sábado, 19 de julho de 2014

PAS361. A descoberta do amor

Lea só soube da proximidade de Ronald, quando este, saindo de entre uns penhascos que havia à borda da estrada, atravessou o cavalo à sua frente, fazendo encabritar a montada da jovem, ao mesmo tempo que lhe dizia num tom sarcástico:
 — Pára, minha altiva pequena. Então, não cumprimentas os amigos?
Embora atemorizada, nos primeiros momentos, Lea conservou a suficiente firmeza de ânimo para tentar defender-se e, levantando o seu pequeno chicote, cruzou-lhe o rosto com ele tentando libertar-se.
— Quieta, maldita! — exclamou furioso, agarrando-lhe um braço, com força.
— Larga-me, canalha! — gritou Lea, defendendo-se desesperadamente, enquanto picava o baio, para poder safar-se.
— Bruxa!
Bem firme sobre a sua montada, Ronald levava vantagem e, com um poderoso esforço, descavalgou-a, tentando deitá-la, de través, à frente da borraina da sua sela. Mas não o conseguiu e Lea deslizou pelo pescoço do cavalo, sem que ele pudesse evitá-lo, porque o animal se encabritara. Sem que tivesse medo de ser pisada pelo assustado cavalo, ou, pelo menos, receando muito mais o homem do que a montada, a jovem aproveitou a sua situação para libertar-se com um esticão, e como os seus pés já quase tocavam o solo, deitou-se para trás, conseguindo assim afastar-se um pouco, antes de cair.
Foi nesse instante que Richard viu a cena que se desenrolava no caminho, onde acabava de desembocar.
A surpresa imobilizou-o por um rápido momento. Ao reconhecer os protagonistas, a sua reação foi fulminante. Largando a rédea do cavalo que levava, esporeou o seu, lançando-se para a frente.
Ronald descobriu-o imediatamente e, enfurecido, soltou uma praga, sem que por isso perdesse tempo.
Tinha de livrar-se rapidamente daquele importuno; mas, ao mesmo tempo, evitar que Lea pudesse escapar-se-lhe, enquanto, se ocupava de Dick.
Com esse propósito, levou o seu inquieto animal para junto do cavalo de Lea, e deu-lhe um violento pontapé na anca, com o que o animal deu um salto, afastando-se a galope. Depois, apeou-se, porque o seu belo garanhão continuava a mostrar-se inquieto, o que não lhe permitiria fazer bem a pontaria, no momento decisivo. Certo de que acorreria à sua chamada, quando fosse necessário, açoitou-o, fazendo-o também afastar-se.
A cinquenta jardas de distância de Ronald, Dick compreendeu as intenções dele e, refreando o cavalo, saltou para o chão, a fim de ir ao encontro do pistoleiro que já avançava na sua direção. Mesmo àquela distância a figura do jovem capataz era galharda e viril. 1:ea sentiu então o seu coração bater--lhe no peito mais apressadamente, que o sangue parecia gelar-se-lhe nas veias e que um aperto insofrível quase a deixava sem respiração.
Caída no solo, nem sequer pensou em fugir, demasiadamente aterrada, com o que iria acontecer, perante o seu olhar desorbitado pela angústia e pelo espanto. 
De súbito, compreendeu que toda a sua antipatia por Dick era apenas despeito, porque ele não andava atrás dela como um cordeirinho, como faziam todos os seus admiradores e que lhe quiseram sempre, mesmo antes de ir para o Este estudar, onde o recordava hora a hora, pois nunca encontrara outro homem que lhe agradasse tanto, como ele.
Com a morte na alma, viu os dois aproximarem--se pouco a pouco, dispostos a travar esse duelo de morte. Se, nesse momento, tivesse uma arma consigo, tê-la-ia disparado sobre Ronald sem a menor hesitação, cravando-lhe uma ou duas balas nas costas. Que probabilidade podia ter Richard contra aquele assassino, experimentado e sem entranhas, que de sobra havia demonstrado a sua habilidade contra homens tão rápidos como o xerife e o pistoleiro que o desafiara?
Nesse momento, admirou-o por ser o mais galhardo e o mais corajoso dos homens; mas sentia-se morrer, porque ele não era um gun-man e nunca poderia igualar-se com um profissional do «Colt».
Rivais na mais ampla expressão da palavra, pois não só pretendiam ambos a mesma mulher como representavam respetivamente as forças do Bem e do Mal, os dois homens avançaram, sem se precipitar.
Era curioso que aqueles dois seres completamente antagónicos não se tivessem já enfrentado. Mas ambos sabiam que isso aconteceria inevitavelmente, na primeira ocasião que se vissem.
Por tal motivo Dick, sabendo-se em inferioridade de condições, havia pensado bastante em como poderia neutralizar essa diferença, pois não era sua intenção deixar-se matar dando todas as facilidades a esse homem e continuou com a maior calma e os nervos firmes. Sabendo qual era a distância máxima a que podia esperar um seguro rendimento do seu revólver, não quis demorar muito tempo para entrar em ação; em duas pernadas desviou-se para a berma do caminho, onde havia uma pequena valeta e, de súbito, a mais de quarenta jardas do seu adversário, empunhou rapidamente a pistola e arrojou-se ao chão, de bruços.
Nem mesmo em sonhos ocorreria a Ronald a possibilidade de que o xerife fosse forçar o duelo àquela distância, pois era impossível disparar com a suficiente precisão; mas atribuindo isso ao medo, sorriu com ar irónico e, empunhando também o revólver, avançou, seguro de si mesmo.
Faria apenas dois tiros, para acabar de desmoralizar aquele medroso e quando conseguisse colocar-se à distância conveniente, cravá-lo-ia no solo, com o resto da carga.
Mas Dick, sem medo algum, continuou a preparar-se, sem se precipitar, nem se perturbar. De súbito, uma bala cravou-se a seu lado, lançando em todas as direções uma nuvem de pequenas pedras, algumas das quais lhe bateram na cabeça. Com os cotovelos apoiados no solo, e a arma engatilhada sobre a mão esquerda, que lhe servia de suporte, Dick apontou com todo o cuidado, com a mesma tranquilidade como se estivesse num exercício de tiro.
Ronald perdeu o sorriso, ao compreender subitamente o que o seu rival estava fazendo, e dando-se conta de que se havia deixado enganar, procurou cobrir-se, disparando dois tiros para procurar abrigo donde pudesse dar a réplica ao capataz.
Mas foi tarde demais. Um rude golpe no peito fê-lo tropeçar. Com dificuldade, pôs um joelho em terra, sentindo pela primeira vez na sua vida que um medo atroz o desmoraliza, fazendo-o tremer e inundando-o de suor.
Louco de temor e de desespero, levantou o revólver e começou a disparar para o homem que, agachado no solo, era-lhe quase invisível; mas o seu pulso não era firme, além de que perdera completamente a serenidade, de modo que o seu furioso tiroteio foi ineficaz.
Girou para um lado, sacudido por outro choque e quase no mesmo instante sentiu numa ilharga qualquer coisa como uma mordedura ardente. Quase morto, ainda se levantou com dificuldade, dando uns passos ao acaso, e outro projétil fê-lo dar outra volta, para cair no chão. Durante breves momentos, rebolou-se no solo, para se encolher logo e ficar dobrado e imóvel.
Richard Darby pôs-se, então, de pé e, com a arma preparada, avançou para o corpo daquele homem que, em vida, levara o crime e a violência a Nieland, mas que já não poderia fazer mal a ninguém. Mas não chegou até junto dele. Lea, que assistira, aterrada, à cena que se desenrolara a pouca distância, ao ver endireitar-se a esbelta figura do homem que, agora compreendia, amava com todas as forças da sua alma, pôs-se em pé de um salto, ao mesmo tempo que soltava um grito de alegria, e correu apressada para ele, sem olhar sequer para o triste farrapo humano _caído no meio da estrada, junto do qual passou para se precipitar, chorando, nos braços de Dick.
E escondendo o rosto choroso, no seu peito, sentia-se reconfortada, sem dar sequer pelo pó que cobria o seu fato.
— Vamos, Lea! Tranquiliza-te! — murmurou ele, acariciando-lhe a sedosa cabeleira, que roçava os seus lábios, embriagando-o a fragância do seu perfume; ao mesmo tempo que sentia perdida a serenidade que nem mesmo a presença da morte perturbara, quando as balas choviam à sua volta. Já passou tudo!
—Dick... Eu...
— Vamos!...
— Eu receei que ele te matasse... Julguei morrer...
Havia muito tempo que ele perdera as esperanças de conseguir alguma vez o amor dela e, por isso, não interpretou devidamente as suas palavras.
— Alegra-me ouvir-te dizer isso, porque receava que tivesses chegado a interessar-te por esse homem.
Lea fez com a cabeça um movimento negativo.
— Esse homem era um canalha que não merece uma lágrima de ninguém.
Estas palavras fizeram-lhe recordar o que ouvira essa manhã e que os últimos omentos angustiosos lhe tinham feito esquecer; e explicou vivamente:
— Ele era o chefe da quadrilha de ladrões de gado, Dick. Eu ouvi-o falar com um cúmplice, a quem expunha um plano abominável para matar meu irmão. Temos de avisá-lo!
Mas Dick mal a escutava, ao contemplar o rosto mais bonito e gracioso que tinha visto em toda a sua vida.
A expressão daqueles imensos olhos verdes, tinha tão perto dele, aturdiu-o, ao ponto de não se atrever a acreditar nas coisas maravilhosas que estava pensando. E como se sentisse afogar irremissivelmente naqueles dois lagos luminosos, de cuja profundidade parecia elevar-se um canto de sereia, murmurou:
— Lea!
— Dick!
Então, sem poder conter-se, beijou-a desesperadamente, ao que ela correspondeu, rodeando-lhe o com o doce amplexo dos seus braços frementes.
(Coleção Colorado, nº 6)

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