sexta-feira, 18 de julho de 2014

PAS360. Um local comprometedor para chegar à razão

Lea dormiu mal, agitadamente, toda a noite e quando acordou estava ainda mais exasperada do que na véspera pelo tratamento recebido. Por mais que pensasse, dando voltas à imaginação, só encontrava um meio de castigar seu irmão, e embora lhe repugnasse, a sua soberba e orgulho acabaram por decidi-la a aceitar esse meio. Que ela se lembrasse, nunca ninguém se atrevera a pôr-lhe a mão em cima e de cada vez que voltava à sua memória a afronta recebida, sentia ferver-lhe o sangue e toda a sua exaltada natureza se sublevava pedindo vingança.
— Ronald não te é simpático, não é verdade? Pois vou estreitar mais as nossas relações e veremos o que dizes quando esse homem for o noivo de tua irmã. E o odioso Richard há-de rabiar também.
Incompreensivelmente, Lea tornava Dick responsável em grande parte pelo que acontecera, e não o esquecia nos seus propósitos de vingança.
Na realidade, pungia-lhe terrivelmente, fazendo-lhe sentir no ânimo uma impressão desagradável, que Dick se mostrasse sempre distante, indiferente e frio com ela, tanto quando tentava enlouquecê-lo com o seu coquetismo, como quando o tornava objeto de desplantes e desprezos.
Nesse estado de espírito, ouviu Ian sair do seu quarto e, passado algum tempo, partir para o campo de pastagem, quase a seguir aos vaqueiros.
Certa da sua ausência, pois através da janela viu-o afastar-se, vestiu rapidamente o seu fato de amazona e saiu.
Flora viu-a, com certo receio, aparecer tão cedo; mas ela parecia igualmente radiante de alegria e formosura.
— Bom-dia, Lea. Vais tão cedo passear a cavalo?
— Vou sim, «mam»... assim que tome o pequeno-almoço, vou à cidade. Queres fazer-me o favor de mandar selar o cavalo e trazerem-mo até ao alpendre, ao pé da porta?
Mesmo sem querer, a governanta ouvira, na véspera, a disputa entre os dois irmãos; por isso, moveu a cabeça preocupada.
— Mas Ian... — insinuou debilmente, sem se atrever a continuar.
— Não quero discutir também contigo, Flora. Faz o que te digo.
Conhecendo-a desde muito pequena, a boa mulher sabia de sobra que era inútil insistir com a voluntariosa rapariga, pelo que, suspirando e sem o mais pequeno protesto, obedeceu.
Lea não era má, mas muito caprichosa. Do que ela precisava era casar com um homem que soubesse puxar-lhe pelas rédeas, tão suave como firmemente, com um rapaz tão bom e enérgico como Dick. Ele bem demonstrara que não se deixava dominar como um boneco.
Pensando em tudo isso, Flora transmitiu as ordens que Lea lhe dera e serviu o pequeno-almoço.
Com excelente apetite pois na véspera não ceara, a jovem deu conta de tudo quanto a governanta lhe serviu e despedindo-se em voz alta de Flora que andava na lida da cozinha, saiu de casa e, montando no formoso baio que a esperava junto dos degraus do alpendre, esporeou-o e dirigiu-se a trote na direção de Nieland, que ficava a uma distância de quinze milhas.
Visto que a sua entrevista com Ronald não ia ser comercial, e embora não quisesse confessá-lo, coibia-a e envergonhava-a um pouco o passo... original, para não qualificá-lo de outro modo, que ia dar, compreendeu que exigia certo tempo e, por isso, deixou o cavalo na cavalariça do hotel, onde sabia que Ronald estava hospedado, entrando depois no estabelecimento por uma porta de serviço.
Não viu ninguém, a não ser a dona do hotel, a pôr em ordem a sala de jantar, já vazia.
Como toda a gente na cidade, a hoteleira conhecia-a e cumprimentou-a afetuosamente.
— Mister Donald Gray está? — perguntou Lea, depois de cumprimentá-la.
A dona do hotel fez um gesto de assombro, não podendo ocultar a surpresa que aquela pergunta lhe provocara.
— Saiu há pouco!
Lea sentiu-se inquieta.
Apesar da firmeza que julgava ter nos absurdos conceitos adquiridos durante os febricitantes desvarios de uma má noite, e não obstante estar decidida a manter e a defender acima de tudo a resolução adotada, compreendia que a sua posição ali, procurando um homem, era completamente desairosa, e decerto seria fonte de malévolos comentários se se chegasse a saber.
— Escute, mistress French — murmurou Lea — Preciso de ver e falar a esse senhor por motivos que não posso explicar-lhe, mas compreenderá que se alguém chegasse a saber isto, poderia prejudicar-me seriamente e, inclusivamente causar males maiores.
— E naturalmente, daria lugar a falatórios e mexeriquices— confirmou a boa mulher, bastante preocupada.
— Por isso mesmo, é necessário que ninguém se inteire de coisa alguma. Posso confiar na senhora?
— Podes, sim, minha filha! Eu e tua mãe éramos boas amigas, sabes. Embora nós, mulheres, tenha-mos a fama de não sabermos guardar um segredo, os homens é que no-la puseram, pois não é verdade.
— Obrigada, minha senhora! Eu também vou querer-lhe bastante— sorriu Lea, de uma forma encantadora como ela sabia fazer, quando queria. — Esperarei, mister Gray, no seu próprio quarto, se tiver a amabilidade de mo indicar!...
— No seu próprio quarto?! — repetiu a mulher, escandalizada.
— Não se assuste. No fim de contas, que tem isso de mau?... Preciso de falar com ele, confidencialmente, e parece-me ser esse o melhor sítio.
— Talvez seja assim, mas...
— Vamos, mistress French, seja boa e, sobretudo, guarde o segredo. — E acrescentou confidencialmente, para fazê-la decidir. — Talvez possa evitar com isso uma rixa sangrenta.
A boa senhora lembrou-se do que acontecera ao filho do xerife, um dos pretendentes de Lea, e pensou logo que a jovem vinha tentar evitar alguma questão semelhante, o que fez convencê-la e pô-la incondicionalmente a seu lado.
— Está bem... Venha comigo. Mas não sei que resultará de tudo isto, se seu irmão soubesse.
— Ele não tem necessidade de saber, se a senhora não divulgar!
— Não divulgarei, descanse.
É certo que duas criadas andavam a limpar e a arrumar os quartos, mas como Ronald saíra cedo, o seu fora o primeiro a arranjar, e ninguém viu as duas mulheres entrarem nele.
— Tenha o mesmo cuidado quando sair e ninguém saberá que veio aqui— cochichou a dona do hotel, com um ar misterioso, embora não entendesse nada daquilo.
— Esteja tranquila! — replicou Lea, divertida com o caso, fazendo por que ela não notasse isso.
— Então, deixo-a! Procurarei estar atenta para avisar Mr. Gray, quando ele entrar.
— Não sei como agradecer-lhe...
Fazendo um gesto para dar mais importância ao seu auxílio, a boa mulher afastou-se mais preocupada do que queria confessar-se, para continuar com os seus afazeres.
Ao ficar só, Lea começou a arrepender-se do passo dado, pois sem saber exatamente porquê, tinha medo.
Que diriam, se chegassem a ter conhecimento de que ela estava ali, sozinha no quarto de um homem:
E a hospedeira calar-se-ia?
Pela primeira vez, Lea pensou no que seu irmão faria se alguém lhe dissesse aquilo e, então, o seu receio, a princípio impreciso e vago, tomou consistência,
Quase imediatamente acudiu-lhe à mente a recordação do que acontecera a Harry, o filho do xerife. Se ele desafiara Ronald, somente porque tinha sido desfeiteado na presença dele e a favor do forasteiro; quando este era um desconhecido, que faria Ian julgando ou sabendo que ambas se viam com entrevistas clandestinas?
De súbito, o que não pôde discernir em toda uma noite de coléricas reflexões, ocorreu-lhe de uma forma fulminante, ao focar a questão, diretamente.
Já não lhe importava que seu irmão a houvesse esbofeteado injustamente num momento de perturbação e irreflexão, nem tão-pouco se tinha ou não razão para fazer aquilo. E imaginou-o morto a tiro; ao defrontar o terrível atirador como era Ronald; sentindo um calafrio.
Tinha de sair dali imediatamente e procurar a dona do hotel para lhe pedir encarecidamente que não revelasse que ela tinha estado à espera do forasteiro. As duas procurariam uma explicação plausível para a sua visita e ninguém, nem o próprio Ronald, saberia a loucura que estivera quase a ca-meter.
Enquanto Lea refletia febrilmente naquilo, Ronald entrava no hotel acompanhado de Harling, falando amigavelmente de coisas sem importância, dirigindo-se diretamente para o quarto do primeiro.
Precisamente, minutos antes, uma das serviçais havia pedido a mistress French que lhe desse uma muda de roupa lavada para arranjar a cama de um quarto que acabava de ficar vazio, e a dona do hotel tinha ido ao roupeiro para satisfazer o pedido, de forma que não deu pela entrada dos dois homens.
Assustada, desejando escapar-se dali quanto antes, Lea chegou à porta. Mas quando estendeu a mão para agarrar a maçaneta da porta, a fim de levantar o trinco, ouviu vozes que se aproximavam, reconhecendo numa delas a de Ronald, e sentiu como que o sangue gelar-se-lhe nas veias e que as pernas lhe fraquejavam. Era tarde demais.
Receou, levando a mão à garganta para abafar um grito, sentindo a angustiosa sensação de que o mundo ia desabar em cima da sua cabeça. Ronald entraria de um momento para o outro, descobrindo-a e, além disso, acompanhado de um desconhecido. O escândalo seria inevitável e, então, seu irmão... ou Dick...
Não soube por que motivo — nem tão pouco se deteve a refletir nisso — também pensou no seu capataz. Como doida, olhou à sua volta procurando um lugar onde esconder-se. O armário não era bastante grande para isso, nem havia nenhum outro lugar.
E dois homens estavam ali, iam quase a entrar...
Sufocando um grito, Lea deitou-se no chão e arrastou-se para debaixo da cama, para o lado da parede, no momento em que abriam a porta. Não obstante, pareceu-lhe que dariam, inevitavelmente, pela sua presença, pois o seu coração parecia querer sair-lhe do peito, como fortes marteladas que repercutiam dolorosamente, nos seus ouvidos.
Tentando angustiosamente sufocar a sua agitação Lea viu as botas e as calças dos dois homens até quase aos joelhos e a seguir o ruído da porta, quando a fecharam. Depois cerrou os olhos e deitou a cabeça, de lado, no chão, sentindo-se desfalecer.
(Coleção Colorado, nº 6)

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