quinta-feira, 16 de junho de 2022

BRV013.10 Maldita a ambição que conduz ao crime


Maxey Brady parecia muito aborrecido naquela manhã. Olhando Lex por cima do ombro, disse-lhe:

— Vá ao meu escritório e traga-me os papéis que estão em cima da secretária. São as faturas deste mês e preciso de lhes passar uma vista de olhos.

Lex Norman assentiu em silêncio e meteu pelo corredor. No lado oposto apareceu, de súbito, a figura de Joan. A rapariga envergava um dos seus melhores trajos de montar. Blusa encarnada e calças pretas. Tudo tão colado ao corpo que parecia ir rebentar. No entanto, ela movia-se com toda a desenvoltura. Parou no meio do corredor, cortando a passagem ao guarda-costas de seu pai.

— Não é costume as pessoas cumprimentarem-se, Lex?

O homem pareceu aborrecido. Aquela rapariga a todos coqueteava. Não lhe importava a cor da pele nem coisa alguma, desde que o homem lhe agradasse. Lex respondeu de má vontade:

— Bons dias, menina Brady.

Mas Joan não se moveu. Continuava no meio do corredor, olhando-o firmemente. Como se pretendesse averiguar qualquer coisa.

— Achas-me antipática, Lex?

O pistoleiro humedeceu os lábios com a língua.

— Antipática, porquê?

— Talvez não me aches suficientemente... bonita.

Rex sabia que Joan não podia parecer pouco bonita a homem algum. Ela era formosa, apetecível, embora sem muitos escrúpulos.

Respondeu:

— Você sabe perfeitamente que é bela.

— Mas nem por isso pareço agradar-te muito.

— Sabe muito bem que agrada a todos os homens.

Lex recordava-se da Nalinle, bem diferente da descarada filha do «rancheiro». Mas Joan também não era de desprezar. Sobretudo, porque nunca recorrera ao processo de envolver um homem nos seus levianos artifícios e levá-lo a um casamento indesejado. Ao menos nesse aspeto, Joan procedia lealmente. Ela aproximou-se um pouco mais, dizendo:

— Sempre me agradaram os homens do teu tipo. Altos, fortes, loiros, de olhos claros...

— Apraz-me registá-lo. Permite-me que passe? Tenho muito que fazer.

Joan Brady não se afastou nem meia polegada.

— Gostarias de ter muito dinheiro, Lex Norman?

O pistoleiro ia afastá-la para um lado, mas ao ouvir pronunciar a palavra «dinheiro» deteve-se. E, sem saber bem porquê, recordou-se instintivamente da indemnização do Governo aos «shoshones» pela passagem do caminho de ferro pelas suas terras.

— A que propósito vem isso do dinheiro?

— Muito a propósito — e começou a rir suavemente. Formavam-se-lhe duas covinhas nas faces, deliciosas. Era uma rapariga realmente formosa. — Muitíssimo, Lex querido. Importavas-te de partir comigo para longe, se te proporcionasse a maneira de ganhar um bom punhado de dólares?

Lex vacilou uns instantes. Depois, penitenciou-se: «Que Deus me perdoe as mentiras que vou dizer.»

Joan aproximou-se mais ainda dele.

— Vamos para um sítio onde ninguém nos incomode, Lex. Temos muito que falar.

— Teu pai está à minha espera. Teremos de deixar isso para depois.

Ela concordou.

—Dentro de meia hora?

— Está bem. Onde?

—Perto da lagoa. E um lugar solitário. Ninguém nos verá.

— Combinado.

Lex não sabia aonde queria chegar aquela mulher. Mas tinha um palpite e não voltaria atrás. Talvez «Shoshone» pudesse conseguir o seu objetivo se ele o ajudasse um pouco. E tinha obrigação de o fazer.

Foi buscar as faturas e levou-as a Brady. Durante quase vinte minutos, ambos se detiveram a examiná-las. Por fim, Maxey Brady largou o lápis e disse lentamente:

— É inútil. Continua a haver um défice.

— Grande? — inquiriu Lex com expressão inocente. —Vinte mil dólares. Por causa do gado que nos morreu há meses, atacado de doença.

Lex assentiu com a cabeça. Peças soltas começavam a encaixar umas nas outras. Mas faltava-lhe a certeza. E uma prova. E o encaixe final de tudo. Pôs-se em pé. Não podia esquecer o seu encontro com Joan.

— Se não precisa mais de mim, senhor Brady, irei dar uma volta por aí.

— Está bem, mas não se afaste muito. Disseram-me que os «shoshones» andam um pouco alvoroçados com toda essa história dos bisontes e do caminho de ferro. Desejaria que este troço da linha estivesse já concluído. Tirar-nos-ia muitos problemas da cabeça.

Lex olhou-o sem nada dizer. Parecia querer calibrar até que ponto o «rancheiro» era sincero. Por fim, disse:

— Até logo. Se precisar de mim, chame-me.

E saiu, dando voltas a uma ideia.

Joan aguardava-o, sentada numa pedra, próximo da lagoa onde costumava ir banhar-se e onde «Shoshone» lhe ministrara o corretivo da véspera. O local era suficientemente resguardado e solitário para que, tal como a rapariga dissera, pudessem falar sem ser vistos.

Joan, que vestia o mesmo fato de montar de meia hora antes, ergueu-se e caminhou, sorridente, ao seu encontro. Movia-se com artificialidade, fazendo ondular a sua provocante beleza.

Lex compreendeu o manifesto desejo da rapariga de o seduzir e achou que não seria tarefa muito difícil se ele não estivesse mais interessado em conversar.

Aproximou-se dele, passando-lhe os braços por detrás da nuca e beijando-o. As suas formas não tinham a dureza das de Nalinle, por exemplo, a quem Lex ajudara a montar na noite anterior. Nalinle era uma mulher de ar livre. Uma mulher autêntica, dos pés à cabeça. Aquela era de carnes demasiado brandas. Não fazia exercício. Acabaria por engordar de mais, deixando de possuir a bem modulada curvatura que estava na base dos seus encantos físicos. Além disso, Lex sentia predileção pelas mulheres um pouco mais selvagens. Assim como as índias. Ou como Nalinle.

Fechou os olhos e não a afastou de si. Pelo contrário, rodeou-lhe o busto com os seus compridos braços e correspondeu à carícia. Precisava de chegar ao fundo daquelas duas questões. O défice do pai e o possível dinheiro que a filha lhe oferecia.

— Senta-te e conversemos um pouco.

Ela deu o exemplo, deixando-se cair na erva macia, e ele imitou-a, sentando-se a seu lado.

— Sim, conversemos um pouco. Por exemplo, que querias dizer com aquilo de ter muito dinheiro?

Joan desatou a rir.

— Como todos os homens, és ambicioso. Mas eu sou muito esperta, meu querido. Terás o dinheiro quando aceitares a minha proposta de partir comigo, compreendes?

— Tu e o dinheiro formam uma aliciante parelha... Não te vai ser difícil convencer-me.

Ela voltou a rir e beijou-o mais uma vez. Lex aceitou o beijo. Estava a representar o papel de cínico facilmente subornável, e, de momento, não ia mal de todo. Apesar de tudo, com uma mulher como Joan, as coisas podiam resultar até bastante divertidas.

Decidiu afastar de si todos aqueles pensamentos. Interessava-lhe apenas averiguar o que se propunha. Nada de complicações. Para complicar a vida teria tempo de sobra depois. Aquele beijo foi um pouco mais longo do que Lex Norman teria desejado. Ela mergulhou os dedos na farta cabeleira loira do pistoleiro e disse-lhe:

— Agradas-me muito, sabes?

— Também tu a mim. Nesse ponto, estamos quites. Mas também me agrada o dinheiro.

Joan continuou a rir. Via-se que sabia o terreno que pisava e como conduzir aquele assunto.

-- És um homem ambicioso, hem?

— Muito.

— É uma boa qualidade. Nunca nos faltará coisa alguma enquanto continuares a sê-lo.

Levantou-se e dirigiu-se ao seu cavalo, que pastava tranquilamente a meia dúzia de passos. Rebuscou qual quer coisa no arção da sela e regressou para junto de Lex, dizendo com suavidade:

— Vê isto.

Lex pegou nuns papéis que ela lhe estendia, examinando-os com atenção. Lançou um assobiou e logo ergueu a vista para as pupilas femininas.

— Que demónio pretendes fazer com isto?

— Pô-lo em meu nome. Não é verdade que seria uma coisa fantástica? Não seria nada de fantástico, mas sim uma velhacaria. Digna filha de tal pai.

Lex dobrou os papéis. E pô-los em cima da relva; ao alcance da sua mão. Joan não parecia ter pressa de os recuperar.

— Como tencionas proceder?

— Tu te encarregarás disso. E iremos depois daqui para gozarmos essa indemnização governamental.

— Sabes alguma coisa a respeito disto? Quero dizer, acerca dos planos de teu pai com respeito ao dinheiro?

— Estão todos de acordo. Meu pai, Sharp, Lamb... Dividirão o dinheiro entre todos, como bons amigos. E os «shoshones» ficarão sem nada. — Encolheu os ombros e prosseguiu: — Os «shoshones» pouco me importam. São índios apenas. Mas sei muito bem que meu pai não me daria nem um chavo desse dinheiro. E fui eu quem lhe sugeriu a ideia.

— Por que não a pôs em prática ele sozinho, ficando desse modo com o dinheiro todo?

— Se falhasse, os «shoshones» poderiam exercer a sua vingança nele, visto ser o único que ficará depois aqui. Os outros irão com o caminho de ferro, ou desaparecerão definitivamente da comarca e... Bem, convém-lhe estar em boas relações com Tondeyaha e a sua tribo. Até aqui, ninguém o relacionou com o assunto dos bisontes, e creio que, inclusivamente, enganou esse índio renegado chamado «Shoshone». Isso quer dizer que o plano está bem pensado. Mas meu pai negou-me a minha parte, quando fui eu quem imaginou tudo. E isso é que eu não estou disposta a consentir.

No fim de contas, era apenas uma mulher ambiciosa que se valia de um homem para alcançar o que desejava. Lex não tinha ilusões a seu respeito. Uma vez que conseguisse o dinheiro, abandoná-lo-ia. E começaria com outro. Sorriu. E alisou o cabelo com os dedos.

— Vou precisar de um documento assinado por teu pai para falsificar a sua assinatura. Isto não poderá ser posto em teu nome sem ser acompanhado de uma cessão de teu pai.

— Estou certa de que o conseguirás.

Lex pensou de si para si: «Sim, confia muito. Tenho na mão a prova de que «Shoshone» precisava, e se tudo caminhar como até agora irão todos parar à prisão sem apelo nem agravo.»

Aquela ideia fê-lo sorrir de novo.

— Tudo se arranjará.

— Assim espero.

«Eu também, minha querida. Eu também.» Pôs-se em pé, ajeitando o cinturão de armas sobre as ancas. Ela pegara nos documentos e olhava-o com uma ponta de desconfiança refletida no fundo dos seus olhos, azuis.

— Suponho que não pensarás levar isto.

«Devagar, Lex, devagar. Ë preciso que ela não desconfie de nada, por enquanto.» Inclinou-se, fazendo-lhe uma caricia. E ajudou-a a levantar-se, beijando-a depois nos lábios.

— Claro que não. Podes voltar a guardar esses papéis até que tudo esteja pronto. Então, iremos os dois preparar os documentos da transferência.

Aquilo desanuviou o horizonte. Joan sorriu de novo e devolveu-lhe o beijo. Despediram-se e Lex ficou a vê-la montar. Já sobre o cavalo, ela endereçou-lhe um sorriso e a agitou a mão num gesto de adeus. Quando a rapariga desapareceu, Lex Norman montou por sua vez. Esporeou o cavalo e partiu a galope.

Mas não se dirigiu para o rancho de Maxey Brady, tomando o caminho da sua cabana, onde se encontrava «Shoshone». Era preciso actuar. E rapidamente.

 

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