quarta-feira, 5 de maio de 2021

6BL045.01 Três sombras silenciosas abandonam um homem baleado

Al Ballinger sorria debilmente. Ao levantar a gola do grosso casaco, a sua mão tropeçara com uma face barbuda, flácida. Mudara muito; envelhecera, numa palavra. Olhou os três companheiros que, como ele, rodeavam a fogueira. Carter Maxine, Hopalong Smith e Bronson Cutting. Também eles tinham envelhecido. Sobretudo o primeiro, com uma bala nas costas e estendido no chão, tiritando de frio e de febre. Com um púcaro de café na mão, Al aproximou-se do ferido, e obrigou-o a beber o quente e reconfortante líquido. 

— Achas que sairei desta, Al? — inquiriu, roucamente. — Não, não respondas. Todos sabem que vou morrer. Nem sequer se atreveram a abandonar-me como a um cão, talvez porque pensem que não vale a pena, que já me resta pouco tempo de vida. 

— Ninguém pensou abandonar-te, Carter... 

— Eu, pelo menos, pensei — atalhou Bronson, lançando o púcaro para junto dos restantes utensílios. — Estamos a atrasar-nos demasiado, e não creio que os tipos da Union Pacific se resignem com o desaparecimento dos trezentos mil dólares. 

— Esse dinheiro subiu-te à cabeça, hem, Bronson? E deves ter pensado que, metendo-me uma bala no corpo, arranjarias mais uma boa maquia. Porque não o fizeste já? 

Em silêncio, Al e Hopalong fitaram o louro Bronson, vinte anos mais novo do que eles e talvez com menos dez do que Carter. O jovem pestanejou, enquanto o ferido sorria. Sob as mantas, no lugar que correspondia à mão esquerda de Carter, aparecera um vulto deveras significativo. 

Cresceu a tensão entre aqueles quatro homens. A noite caíra já, e só o resplendor da fogueira tornava visíveis os seus rostos, barbudos, esquálidos. 

Foi Al Ballinger quem, por fim, truncou o molesto silêncio: 

— Deixa em paz o revólver, Carter. Bronson é demasiado jovem, compreendes? E basta de discussões, rapaz. — Juntou, dirigindo-se ao louro. 

— Eu continuo com a Minha: poderíamos estar já no Texas. Ou, o que é o mesmo, a salvo. Mas tu és teimoso, Al, e.... 

— Com mais dois dias de viagem, estaremos em Santa Fé. Porque havemos de complicar a vida, se nos esperam muitos anos de tranquilidade, desfrutando destes setenta e cinco mil dólares? 

— Aceitarias um conselho, Al? Cuida de Bronson. É jovem, e poderá comprometer os teus desejos de paz e bem-estar. O conselho também serve para ti, Hopalong. 

Hopalong Smith, o silencioso pistoleiro, levantou-se e caminhou para os cavalos. Com aquilo, queria dizer que estava farto da conversa, e que o melhor era partir, sempre para o sul, em busca da salvação definitiva. 

— Vamos — resmungou Al.— Eu ajudo-te, Carter. 

Tudo sucedeu com eletrizante rapidez. Bronson, com o rosto contraído, saltou inesperadamente para o ferido, pisando-lhe o braço esquerdo e imobilizando-o. Depois, friamente, sem tirar o revólver do coldre, disparou. Carter sofreu uma brusca contração e caiu de costas, ficando na mesma posição em que tinha permanecido todo aquele tempo. Do seu pescoço, começou a brotar o sangue. 

— Quieto, Al — sussurrou Bronson — Não quero ver-me obrigado a disparar contra ti. 

Al Ballinger nada disse. Limitou-se a olhar, fixamente, Bronson, com dureza, com uma muda reprovação nas pupilas. Junto dos cavalos, Hopalong fitava ambos, estranhamente imóvel. 

Ballinger, por fim, recuou um passo e, voltando-se, caminhou, também, para os cavalos. Bronson, tirando as mantas de cima de Carter, seguiu--o. 

— Al... — murmurou. — Carter odiava-me. Sabia, perfeitamente, que eu continuo a amar a tua filha e queria separar-me dela. E tu sabes que Fanny está apaixonada por mim. Estava-o, pelo menos, há cinco anos, quando abandonámos o Texas para nos juntarmos aos Confederados. Depois, em lugar de regressar a Rockdale, derrotado e de mãos vazias, segui-te até Nebraska, até ao caminho de ferro, onde deixámos o nosso suor, até que nos ocorreu a ideia de roubar o dinheiro. Agora, não temos mais do que regressar a Rockdale e viver dignamente. Eu tornarei Fanny feliz. 

Al, cujos olhos cinzentos não se haviam desviado dos de Bronson, só fez uma coisa: cuspir para o chão. 

— A minha única esperança é que Fanny tenha casado — disse, depois. — Tu és um assassino, um maldito assassino, Bronson. 

— Achas que sim, Al? Creio que todos nós temos as mãos manchadas de sangue... 

— Esquece Fanny. Eu confio nela para que a minha reabilitação seja um facto. Duvido que o consigamos contigo, Bronson. 

Voltou-lhe as costas e montou, de um salto, com uma agilidade imprópria dos seus anos. Os outros imitaram-no. Pouco depois, partiram. Três sombras silenciosas, coladas aos pescoços dos respetivos cavalos. Atravessaram um riacho, e seguiram pela garganta aberta entre aquelas moles rochosas. Por um chão pedregoso, que devolvia o som dos cascos dos cavalos, como se fossem sinistras gargalhadas. 


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