sábado, 9 de junho de 2018

BUF166.10 Como salvar a vida do xerife

Daniels ficou um instante com o olhar perdido num ponto indefinido. Mas não era homem de raciocínios e sim de factos. E havia vários dias que continha a custo a vontade de tomar parte ativa naquele caso. Por isso, o motivo que se lhe apresentava agora bastava para o decidir a pôr-se em movimento.
Ainda John Frey não teria chegado à próxima esquina, quando o xerife se dirigiu, com passos firmes, para o interior do edifício. Através de uma janela que dava para o pátio das traseiras e para as cavalariças, chamou:
—Ren!
— Chamou-me, patrão? — respondeu do fundo das cavalariças a voz ameninada do seu novo ajudante.
Ren era um jovem alto e corpulento, de cara redonda e olhos sonhadores. Saiu apressadamente da cavalariça. Daniels disse-lhe:
— Vem. Temos que fazer.
Ren apressou-se a entrar no escritório.
— Aconteceu alguma coisa, senhor Daniels? Não ouvi nada...
— Há uns forasteiros na povoação, que temos de procurar sem demora. Se não me enganaram, trata-se dos assaltantes do Banco... Os que mataram o senhor Dross e Rod.
Ren assobiou.
— Olá! — exclamou, sinceramente preocupado. — Então temos de ir prevenidos, não?
—Claro— assentiu o xerife, ajustando bem o cinturão. —Não creio que seja coisa fácil deitar-lhes a luva.
O seu jovem comissário perdera um pouco a cor, mas mostrava-se animoso e sorridente. Era um homem nascido para a luta, embora a falta de prática o pusesse às vezes nervoso. Bill Daniels pegou no chapéu e dirigiu-se para a porta, seguido de perto por Ren. Assim que chegaram ao passeio, notaram que alguma coisa se passava. Havia um ajuntamento de pessoas que vociferavam, um pouco adiante do hotel.
— Apostava a cabeça — resmungou Daniels — em como o John Frey está metido naquilo... Vamos.
— Por que não o expulsa de Los Alamos, chefe? –admirou-se o ajudante, enquanto caminhava ao lado de Bill. — Se vai andar sempre assim...
Quando chegaram junto do grupo, o «Doutor Uísque» não estava ali.
— Que aconteceu? — perguntou o xerife.
Um disse-lhe:
— O doutor Griffith e o «Doutor Uísque» tiveram uma discussão. Mas o sangue não chegou ao rio. Um forasteiro levou esse bêbedo a beber um copo e foi assunto arrumado.
—Um forasteiro?
— Bom, não sei se um, se três, porque outros dois que não conheço foram atrás deles. Estão ali dentro.
Ren olhou inquieto para a porta do estabelecimento e humedeceu a língua com os lábios.
— Serão eles, chefe?
—Talvez. Arranja alguns homens e vai cortar a passagem pelas traseiras. Eu entrarei por aqui.
— Sozinho?
— Há gente de sobra. Vamos.
O jovem comissário apressou-se a obedecer.
*
Dean Kennedy e John Frey saíram para a travessa das traseiras, que ficava ao longo de uma comprida parede de pedra. Não havia vivalma por ali. Hubert e Norton, os dois amigos do salteador, tinham desaparecido de vista, em busca dos cavalos.
— Estou a meter-me por sua culpa na boca do lobo — comentou Kennedy, que parecia inquieto. — Se descubro que tenta enganar-me, doutor, não lhe dou nada pela pele.
John redarguiu-lhe secamente:
— Ainda está a tempo de voltar atrás. Não julgue que vou andar a dar-lhe explicações constantemente. Se não acredita...
Interrompeu-se, porque apareceram na travessa os amigos de Kennedy. Vinham a cavalo e traziam outro pelas rédeas.
— Você não tem cavalo? —perguntou Dean a Frey.
— Não. Há muito tempo que não tenho dinheiro para esses luxos.
— Bom, virá comigo.
O jovem chefe dos salteadores montou de um salto o animal que traziam pela brida e fez sinal a John para que montasse na garupa. Mas não era fácil, porque, sem estribo e com uma perna ferida, precisava que alguém o ajudasse.
Hubert, o da cara de cavalo, engoliu a custo o ódio que sentia pelo «Doutor Uísque» e desmontou, para o ajudar.
Naquele momento, vários homens apareceram num extremo da travessa. Vinham a correr, de revólveres na mão, e detiveram-se ao vê-los reunidos diante da porta, das traseiras do «saloon».
— Eh! Que é isto? -- exclamou Norton, ao descobri-los.
Antes que alguém falasse, Ren, que vinha à frente do grupo, gritou:
— Desmontem e levantem os braços! Estão presos!
— Maldição! — resmungou Hubert.
— E uma ratoeira deste porco!
John, atónito, teve uma reação violenta. Virou-se para o cara de cavalo e deu-lhe um murro no meio do rosto, atirando-o de costas. Dean Kennedy correu para ele, profundamente sério. — Que significa isto, doutor? — indagou.
John respondeu com rapidez:
— Não sei. Mas é melhor fugirmos antes de sabermos.
E pôs o pé no estribo do cavalo de Hubert e montou.
— Vamos!
Hubert estava a levantar-se. Dean gritou-lhe:
— Monta com Norton!
E picou de esporas e partiu a galope para o outro lado da travessa, seguido por John Frey.
Ren e os seus homens começaram a disparar, embora a distância fosse demasiado grande para acertarem. Hubert conseguiu içar-se para a garupa do cavalo do companheiro, sem deixar de praguejar e de ameaçar Frey.
Mas a fuga durou pouco, porque antes de alcançarem a outra saída da travessa, um novo grupo de homens apareceu à esquina e mandou-os fazer alto.
Dean Kennedy, que ia à frente, deteve bruscamente o cavalo e começou a disparar contra os novos adversários, obrigando-os a resguardar-se.
— Temos de encontrar uma saída! — gritou.
John vira um portão aberto na parede de pedra.
— Por ali! — animou-os.
Deram meia volta e correram para aquela possível salvação. Mas os seus perseguidores viram a manobra, saíram dos seus refúgios e correram atrás deles, disparando como demónios.
Norton foi o primeiro a receber uma bala, que o atirou da sela abaixo. Caiu de cabeça no chão, enquanto Hubert se agarrava com força à garupa, para não cair também.
Entretanto, Dean Kennedy virou-se para os que o cercavam e deteve-os um instante com os seus disparos, o tempo suficiente para que Hubert e John alcançassem o portão de madeira e desaparecessem do outro lado do muro. Depois seguiu-os e, mesmo da sela, fechou as pôr-tas e correu a grande tranca.
Na travessa, além de Norton, tinham ficado mais dois homens caídos. Tinham entrado numa espécie de saguão enorme, ao fundo do qual havia uns edifícios compridos, de telhado baixo e sem parede do lado da frente, que serviam como cavalariças e celeiros. Mas não havia outra salda à vista.
— Teremos de fugir a pé — resmungou Dean —, se estes palheiros não tiverem porta do outro lado.
— Cortar-nos-ão a passagem — lamentou-se John, que estava furioso consigo mesmo.
Hubert, pelo seu lado, lançara-se a galope para os edifícios. Na rua, ouviam-se vozes, correrias e pancadas furiosas contra o sólido portão fechado.
— Aqui! — gritou o cara de cavalo.
Havia uma porta pequena, ao fundo dos celeiros. John e Dean Kennedy dirigiram-se para lá. Quando chegaram, Hubert já estava a sair, inclinado sobre o pescoço do cavalo, para não bater com a cabeça na padieira. Imitaram-no e saíram para uma espécie de esplanada, rodeada de pequenas casas, que Frey conhecia bem.
Mas o ruído de vozes e correrias chegava até eles de todos os lados. John picou de esporas e dirigiu-se para uma rua estreita, que fazia um cotovelo.
— Sigam-me! — gritou-lhes.
Os outros dois não hesitaram; seguiram-no a todo o galope e viraram a esquina antes de os seus perseguidores aparecerem na esplanada.
— Aonde vamos ter por aqui? — perguntou Dean, colocando-se ao lado de John.
Este respondeu:
— Iremos ter atrás deles. Pode ser que se desorientem.
Efetivamente, a rua dava a volta e terminava muito perto da saída das traseiras, do «saloon». E como Ren e os que o acompanhavam não sabiam isso, distribuíam-se pela esplanada, certos de que tinham seguido para a saída da povoação.
Aquele perigo estava vencido, de momento. Mas não se encontrava tudo resolvido; a vantagem dos cavalos, que lhes permitia moverem-se com muito mais velocidade do que os seus perseguidores, foi contrabalançada por uma surpresa com que não contavam.
Quando chegaram ao ponto de partida, deram de cara com o xerife Daniels e mais dois homens, que se tinham atrasado por haverem perdido tempo no «saloon», a interrogar o proprietário do estabelecimento, e agora vinham a correr para se juntarem aos outros. Foi uma surpresa mútua, da qual se refizeram rapidamente todos.
— Alto! — gritou Daniels, parando no meio do caminho.
Como única resposta, Dean Kennedy e Hubert levantaram os revólveres e dispararam, e os outros imitaram-nos. Hubert, que ia à frente, recebeu um tiro de Daniels no meio da cara. Kennedy atropelou-o então, passando por cima dele enquanto disparava como um demónio contra os outros dois homens, pouco afeitos a lutas daquela envergadura.
Em menos de um segundo, Bill Daniels foi espezinhado pelo cavalo de Kennedy e os outros dois foram para o outro mundo, atingidos pelas baias do jovem salteador. John não tivera tempo de intervir. A sua natural repugnância em disparar contra os homens que ajudavam o xerife deixara-o à margem da peleja, exposto a receber um tiro, sem tentar defender-se. Salvou-o a furiosa carga de Kennedy, que chamou a si toda a atenção.
Quando Dean conseguiu refrear o cavalo e voltar-se para trás, Bill Daniels estava a levantar-se do chão, completamente atordoado. Sangrava da testa e tinha o fato rasgado. Também perdera o revólver debaixo das patas do cavalo.
O salteador não se deteve com contemplações. Voltou à carga e levantou o revólver para o xerife. Isto fez sair John da sua passividade. Gritou:
— Quieto, Dean!
O salteador olhou-o, surpreendido, e ficou indeciso, ao ver que Frey o ameaçava com o seu revólver.
— Deixe-o em paz e vamo-nos embora — disse-lhe John. — Está indefeso.
—Mas...
— Já disse que o deixe em paz!
Daniels quase não se apercebia de nada. Estava encostado à parede, arquejante e a fazer esforços para dominar o seu atordoamento. Kennedy olhou para ambos, hesitante.
— Não gosto que ninguém me diga o que devo fazer — avisou.
Mas John continuava firme na sua decisão.
— Se tenta disparar contra ele — disse —, mato-o, Kennedy.
A sua voz soou tão firme, que Dean não se atreveu a contrariá-lo. Lentamente, começou a baixar o revólver e meteu-o no coldre.
— Está bem, doutor — aceitou, roucamente. — Desta vez faço-lhe a vontade. Vamos.
E puxou as rédeas do cavalo.
Mas mal haviam começado a girar, quando, de súbito, voltou a empunhar a arma e se virou furiosamente para Frey. John, porém, não se confiara. Conhecia a gente daquela espécie. Quando Kennedy quis disparar, já tinha duas balas no corpo. Rolou por terra, como um boneco desarticulado.

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