sexta-feira, 15 de novembro de 2019

COL012.05 Eu sou a «Dama»... e eu Zane Preston

A porta de entrada na sala de jogo era um gigante naipe, com um negro sinal de espadas no meio, simbolizando o ás do mesmo naipe. Na sala, havia imensas mesas onde se arriscavam grandes fortunas e as próprias vidas, em cartas como aquela. Havia também roletas, dados e todas as espécies de jogos de azar. Por cima das mesas de jogo os espelhos refletiam, as cenas alucinantes dos buscadores de fortunas, 'andando em busca da sorte, sem nunca a alcançarem. A casa era quem ganhava sempre.
Numa das mesas, especialmente, o grupo de curiosos era maior, pois também as ofertas eram muito grandes. A pilha de notas e fichas formavam um 'conjunto assombroso sobre o pano verde da mesa. As cartas deslizavam, suavemente, precursoras da fortuna, ou da desgraça para cada um daqueles quatro homens sentados à volta da redonda mesa.
Dava cartas com mãos ágeis e gestos impassíveis um jovem loiro, esbelto, e falto de expressão, vestia camisa de seda riscada, o impecável levita negra, e colete rameado, com uma grossa corrente de ouro cruzando de um lado a outro do colete, tinha um ar de senhor, se bem que os seus olhos frios e o crispado dos seus lábios totalmente faltos de emoção o acusavam 'ao observador mais atento como jogador profissional, concentrado nas suas cartas e espiando as expressões e reações dos restantes jogadores, para adivinhar as suas cartas.
— Fala-te, Yasbough — disse um dos jogadores.
—Vou com quinhentos—disse, depois duma breve pausa o aludido.
Um passou. O outro fez os quinhentos. O que chamara a atenção, com o suor a correr-lhe pela testa, pôs na mesa o dinheiro anunciado. De seguida, e lentamente, juntou ao monte mais cinco notas de cem.
—E mais quinhentos —disse secamente.
O batoteiro não se intimidou. Sem perder o seu leve sorriso pegou em cinco notas e as colocou sobre a mesa em forma de leque. E como a «ralenti», os seus dedos acariciaram outras notas, contou dez e as juntou às demais.
—Que sejam mil, eh, Harper?
Noah Harper respirou fundo. Olhou em redor como um animal encurralado. Quando fixou o olhar no jogador, este sorria-lhe ainda, e os seus olhos eram frios como gelo puro.
—Eu disse mil, Harper. Ou terás perdido a fé na tua jogada?
—Maldito Yarbough — gritou Harper, irritado, atirando com as cartas. — Bem sabes que não tenho jogo para arriscar tanto dinheiro! Jogas sempre com o teu jogo e sabendo o jogo dos parceiros!
—Estás certo disso—riu Yarbough —imagino que isso não será acusar-me de trapaceiro, não é verdade amigo?
— Tu que julgas? — desafiou Harper, recuando. —As cartas não são transparentes... e tu as vês demasiado bem. Sabias que tinha um simples par.
— Se soubesse isso, não teria apostado—replicou alegremente o batoteiro, guardando as notas, não se notando o mais pequeno sinal de nervos nas suas mãos. —Pois eu só tinha um par de setes, um ás, um cinco e uma dama. Perderia em relação ao teu par, Harper.
— Não é possível! — agarrou nas cartas que Yarbourgh tinha deitado para cima da mesa, e verificou que era verdade.
A cólera quase o sufocava. Reagiu com fúria louca:
— Trapaceiro, porco vantagista, vou-te...!
Saltou para trás ao mesmo tempo que sem mover as mãos, lhe aparecia uma chata «Derringer», que, sem dúvida, devia trazer oculta na manga da sua jaqueta de couro, presa à camisa por uma tira.
Yasbourgh desviou-se para um lado, iludindo o primeiro tiro, e tratando de empunhar a arma que trazia também escondida na manga da sua levita. Mas foi lento, porque já Harper, mais rápida do que ele com as armas, engatilhava o «Derringer» em direção a Yasbough. Soou um disparo na sala.
O acre odor a pólvora estendeu-se por cima das mesas de jogo, e a gritaria das mulheres de trajos berrantes, afastavam-se do sítio do drama. Harper cambaleou, com a mão entorpecida e escorrendo sangue. A sua arma tinha ido parar longe, impulsionada pela bala, enquanto Yasbough, empunhando a sua «Derringer» que não havia chegado a disparar, parecia tão surpreendido como ele.
Os dois adversários voltaram o seu olhar, para a figura de um homem de pé no meio da sala, sorridente, e seguro de si mesmo, em cuja mão empunhava um revólver acabado de disparar.
— Obrigado, amigo — disse lentamente Butch Yarbough, guardando a sua pistola. — Livrou-me de boa. Harper perdeu a serenidade e ter-me-ia morto. Como se chama? Gostava de saber o nome da pessoa a quem devo a vida.
—Não foi nada de importante—sorriu o recém--chegado, fazendo voltear o revólver, guardando-o no coldre de seguida. — Mas o meu nome é Preston, Zane Preston. E acabo de chegar a Santa Fé, de regresso de uma curta viagem.
—Eu chamo-me Butch Yarbough, e sou sócio de Gertie Baron na gerência do «Trebol» —apresentou-se o jogador, avançando e apertando a mão do seu salvador. —Não é preciso dizer que a sua presença é bem recebida aqui, ainda que nunca nos tivéssemos visto antes. Ou talvez sim, eu não me recordo?
—Já nos vimos, mas você não se deve recordar, porque nunca jogo o póquer, jogo somente a roleta.
— Prefere o azar da bolinha? —riu Yarbough.
—Se em algum jogo, existe realmente o azar, prefiro o da bolinha. Sempre há a possibilidade de um indivíduo acertar no número que a casa elegeu para ganhar.
Yarbough olhou-o de sobrancelha carregada, perguntando a si próprio se o estavam insultando ou elogiando as suas possibilidades. Finalmente ante a expressão de falsa inocência do seu salvador, riu às gargalhadas e dando uma palmada nas costas, disse com ironia:
—Magnífico, Zane! Você é um tipo curioso, e diz coisas curiosas também. Gosto de você. —Voltou-se para Harper, que se apoiava na mesa vazia, fazendo imensos esforços para deter o sangue da ferida dos dedos, e ordenou-lhe: —Tu, rato imundo, fora daqui. Não te quero ver mais na minha casa. Nem sequer acompanhando Dano, entendido?
—Dano se encarregará de arrumar isto — barafustou furioso Harper, mirando a jogador e o seu inesperado amigo. — Foi uma suja traição.
— Não gosto que me chamem traidor —interveio decidido Preston, dando um passo até ele, no meio do dramático silêncio que se havia feito na sala de jogo. — Nem tão-pouco gosto de ver um homem que não pode sacar, surpreendido pela rapidez de outro, que faz disso profissão. E como odeio os «pistoleiros» profissionais, resolvi pôr-me do lado do mais fraco. Esse Dano é seu amigo?
—John Powers Dano é o «pistoleiro» mais rápido de Santa Fé —disse secamente Yarbough. — Este sabujo de Harper trabalha para ele, e ultimamente gasta muito mais dinheiro ao jogo, com mulheres e bebidas caras que antigamente. Devem ter dado um bom golpe. Dano tem um bando bem organizado e crê-se alguém. Mas escuta isto, Harper. O teu patrão não me assusta, e espero que para vosso bem não tentes nada contra o meu amigo Preston, pois removerei toda a cidade até encontrá-los e mandá-los para a forca. Entendido Harper?
O ferido, lívido e rancoroso, inclinou a cabeça, e caminhou para a porta. Ao passar em frente de Zane Preston cambaleou soltando um gemido, e para evitar cair de costas apoiou a mão ferida no peito de Zane.
Preston, surpreendido, esteve a ponto de cair na cilada por confiar. Ainda chegou a iniciar o gesto de prestar auxílio ao ferido. Imediatamente sentiu a falta de peso no cinturão, e verificou, com alarme, que o ferido, com a sua hábil manobra o tinha desarmado... e levantava já o seu próprio revólver para o crivar de balas. O ruído do percutor a vir atrás coincidiu com o reflexo rápido de Preston e com o grito repentino e brusco de Yarbough, que correu para eles:
—Cuidado!
Depois, Zane teve a presença de espírito suficiente para segurar o braço do adversário com uma mão enquanto que com a outra, segurava a arma pelo cano, e num esforço incrível e fulminante, desviou o revólver no momento preciso do disparo.
O disparo soou como o tiro de um grande canhão vomitando chumbo. Mas então o indicador de Harper ditou a sua própria sentença de morte pois a arma apontava ao seu próprio peito, em virtude da força e da desesperada ação de Zane.
Um brilho de raiva e de incredulidade se refletiu naquele olhar desorbitado pelo terror e pela agonia. Cambaleou, enquanto Zane lhe arrancava a arma da mão, e logo fazer uma pirueta sobre os calcanhares, acabando por cair de costas e rolar até ficar de boca para baixo.
—Céus, desta vez morreu—disse alguém afastando-se do cadáver.
Yarbough, de sobrancelha franzida, estava já junto de Zane, e apertou-lhe com força o braço.
—Diabo—disse. —O «sheriff» aborrece bastante aquele que mata outro com armas de fogo, ainda que seja em defesa própria. Temos de arranjar solução para isto.
—Posso responder pelo sucedido, Yarbough, não se preocupe comigo.
—Tenho de preocupar-me, ou seria um ingrato — sorriu o jogador. — Isto aconteceu por minha causa.
—Que se passou aqui, Butch?
A voz era fria e autoritária, afiada como o gume de uma navalha e dominante como o chicote de um negreiro, dominando qualquer outro ruído, e impondo-se a todos, e obrigando Zane Preston a voltar a cabeça ao mesmo tempo que Yarbough.
A personagem que acabava de falar, estava ali em frente deles, numa porta simulada numa parede lateral da sala de jogo. Apoiava com indolência uma mão na esquina da entrada, e um par de olhos verdes e frios contemplavam a cena sem qualquer emoção. Hoje devia ser o dia de adorno verde, porque negro e verde era o seu conjunto, muito embora o preto dominasse sobre o verde. E com elas a pureza de nácar de uma pele acetinada, generosamente exibido nos seus ombros e braços. Calçava luvas verdes até ao cotovelo. Rematando com um formoso oval da sua boca vermelha, sobrancelhas arqueadas, e uma dura expressão dominadora, acabando numa loira cabeleira, ondulada e espumante como champanhe.
— Que foi que aconteceu? — repetiu silabando as palavras com a sua linda voz. —Quero saber, Butch.
— Não o vês, Gertie —respondeu o jogador, um pouco aborrecido mas em tom de respeito. — Noah Harper armou-se em esperto. Chamou-me trapaceiro e tentou matar-me. Era diabolicamente rápido com as armas, como todos os que trabalham para Dano. Ter-me-ia morto, se não fosse este forasteiro, Zane Preston. Feriu-lhe a mão, salvando-me a vida. Depois, Harper tentou um truque sujo para lhe encher o estômago de chumbo com a sua própria pistola. E é tudo. Um homicídio justificado, em própria e legítima defesa.
—Isso contam ao «sheriff» e não a mim—replicou azedamente ela, avançando com passos de rainha até eles.
Possuía elegância, majestade, alguma coisa de indefinível e superior que justificava a alcunha de «Dama». Ao andar o seu vestido negro de um dos lados, abria-se e deixava ver a sua formosa perna, cingida por uma negra meia de malha.
— Por isto podem-nos fechar a casa, Butch. Tu bem o sabes.
— Não podia fazer outra coisa — interveio Zane, antecipando-se a Yarbough, dirigindo-se com um sorriso à dona do casino mais famoso de Santa Fé. —Creia que sinto muito, se lhe pode trazer aborrecimentos...
—Falava com Yarbough e não consigo—replicou ela.
Zane fechou os olhos. As suas mandíbulas apertaram-se.
— Pois eu falo consigo—replicou irritado. —E quando falo com educação e boas maneiras com alguém, gosto que as tenha comigo. Tenho ouvido dizer que lhe chamam «Dama», senhora Baron. Prove que tem disso alguma coisa mais do que o nome.
— Não tolero insulto de ninguém! —cravando o seu olhar verde chamejante de fúria.
—Nisso parecemo-nos. Eu também não os tolero —sorriu ele com dureza. —Mas agora não a estava insultando, mas sim dizendo a verdade. Goste ou não..., «Dama».
Yarbough, acercou-se suavemente, julgando-se obrigado a intervir como medianeiro na discussão:
— Ouve, Gertie, creio que discutindo não resolvemos nada. Se ele não me tem defendido...
—Agora teria um sócio a menos no negócio—foi a cruel resposta. —E o favor que me fez o teu amigo Preston, querido?
—Não sei se preferias ver-me morto, Gertie. —Os olhos de Yarbough cintilaram como os de um réptil desejoso de morder o seu inimigo. —Mas sei que sou teu sócio disto, e como tal tenho direito de falar. Harper era um tipo mau e repulsivo, um assassino profissional. Vamos tirar o corpo daqui e abandoná-lo em qualquer sítio. O «sheriff» não terá provas do que sucedeu aqui, ainda que não tenha dúvidas de onde se deu a morte. E ninguém dos presentes ajudará a lei, estou convencido disso.
—Tudo isso para não prejudicar o negócio, ou para ajudar o teu novo amigo? — disse ela com desdém.
— Por ambas as coisas — sorriu o jogador. —E se tens alguma coisa a opor, irei eu próprio ao «sheriff» contar-lhe o sucedido, sujeito às consequências. Escolhe. Podes colaborar se negas. Mas não colocares-te à margem, porque muitas vezes tenho sido cúmplice nos teus supostos manejos. Assim é justo que agora me retribuas com...
—Cala-te! —replicou ela, furiosa, como se não gostasse do que estava a ouvir. um estorvo, louco e imprudente. —Está bem, Butch, por esta vez ajudar-te-ei, já que o meu negócio pode ser prejudicado com isso, mas nada mais. Quanto a você, senhor Prestou ou como se chama, será melhor que não volte aqui depois do sucedido.
—Porquê? — inquiriu Zane, suavemente.
— Porque a sua presença não me é grata. E eu sou a dona disto. Butch é meu sócio, mas sou eu que mando nesta casa. De modo que já está inteirado, amiguinho.
—E se eu não quiser obedecer-lhe e voltar?
—Tente-o—replicou com frialdade a bela «Dama».
—E possível que o tente. As mulheres não me assustam, senhora Baron. Ainda que fosse uma mulher capaz das piores coisas.
—Eu sou capaz do pior —silabou ela, revirando as suas pupilas verdes.
—De verdade? — zombou ele. — Tenho de o comprovar.
— Para seu bem, será melhor que não o com prove... — Inesperadamente, voltou-se para um lado e chamou: —Bob!
Abriu-se outra porta, próximo dela alguns segundos depois. Um homem alto e bem parecido, assomou, com as mãos apoiadas indolentemente nos flancos.
— Bob, este cavalheiro é Zane Prestou. Vai sair agora mesmo daqui. Queres ensinar-lhe a saída? — E sorriu trocista para Zane, que estava rígido. —Senhor Preston, apresento-lhe o meu primo Roberto Baron. Além de ser da família, é o homem de toda a minha confiança, e atirador infalível. Não é verdade que o acompanha à saída?
— Posso negar-me—sorriu com ironia Zane Preston. —Apesar do seu primito e tudo, contra quem nada tenho.
— Não, Preston, não se meta em maus jogos! — suplicou Yarbough. — Bob Baron é bom rapaz, mas um pouco fanático no que respeita às ordens de Gertie. Seria capaz de matar, se ela o ordenar...
— Mas ela não ordenará tal coisa, não é verdade «Dama»? —disse em tom irónico, levantando a voz o suficiente como para ser ouvido por todos.
Rápido os presentes abriram alas, formando uma linha de fogo imaginária, entre os dois inimigos que se olhavam desconfiados e silenciosos. No meio deles, como um estranho juiz de choque, Gertie Baron olhava um e outro, evidentemente desconcertada com a serenidade desafiante e temerária do forasteiro.
—Yarbough, por acaso vais pôr-te do seu lado? —perguntou ela com voz metálica.
—Tenho a obrigação de o ajudar, mas não penso enfrentar-me contigo, Gertie — replicou o jogador. —Se o desejas manter-me-ei à margem, mas nota que se acontecer alguma coisa a Preston, considero terminada a nossa sociedade e denunciarei o que ocorrer ao «sheriff».
—Faz o que entenderes —o olhar verde e maligno, se fixou de novo em Preston. —Que resolve afinal? Prefere ir a bem ou escolhe o caminho pior?
— Gosto sempre de escolher o pior! E não gosto de sair de um lugar às boas. De modo ordene a Bob que dispare. Mas que o não faça a matar, ou será a última vez que o tenha na vida. Estão todos advertidos. Ouviu também, Robert?
—Não sou surdo—foi a incisiva resposta. —Seja sensato, e vá-se embora. Não gosto de disparar nem de matar ninguém. Mas Gertie é a proprietária e tem o direito de selecionar a sua clientela.
—Não me faça rir, filhinho. —E o bonacheirão sorriso de Zane fez com que o jovem apertasse as mandíbulas. —Seria esta digna clientela quem teria elegido a proprietária de «Dama» ...
— Dá-lhe um ensinamento, Bob! — rosnou ela, de seguida.
Robert Baron era com efeito muito rápido. E nisso Yarbough não havia mentido. Mas na realidade, Zane não necessitava dessa advertência, porque pensava sempre que o seu inimigo poderia ser mais rápido do que ele. E isso nunca aconteceu, mas se ocorresse algum dia não diriam que morreu por confiar.
Bob Baron não se descuidou um segundo sequer. Inclinou-se para um lado, flexionando a cintura com agilidade, levantando entre os dedos, como se fosse uma pluma, o seu revólver, já engatilhado.
Houve dois tiros. Secos estrondosos. Não houve necessidade de terceiro tiro.
As mãos de Robert Baron estavam vazias, e os seus dedos curvados e rígidos, mas não agarravam senão o ar. Os revólveres, caíam nas suas costas, sem terem sido disparados, impulsionados por duas balas implacáveis e precisas.
—Quem disse que me iam expulsar daqui, «Dama»? — sorriu com sangrenta ironia, olhando a pálida e muda Gertie.

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