quarta-feira, 4 de abril de 2018

POL157.04 O rapto de Agar

O cavalo irrompeu como enlouquecido no vale dos proscritos e continuou galopando até chegar junto da tenda ocupada por Igswon Odd. «Unha Curta» deu um salto incrivelmente ágil para um homem da sua idade e ficou parado em frente da porta, com os braços cruzados sobre o peito.
Quase no mesmo instante, a pele que cobria a entrada da tenda afastou-se e apareceu Igswon.
— Que se passa, «Unha Curta»? Creio ver nos teus olhos uma nuvem de luto e pelo suor do teu cavalo sei que galopaste desenfreadamente para chegar aqui. Fala!
O índio examinou com olhar grave o interlocutor. Igswon Odd mantinha-se impassível, mas «Unha Curta» sabia ler no rosto dos seus irmãos de raça, e o jovem Odd, se bem que tivesse sido criado com eles, não era tão perito na arte da impassibilidade. O «mokis» adivinhou que Igswon ardia em curiosidade de saber o que teria acontecido. De resto, o jovem Odd, conhecendo-o bem, sabia-o incapaz de efetuar uma galopada daquelas sem haver um motivo imperioso para isso.
Quase não moveu os lábios ao falar:
— A tempestade ruge nos ouvidos de «Unha Curta». Os trovões das «canas de fogo» estão retumbando na casa de Yaim Swan, porque os guerreiros de chefe Ewig têm ouvidos compridos e sabem que falaste com Agar.
— Disse-te Yaim que viesses aqui?
—Yaim não disse nada ao «mokis». Mas «Unha Curta» sabe que rosto-pálido precisa de escutar a verdade.
— Está bem. Podes ficar aqui e descansar. Mas primeiro prepara-me o cavalo.
Olhou em seguida para os homens que se tinham aproximado, observando-o em silêncio.
— Os pistoleiros do tirano estão a atacar a casa de Yaim Swan. Quem me quiser seguir, que venha. Os homens não falaram.
Dirigiram-se ao local onde permaneciam as montadas e, um momento depois, cerca de uns trinta cavaleiros aguardavam a ordem de partida.
Igswon tomou as rédeas que lhe entregava o «mokis» e saltou para o cavalo.
— Avante, valentes do Vale Verde!
A coluna pôs-se em movimento e saíram todos do vale, galopando, prontos a enfrentarem o déspota e a provar-lhe que cada um valia por três dos seus infames pistoleiros.
Levantavam à passagem uma nuvem de pó vermelho, que envolvia os mais atrasados. O sol estava no zénite e os seus raios caíam a prumo sobre os cavaleiros fazendo-lhes brotar o suor da testa e encharcando o fino pelo dos animais.
Dentro de poucos dias, acabaria o Verão em Utá. De noite já quase havia frio, embora nesse ano os píncaros da montanha ainda não se tivessem vestido de neve. Mas agora o calor apertava sobre as Montanhas Rochosas.
Os cavaleiros galopavam como indiferentes à dureza dos elementos. Os seus cérebros estavam cheios de pensamento de justiça e vingança, e as mãos apertavam as rédeas com força, enquanto os olhos se cravavam no caminho que seguiam.
As milhas foram devoradas em desfiladeiros, em vales, em canhões, em fendas. Por fim, alcançaram o campo de artemísias.
Para chegarem a casa de Yaim precisavam de dar uma grande volta, para não passarem pela povoação. Nada ocorrendo de mal, estariam lá dentro de uma hora.
Igswon feria •os ilhais do cavalo com desusada rudeza, pois isto era contrário aos seus hábitos, mas porque ansiava encontrar-se o mais depressa possível à vista do seu objetivo. Receou que, durante aquele lapso de tempo, os bandidos pudessem ter acabado com a tenaz resistência dos da casa. Cerrou os dentes ao pensar em tal hipótese. Recordava-se dos restos fumegantes do que fora o seu lar e sabia que os pistoleiros fariam o mesmo ao de Swan, se não o tinham feito já.
Deram uma volta de quatro milhas até se porem de novo em linha recta, para a casa de Agar. Corriam como setas perante os assombrados olhos dos homens que trabalhavam nos campos. Alguns destes, vendo-os, murmuravam em baixa voz o nome que admiravam e era o pesadelo do tirano de Flown Rock: Igswon Odd.
Por fim, tiveram à vista o local da tragédia. O coração de Igswon bateu de alegria ao perceber que os da casa ainda lutavam. Precisamente nesse instante, os vinte sequazes de Ewig iniciavam um ataque a fundo, metendo-se alguns deles pelas janelas das traseiras.
O jovem chefe dos rebeldes picou esporas e gritou aos que o seguiam:
— Avante, amigos!
Os trinta cavaleiros, incitando as montadas, começaram a descer a encosta com velocidade vertiginosa. Os gritos de entusiasmo puseram de sobreaviso os assaltantes, que logo verificaram a superioridade numérica dos que chegavam. Não tinham outro remédio senão fugir, confiando a sorte à rapidez dos cavalos.
Alguns atacantes começaram então a retroceder, defendendo-se dos tiros que partiam do interior da casa. E entraram em cena os rebeldes, com os cavalos a caracolearem e as armas a vomitarem fogo de morte em cada tiro.
Vários homens de Igswon caíram na primeira investida, mas em breve o cariz da situação mudou por completo. A própria superioridade numérica se impôs. Os poucos homens de Ewig salvos desse primeiro recontro optaram pela fuga, entregando a sua salvação aos cascos dos seus cavalos.
Matt apareceu à porta, empunhando a espingarda.
— Igswon! — exclamou. — Chegaste a tempo! Se demorasses uns minutos mais só encontrarias nesta casa um cemitério.
— Agar?
— Estava nas traseiras ao começar o combate. Mas o meu pai caiu na refrega.
—Eu bem o previ! Yaim Swan devia ter abandonado isto para se juntar a nós quando era ainda tempo.
Nesse momento, um dos cavaleiros que tinham ido em perseguição dos homens de Ewig regressou a galope e estacou repentinamente diante deles, com o cavalo empinar-se sobre os quartos traseiros.
— Igswon! Os bandidos levaram a tua noiva!
— Agar? Mas...
—Ynn partiu atrás do homem que a transporta presa ao cavalo e disse-me que te viesse prevenir. É de recear que não o apanhe antes de chegar a Flown Rock.
—Vamos!
Sem se despedir de Matt, lançou-se em galope vertiginoso. O cavalo parecia ter percebido que o seu dono estava cheio de pressa e por isso tomara imediatamente a iniciativa de correr o mais que podia.
Igswon, incitando sempre o animal, seguia o caminho para a povoação, acompanhado a curta distância pelo homem que lhe dera a noticia e por Matt, que, sem pensar um segundo, montara no primeiro cavalo que encontrou solto, junto de casa.
O trajeto para a povoação era longo, mas os três cavaleiros não gastaram muito tempo a cobri-lo. Meteram por um dos atalhos que bem conheciam e ganharam uns dez minutos. Viram-se enfim a um quarto de milha das primeiras casas de Flown Rock.
O jovem Odd não tinha formulado ainda nenhum plano. A única ideia era a de salvar a noiva das mãos do tirano. Ia ser-lhe agora muito difícil, mas o dever e o amor obrigavam-no a enfrentar fosse quem fosse, até com perigo de perder a vida nessa empresa.
Nada o podia deter no seu desejo de acabar com Ewig e libertar o povo mórmon da escravidão, tanto mais que o tirano, além de lhe matar os pais, se apoderara agora da sua noiva, só Deus sabia com que fins. Mal entraram na primeira ruela de Flown Rock, viram avançar para eles o jovem Ynn, perseguido por quatro pistoleiros.
Igswon puxou pelos revólveres e apertou os gatilhos. Dois bandidos caíram dos cavalos, outro deu uma pirueta e o quarto fez encabritar a montada, assim se livrando da bala que, no entanto, feriu o animal. Este, com a dor, pareceu enlouquecido e galopou para o extremo da rua, desaparecendo das vistas.
Igswon encarou Ynn, com a ansiedade pintada no rosto.
— Para onde a levaram?
—Não consegui alcançá-los. Meteram-na em casa de Ewig,
—Mas quê?
— Se agíssemos depressa, talvez a pudéssemos salvar. Os homens de Ewig, na sua maioria, estão em Provo, para vender as colheitas e comprar alimentos e munições. Ewig também por lá se encontra.
— Ótimo. Procura Siem e todos os outros. Comecem logo a atacar. Nós iremos diretamente para os domínios dos bandidos.
— Está bem.
—Tu, Matt, vai com ele.
— Por que não hei-de ir contigo? Ela é minha irmã. Tenho o dever...
— E é minha noiva — interrompeu-o Igswon. — Não sabes que Ynn e eu aprendemos com os índios a progredir no terreno sem que nos ouçam? Não te oponhas ao meu plano, por favor.
—Seja— concordou o irmão de Agar, embora com relutância.
Os dois homens tomaram a direção de onde tinham vindo para se encontrarem com o grosso das forças chefiadas por Siem, enquanto os outros se internavam no labirinto das escuras ruelas que formavam a povoação de Flown Rock.
Se a informação dada por Usim era verdadeira, Ewig e os homens que tinham ido com ele a Provo s6 voltariam perto da meia-noite. A essas horas já estaria acabada a batalha na povoação.
Primeiramente, impunha-se chegar ao sítio onde estivesse Agar, para conseguir libertá-la e destruir quantos combatessem às ordens do cacique. Seria de difícil execução a primeira parte do plano, mas Igswon estava pronto para tudo; a segunda já teria menor importância. De resto, lutar contra aqueles tipos asquerosos constituía um prazer para os rebeldes.
Igswon dirigiu a montada para uma casa de aspeto nobre, em cujo curral entrou, seguido por Ynn. Apareceu um homem que lhes tomou as rédeas dos cavalos.
— Íamos agora ter contigo à montanha, Igswon —disse o homem, apontando para as azêmolas carregadas.
— Podem partir imediatamente, Egor. Nós deixamos aqui os cavalos.
—Dispõe da casa como sendo tua. Mas tenham ambos muito cuidado.
— Não te preocupes, Egor. Quem agora incorre em maior perigo são os bandidos que atacaram a casa de Yaim Swan e raptaram Agar. Todos os homens novos do vale vieram comigo e esperam por mim perto daqui.
— Boa ocasião. Ewig está em Provo.
— Assim me informaram. Adeus, Egor.
Os dois jovens retiraram-se, a pé, e dirigiram-se para o local onde se erguia a casa de chefe Ewig. Era evidente que os homens de serviço do tirano estariam vigilantes, a fim de poderem repelir qualquer ataque. Nestas condições, Igswon optou pelas traseiras da casa.
As residências de Flown Rock tinham os currais e cavalariças na parte de trás e, por esse lado, sempre dispunham de portas de acesso ao interior.
—Não dispares sem ser preciso, Ynn. Mas quando o fizeres, aponta à cabeça.
— Pois claro que sim.
— Vamos!
Transpuseram a entrada da cerca, onde aves e outros animais se alvoroçaram. Igswon, apertando as coronhas dos revólveres, avançou à frente do companheiro. 
Aquele reboliço foi ouvido nas dependências próximas e apareceu um homem a ver do que se tratava. Igswon, com um salto de puma, caiu sobre ele sem lhe dar tempo a senti-lo. Foi obra fácil para Odd bater-lhe com o revólver e estendê-lo no chão, deixando-o sem sentidos.
Novos passos, também perto, obrigaram Igswon a correr para a porta de onde partia o som, e esperá-lo aí com o «45» ao alto. Nesse, entretanto, já se curvava Ynn junto do outro e o amarrava com uma das muitas cordas existentes por ali.
A nova personagem deteve-se um instante no limiar, surpreendido ao ver Ynn a amarrar um companheiro seu. O bandido avançou um passo, erguendo o revólver, disposto decerto a meter uma bala no corpo do intruso. Mas antes de conseguir o seu intuito, o braço de Igswon desceu veloz e violentamente, dando-lhe uma coronhada que o remeteu ao país dos sonhos. Ynn amarrou-o também e amordaçou os dois com tiras de um saco rasgado.
— Bom trabalho, Igswon! — sorriu Ynn. — Só é pena que não encontremos esse coiote do chefe para o enforcarmos numa destas vigas.
—Há-de chegar essa hora, descansa. E agora, olhos e ouvidos bem abertos.
Assomou-se a uma outra porta e esgueirou-se para dentro ao verificar que não havia ali ninguém, sempre com o dedo no gatilho, pronto a comprimi-lo.
 À distância, para o interior, ouviam-se vozes, mas nas quatro divisões que em seguida atravessaram não descobriram o mínimo rasto de Agar. Este facto enervava cada vez mais o jovem rebelde. Onde a teriam escondido? Ynn disse que a levaram para dentro de casa. Viu-o. Mas onde a encerravam?
Em bicos dos pés, sem fazer ruído, com o silêncio de um índio, aproximou-se da porta de que saíam vozes. Como estivesse entreaberta, pôde espreitar para dentro. E o seu coração palpitou mais violentamente. Ali, estava Agar.
Quatro homens discutiam, sentados à volta de urna mesa, enquanto Agar, amarrada de pés e mãos, permanecia silenciosa e assustada, a um canto. Antes de atacar, Igswon quis ouvir o que diziam.
— Não nos devemos precipitar a fazer seja o que for, enquanto o chefe não vier — sugeria o que estava de costas para a porta. — A estas horas, já deve saber o que se passou e ter-se-á posto a caminho logo que Asmiel lhe contou tudo.
— Pois sim, mas estará furioso por não termos realizado completamente o que ordenou.
— Éramos poucos para enfrentarmos os homens desse amaldiçoado proscrito. Se ele não pensou nessa possibilidade, não deve atribuir culpas a nós.
— Pouco se importa Ewig de quem seja a culpa — resmungou um terceiro. — Aposto em como não nos salmos bem desta feita.
— Se não estiver contente connosco, vamos para outra parte. Deixe-nos em paz! Trouxe-nos de Salt Lake e paga-nos. Fazemos o que podemos. Nada mais pode exigir — afirmou rotundamente um dos reunidos.
—Bom — falou então o que se mantivera em silêncio. — Vou dar uma vista de olhos por aí, não seja que se descuidem na vigilância esses mariolas e nos caiam em cima os proscritos.
Igswon deliberou entrar em ação. Antes que o outro saísse, atirou um pontapé à porta e arremessou-se para dentro da sala. Os quatro pistoleiros levaram as mãos aos revólveres, mas não tiveram tempo de puxar por eles.
Igswon disparou cinco tiros e os quatro bandoleiros morderam o pó de maneira fulminante. Nem um só deles conseguiu apertar o gatilho. Mas o alarme estava dado. Tinham de agir com rapidez para não deixarem a pele naquela casa.
Enquanto o jovem Igswon cortava as cordas que prendiam Agar, Ynn permaneceu à porta, de armas em punho, pronto a mandar para o diabo o primeiro que despontasse no corredor.
Não precisou de esperar muito. Um dos pistoleiros do andar de cima, querendo saber a causa daqueles tiros, desceu as escadas a correr. A sua curiosidade foi premiada imediatamente com uma dose de chumbo que serviu de ponto final à sua vida, assim que pôs os pés no rés-do-chão.
Dois outros pistoleiros apareceram no extremo oposto do corredor, fazendo fogo. Os revólveres de Ynn voltaram a fumegar. Um dos bandidos caiu com a cabeça varada. O outro abaixara-se evitando ser atingido.
—Vai para casa de Egor! Corre! — gritou Igswon a Agar, disparando também.
A rapariga hesitou um momento, mas decidiu-se por fim e correu para os telheiros. Os dois jovens cobriram-lhe a retirada, disparando os «Colts», para manterem em respeito os que desciam do andar de cima.
Em poucos segundos, a casa do chefe Ewig converteu-se em verdadeiro campo de batalha, onde dois homens apenas enfrentavam catorze ou quinze pistoleiros mercenários que investiam com fúria.
— Vamos, Ynn, depressa! — ordenou Igswon, voltando a cabeça para o amigo.
De súbito, assobiaram vários projéteis à retaguarda e alguns passaram muito perto da cabeça de Ynn. O ataque por aquele lado apanhou-os de surpresa e obrigou-os a voltarem-se para ripostar. Ynn praguejou, enraivecido, ao ver que uns quinze ou mais homens ocupavam os currais da casa, cortando-lhes a retirada e forçando-os a combater entre dois fogos. Só um milagre os salvaria em circunstâncias daquelas.
Outra rajada de balas passou por cima dos dois, besourando. Responderam com os «Colts». Fosse como fosse, aquilo não podia durar muito, dada a posição em que se encontravam.
Um dos bandidos assomou-se para tentar localizá-los. Isso custou-lhe a vida. No mesmo instante, um projétil arrancou o chapéu da cabeça de Igswon e outro fez um risco sanguinolento na face de Ynn. Este quase sentiu a dor, enfurecido como estava, e apertou de novo o gatilho por duas vezes. Um dos atacantes no interior da casa caiu varado por um tiro na boca.
Gritaria procedente da rua surpreendeu os pistoleiros de Ewig e até os dois amigos. Principiaram a trovejar outras armas daquele lado e os bandidos que se encontravam dentro de casa abandonaram o corredor para tomarem posição nas janelas. Ynn e Igswon compreenderam a causa do alvoroço.
—É Siem com os rapazes!
— E chegaram a tempo. Vamos dar-lhes uma ajuda, Ynn!
Regressaram ao compartimento de onde tinham saldo e fecharam a porta por dentro para deterem os pistoleiros que vinham pelo pátio. Depois, lentamente, avançaram, cosidos com a parede, para o local ocupado pelos mercenários de Ewig.
Os que tinham ficado no pátio batiam à porta furiosamente e disparavam as armas contra ela, com ruído infernal. Pouco tardaria que a arrombassem. Ynn entrou num dos quartos que davam para a rua e, antes de os três homens que disparavam da janela se aperceberem da sua presença, já os tinha mandado para o outro mundo.
Igswon disparava contra os ocupantes do quarto contagio e, com esse ataque de surpresa, liquidou os cinco bandidos. Não pôde evitar, porém, que uma bala o ferisse na coxa esquerda, se bem que ao de leve.
Do andar de cima o fogo era mais intenso. Os jovens comandados por Siem respondiam das esquinas e dos portais das casas. Igswon procurou dar a perceber aos seus amigos que ele se encontrava dentro do edifício.
Para esse efeito, arremessou o chapéu pela janela fora. Dois projéteis o furaram no ar. Boa pontaria!
Não quis mostrar-se porque, na confusão de apenas distinguirem um vulto, os próprios companheiros o poderiam matar. Voltou-se. Ynn, nesse instante, aparecia à porta do quarto.
—Fica tu aqui enquanto eu vou ver o que se passa lá por cima. Procura não permitir que os do pátio atravessem o corredor. Deste sitio conseguirás dominá-los mais ou menos bem.
— De acordo — aceitou Ynn.
Igswon aproximou-se da escada e começou a subir os degraus lentamente, um a um. Já quase chegava acima quando um dos bandidos assomou o corpo no limiar de uma porta. O jovem Odd apertou imediatamente o gatilho. O homem dobrou-se pela cintura e estendeu-se ao comprido. Então, Igswon deu um salto para junto da porta, esperando que os outros saíssem alarmados com aquele tiro.
Sucedeu o que havia calculado. Dois indivíduos de rostos patibulares saíram ao mesmo tempo. Os revólveres de Igswon saudaram-nos com a sua linguagem de morte. Verificando, pela frincha da porta, que só havia mais um homem no compartimento, penetrou no recinto já a fazer fogo e conseguiu matá-lo antes que ele erguesse o revólver.
Igswon parecia endemoninhado. Os seus tiros certeiros cortavam a vida a quantos se pusessem ao seu alcance. Movia-se continuamente de um lado para outro, com o objetivo de não se tornar um alvo taxo para os inimigos. Nos seus gestos adivinhava-se o homem que sabe combater e que possui intuição para calcular os ataques dos antagonistas.
Em baixo, soaram os primeiros tiros anunciando que os bandidos do pátio já tinham conseguido derrubar a porta e deparavam com os revólveres de Ynn barrando-lhes o avanço no corredor. Tinha de acabar depressa com os últimos defensores daquela parte da casa. De outro modo, todo o trabalho realizado teria sido inútil.
A coisa, porém, ia ser agora muito mais difícil. Os bandidos já tinham dado conta da manobra de Igswon e disparavam para a porta sem cessar.
Odd compreendeu a situação. Só lhe restavam as munições que tinha acabado de pôr nos tambores dos revólveres. Principiou a despojar das balas que possuíam os bandidos mortos dentro do compartimento e meteu-as nas algibeiras. Este forçado silêncio de Igswon foi fatal para os defensores daquele último reduto inimigo.
Os bandidos pensaram que Odd tivesse conseguido fugir pelas escadas abaixo e saíram do aposento, pondo-se involuntariamente diante das armas do rebelde. Com a rapidez sua característica, Igswon apertou os gatilhos dos «Colts» os três homens, atingidos em pleno peito, caíram ao chão sem mais poderem levantar-se.
Era o momento preciso. Ynn já não podia conter por mais tempo o avanço dos pistoleiros. Retrocedendo, ia a caminho das escadas para as subir. Se Igswon não estivesse no alto, livre de inimigos, teria sido o seu fim. Mas os revólveres do chefe dos rebeldes entraram em ação. O pistoleiro que estava em condições melhores para matar Ynn, acabou seus dias com um buraco na testa.
Os que avançavam pelo corredor tiveram desagradável surpresa quando principiaram a fazer fogo sobre eles os que entravam pelas janelas. Vendo que os seus companheiros se lançavam deste modo ao assalto da casa, Igswon gritou de júbilo, tanto mais que, nesse momento, via despontar Siem no corredor.
— Bravo, Siem! Temo-los na mão!
— Olá, Igswon! Parece-me que recebi o teu aviso a tempo.
— Vamos acabar com eles! — gritou, por sua vez, Ynn, recomeçando a descer as escadas e disparando contra os que abandonavam de novo a casa pelo caminho dos pátios para tentarem salvar-se fugindo de qualquer modo.
Mas Igswon interveio, acalmando a fúria destruidora do companheiro.
— Deixa-os ir, Ynn! Já chega por agora —e voltando-se para Siem: —Vamos! Regressemos ao acampamento,
Os dois amigos foram a casa de Egor, onde tinham os cavalos guardados. Montaram-nos e juntaram-se com os restantes que os esperavam num dos largos da povoação. Ao chegarem, viram com surpresa que vários mórmones se tinham reunido aos proscritos, já fartos de viverem sob a tirania de Ewig.
As janelas que davam para o largo estavam abertas e nelas apareciam rostos de mulheres, bem como de alguns homens, que fitavam os rebeldes com olhos de expressiva admiração. Igswon relanceou a vista pelas fachadas das casas e falou assim aos que tinham vindo oferecer-lhe os seus serviços para a luta contra o cacique.
— Vejo que ainda há homens valentes em Flown Rock, embora muitos se tenham convertido em cobardes. Esses preferem sentir o flagelo do chicote nas carnes a levantarem-se em armas contar o tirano que os subjuga; veem, impassíveis, que o verdugo manda matar os seus pais e irmãos ou filhos e não ousam empunhar um revólver para se vingarem. Saúdo todos os que vierem até nós! Ainda estão a tempo de se levantarem contra o tirano. Os que queiram fazê-lo, que venham! Os outros aguentem as consequências da sua cobardia e morram como cobardes que são. Vamos!
O grupo de valentes rebeldes pôs-se em movimento, a trote, caminhando para o extremo da povoação. A tarde começava a declinar. Ondas de pálida bruma tingiam o horizonte nas bandas do poente, como se quisessem preparar uma delicada mortalha para o astro--rei, na iminência de cair no ocaso, sem demasiada tristeza.
Uma vez deixadas para trás as últimas casas de Flown Rock, Igswon e os seus homens apertaram esporas aos ilhais dos cavalos e lançaram-se a galope em direção ao vale, o inexpugnável refúgio que era seu acampamento.

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