas —protestou uma voz duramente.
— Lamento, mas proíbo-lhes a entrada — afirmou o «sheriff» calmamente. —Se o entenderem, cercamos a casa, e esperamos que chegue o juiz de Fort Cooper, o que provavelmente sucederá hoje mesmo. Então apresentarão as vossas credenciais de agentes especiais, e ele as avaliará. Para conhecerem a fama do senhor Hodgins...
— Bem, de qualquer modo, sendo esta a casa do juiz, não é de supor que ele se tenha cá refugiado. Vamos, Burns, será melhor procurar noutro lugar. Este seria o último sítio onde Dolan se refugiaria. Foi precisamente Hodgins quem o enviou para a prisão.
— Está bem. Queira desculpar a intromissão.
— Nem chegaram a incomodar-me— disse ela friamente, fechando a porta secamente.
Voltou-se para observar Dolan. O alto californiano parecia prestes a desatar em agradecimentos, mas Virgínia Hodgins fez um gesto pedindo silêncio, a assinalou-lhe o interior da casa. Seguiu-a sem compreender as intenções.
Estava surpreendido com a casualidade do destino, que o tinha enviado para a casa do seu inimigo, o implacável juiz Hodgins. Penetraram numa pequena divisão sem janelas. Virgínia encarou-o com um olhar tranquilo e penetrante.
— Então você é Shady Dolan, o fugitivo de Fort Cooper que anda a ser perseguido por todo o Kansas? — perguntou--lhe inesperadamente.
— Exatamente — concordou Dolan, ainda espantado. — E você... a filha do juiz Hodgins, precisamente o homem que me condenou à morte em Fort Cooper.
— A vida tem estes imponderáveis, senhor Dolan. Geralmente vivo aqui, longe do forte e da desagradável tarefa do meu pai. De vez em quando ele vem passar uns dias comigo. Hoje, é um desses dias. Isto parece que complica as coisas mais, não acha?
— Não se pode já complicar mais. Continuo a perguntar: por que me salvou? Porquê esta brusca modificação quanto à minha situação?
—Nunca me passou pela ideia, denunciá-lo a esses homens. Tenho uma grande fé nos meus pressentimentos, e você não me pareceu um assassino ou um foragido perigoso. Para comprovar, analisei o seu comportamento.
— Uma prova muito arriscada.
— Não temo o perigo — sorriu ela. — Tenho sangue de Hodgins nas veias.
— Vive aqui sozinha?
— Sim. Estava aterrorizada quando o desafiei. Por momentos pareceu-me que ia disparar sobre mim. Depressa verifiquei que me tinha equivocado. Você podia estar desesperado, mas não era um assassino. Por isso o ajudei.
—E continua ajudando-me, apesar de saber que sou sulista e culpado de traição à União.
— Meu pai é nortista. Eu também, mas não classifico as pessoas segundo a cor dos seus uniformes. São todos seres humanos.
— Você é uma dessas mulheres que só se encontram uma ou duas vezes na vida— confessou Dolan, olhando-a com admiração.
Olhou em redor, notou um sofá brando e cómodo e afundou-se nele com um suspiro.
— Desculpe se estrago alguma coisa... Estou completamente extenuado...
— Descanse. Meu pai deve demorar pouco e então não poderá descansar mais. Chega hoje de Fort Cooper na diligência e...
— Diligência? — Dolan ergueu-se rapidamente. — Mas já chegou. Cruzei-me com ela à entrada da terra.
— Então é porque ficou conversando com alguém. De qualquer modo deve estar quase a chegar, e ele não é compreensivo nem muito humano, infelizmente...
— Bem sei — sorriu Dolan debilmente. — Até me custa acreditar que você seja filha dele.
— Escute Dolan. Não podemos perder tempo em diálogos: tem que fugir depressa. No entanto, não o poderá fazer enquanto esses homens andarem por aí à sua procura, e também não pode estar aqui arriscando-se a que o meu pai o descubra. Tenho uma ideia que o ajudará provisoriamente. Vá para o sótão. Meu pai nunca vai lá acima. Eu lhe enviarei alimentos. Sairá quando já não houver perigo. Aceita a minha hospitalidade, senhor Dolan?
Shady olhou-a, realmente emocionado.
—Escute-me, agora. É como se fosse um anjo de salvação, talvez algum dia lhe possa devolver o favor... e provar--lhe que realmente não, se enganou a meu respeito. Mais uma vez lhe pergunto: por que me salvou, porquê?
— Porque é um ser humano em perigo e porque me parece uma pessoa digna e honrada. Não faça mais perguntas, está bem?
— De acordo.
— Então vamos.
Atravessaram o corredor, e abriram uma pequena porta que conduzia a uma estreita escadaria. Nesse instante preciso, a porta do corredor abriu-se. Shady e Virgínia pararam no primeiro degrau de acesso ao sótão e olharam com sobressalto o vulto que se recortava no vazio da porta.
— Boa noite, filha — cumprimentou uma voz conhecida do Dolan.
Cravando em Shady um olhar frio e distante, o recém-chegado acrescentou:
—Não tente escapar Dolan. Está perdido...
Era o juiz militar da União, Archihbald Hodgins.
Apareceram duas cabeças à porta do saloon. Dolan disparou uma única bala que levantou estilhas de madeira quando embateu no umbral da porta. As cabeças retrocederam, rápidas, e o tiroteio começou a ser dirigido contra ele, enquanto a larga e redonda praça deserta se povoava de zumbido e balos que procuravam Shady Dolan.
O alto forasteiro fugindo em ziguezague para o seu cavalo, não respondeu ao fogo.
Os cavalos, agitados pelas detonações e pela presença do corpo caído que se esvaía em sangue, relinchavam, tentando rebentar as amarras. Um homem surgiu no alpendre, empunhando um revólver, e disparou contra Shady.
A bala roçou-lhe os cabelos, continuando na sua trajetória. Rapidamente, Dolan apertou o gatilho da sua arma e via cambalear o adversário. Alguém gritou, no interior do bar:
— Apanhem esse homem! Apanhem-no a todo o custo! É um fugitivo sulista, um condenado à morte que fugiu de Fort Cooper! É Shady Dolan, um confederado!
Dolan lançou-se em vertiginoso galope para o extremo da rua principal. Antes de desaparecer, voltou-se na sela e disparou mais uma bala contra os cavalos amarrados. O projétil roçou as orelhas dos animais que se empinaram desvairadamente.
Um deles derrubou o cavaleiro que ia a montá-lo e outros três precipitaram-se em louca carreira. Tudo isto prejudicou os perseguidores alguns segundos; o suficiente para Dolan alcançar vantagem.
Shady apertou as esporas contra a ilharga do cavalo, forçando-o ao máximo. Nesses momento recordava o seu querido «Ulisses», o melhor cavalo de todo o Oeste. Apesar de tudo, este cumpria dignamente a sua missão, atendendo à distância que o separava dos perseguidores.
Rapidamente, os projéteis começaram a zumbir sobre ele, e uma gritaria enorme irrompe na rua principal, quando os irados cavaleiros tomaram a sua perseguição.
Muitas coisas estranhas e inexplicáveis havia naquela aventura, mas Dolan nesses momentos concentrava toda a sua atenção em escapar àquele misterioso grupo de homens vestidos de civil, que montavam cavalos que não pertenciam ao Exército, usavam armas de todas as origens e ocultavam nas selas o uniforme azul com que atacaram e mataram Crooks e os seus companheiros.
A rua tinha na extremidade uma apertada curva e Dolan apressava a marcha num último esforço, no sentido de se defender das balas cada vez mais abundantes.
Conseguiu alcançar a esquina e dobrou a curva entre uma imensa poeirada levantada pelos cascos do cavalo. Atrás de si, o, alentado indivíduo que chefiava o grupo e que era sem dúvida aquele que se chamava Burns, ergueu a sua «Marlin» e apertou o gatilho.
A bala atingiu o cavalo que Shady montava. Relinchou dolorosamente, fincando em terra as patas traseiras e erguendo as da frente. Dolan saltou agilmente, proferindo urna imprecação e evitando que o animal ao tombar o colhesse na queda.
Empunhando o revólver que poucas balas já continha no tambor, Shady ergueu-se, desatando a correr precipitadamente. Desapareceu atrás da esquina, no meio duma chuva de balas.
Naquele local havia raras casas dispersas entre largos quintais e solitários estábulos. Dolan, desesperado, correu para o quintal mais próximo. Começava a escalar a cerca que o protegia, quando notou a presença duma mulher à entrada duma das casas.
A casa distava somente dez metros do lugar onde se achava. Era uma casa pequena, mas bem arranjada e pertencia sem dúvida a pessoas bem colocadas na povoação.
Shady não vacilou. Dirigiu-se para a casa, A mulher, ao notá-lo, apressou-se em atuar. Tentava fechar a porta e Dolan esforçou-se desesperadamente para alcançá-la em poucos segundos.
No momento exato em que ela fechava a porta, Dolan penetrou violentamente e abriu-a com um empurrão, o suficiente para penetrar no interior e apontar à aterrorizada mulher, o cano da pistola.
— Um grito e morrerá! — proferiu Dolan, duramente.
Ela permaneceu imóvel, lívida e silenciosa. Na rua, ouvia-se uma imensa gritaria. Vozes, relinchos e ordens, soavam por detrás da porta, a que Dolan se encostara apontando a pistola à imóvel mulher. Quase não respirava, com os nervos tensos como cabos de aço.
— Procurem por toda a parte! — clamou uma voz potente e autoritária. — Esse maldito sulista deve estar escondido em algum canto. Pesquizem os estábulos e as casas até que ele apareça e então castigá-lo-emos como merece! Vamos, comecem! Depressa!
Dolan engoliu em seco, sem que os seus olhos se afastassem da rapariga. O alto californiano começava agora a tomar atenção à mulher em cuja vivenda penetrara como um foragido ou um assassino. Uma rapariga formosíssima, pele delicada e doce, cabelos doirados, olhos grandes, expressivos e inteligentes duma cor castanha sedosa. Tinha uma boca vermelha e carnuda, e um corpo escultural modelado por um vestido caro, mas simples.
Dolan cortou dificilmente a contemplação daquela maravilhosa criatura e falou roucamente:
—Preciso de me ocultar em alguma parte. Se me encontram, matam-me.
— Não fazem mais que o seu dever — replicou ela, friamente. — Não é um sulista?
— Não é essa a razão por que me perseguem. As pessoas que me perseguem não são soldados, nem unionistas. São simples assassinos, gente sem consciência, que receberam a tarefa de me matar onde quer que seja...
—Porquê?
A pergunta deixou Dolan perplexo por alguns momentos. Estudou a rapariga com interesse:
— Isso mesmo pergunto eu, porquê? Estou metido num sério apuro, e o pior de toda esta história é que ignoro absolutamente as causas de tudo isto. Nada tem sentido, mas o que importa é que as coisas vão sucedendo.
— O seu relato é tão estranho como incongruente, senhor. Não posso albergar em minha casa fugitivos, e multo menos quando eles estão armados.
— Mas terá que fazê-lo, se não quer que a mate — disse Dolan com um ar gelado e duro.
— Se você for capaz de me matar, é sinal que seria capaz de tudo, e nesse caso é melhor que o apanhem e o enforquem. É o destino firme dos assassinos... e dos traidores.
— Julga que por ser mulher não dispararei contra si?
Ela permaneceu calada alguns segundos antes de falar. Os ruídos dos homens no exterior, eram perfeitamente audíveis e ressoavam com dramática nitidez.
—Julgo; não por ser mulher, mas por estar desarmada, e portanto não ter o direito moral de me matar, nem sequer em defesa própria.
— Defendo a minha vida, não se esqueça. Se você discordar, terei que escolher entre a minha vida e a sua. Faça algum gesto e pagará com a vida.
— Bem, então faça o que quiser... — ela começou a mover-se para uma porta vizinha, sempre seguida pelo movimento circular da arma, — Vou abrir a janela do quarto ao lado e chamar os homens para esta casa. Dispare, se achar que isto pode beneficiá-lo.
— Não se mexa! murmurou Dolan, agudamente.
Ela não fez caso e continuou a andar. Estava calma, fria e consciente. Shady odiou-a e admirou-a simultaneamente. Era formosa... e dura. Shady repetiu:
— Não se mexa...
— As suas ordens já não valem nada — replicou ela com uma serenidade incrível. — Dispare se quiser. É o único meio, bem sabe, sou do Norte, não ajudo os confederados...
— Está bem — Shady baixou a arma. — Você é admirável e horrível. Podia matá-la facilmente, sem fazer barulho. Mas tem razão. Não tenho o direito de matá-la, nem que seja para me salvar. Vamos, chame-os. Não deixa de ter graça ser uma mulher a derrotar-me...
A formosa loira parou. Parecia assombrada, e olhava Dolan com uma expressão gelada e indecifrável. De repente soaram passos no exterior. Passos rudes, bruscos e fortes. Um bater brutal na porta antecedeu a voz:
— Abram! Abram esta porta em nome da União! —novos golpes soaram e a voz insistiu: — Abram em nome da União! Procura-se um traidor confederado!
Dolan não falava nem respirava. A sua mão crispava-se em torno do revólver e aproximou-se lentamente da porta. Dispararia a última bala sobre eles. Isto é, a penúltima, porque a última seria para ele. Assim evitaria a forca, a humilhação, a crueldade dos seus adversários.
De repente, uma mão firme, suave e enérgica, apertou o seu braço. Ergueu a cabeça. Junto do seu rosto, encontrou a face tranquila e serena da rapariga loira. Os olhos castanhos sorriam, a boca tinha um desenho firme e seguro.
— Dirija-se para aquele lado — ordenou num balbucio quase inaudível. — Exatamente. Silêncio.
Dolan obedeceu, com o pensamento confuso. A rapariga do cabelo dourado ergueu a cabeça, adiantou o busto moldado pela blusa branca, e abriu a porta, ocultando com ela o fugitivo que ficou virtualmente esmagado contra a parede do corredor.
— Que desejam? — interrogou ela friamente, observando os homens colocados diante dela.
— Vamos revistar a sua casa — disse uma voz rude e zangada.
— Quietos! — soou como uma detonação a voz seca da rapariga.— Se têm amor às vossas vidas, não cruzem esta porta, a não ser que tragam uma autorização assinada pela máxima autoridade militar do Kansas.
— Eh? Está louca, mulher? Procuramos um fugitivo, um sulista traidor, e entraremos... quer queira, quer não queira.
—Esta casa pertence ao juiz militar do sul do Kansas, Archibald Hodgins — declarou a jovem inesperadamente. — Eu sou sua filha. Chamo-me Virgínia. Ninguém pode violentar a entrada em casa do juiz federal do Exército, ou então será colocado no banco dos réus. Ainda continuam interessados em entrar? Se o desejam, têm a porta livre.
— A senhora tem razão — concordou uma voz, por detrás dos que falaram. —É a vivenda do juiz Hodgins, em Elmdale. Eu, como «sheriff» da povoação, proíbo-lhes a entrada nessa casa.
— Mas nós, como agentes da União, temos que revistar todas as casas —protestou uma voz duramente.
— Lamento, mas proíbo-lhes a entrada — afirmou o «sheriff» calmamente. —Se o entenderem, cercamos a casa, e esperamos que chegue o juiz de Fort Cooper, o que provavelmente sucederá hoje mesmo. Então apresentarão as vossas credenciais de agentes especiais, e ele as avaliará. Para conhecerem a fama do senhor Hodgins...
— Bem, de qualquer modo, sendo esta a casa do juiz, não é de supor que ele se tenha cá refugiado. Vamos, Burns, será melhor procurar noutro lugar. Este seria o último sítio onde Dolan se refugiaria. Foi precisamente Hodgins quem o enviou para a prisão.
— Está bem. Queira desculpar a intromissão.
— Nem chegaram a incomodar-me— disse ela friamente, fechando a porta secamente.
Voltou-se para observar Dolan. O alto californiano parecia prestes a desatar em agradecimentos, mas Virgínia Hodgins fez um gesto pedindo silêncio, a assinalou-lhe o interior da casa. Seguiu-a sem compreender as intenções.
Estava surpreendido com a casualidade do destino, que o tinha enviado para a casa do seu inimigo, o implacável juiz Hodgins. Penetraram numa pequena divisão sem janelas. Virgínia encarou-o com um olhar tranquilo e penetrante.
— Então você é Shady Dolan, o fugitivo de Fort Cooper que anda a ser perseguido por todo o Kansas? — perguntou--lhe inesperadamente.
— Exatamente — concordou Dolan, ainda espantado. — E você... a filha do juiz Hodgins, precisamente o homem que me condenou à morte em Fort Cooper.
— A vida tem estes imponderáveis, senhor Dolan. Geralmente vivo aqui, longe do forte e da desagradável tarefa do meu pai. De vez em quando ele vem passar uns dias comigo. Hoje, é um desses dias. Isto parece que complica as coisas mais, não acha?
— Não se pode já complicar mais. Continuo a perguntar: por que me salvou? Porquê esta brusca modificação quanto à minha situação?
—Nunca me passou pela ideia, denunciá-lo a esses homens. Tenho uma grande fé nos meus pressentimentos, e você não me pareceu um assassino ou um foragido perigoso. Para comprovar, analisei o seu comportamento.
— Uma prova muito arriscada.
— Não temo o perigo — sorriu ela. — Tenho sangue de Hodgins nas veias.
— Vive aqui sozinha?
— Sim. Estava aterrorizada quando o desafiei. Por momentos pareceu-me que ia disparar sobre mim. Depressa verifiquei que me tinha equivocado. Você podia estar desesperado, mas não era um assassino. Por isso o ajudei.
—E continua ajudando-me, apesar de saber que sou sulista e culpado de traição à União.
— Meu pai é nortista. Eu também, mas não classifico as pessoas segundo a cor dos seus uniformes. São todos seres humanos.
— Você é uma dessas mulheres que só se encontram uma ou duas vezes na vida— confessou Dolan, olhando-a com admiração.
Olhou em redor, notou um sofá brando e cómodo e afundou-se nele com um suspiro.
— Desculpe se estrago alguma coisa... Estou completamente extenuado...
— Descanse. Meu pai deve demorar pouco e então não poderá descansar mais. Chega hoje de Fort Cooper na diligência e...
— Diligência? — Dolan ergueu-se rapidamente. — Mas já chegou. Cruzei-me com ela à entrada da terra.
— Então é porque ficou conversando com alguém. De qualquer modo deve estar quase a chegar, e ele não é compreensivo nem muito humano, infelizmente...
— Bem sei — sorriu Dolan debilmente. — Até me custa acreditar que você seja filha dele.
— Escute Dolan. Não podemos perder tempo em diálogos: tem que fugir depressa. No entanto, não o poderá fazer enquanto esses homens andarem por aí à sua procura, e também não pode estar aqui arriscando-se a que o meu pai o descubra. Tenho uma ideia que o ajudará provisoriamente. Vá para o sótão. Meu pai nunca vai lá acima. Eu lhe enviarei alimentos. Sairá quando já não houver perigo. Aceita a minha hospitalidade, senhor Dolan?
Shady olhou-a, realmente emocionado.
—Escute-me, agora. É como se fosse um anjo de salvação, talvez algum dia lhe possa devolver o favor... e provar--lhe que realmente não, se enganou a meu respeito. Mais uma vez lhe pergunto: por que me salvou, porquê?
— Porque é um ser humano em perigo e porque me parece uma pessoa digna e honrada. Não faça mais perguntas, está bem?
— De acordo.
— Então vamos.
Atravessaram o corredor, e abriram uma pequena porta que conduzia a uma estreita escadaria. Nesse instante preciso, a porta do corredor abriu-se. Shady e Virgínia pararam no primeiro degrau de acesso ao sótão e olharam com sobressalto o vulto que se recortava no vazio da porta.
— Boa noite, filha — cumprimentou uma voz conhecida do Dolan.
Cravando em Shady um olhar frio e distante, o recém-chegado acrescentou:
—Não tente escapar Dolan. Está perdido...
Era o juiz militar da União, Archihbald Hodgins.
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