segunda-feira, 24 de maio de 2021

BIS009.09 Um bandido regenera-se, outro leva uma lição com os punhos

 --Mas é o grandalhão que comprou o meu «Raio»! — exclamou Buck, rindo tranquilamente, ao reconhecer o homem que de maneira tão brusca e inesperada entrava em cena. — Diga, meu amigo, que tal lhe pareceu o animal? Não é uma linda estampa? O que não está bem, é isso de falar tão duramente aos meus borreguinhos! Dê-lhes uma explicação, para que se não aborreçam. 

— As únicas explicações que tenho para os seus assassinos, são em onças de chumbo e braçadas de corda.

— Ah! ah! ah! — riu o bandido. — É teso e cabeçudo! Ah! ah! Gosto de ti amigo!

—Muda de conversa mestiço! Não sou teu amigo, nem o quero ser, de maneira que desaparece daqui com os teus borregos! O «gorila» estremeceu, perdendo a serenidade, ao ouvir a alusão ao seu sangue impuro.

— Hei de matar-te pelo que acabas de dizer — proferiu raivosamente, abrindo e fechando os enormes punhos que pareciam ansiosos de esmagar o grandalhão.

Devagar, avançou alguns passos, inclinado pela cintura, e dando um movimento de pêndulo aos seus braços compridos, que, nessa posição, quase varriam o chão, aumentando o aspeto antropoide do facínora.

Rob pôs-se em guarda, vigiando o aproximar lento do seu antagonista, convencida de que aquele era o pior homem que enfrentara até então. Ombros recuados e firmes, disposto ao choque, esperou-o a pé firme, disposto a não ceder um palmo de terra, convencido da sua superioridade.

Os espectadores haviam emudecido e quase sustinham a respiração para não perderem o mais ínfimo pormenor daquela luta de gigantes. A maioria desejava o triunfo de Rob, mas ninguém podia prever o resultado do embate. Buck acusou a referência ao seu sangue mestiço. Rob continuou:

—Como todos os dias um macaco mais gordo que tu — riu, fanfarrão, com o decidido propósito, de enfurecer o bandido e obrigá-lo a precipitar-se, abandonando a prudência que punha em todos os seus gestos, pois daquele modo mais fácil lhe seria desfazer-lhe a guarda.

Buck ainda mais empalideceu, mostrando os dentes por entre os quais brotava um surdo rugido, ameaçador. Estava já tão perto de Rob, que lhe bastava esticar o braço para lhe tocar. Por instantes permaneceram frente a frente, estudando-se, mutuamente, e, por fim, arremessaram-se um contra o outro com ímpeto feroz.

Os seus punhos, que mais pareciam maços, só encontravam o espaço, pois ambos os corpos se desviaram a tempo.

A ligeireza de Rob, permitiu-lhe avançar, lançando um direto contra a cara do «Gorila»; este ergueu os braços, a fim de proteger o rosto, e os punhos do rapaz, mudando de trajetória, assentaram no tórax do mastodonte, mesmo sobre o coração.

Buck, enganado daquela maneira, nada pôde fazer para evitar a golpe. Mas aquela de granito nem sequer estremeceu. Durante algum tempo, trocaram poderosos golpes, que assentavam em várias partes do corpo, até que Rob, mais feliz, conseguiu desfechar-lhe um murro brutal no nariz, fazendo-lhe esguichar o sangue.

Buck retrocedeu, um tanto desorientado. Ouviu-se uma detonação de revólver. Os dois homens saltaram para o lado, afastando-se, e voltando-se rapidamente puderam ver cair, com um ruído surdo, um dos sequazes da «Gorila», ainda segurando um Colt, enquanto Sam Lou soprava, tranquilamente, o cano do seu revólver, do qual se escapava uma ténue coluna de fumo, não deixando de vigiar os restantes.

— Obrigado, Sam! — gritou Rob, com satisfação, compreendendo o que se passara, e fazendo-lhe um aceno com a mão.

A seguir concentrou toda a sua atenção em Buck, o qual se aproximava, com um rugido de fera.

Voltaram a acometer-se em fúria. Desta vez foi Buck quem ameaçou perigosamente a queixo de Rob, com um soco que o roçou. A seguir, atirou-lhe um pontapé ao baixo-ventre, sem nada se importar em utilizar golpes tão miseráveis, pois só contava para ele derrubar o adversário que se lhe opunha, sem vislumbre de nobreza.

Felizmente, naquela ocasião, o rapaz não se encontrava na posição prevista pelo «Gorila», e não só pôde evitar o pontapé, como lhe fez perder momentaneamente o equilíbrio, devido à força que ele pusera no golpe. Se o tivesse atingido, a luta terminaria naquele momento.

Rob voltou a esborrachar-lhe o nariz com novo e potente murro; quando Buck ergueu os braços para defender as cartilagens já fendidas, o rapaz meteu o pé entre as pernas do mestiço e erguendo o joelho ferrou-o brutalmente no estômago do colosso. Este caiu por terra, retorcendo-se com dores. De pé, parecendo ainda mais gigantesca a sua descomunal estatura, peito ofegante pelo esforço produzido, dentes cerrados e os braços pendidos ao longo do corpo, olhos fixos na figura grotesca do «Gorila», caída no chão, Rob lembrava uma imagem dantesca.

Tom, com a mão direita enclavinhada na coronha negra do revólver, pensava que não mais encontraria tão boa oportunidade para o liquidar. Mas a lembrança da morte do bandido que tentara disparar sobre Rob, refreava-lhe o ânimo. A pontaria de Sam Lou fê-lo tremer, pois o pistoleiro não hesitaria em vingar a morte do amigo.

Uma ideia acudiu à sua mente febril, ao pensar nisso. Como podia Sam ser amigo daquele homem que lhe fizera frustrar o roubo da diligência, desarmando-o e apropriando-se do que lhe pertencia, cujo revólver ainda se podia ver no cinturão de Rob? Havia qualquer coisa de estranho, que ele de momento não conseguia compreender, e que o fazia adiar a sua vingança. Sem que ninguém o reparasse, meteu-se por entre a multidão que se aglomerava para ver prostrada por terra o corpo do até então invencível «Gorila» Buck Russell, encaminhando-se rapidamente na direção da casa de Snell, na esperança de que este, a estoirar de ódio contra aquele que findara com o seu prestígio, e apesar de prostrado e inútil, bastante ferido, o pudesse ajudar nos seus vingativos propósitos.

Entretanto, Rob limpava o suor que lhe aljofrava a fronte e enxugava o sangue que lhe corria de uma sobrancelha; de súbito viu-se rodeado pelos amigos e grande número de admiradores de ambos os sexos que só comprimiam em seu redor, ansiosos de contemplarem o herói do dia.

— Estupendo, Rob! — gritou-lhe Sam, vibrando de alegria, batendo-lhe nas costas e apalpando-lhe os bíceps. — Se manejas o revólver tão bem como os punhos, declaro-me vencido desde este momento. Safa! Pareces uma máquina trituradora!

—Estás ferido — murmurou Ketty docemente, aproximando-se, ao mesmo tempo que ilhe limpava o sangue da testa e da boca, com um pequeno lenço de seda, com tanto cuidado que os seus dedos mais pareciam fazer uma carícia. Cheia de amor, olhava aquele que tanto lutara para a defender. — Vamos ao hotel, para poder tratar de ti.

Rob olhou-se naquelas pupilas negras, notando que elas o impressionavam muito mais do que os golpes demolidores de Buck sentindo-se irresistivelmente atraído.

— Oh! Rob! — gritou a pequena Pam, puxando-lhe peba manga da camisa — foste maravilhoso! És o homem mais forte do Mundo! Erguia-se em redor do rapaz um zumbido de colmeia, produzido pelas pessoas que comentavam os acontecimentos.

— Vamo-nos embora daqui -- pediu Rob, aturdido pelo barulho.

Sam e Rob escoltaram as duas mulheres, enquanto Pam se agarrava a uma das pernas do herói, não querendo separar-se dele, sempre a olhá-lo de forma admirativa. O rapaz não teve outro remédio que levá-la colo. Conversando, atravessaram a praça e percorreram a rua, seguidos pela curiosidade de quantos se cruzavam no seu caminho, embargando-lhes o passo, mudando até de passeio, para os verem mais de perto. Era evidente que a notícia do triunfo alcançado pelo jovem sobre o temido e odiado Russell, havia-se espalhado rapidamente por toda a cidade.

Andando ao lado de Ketty, admirando a sua figura graciosa, Rob esquecia as dores que lhe apoquentavam o corpo, assim como os nós dos dedos pelos murros que aplicara. A frouxa luz daquele morrer da tarde, Rob parecia absorto na contemplação de Ketty, que ele considerava o melhor prémio que um homem pode esperar como recompensa pelo seu esforço, ainda que imenso tenha sido o sacrifício exigido. Verdadeiramente enlevado, escutava-lhe a voz harmoniosa, com que ela também procurava esconder a emoção que a presença daquele homem lhe provocava.

Nunca Rob sentira medo. Mas agora tremia, só de pensar que ela podia não corresponder ao seu amor. Nunca perdera a confiança em si, mas naquele momento assaltava-o a desconsoladora ideia de que ele seria demasiado rude para marido de tão encantadora rapariga. Afinal não sabia da sua vida, nem se ela já não teria dado o coração a outro.

Seriam exatas as palavras de Billy, ao revelar que ela estava enamorada de Tom Grant? Não, isso nunca podia acontecer. Naquele homem tudo era postiço, um autêntico fanfarrão, um pretensioso enjoativo que uma mulher de senso não poderia tolerar.

Tomado por tão desconsoladoras inquietações, esqueceu os seus propósitos de lhe não dar a conhecer os seus sentimentos antes de conseguir ganhar o lugar de gerente do rancho «T-Barra». Naquela mesma noite dissiparia as suas dúvidas, dando satisfação à sua maneira de ser, resoluta e franca.

Chegaram ao hotel, cujo vestíbulo se encontrava deserto, pois todos os hóspedes haviam ido para o baile, interrompido pela briga entre Rob e o «Gorila», para depois prosseguir com o mesmo entusiasmo.

— Vai para a cama, Pam. Ainda não tive tempo de te perguntar porque te vejo levantada, mas depois falaremos.

—Mamã... não tenho sono... — protestou a garota, sem grande receio da ameaça velada. Todo o seu desejo era ficar ao lado de Rob, de quem cada vez se mostrava maior amiga.

— Deves obedecer à tua mãezinha! Anda, vai-te deitar, para que eu lhe peça que não se zangue contigo, por teres fugido da cama... — pediu-lhe o rapaz, que, embora gostasse muito da pequenita, desejava ver-se livre dela, para não perder a oportunidade de ficar sozinho com Ketty.

Obediente, de todos se despediu, com beijos, não se esquecendo de Sam, que ficou profundamente comovido pela carícia da garota. Ele que, havia tantos anos, não sentia a ternura de nenhuma criança! Sustendo duas lágrimas que lhe brotavam da alma, beijou a pequenita, que tanto lhe dera a conhecer a esterilidade da sua vida. Com tristeza, viu desaparecer a garota, tomando a firme determinação de que, custasse o que custasse, tornar-se-ia digno do beijo que ela lhe dera.

— Queres vir comigo, Rob? — perguntou ao amigo, disposto a ir procurar os seus homens, para lhes comunicar a sua mudança de vida, e pedir-lhes que o imitassem, ou, de contrário, saíssem do Estado. Precisaria da companhia do gigante, cuja reputação, tão rapidamente ganha, unida à sua própria, seria o bastante para evitar qualquer ameaça de luta. Não OS receava, mas não queria, ferir, nem matar, aqueles que até então haviam formado a sua quadrilha, ou, ainda menos, perecer numa briga inútil entro lobos da mesma camada.

Rob olhou o amigo, estranhando o pedido que ia contra os seus projetos, mas qualquer coisa lhe disse que devia acompanhá-lo. Acedeu em silêncio, com uma leve inclinação de cabeça, seguindo-o depois de se despedir das duas raparigas.

Posto em antecedentes e de acordo com as intenções de Sam, ambos percorreram as tabernas, conseguindo reunir os quatro homens que restavam da tristemente célebre quadrilha de Sam Lou; agrupados, dirigiram-se para o quarto de Rob, o único sítio em que podiam falar sem ser escutados ou interrompidos.

Cruzavam o vestíbulo vazio do hotel, quando o ouvido de Sam capturou um leve gemido que o fez parar bruscamente, fazendo com que nele tropeçasse um dos seus próprios homens, que o seguia, distraído; ficando imóvel, sem fazer caso do empurrão recebido, levantou a mão esquerda, a pedir silêncio, e toda a sua atenção se concentrou no pequeno gemido que parecia ouvir-se.

Durante alguns segundos que mais pareceram longas horas, aqueles homens, parados no meio do «hall» mal iluminado, esperavam quietos e calados, nem eles sabiam o quê. Tudo voltara a cair no mais sepulcral silêncio.

Sam sentia-se inquieto como nunca. Permanecia imóvel, sem que aos seus ouvidos tornasse a chegar o estranho ruído. Apenas se ouviam as pulsações do seu próprio coração.

De súbito, débil, mas nítido, de novo chegou até eles um leve gemido, talvez mais um suspiro, qualquer coisa tão subtil que nem se podia definir, mas que se poderia interpretar como a mensagem de um ser que sofria e precisava de auxílio.

Sam e Rob precipitaram-se para trás do pequeno balcão, entrando nas dependências da gerência. Ali, atada e fortemente amordaçada, estava a pequena Pam. À luz escassa que chegava do vestíbulo, viam os seus olhos a saltarem das órbitas, cheios de terror; sobre o corpo não tinha mais que a camisita de noite, que, enrodilhada pelas cordas, deixava à mostra umas pernitas rechonchudas.

Desamarraram-na e tiraram-lhe a mordaça, em movimentos ansiosos, cheios de trágicos pressentimentos. Os homens de Sam Lou permaneciam silenciosos, enquanto esperavam ordens. E todos aguardavam que a pequenita contasse o sucedido.

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