segunda-feira, 18 de agosto de 2014

PAS370. O segredo de Jane

Quando na «Colina da Morte» soavam os seis tiros do Colt empunhado pelo homem de negro, «Frisco» Joe, hóspede em casa do rancheiro Milton, um dos homens mais respeitados e conceituados no Estado a que Deanville pertencia, recebia das mãos da filha daquele um copo de brandy É— uma oferta de trinta garrafas europeias que ele próprio fizera ao rancheiro.
O gun-man bebeu um gole curto e sentou-se numa cadeira. A noite aumentava em chuva e escuridão. O candeeiro de petróleo que se via colocado sobre uma mesa lateral, dava ao aposento uma meia luz suave e agradável. O gun-man teve um pensamento reconfortante: «Um dia, quando tudo isto for meu, Jane seja minha mulher e eu tenha eliminado todos os restantes sócios da mina, não me importarei de abandonar o cinturão dos Colts e viver para uns filhos, a quem ensinarei a manejar as armas como os melhores!»
Jane estava na sua frente. Era uma rapariga de estatura normal, perfeita de formas, olhos negros e cabelo negro. As suas feições eram de mestiça, e pela povoação constava que «saía» ao avô, por parte da mãe, que era mexicano. Ninguém resistia à simpatia que emanava do seu rosto perfeito, sempre enfeitado por um caracol rebelde que lhe caía sobre a testa. Os lábios, carnudos, sensuais, tinham o tom vivo de um sangue forte e excitante. «Frisco» Joe contemplou a jovem com olhos gulosos.
— O teu pai? — Inquiriu.
A jovem respondeu numa voz fresca e cristalina.
— Foi-se deitar. Amanhã tem de levantar-se cedo. Combinou com o capataz em recolher o gado para uma primeira contagem. Portanto, terá que se levantar dentro de urna ou duas horas. — E com ironia: — Ele não tem a sorte de possuir unia mina de oiro.
«Frisco» Joe riu-se. Quando se ria, a cicatriz que lhe cortava o rosto a toda a altura, parecia abrir-se e, formar duas.
— Sabes que é a primeira vez que ele nos deixa sozinhos?
— Não há perigo. — A jovem sorriu: — Há homens que só são perigosos quando têm uma arma nas mãos. Tu és um deles. Além disso, sei defender-me...
Via-se pela maneira como falava que Jane suportava com esforço a presença do «pistoleiro». Por mais de uma vez discutira esse assunto com o pai, e na verdade o autor dos seus dias admirava-se que ela condescendesse em receber aquela visita tão estranha, bem como a dos outros sócios da mina, com exceção- do juiz e de Butler, que considerava bastante pela sua idoneidade.
Mas o pai não conhecia o segredo de Jane. Aquele segredo pavoroso que a obrigava a levar muitas noites sem dormir...
De súbito, os pensamentos da jovem foram cortados por um gesto de «Prisco» Joe. Ele estendeu a mão e agarrou Jane pelos braços, atraindo-a a si. A rapariga, apanhada de surpresa, caiu sobre os joelhos, quase entornando o cálice de brandy que ele havia colocado a pequena distância.
Depois, ambos ficaram silenciosos. Ela olhando para ele. Ele, com a respiração entrecortada, a fitá-la com os olhos incendiados de desejo e paixão.
— Jane, casa comigo?
A rapariga mal ouviu estas palavras. Continuava tolhida pela surpresa. «Frisco» Joe nunca se atrevera a tanto. Nem nunca mesmo dera indícios de querer faltar ao respeito ao tecto que o abrigava.
— Eu amo-te, Jane, e terás que ser minha, quer queiras ou não. Prometo-te que serás a rainha de Deanviile. Serás a mulher mais rica da região. Eu mandarei vir vestidas para ti de todos os pontos do Mundo. Terás quantos criados desejares. Poderás fazer e ter tudo quanto desejares, porque eu terei tanto dinheiro como nunca -sonhaste ser possível.
E «Frisco» Joe arrastado pela veemência das suas palavras, apertou a jovem nos braços e tentou levar os lábios aos lábios da rapariga. Foi nessa altura, ao sentir a barba do «pistoleiro» roçar na pele asse-finada e morena do seu rosto, que Jane despertou. Deu um pequeno grito de surpresa e reagiu imediatamente, desviando a cabeça. Depois tentou, soltar-se. Como não conseguisse, levantou o braço livre e desfechou uma violenta bofetada sobre a cicatriz do gun-man.
«Frisco» Joe soltou -uin grunhido de raiva e levantou-se sem largar a jovem.
— Queres brincar, rapariga? Não sabes que sou mais forte? Eu quero beijar-te e vou beijar-te.
Jane sacudiu a cabeça para trás, e não podendo agora mexer os braços, que o seu hóspede havia agarrado com dedos de aço, recorreu, aos pés, e sem mais hesitações deu com o bico da bota em plena tíbia do seu agressor. «Frisco» Joe, desta vez, gritou de dor. E para levar as mãos à tíbia, num gesto instintivo, largou a rapariga. Jane aproveitou para se retirar para um canto da sala. Rápida, dirigiu-se para uma gaveta do móvel central de sala, abriu a gaveta superior e agarrou na coronha de um Colt. Ela sabia que a arma estava descarregada, mas «Frisco» não e isso trazia-lhe alguma vantagem.
O «pistoleiro» sorriu-se. Olhou para a jovem com calma e voltou a sentar-se. Gostava da rapariga assim. Forte, dinâmica, corajosa. A sua mulher nunca poderia ser uma galinha.
— Mesmo com a arma na mão, e já com o dedo no gatilho, se eu quisesse matar-te, pomba, ainda teria tempo de sacar e furar-te a testa entre os olhos. Mas não. A tua testa fez-se para os meus beijos e não para as minhas balas.
A rapariga estava indignada:
— RUA! — gritou.
«Frisco» Joe, agarrou novamente no 'cálice de brandy e começou a beber em pequenos goles.
— RUA! — tornou a jovem. — E nunca mais entrarás nesta casa!
Tem calma, pomba. Lembra-te de que a minha paciência pode esgotar-se e esquecer-me de que penso casar contigo. — Nunca, ouviste? ! Nunca casarei contigo ! Recebo-te em minha casa e permaneces aqui mais do que um segundo, porque eu quero... porque eu tenho um segredo que me liga a ti e aos restantes mise-r4veis que se fizeram sócios da mina de oiro. Só por isso, compreendes? Não fora eu querer, e o meu pai já te tinha corrido a pontapés!
— O teu pai, pomba, é muito bom sujeito, corresponde exatamente ao tipo que qualquer homem gostaria de ter para sogro, mas nada mais. Antes que ele tivesse tempo para levantar o pé, eu enchia--lhe o estômago de chumbo.
— Miserável! E eu sou pior que todos vocês porque condescendi em submeter-me à vossa vontade. Sabes que passo muitas noites sem dormir a recordar aquela noite distante em que todos subimos a «Colina da Morte» para enforcar um rapaz inocente, que nada tinha a ver com a morte da família Moorehead? Sabes que chego a ter vergonha de mim própria por me ter sujeitado a fazer o vosso jogo? Sabes que já estive por mais de urna vez desejosa de correr à cidade vizinha e mandar um telegrama para os «Rangers» a contar a vossa história?
— E porque não o fazes? Eu... eu... ainda sou mais cobarde e repugnante do que... — E Jane, sem poder continuar, rompeu em grandes soluços. «Frisco» Joe levantou-se, com rapidez, aproximou-se dela e retirou-lhe a arma da mão. Afagou-lhe a cabeça, e levantou-lhe o queixo. Os lábios da jovem, que estremeciam pela força dos soluços, e os olhos negros iluminados pelo brilho das lágrimas, ofereciam um 'espetáculo de beleza fascinante. O «pistoleiro» não resistiu:
— És bela, pomba, bela como um demónio. — E com furor, colou-lhe os lábios à boca e saciou-se num beijo interminável.
Jane sofreu o vexame com raiva e logo que o apertão afrouxou — aquele apertão violento, de animal, que lhe cortou todas as forças — levantou a cabeça e com intenção e nojo, cuspiu para a cara do gun-man.
— Isto é a resposta ao teu beijo! E digo-te de uma vez para sempre que preferia morrer a casar-me contigo.
Limpando com a mão esquerda no rosto a saliva da rapariga, «Frisco» Joe foi repentinamente tomado pela raiva, e levantando o braço com violência jogou no rosto da jovem uma bofetada dura, seca, que espalhou por toda a casa um eco lúgubre. E depois, voltando as costas, encaminhou-se para a porta. Quando lá chegou, olhou a rapariga e disse:
— Serás minha mulher, nem que para isso te amarre e leve ao juiz como se fosses uma vitela. Serás minha, Jane, ou morrerás conto um cão. Ouve: serás minha! Nada nem ninguém o conseguirá evitar!
O gun-man saiu para a rua, e a jovem caiu no chão a chorar desesperadamente...

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