quinta-feira, 20 de outubro de 2016

KNS074. CAP IX. Duelo na madrugada

Donovan não dormia. Tinha-se deixado cair sobre uma cama, vestido, e estava a olhar para o tecto, muito quieto, quando ouviu a detonação.
Soergueu-se vivamente, até ficar sentado. Aquele tiro!
Tinha sido um só e não houvera nenhum mais, mas ele sentia-se agora inquieto. Tinha soado tão próximo! Possivelmente no «Fox Case». Talvez alguma luta de bêbedos.
Olhou para o relógio e viu que era cedo. Onze horas da noite, apenas.
A recordação de Herbert Coe fê-lo levantar-se resolutamente e sair do quarto.
No vestíbulo viu o porteiro e mais dois homens, falando excitadamente.
— Que foi isto?... — perguntou.
Três pares de olhos o fitaram, de um modo que aumentou a sua inquietação.
— Sabem?... — insistiu.
Os homens pareciam ter medo de lhe responder, e Roy saiu disposto a averiguar por si mesmo.
A zona mais iluminada da rua era a que ficava em frente do «Fox Case», sobre cuja porta havia uma grande lanterna de petróleo. E precisamente naquele momento um grupo de homens saia do estabelecimento, recuando e de armas em punho.
Roy avançou, perguntando a si mesmo o que poderia significar aquilo. Um assalto? Era absurdo.
Quase no mesmo instante soube que não era um assalto, porque no vulto alto e arrogante do homem que saía em último lugar, reconheceu Herbert Coe.
Alguns dos homens voltavam-se para os cavalos que dois outros seguravam, e de repente uma voz gritou:
— Aí está ele! Cuidado!
Roy saltou instintivamente para um lado, e isso, juntamente com o grito que o homem soltara antes de disparar, salvou-lhe a vida.
Estava junto do passeio que acabava de abandonar, e lançou-se para lá, num longo mergulho que o levou até junto das grossas colunas de madeira que sustinham os alpendres dos portais. Rolou sobre si mesmo até se abrigar atrás da coluna, enquanto um som atroador de detonações enchia a rua e o chumbo assobiava à sua volta.
A luz da lanterna mal chegava até ali. A obscuridade e a rapidez do seu movimento permitiram-lhe refugiar-se atrás da coluna sem ter sofrido um arranhão sequer. No entanto a sua situação era desesperada. Tinha na sua frente mais de uma dúzia de homens, e era impossível poder contê-los, a todos. Quando o atacassem de flanco estaria perdido.
— Malditos imbecis! Deixaram-no escapar! Fora! É preciso sair daqui!
Aquela voz era a de Herbert Coe, e Roy perguntou a si mesmo por que motivo gritava ele daquela maneira.
Tinha empunhado já os revólveres e, assomando rapidamente a cabeça fez fogo sobre um cavaleiro que ameaçava atacá-lo pela esquerda. O homem rolou pesadamente no chão, com um brado rouco.
Naquele momento os tiros e os brados intensificaram-se até tomarem o aspeto de uma verdadeira bata-lha. Ao que parecia Coe e a sua gente encontravam dificuldades.
Outro cavaleiro apareceu à vista de Roy, que o abateu com um tiro certeiro. Um súbito aumento da obscuridade fê-lo saber que a lanterna tinha sido quebrada a tiros.
Espreitou então, cautelosamente, vendo que não havia mais homens a cavalo. Os animais tinham sido abandonados e trocavam-se tiros entre a porta do «Fox Case» e a esquina mais próxima, onde, ao que parecia, se haviam refugiado Coe e os seus homens.
— Roy, estás bem?... — ouviu o vozeirão de Roberts.
— Perfeitamente.
— Já supunha que eras tu. Como diabo te meteste neste vespeiro?
— Sem saber como. Que aconteceu?
— É longo de explicar. Dir-to-ei quando acabarmos com esses malditos.
— Parece-me que não será agora. Eu diria que fugiram.
As detonações tinham cessado, e só alguns gritos cortavam o pesado silêncio que se seguira ao estrondo da batalha.
Roy esperou algum tempo e depois correu rapidamente até à coluna imediata, sem que ninguém tentasse impedi-lo. Outra corrida levou-o até à esquina por onde tinham desaparecido Coe e os seus homens. Embora não houvesse luz por ali, a noite não era escura, e pôde ver que a rua estava deserta.
— Foram-se embora!... — bradou. — Ninguém por aqui.
Imediatamente começou a sair gente do «saloon», e Roy reuniu-se a Tap junto de um dos cavaleiros que derrubara.
— Este ainda respira... — disse o capataz, endireitando-se. — Tem só uma bala num ombro, mas acho que partiu o pescoço ao cair.
— Aqui há um morto !... — exclamou um dos vaqueiros do «Shoe».
Frank, Tyler e alguns outros reuniram-se então ao grupo, ofegantes ainda da corrida em que se haviam lançado.
— Roy, rapaz !... — bradou o primeiro, ao reconhecê-lo. — Pensei que todo esse tiroteio era em tua honra.
— Bem, já vês que nada me aconteceu.
-- Que se passou aqui?
— Não mo perguntes a mim.
— Esse maldito assassino, o Coe, apareceu aqui com duas dezenas de homens, e começou a bazofiar a respeito do que faria com vocês os dois, quando conseguisse encontrá-los. Perguntei-lhe se trazia tanta gente para ter a certeza de que ninguém ia cortar-lhe a crista. Mas nessa altura interveio a Gabor e disse-lhe claramente que género de tipo ele é. Afianço-lhes que ela não o poupou. O cobarde atirou-a ao chão, com uma bofetada. Ela tinha uma pistolazita escondida não sei onde, e por momento pareceu que o cocote carnoso ia acabar ali, mas Beasley interveio, antecipando-se. Atirou a matar... A coisa pôs-se feia e teria acabado mal se eles não fossem tantos. Mas mesmo assim não estavam tranquilos e, de armas em punho, recuaram, prontos para fugir como cobardes que são. Tinham saído quando ouvimos gritos e começaram os tiros, e então os rapazes e eu entrámos no baile. Que raio houve aqui fora?
— Eu vinha para cá quando dei com eles... — respondeu Roy, secamente.
— Imaginava isso... — volveu o capataz.
Continuava a acudir gente, e apareceu Daniel Marvin. Arabella seguiu-o, mas parou, com os olhos muito abertos, ao ver Roy.
— Donovan!... — bradou, de súbito, uma voz.
Depois do brado, que dominou os excitados comentários, fez-se um silêncio tenso e ameaçador.
— Que há?... — perguntou Roy, em voz alta.
— Tu e Slate.
— Aqui estou!... — disse Frank.
— Beasley e Coe esperam-nos esta madrugada, em frente da taberna de Miller. É um desafio.
— Eles e quantos mais?... — zombou Frank.
— Sós. Homem por homem. Até os cães lhes chamarão cobardes, se vocês não forem.
— Os únicos cães são vocês, e tu já estás a ladrar.
— Todos ouviram. É um desafio.
*
Havia bastante claridade quando, lado a lado, Frank e Roy avançaram pela rua deserta.
Aproximavam-se da taberna de Milier quando viram aparecer duas altas silhuetas que pararam em frente do estabelecimento.
— Ai estão... — disse Roy, desnecessariamente.
— Como vês eram inúteis as discussões... — respondeu o amigo. — São eles que escolhem o adversário.
— Dizes isso porque é Beasley quem está do teu lado.
— Há umas velhas contas entre nós. De todos os modos, não te confies muito. Coe é talvez tão rápido como ele.
Avançavam lentamente, com calma, e achavam-se ainda a distância quando se ouviu um tiro de espingarda.
Alguém fez rindo, acima deles, sobre um telhado â esquerda, e logo a seguir ouviram o baque de um corpo, muito próximo.
— Com os cumprimentos de Tap ou de Jay... — comentou Frank, sem deixar de vigiar atentamente o pistoleiro que o esperava.
Os seus passos faziam apenas um leve ruido sobre a espessa camada de poeira, que cobria a rua, e levantavam pequenas nuvens que a fresca e leve brisa da madrugada se encarregava de dissipar.
Roy fixou a sua atenção no homem que se propunha matá-lo. Já distinguia claramente as suas feições e a estranha contração que as deformava.
Pela primeira vez na sua vida se aproximava de um homem com a firme determinação de lhe tirar a vida. Era o assassino de Gabor, e embora essa mulher tivesse deixado de significar fosse o que fosse na sua vida, o crime merecia castigo. Mas, acima de tudo, havia Arabella. Só de pensar que aquele sapo repugnante tinha dito que lhe poria as mãos em cima, sentia náuseas e uma ânsia incontível de esmagá-lo.
A distância tinha-se reduzido a metade, e Roy viu como o seu inimigo se encolhia, aproximando a mão direita do revólver até quase lhe tocar. Por si teria começado já a disparar, mas Frank continuava a aproximar-se e ele imitou-o. Podia acontecer que, por seu lado, o amigo estivesse a deixar-lhe a iniciativa, mas de qualquer maneira quanto mais perto estivesse maior certeza teria de não falhar o tiro.
Além disso a inexorável aproximação estava a exercer efeito sobre os nervos do ganadeiro-bandido. Notava-o na expressão dele e num pestanejar nervoso que Herbert Coe decerto não podia reprimir. Compreendeu então que aquele homem era um cobarde e que nunca pensara que o duelo chegasse a ter lugar. Talvez confiado no homem que estivera no telhado, ou noutros que não se teriam atrevido a assomar-se... ou que estivessem a apontar-lhes pelas costas.
Essa ideia fez com que Roy sentisse uma espécie de formigueiro ao longo da coluna vertebral, mas dominou-se no mesmo instante. Não podia deixar-se levar pelos nervos. Estavam a chegar ao momento decisivo, e a menor falha significaria a morte. E então surgiu o momento!
Notou o súbito pestanejar mais forte, e empunhou o revólver do lado direito no instante em que Coe arrancava também a sua arma do coldre, com um grito agudo.
Ao empunhar o «Colt» engatilhou-o e disparou assim que o cano tomou a posição horizontal.
A sua esquerda soou uma detonação, que se confundiu com a da sua arma.
Coe disparou para o chão, violentamente dobrado pelo choque de uma bala no estômago, e caiu de joelhos, apertando com as mãos o meio do corpo.
— Não, não!... — soluçou, sacudido por um ataque de tosse.
Tinham soado outras detonações e Roy apontou para Jubal Beasley o cano do seu revólver. Mas viu o bandido afastar-se, cambaleante, e cair de bruços uns passos mais longe.
— Não gostaria de ter de te enfrentar, Roy... — disse a voz lenta e arrastada de Frank, dominando por instantes o som dos gemidos de Coe. — Não consegui a mais leve vantagem.
Roy sentia-se invadido por uma náusea, e tentou contê-la falando.
— Foi Coe quem tomou a iniciativa, por isso comecei antes.
— Tens a certeza? Julgava que tinha sido Beasley.
O assunto não tinha qualquer espécie de importância, e sabendo-o Roy compreendeu que o amigo se sentia tão mal como ele. Abandonou toda a dissimulação e, girando sobre os calcanhares, voltou para trás.
Um homem gordo e calvo aproximava-se apressa-mente, com uma pequena maleta negra na mão. Dono-van não o conhecia, mas não era preciso conhecê-lo para ver que se tratava do médico.
— Bom trabalho, rapazes!
A voz fê-lo levantar a cabeça. Viu o alto vulto de Tyler, de pé sobre um telhado.
Parou e, dobrando-se, vomitou.

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