segunda-feira, 18 de maio de 2020

KNS039.04 Encontro com uma jovem sonhadora

David despertou, e de um salto ficou sentado na cama. Antes de lavar-se examinou os revólveres. Este cuidado, nas atuais circunstâncias, era primordial. Recordou o certeiro tiro efetuado na noite anterior, e sentiu-se satisfeito com o resultado obtido.
Sorriu divertido ao evocar a expressão de assombro aparecida no rosto de Art Kearney. Aquele homem era um «gun-man»; mostrara-o assim que se dispusera a «sacar». Demonstrara achar-se habituado a situações parecidas e era senhor do grande sangue-frio. Ao ver o seu revólver destroçado, sem a mão ser ferida pelo projétil, o pânico invadira-o; vira-o nos olhos o na palidez do rosto do «pistoleiro», que compreendera como a morte estivera tão próxima.
Suspeitava daquele homem. Achava-se loucamente enamorado de Perla Day e isto era o suficiente para sentir um ódio mortal contra Jimmy Derek, pelas suas contínuas atenções dispensadas à cantora. Sim, era possível. Art Kearney não tinha escrúpulos e era capaz das maiores infâmias para conseguir os seus propósitos. Além disso, tinha como capataz da sua fazenda um homem temível como Andrew Strond, cujo aspeto mais indicava um «pistoleiro» que um honrado «cow-boy».
Fosse ou não o assassino, tinha nele um encarniçado inimigo. Tinha de ter cuidado e evitar alguma cilada. Kearney era orgulhoso e não se resignaria a ver passear pela povoação o homem que publicamente o tinha humilhado. Não se atreveria a enfrentá-lo abertamente; depois da sua exibição temia-o; porém mandaria cúmplices habilidosos para o matar.
Quando se sentou à mesa para almoçar, notou como os restantes hóspedes o observavam com curiosidade e admiração. Pelos vistos, já sabiam do ocorrido na noite anterior no «Grand Saloon».
Mac Gregor serviu-o, com os olhos brilhantes de entusiasmo. Nunca se tinha alojado na sua casa uma pessoa tão célebre como aquele vaqueiro. Toda a povoação o conhecia, circulando como um rastilho de pólvora a façanha realizada, pois Art Kearney, o mais poderoso rancheiro da região, estava considerado como um perigoso atirador. Quando o jovem se dispunha a sair, acercou-se dele e murmurou:
— Tenha cuidado, senhor.
— Porquê? — perguntou David, surpreendido.
— Podem-lhe armar uma cilada. Kearney é um inimigo muito perigoso.
David sorriu e mirou com afeto a alta e ossuda figura do irlandês.
— Obrigado, farei com que não me apanhem desprevenido.
Saiu, e não tardou a ver a maliciosa cara do pequeno Jackie. Naquela ocasião, o rapazito não mostrava a sua costumada desenvoltura, mas sim uma inesperada timidez. Sorriu-lhe e Jackie aproximou-se com receio.
— Não me saúdas, Jackie? — perguntou-lhe, sorrindo.
— Sim, senhor, mas julgo que não lhe agrade a minha amizade.
—Por que razão não me há-de agradar? Acaso não somos amigos?
— Sim, mas não sei como se chama.
— Wallace. Não te agrada o meu nome?
— Agrada, sim, senhor Wallace.
E com um movimento instintivo acariciou a culatra do «Colt»». David acariciou-o na cabeça e afastou-se. Aquele rapaz também tivera conhecimento do ocorrido. A sua inesperada timidez ao aproximar-se, a forma como acariciava a culatra do revólver e a maneira orgulhosa de levantar a cabeça ao afastar-se, por se considerar amigo de um homem capaz de praticar tão grande façanha como a realizada na noite anterior. Em parte, não lhe desagradava a fama adquirida, pois ela teria em respeito os seus inimigos. Dessa maneira poderia fazer as suas investigações à vontade.
Ao divisar o escritório do xerife, viu como vários cavaleiros paravam ante o edifício. A sua atitude era colérica. Abriu-se a porta e apareceu a corpulenta figura do xerife, e um dos cavaleiros começou a falar com veemência.
Vários curiosos acercaram-se, e David também se adiantou, aproveitando aquela ocasião que se lhe oferecia. Procurou passar despercebido e escutou com atenção.
— ...de reses. Não podemos continuar desta forma, xerife.
Este olhou o seu interlocutor. O seu rosto enérgico estava sombrio.
— Compreendo, Pierre. Esses ladrões de gado são terrivelmente audazes, atuam de improviso, quando menos se espera, e as suas proezas já duram há mais de dois anos. Conhecem bem a região e têm informações completas de tudo quanto se passa nos ranchos. Há quatro dias foi Art Kearney despojado de uma importante manada de gado. É desesperador.
— Devemos lutar todos unidos, xerife Carroll. De contrário, ficaremos arruinados. Já se deram alguns roubos que causaram a ruína aos atingidos.
—É o mais prático. Já o aconselhei em várias ocasiões. Em Topeka não fazem caso, julgam que é uma coisa sem importância, e deixam que eu resolva o caso com os meus escassos meios.
O rancheiro estava enfurecido.
— Lamento o roubo de que fui vítima, mas não posso deixar sem castigo a morte dum vaqueiro. São uns assassinos!
David escutava com atenção. Compreendeu que os roubos de gado na região eram frequentes, coisa que ignorava, pois que Harold Weeks, emocionado pela sorte do seu jovem patrão, esquecera-se de mencionar aquela circunstância. Os cavaleiros afastaram-se furiosos. Não poderiam combater os audaciosos ladrões e tinham de se resignar a ser vítimas dos seus contínuos latrocínios.
David achava-se intrigado. Segundo as palavras do xerife, este deslocara-se frequentes vezes a Topeka, e o governador do Estado de Kansas não lhe prestara assistência. Quando ia para afastar-se, viu que o olhar do xerife estava fixo nele. Compreendendo que a intenção de Carroll era falar com ele, esperou.
— Olá, forasteiro!
— Bons-dias, xerife. Esta povoação não é muito tranquila.
—É verdade, e já deve saber das queixas desses homens. Roubos e mais roubos de gado. De vez em quando um assalto à mão armada. Há sempre vítimas a lamentar.
—É aborrecido. Ao chegar, Bristol pareceu-me uma terra tranquila.
— Uma terra tranquila! — exclamou o xerife, com amargo sarcasmo. —Era o que eu queria! Quando se vai embora?
— Quando me vou embora? —repetiu David, simulando espanto. — Cheguei só há um dia. Bristol agrada-me. As preocupações da terra não me interessam. Desejo divertir-me e passar o tempo o mais agradavelmente possível.
— Hum! — grunhiu a autoridade de Bristol. — O seu divertimento acabará com um tiro.
—Julga isso?
—E o mais provável. O senhor arranjou poderosos inimigos.
— Isso não tem importância. Já viu a facilidade com que me desembaracei ontem à noite. Nem sequer houve vítimas.
—E verdade. O senhor é muito hábil com o revólver. Mas se continua aqui, será outra preocupação para mim. Aconselho-o a que se vá embora hoje mesmo.
— O senhor está a afastar-me? — perguntou David, olhando-o com insistência.
Durante uns segundos os dois homens mediram-se com o olhar. O xerife introduziu os polegares no cinto, puxando-o com força.
— Não posso fazê-lo, forasteiro. O senhor não cometeu nenhum crime. Mas, acredite, se estivesse na minha mão, obrigá-lo-ia a sair imediatamente de Bristol.
— Pelo que vi, em Bristol há muitos homens piores do que eu.
— É verdade, porém o senhor converteu-se em inimigo de Art Kearney e este não lhe perdoará a humilhação que lhe fez.
— Posso avisá-lo quando me atacarem?
— Não o faça. Somente intervirei, se o senhor for assassinado. No caso de ser uma disputa não posso fazer nada. Demais, o senhor foi avisado.
— De acordo, xerife. Prometo ter cuidado comigo.
David afastou-se. Por um lado, o xerife parecia-lhe sincero. A sua atitude referente a ele era nobre. Pelo outro, não compreendia como a energia que se desprendia da sua vigorosa personalidade não conseguia pôr em ordem o turbulento ambiente da povoação.
Foi buscar o cavalo, e saiu da povoação a dar uma volta pelos arredores. Deteve-se ao ver um grande rancho. Era o maior de todos que encontrara no caminho. Verificou logo que era o de Art Kearney.
Viu aproximar-se alguns cavaleiros e afastou-se, procurando não ser visto por eles. Se isso acontecesse, podia ser atacado. Poderiam até alegar que se tornara suspeito por andar à volta do rancho, e acusá-lo mesmo de estar «feito» com os ladrões de gado.
Afastou-se apressadamente e tomou o caminho do rancho de Derek. Interessava-lhe falar com Weeks, para lhe pedir uns esclarecimentos. Começou às voltas da vedação.
Pouco depois viu três cavaleiros, e correu a ocultar-se atrás dum matagal para não ser visto. Estes aproximaram-se um pouco e ele reconheceu Weeks e Nancy Derek. Mostrou-se no momento em que o capataz olhava para o sítio onde se encontrava. Este parou surpreendido. David escondeu-se novamente, ao observar que os companheiros de Weeks o olhavam surpresos, por verem a cara de espanto do capataz.
— Que aconteceu, Harold? — perguntou Nancy.
— Nada, julguei ver um homem atrás daquele matagal, mas foi uma alucinação. Não está ninguém.
Weeks falava bastante alto, seguramente com a intenção de ser ouvido por ele.
— Não me agradam os observadores—disse o vaqueiro que os acompanhava.
— Nem a mim. Podem pertencer à quadrilha de ladrões de gado, embora estes já possuam uma informação completa do que se passa nos ranchos da região. Não estou tranquilo. Aproximar-me-ei para me certificar de que não foi engano.
— Eu acompanho-o, Weeks — ofereceu-se o vaqueiro.
— Não é necessário, não me demoro.
O capataz chegou ao matagal e, em voz baixa, perguntou:
— Deseja falar comigo, Murray?
— Sim.
— Esta tarde, às oito, estarei na rua Mayor.
— Está combinado.
O capataz reuniu-se aos seus companheiros. Nancy olhou-o, sorrindo.
— Enganaste-te, Weeks?
— Sim, não havia ninguém.
—Já supunha que fosse uma alucinação tua. Há uns tempos para cá, que te encontro nervoso. Vês perigos cm todos os lugares. Eu volto para casa.
—Vais sozinha? — Sim, não creio que alguém se atreva a atacar-me.
—Corno queiras, pequena — e o capataz encolheu os ombros.
Nancy voltou para trás. Tinha a certeza de que Weeks a enganara, e isto intrigava-a bastante. Nunca tivera segredos para ela, porém a sua atitude fora suspeita. Por outro lado, tinha a certeza de ter visto um homem ocultar-se no matagal.
David voltou a montar a cavalo. Weeks e os seus companheiros já deviam estar longe e não podia ser visto. Saiu do matagal e deteve-se surpreendido. Uma voz feminina ordenava-lhe, com firmeza:
— Levante os braços e aproxime-se!
Durante segundos permaneceu indeciso, sem saber que fazer.
— Obedeça-me ou disparo! — ordenou, novamente Nancy com energia.
Obedeceu sem hesitar. A voz da jovem indicava que era capaz de cumprir o que dizia. Estava erguida sobre a sela, sustendo com firmeza um revólver que o visava. Pela forma de segurar o revólver, deduziu que o sabia usar.
Estava muito bela, com as faces coradas pela excitação. Os seus grandes e formosos olhos olhavam-no fixamente, vigiando os seus movimentos. Chegou junto da vedação, detendo-se sem saber o que fazer.
— Desmonte e salte a vedação.
—Posso prender o meu cavalo? —perguntou David.
—Pode, mas cuidado, não faça nenhum movimento suspeito: dispararei.
— Não se preocupe, «miss» Derek.
— Como sabe o meu nome? — Nancy continuava a examiná-lo com atenção. — Eu já o vi antes. Ah, sim! Já me recordo, o senhor é o vaqueiro que tropeçou ontem em mim, na povoação.
David já tinha saltado agilmente a vedação e estava à sua frente. A sua expressão era calma.
— Tem uma excelente memória.
— Sim, tenho. Weeks viu-o e procurou fazer-nos crer o contrário. Qual o motivo?
— Permite-me baixar os braços? É uma posição muito incómoda.
— Pode, mas fale.
— Weeks não me viu.
— Não me engana. Conversou com o senhor. Eu estava a olhar para ele e vi-o mover os lábios. A vossa conversação foi muito rápida.
—Somente umas palavras.
David disse a verdade, ante a impossibilidade de enganar a jovem. Não se portara com muita habilidade desde que chegara a Bristol. Muitas pessoas conheciam já a sua verdadeira identidade, e assim aumentava o perigo que o rodeava.
— Quem é o senhor?
— O meu nome é David Murray.
Nancy olhou-o assombrada. Não queria acreditar no que ouvira. David Murray era o advogado que defendia o seu irmão em Topeka.
— Não é possível! — murmurou.
—Porquê?
— O senhor é um advogado... deveria estar em Topeka.
— Vim procurar indícios que me conduzam à presença, do assassino de James Taft.
— Agradeço-lhe o seu interesse, senhor Murray.
— Não será já tempo de guardar o seu revólver?
A rapariga, desconcertada, olhou o «Colt», e as suas faces coraram. Baixou o olhar enquanto guardava a arma precipitadamente.
— Perdoe-me, tinha-me esquecido dela.
— Pois eu não, e estava bastante inquieto.
— Não compreendo porque se oculta — disse Nancy, recuperando a calma. — O mais lógico era que me visitasse. A minha casa estará sempre à sua disposição.
—Existe um poderoso motivo que me impediu ter o prazer de conhecê-la, «miss» Derek. A minha visita a Bristol foi para descobrir um criminoso, e não desejo que este conheça a minha presença. Não julgo possível consegui-lo; já deve saber quem eu sou. Esse homem é muito hábil, tem tudo cuidadosamente planeado. Apesar de pensar assim, posso estar enganado, e julgo conveniente que ele continue na sua ignorância, pois esta facilitar-lhe-ia a realização da minha tarefa. Assim, peço-lhe que a senhora continue «ignorando» a minha verdadeira identidade.
—Se o tornar a encontrar, finjo que o não conheço, senhor Murray. Pode contar comigo. O meu irmão é o único parente que tenho no mundo e embora um pouco amalucado, é um bom rapaz.
—Também o julgo assim.
— Então acredita na inocência de Jimmy?
—Se não fosse assim, não me teria encarregado da sua defesa, «miss» Derek.
Ela estendeu-lhe a mão, agradecida. Ele apressou-se a apertá-la com afeto.
— Perdoe, senhor Murray. Estou falando como uma pateta, mas é devido a que quase todas as pessoas que nos conhecem acreditam na culpabilidade de Jimmy, incluindo muitos dos nossos vaqueiros.
— Não se preocupe, «miss» Derek. Confie em mim.
— Weeks falou-me muito do senhor, da sua inteligência e decisão. Na verdade, não confiava em ninguém... Agora compreendo o meu erro.
— Diga a Weeks que vá à rua Mayor; deve esperar que eu me aproxime. Estou satisfeito que o seu pé esteja curado.
Então deu conta de que continuava retendo a mão da jovem. Soltou-a, sem poder evitar que corasse. Nancy também se ruborizou e balbuciou umas palavras de agradecimento.
David saltou agilmente a vedação, soltou o cavalo e montou, afastando-se enquanto agitava a mão em sinal de despedida. Nancy respondeu-lhe e permaneceu imóvel até vê-lo desaparecer.
O jovem advogado não se voltou uma única vez. Sem poder evitá-lo, os seus lábios expressaram a verdadeira impressão que a atitude do jovem produzira na sua alma.
— Não se voltou uma única vez. Não lhe interesso de maneira alguma. Ao fim e ao cabo, sou uma camponesa.
Quando se deu conta do sentido que encerravam as palavras pronunciadas de forma inconsciente, Nancy estremeceu. Não podia ser que ela as tivesse dito. Isso significaria que estava apaixonada por aquele homem que acabava de conhecer. Na realidade, não era assim, reconheceu-o imediatamente. Tratava-se do vaqueiro que tropeçara nela. Agora compreendia que o golpe dado para fazer cair o pacote fora de propósito. Acabou dando uma carinhosa palmada no pescoço da égua, e partiu num desenfreado galope a caminho de casa.
David à medida que se aproximava de Bristol, menos satisfeito estava com a sua maneira de proceder; esta fora como se não lhe importasse ser reconhecido. Duas pessoas conheciam a sua verdadeira identidade, e ambas eram mulheres: Perla Day e Nancy Derek. Confiava nas duas, não julgava que o atraiçoassem. De nenhuma maneira imaginava a cantora cúmplice dos seus inimigos. Não era um anjo, mas estava convencido de que ela conservava a sua moral. De forma alguma a julgava capaz de aliar-se com assassinos.

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