sexta-feira, 28 de abril de 2017

PAS740. Um cobarde cansado de o ser

Mike ia pela rua devagar, como abstraído nos seus pensamentos. Porém, não o estava tanto que não reparasse em duas coisas de sumo interesse. A primeira, a presença do xerife Bracken diante do armazém de Steele, enrolando calmamente um cigarro e olhando na sua direção. A segunda, o tipo que, apenas o viu. se apressou a entrar no «Prairie Saloon»
Quando os batentes do mesmo se abriram, dando passagem a Dogan, toda a rua se pôs em movimento. Enquanto os homens se aprestavam a assistir à iminente peleja, as mulheres apressaram-se a chamar seus filhos e a meterem-se em suas casas, receando o que ia passar-se.
Mike seguiu o seu caminho no mesmo passo. Não pareceu ter visto Dogan. Sem embargo, o seu rosto parecia agora mais velho e os olhos afundavam-se-lhe nas órbitas.
Dogan saiu para a rua com gesto fanfarrão, ajustando o cinturão e deixando logo a mão direita junto à coronha do revólver. A ninguém cabia a menor dúvida acerca das suas intenções. Tinha todo o rosto tumefacto, com grandes marcas dos punhos de Mike. E brilhavam de ódio os seus olhos inchados.
Quando Mike se encontrava a uns quarenta metros dele, levantou a voz em tom agressivo:
—Eh! Tu, porco! Chegou o momen...
O que então sucedeu dificilmente seria esquecido  por aqueles que puderam presenciá-lo.
Todos esperavam um duelo à maneira clássica do Oeste, ou uma nova retirada de Mike Morgan, pois, a falar verdade, muitos poucos confiavam que aceitasse o claro desafio. O que ninguém pôde prever, nem mesmo Bracken, foi o que aconteceu.
A mão direita de Mike desceu para a sua arma com tal velocidade que ninguém pôde seguir-lhe os movimentos. A distância era tal que ninguém, a não ser um magnífico atirador, teria iniciado a ela um duelo a tiro. O mesmo Dogan, que não atirava mal, pensava aguardar a clássica distância dos vinte e cinco a trinta metros.
Quando quis puxar do revólver, os seus movimentos tornaram-se ridiculamente lentos em comparação com os de Mike. Soou um estalido e todos viram brotar urna chama alaranjada da arma de Mike e o revólver que Dogan começava a tocar saltou velozmente do coldre, enquanto o pistoleiro retirava a mão instintivamente, com gesto dolorido. Um momento depois, a arma, avariada pelo choque da bala contra o tambor e o gatilho, caía no pó do caminho.
Desarmado, com a mão entumecida, Dogan enfiou uma série de pragas e juramentos soezes, enquanto a cara se lhe punha cinzenta. Segundo o estabelecido na lei do Oeste, ninguém podia impedir Mike de dar novo tiro e meter uma bala na cabeça do adversário.
Mike continuou a avançar no meio de um silêncio sepulcral. A sua mão empunhava firmemente o revólver, apontando ao cada vez mais nervoso Dogan. Este começou a mover os pés, a passar a língua pelos lábios subitamente ressequidos.
A tensão tornou-se insuportável. Homens, mulheres e crianças aguardavam o tiro inevitável com a alma em suspenso. O próprio Bracken, com o sobrolho franzido, tirou um cigarro e deu um passo, baixando a mão até ao cinto.
Mike não tinha nenhuma pressa, ao que parecia. Calmamente, chegou a dez passos de Dogan, a seis, a cinco, a quatro...
O pistoleiro estava lívido e encolhido, com os olhos a saírem-lhe das órbitas. Tinha-se-lhe secado a garganta e o pomo-de-adão movia-se-lhe espasmodicamente. Nem sequer podia falar, porque era a única pessoa em condições de ver bem os olhos de Mike, o pusilânime. E o olhar daquelas pupilas tinha-o deixado gelado até à medula dos ossos.
Quando Mike chegou a três passos de Dogan levantou lentamente o revólver. Uma mulher tapou a cara com as mãos. Outra gemeu. Um homem gritou roucamente:
— Deus, vai fazê-lo!...
A destra de Bracken caiu pesadamente sobre a coronha da sua arma.
Mike deu outros dois passos, mantendo fixo o olhar sobre os olhos de Dogan, cuja fronte estava pulada de suor frio. Depois...
Depois levantou o revólver velozmente.
Uma mulher guinchou.
O cano da arma caiu sobre o rosto de Dogan, partindo-lhe o nariz e os lábios com um ruído seco;
O pistoleiro vacilou, gritando quaisquer palavras ininteligíveis. E levantou ambas as mãos, para proteger o destroçado rosto.
O cano do revólver chocou de novo, violentamente, com a sua cara. E Dogan tombou, como um saco deixado cair de golpe, ficando feito num farrapo sobre o solo, a cara convertida numa massa de carne sanguinolenta e sangrando copiosamente. Porém vivo.
Foi como se levantassem de repente uma imensa lousa. Soaram vozes, murmúrios, rumor de homens movendo-se. O revólver de Bracken caiu no seu coldre, enquanto o xerife esboçava um sorriso duro e pensativo. As mulheres respiraram com alívio e toda a gente olhou Mike Morgan de uma maneira muito diferente.
Impassível, tendo deitado apenas uma olhadela ao castigado assassino, Mike guardou o revólver e passou ao lado do caído Dogan, seguindo o seu caminho com a mesma tranquilidade, sem olhar para ninguém de maneira especial, com um duro sorriso à flor dos lábios.
Sabia que Bracken estivera a ponto de intervir e que não o deixaria afastar-se, mesmo assim, sem mais nem menos. Não moveu, pois, um músculo, quando o xerife desceu do passeio e se aproximou pausadamente. Os dois homens enfrentaram-se no meio da rua, renovando-se a expectação geral.  
— Foi um bom trabalho, Morgan.
— O senhor acreditou que eu ia matá-lo a sangue-frio.
— Confesso que sim... por um momento. O senhor é um atirador de primeira ordem.
— Defendo-me.
— Já vi.  E pergunto-me como as gentes daqui chegaram a pensar que o senhor era um cobarde.
— Às vezes, até os cobardes se cansam de o ser.

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