quinta-feira, 29 de junho de 2017

PAS775. Uma amazona em perigo

Tinha uma necessidade urgente de desabafar consigo mesmo. Aquelas armas e aquele cavalo traziam-lhe à mente um nunca mais acabar de recordações. Há dez anos que não montava, que não arriscava a sua vida, que não ouvia o disparo de uma arma! Há momentos, quando premiu o gatilho para acalmar os contendores, sentiu que o seu vibrava de emoção! Que esforço tremendo tivera que fazer para se habituar àquela vida calma, sem perigos, à monotonia de um quotidiano sem história. Andrew Jackson que percorrera todos os estados da União no desempenho das suas missões, convertido depois em barbeiro e agente funerário.
— Socorro! Socorro!
Jackson despertou das suas divagações a tempo de ver uma mulher que fazia esforços desesperados para deter o seu cavalo que corria numa velocidade doida.
Imediatamente esporeou a sua montada e fê-lo tão bruscamente que o animal relinchou de dor e empinou-se nas patas traseiras, antes de partir em cavalgada veloz.
Andrew esperava que a amazona se segurasse o tempo suficiente para que ele a pudesse segurar, mas tal não aconteceu. A mulher desequilibrou-se e rolou no solo, enquanto a sua montada prosseguia em desfilada.
O xerife desmontou e correu para ela. Ao reparar na beleza e na juventude da amazona sentiu que ficava perturbado. Nunca as suas mãos tinham tocado numa mulher tão jovem e tão bela! Felizmente que ela não tinha perdido os sentidos e num exame rápido Jackson verificou que tinha um braço partido. Os seus olhos estavam marejados de lágrimas e gemia com dores.
— Tenha calma, menina, já vai ficar boa.
Improvisou o melhor que lhe foi possível umas talas, com uns bocados de madeira que encontrou, e amarrou--lhe o braço fraturado.
— Diga-me onde a devo levar, menina.
— Sou a filha de «mister» Gradford — respondeu-lhe a jovem entre soluços.
Andrew surpreendeu-se com esta afirmação, mas reagiu prontamente e levantando a jovem nos seus braços vigorosos, colocou-a sobre o seu cavalo, montando em seguida.
«Mister» Gradford tinha uma sumptuosa propriedade à entrada da povoação, onde também criava gado.
Vagarosamente, com os cuidados que o estado da jovem requeria, o xerife fê-la transportar no seu cavalo ao rancho do banqueiro. À entrada passou por um vaqueiro que ao tomar conhecimento do que tinha acontecido à filha do patrão esporeou a sua montada em direção ao palacete onde estes viviam. Assim, quando Jackson chegou à residência do milionário encontrou um grupo de pessoas à sua espera que, sem quaisquer apresentações ou mais delongas, tomaram ao colo a jovem ferida e transportaram-na para o interior, deixando o xerife sozinho e sem saber a atitude que devia tomar.
— Já foram chamar o médico? — perguntou a um vaqueiro que ia a passar.
— Já sim, senhor. Foi o meu colega McKinley quem o foi chamar.
Vendo que nada mais tinha ali a fazer, Andrew Jackson resolveu regressar ao povoado.

///

Passaram-se dois dias sem que nada de importância se passasse. Na tarde do terceiro dia, o xerife recebeu no seu gabinete a visita de «mister» Gradford em pessoa. — Boa tarde, «mister» Jackson.
— Boa tarde, «mister» Gradford. Como está a sua filha? — perguntou o xerife indicando ao banqueiro a única cadeira que havia no compartimento, além da sua, para que se sentasse.
— Obrigado, xerife, vai indo bem. Tenho uma dívida para consigo, não?
O milionário parecia ter descido das alturas onde por vezes o poder do seu dinheiro o guindava e falava com cordialidade. A dor faz com que os homens se esqueçam da posição' social que usufruem e se irmanem num elo de fraternidade. Era o que estava a acontecer ao banqueiro que naqueles dois dias tinha sido visto a caminhar \4 a pé pelo povoado, esquecendo talvez a opulência que anteriormente o rodeava, a sumptuosidade do seu coche vistoso e isto, porque estava preocupado com o desastre ocorrido com a sua filha.
«Mister» Gradford era baixo, levemente entroncado e os olhos, pequenos pontos luminosos no seu rosto bolachudo, tinham um fulgor especial, pareciam perfurar a alma dos outros à procura dos seus segredos.
— Não pense nisso, «mister» Gradford. Lamento apenas que a minha intervenção não tenha sido mais oportuna, pois se me adiantasse um pouco mais teria evitado a queda de sua filha. Todavia, quando eu já estava próximo, ela desequilibrou-se e caiu.
— Se o senhor não lhe tivesse prestado imediata assistência e se não passasse naquele momento por ali, só Deus sabe o que poderia ter acontecido à minha pobre filha, ferida e sem forças para regressar a casa. Estou-lhe muito grato, «mister» Jackson, e para tudo o que precisar de mim estou ao seu dispor e não se acanhe em procurar-me.
— Agradeço, «mister» Gradford, mas deve compreender que eu não procedi daquela maneira para obter uma recompensa. O senhor não vai julgar que eu abandonava a ferida se ela não fosse sua filha.
— Eu sei, eu sei. Mas o que eu lhe estou a oferecer não é de modo algum uma recompensa, é antes para que saiba que tem alguém sempre pronto para o que precisar, e peço-lhe que não fique melindrado com isto.
— De modo algum, «mister» Gradford, e agradeço...
— Tenho também a pedir-lhe desculpa porque na aflição do momento todos o abandonaram à porta de minha casa, o que de maneira alguma pode ser considerado um gesto educado. Se eu estivesse presente as coisas passar-se-iam de outro modo...
— Eu compreendo, «mister» Gradford. Confesso que fiquei um pouco indeciso sobre o que havia de fazer, mas depois de perguntar a um vaqueiro se já tinham chamado um médico, vi que a minha presença não era necessária e resolvi regressar ao povoado.
— Sou portador de um recado que lhe é dirigido, «mister» Jackson. A minha filha pede-lhe que logo que possa a vá visitar. Disse que gostava de conhecer quem a socorreu, porque na altura do acidente não viu sequer se o senhor era novo ou velho, se era um vaqueiro ou um «cow-boy» ...
— Terei o maior prazer, «mister» Gradford, só receio não possuir os atributos de cultura para fazer uma visita agradável.
— Ora, ora. Você baseia essas suas palavras no aspeto exterior que vê na minha família, na minha propriedade e residência, mais opulenta de que qualquer outra, no facto de sermos ricos, de termos dinheiro, etc., e julga que torcemos o nariz ao que é simples, ou humilde! Está redondamente enganado! Não nasci rico, «mister» Jackson. Quando me fiz homem vi que tinha apenas estas duas mãos para construir as bases do meu futuro e foi à custa de muito trabalho e o suor do meu rosto, que eu atingi a minha atual posição. É por este motivo que eu tenho educado os meus de modo que estejam aptos a conhecer o mundo, compreendendo a riqueza e a pobreza... Não tema, portanto, «mister» Jackson, que a sua visita a minha casa seja menos apreciada.
Era notável como aquele homem se desdobrava em personalidade! Ele ali estava, sentado em frente da secretária de Andrew, falando com uma afabilidade e naturalidade tais, como se fosse um simples rancheiro. Onde estava então o rico e impenetrável «mister» Gradford que dirigia e segurava todos os cordelinhos do Banco? Andrew estava estupefacto.
 

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