domingo, 30 de abril de 2017

PAS742. Quando alguém quer partir

Cristy descia do seu quarto, quando ouviu a voz de seu pai no escritório.
— Com todos os diabos, Mike Morgan! Que mosca te picou? Queres dizer-me, de uma vez, porque desejas abandonar o rancho?
Abandonar o rancho! Cristy perdeu a respiração, e sentiu-se invadir por um susto tremendo. Mike queria ir-se embora!
A voz dele chegou-lhe fria, calma:
— Necessito de me ir embora, é tudo. Chegou-me a vontade de mudar de ares.
A resposta de Joyce fez corar as faces de sua filha. Porém, já estava com a mão no puxador da porta. E entrou sem bater.
Seu pai fazia frente, com o rosto congestionado pela indignação e pelo desconcerto, a um pálido e impassível Mike. Os dois olharam-na, ao ouvi-la entrar. E Cristy julgou ver algo de estranho nas pupilas do vaqueiro.
—Que é que estou a ouvir? Mike Morgan? Que queres deixar-nos? — inquiriu.
— Assim é, menina Cristy.
Cristy protestou:
—Porém... porém isso é absurdo! Precisamente agora...
Mordeu os lábios, perturbando-se ao compreender que havia estado a pontoe de deixar escapar. Seu pai franziu a testa, olhou-os e rouquejou:
— Acaba de entrar e de dar-me a notícia. E aí o tens, especado, sem me dar explicação nenhuma. Vê lá tu se lha podes conseguir.
— Não há nenhuma, patrão, além do que lhe disse. Cansei-me de estar aqui, é tudo.
— Olha para mim, Mike Morgan. Estás a mentir e todos sabemos. Tu tens outro motivo e eu quero conhecê-lo, agora mesmo.
A veemência da jovem fez franzir ainda mais a testa de seu pai e pôs urna expressão de amargura nos lábios de Mike.
— Pode ser que eu seja tão embusteiro como cobarde, menina Cristy — disse calmamente.
Ela mordeu os lábios, fazendo-se vermelha até à raiz dos cabelos.
— Então... então é por minha culpa... Mas já te pedi perdão!
— Não... não é por isso.
— Sai, Cristy. Deixa-nos sós e não pares a escutar do outro lado da porta.
— Oh! Papá!
— Sai, Cristy.
Turbada, ofendida, temerosa, a jovem hesitou uns momentos, olhou suplicante e compungida o impassível Mike e depois obedeceu, mordendo os lábios.
Ao ficarem sós, Joyce adotou um tom mais brando.
— Vamos a ver, rapaz, se posso tirar-te da cabeça essa ideia absurda. Dizes que queres marchar hoje mesmo, sabendo bem que ainda não estás em condições de galopar. E dás uma explicação absurda. Que tal se virarmos as cartas com as pintas para cima?
— Eu já as pus.
— Não me faças rebentar de novo com a tua casmurrice. Sabemos que não é verdade. Vamos... é por Cristy? Sê sincero.
— Por ela também.
— Hum! Já o suspeitava. Não te consideras digno da minha filha... Bem, rapaz, deixa que Cristy e eu decidamos o que consideramos mais conveniente. Admito que até há pouco tempo os dois não tínhamos de ti um conceito lá muito bom. No entanto, a tua conduta fez mudar os nossos pontos de vista. Pela minha parte, não quero que deixes o meu serviço. E estou disposto a dividir a autoridade de capataz entre ti e Jim Thornton...
— Sabe que não poderia...
— Como? Hum! Bem, talvez... Porém, aqui sou eu o patrão. E tenho muitas reses, muita terra e muitos vaqueiros e peonagem. Um só capataz não pode abarcar tudo de maneira a sentir-me satisfeito.
—Thornton não o toleraria. Além disso, eu tão-pouco quero esse lugar.
—Porque não? Vê bem, sê razoável, rapaz! Dou-te o cargo por inteiro. Sei que Thornton te vê com maus olhos, desde que Cristy começou a mimar-te demasiado e a demonstrar as suas preferências por ti...
— Deixe-o estar, patrão.
— Com todos os diabos! Estás a tornar tudo muito difícil, filho! Estou a tratar de te meter na moleirinha a ideia de que, se minha filha gosta de ti, não penso opor-me ao vosso casamento, agora que já demonstraste que és capaz de a proteger e também ao rancho. Incluo, se na tua vida passada existe alguma coisa pouco clara... bem, bastaria que, de homem para homem, tudo me contasses agora e me prometesses não reincidir. Mike escutava-o muito pálido e grave. Respondeu com voz clara e aguda:
— Nunca lhe agradecerei bastante as suas palavras, senhor. Porém, daria a sua filha a um assassino?
Joyce sentiu como uma forte cacetada na nuca.
— Um assassino... tu?
Mike assentiu.
— Sim, eu. E não pergunte mais nada. Sua filha, esquecerá facilmente, se é que alguma coisa começou a sentir por mim. E eu não devo aproveitar-me da sua generosidade para causar-lhe um dano irremediável. Dê-me, pois, a minha soldada, e deixe-me partir sem mais perguntas.
Cristy estava no pórtico da casa, entrançando e desentrançando as mãos, com gesto nervoso. Ao ver surgir Mike, cortou-lhe o passo e começou a falar com veemência:
— Mike, eu...
Com um triste sorriso, Mike cortou-lhe a palavra:
— Não diga nada, menina Cristy. Parto agora mesmo.
Cristy perguntou:
—Porquê? Porquê? Preciso de uma explicação. Não podes deixar-me... bem... assim... assim... Não quero que partas, Mike Morgan. Compreendes? Não quero!
Mike pegou-lhe nas mãos, abanando-a.
— Não há outra solução, Cristy Joyce. Nenhuma. Não a mereço, creia. E o melhor que posso fazer por si é afastar-me.
— Mas... porquê... porquê?
Mike respondeu:
— Por muitas coisas. Cada um deve pagar o que faz... e não deve saber mais. Até nunca, Cristy Joyce... jamais a esquecerei.
Inclinou-se bruscamente e beijou-a na testa. Ela fechou os olhos.
Quando os abriu, Mike já caminhava para o estábulo, onde já tinha o cavalo encilhado. Quis chamá-lo, mas um nó apertou-lhe a garganta. Ia-se embora... para sempre. Com um terrível segredo que lhe impedia corresponder ao seu amor... amando-a...
— Oh! Mike! Mike! Que terás feito? — gemeu, tapando a cara com as mãos.

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