quarta-feira, 27 de julho de 2016

PAS646. A última missão do cavaleiro ferido (4)

Bastaram uns segundos para que o tenente Olson se encontrasse junto da sentinela e de Macleed. Encontrou o homem de vigia bastante agitado, apontando com o braço estendido para a planície que se abria, interminável, diante do pequeno forte.
— Um cavalo e um cavaleiro, senhor! — anunciou. — E repare em todos esses abutres.
O oficial compreendeu num abrir e fechar de olhos a situação difícil daquele desgraçado, a quem apenas a força da montada aproximava do forte. Voltando-se ao mesmo tempo que empunhava o apito que trazia sempre num dos bolsos, Mith levou-o aos lábios e emitiu um silvo prolongado que, momentos depois, o corneteiro repetia junto dos barracões que havia ao lado da cozinha.
Abriram-se as portas e os homens saíram em tropel. Segundos depois, corriam para as cavalariças, de onde não tardaram a surgir já a cavalo, enquanto a sentinela da outra torre havia descido para abrir a dupla porta que havia entre os postos de observação.
Macleed, entretanto, abandonara o alto da torre mal soara o apito de Olson e segurava sua montada e a do seu superior pela brida.
De um salto, Olson montou e esporeou o animal, que saiu lançado como uma flecha em direção àquele ponto que se destacava sobre a planície e cuja situação se podia ver perfeitamente graças aos abutres que, decididos agora a tudo, o rodeavam.
Efetivamente, um dos abutres havia-se lançado por fim sobre a cabeça do animal, desferindo-lhe uma furiosa bicada. O animal encabritara-se e, como consequência, o corpo do cavaleiro deslizava da sela para o solo, onde jazia agora estendido com os braços em cruz, olhando para um sol que já não podia ver.
Lançando grasnidos selvagens, o resto dos abutres preparou-se para se precipitar sobre o corpo do homem, já que o animal, ferido na cabeça, abanando o pescoço e escoiceando o ar, se afastava espantado, correndo a toda a velocidade para o forte, onde, segundo a sua intuição lhe dizia, se encontrava a única salvação possível naquele caso.
Dando-se conta do que estava a suceder, Olson, sem deixar de galopar, voltou-se para os seus homens e ergueu o braço direito.
Seis carabinas dispararam ao mesmo tempo.
Três dos abutres tombaram pesadamente no solo, movendo as imensas asas como se se despedissem da vida. Os outros, assustados, afastaram-se do corpo do homem, a quem já estavam dispostos a dar as definitivas e fulgurantes bicadas que lhe teriam desfeito a cabeça num abrir e fechar de olhos.
Felizmente, o tenente e os seus homens acabavam de chegar.
Disparando raivosamente contra o resto dos abutres os batedores, sob as ordens do oficial, encarregaram-se de recolher o corpo inanimado do homem e colocaram-no com sumo cuidado sobre um dos cavalos. Segundos depois, voltavam a toda a velocidade para o forte, onde o doutor Walter poderia prestar-lhe assistência imediata.
Donald recuperou o cavalo ferido na cabeça e levou-o para a cavalariça, onde o tratou com carinho, limpando--lhe o suor e preparando-lhe uma ração de feno após ter feito dessedentar-se numa tina repleta de água transparente.
Entretanto, na enfermaria, o doutor Walter, pertencendo também ao Corpo de batedores do Texas, encontrava-se a limpar as feridas do corpo desnudado do homem. A seu lado, o tenente Olson e o sargento Macleed observavam espantados aqueles enormes e graves ferimentos que, a seus olhos, tal como aos do médico, não ofereciam possibilidade alguma de se recuperar aquela vida humana.
O ferido gemeu debilmente.
— Doutor...
Walter moveu a cabeça para o oficial.
— Que deseja, senhor?
— Este homem não viverá muito. Por que não damos um pouco de uísque? Ele tem de falar, doutor!
— Compreendo-o.
Foi o sargento quem aproximou o cantil dos lábios do ferido, cuja cabeça havia sido soerguida pelo médico. Os lábios estavam gretados, trémulos, quase arroxeados. Mas aquele infeliz bebeu um par de golos de uísque, tossindo ao princípio, cuspindo depois quando a primeira reação à violenta bebida se produziu e, finalmente, engolindo com tranquilidade e vagar. E não tardou a surgir-lhe na face um tom levemente rosado.
Abriu os olhos.
Durante uns instantes o seu olhar pareceu concentrar-se num ponto infinito, em algo que nenhum dos presentes podia compreender. Depois, pouco a pouco, à medida que os seus olhos adquiriam um brilho mais vivo, moveu a cabeça e, ao ver o rosto do tenente, do médico e do sargento, esboçou um ténue e triste sorriso que mais pareceu uma careta que outra coisa.
Foi só nessa altura que Olson o identificou.
— Você é o senhor Samuelson, não é verdade? — inquiriu, aproximando o rosto do ferido.
— Sim... — respondeu o outro com um fio de voz.
— Que aconteceu?
Um estremecimento percorreu o corpo do moribundo. Por um momento o tenente receou que aquele fosse o sinal evidente da morte que se apoderava a pouco e pouco do corpo do ancião. Mas dominando o terror que devia ainda intimidá-lo, o ferido lançou um novo e profundo suspiro, dizendo depois com voz débil, dificilmente audível:
— Foi... horrível... senhor...
— Acalme-se — interveio o médico, que tinha a mão direita apoiada no lado esquerdo do peito do ferido, percebendo assim melhor do que os outros a irregularidade das pulsações daquele coração que estava quase a parar para sempre.
— Foi horrível... — repetiu o velho. — Atacaram-nos... tenente...
— Quem?
— Os índios...
Mith franziu o sobrolho.
— Que índios? — insistiu, olhando o ferido com fi-xidez.
— Não sei... Eu não os conheço...
O sargento interveio, aproximando-se por sua vez do moribundo.
— Por favor, senhor Samuelson. Não responda por agora. Escute-me. Bastará mover a cabeça afirmativa ou negativa. Compreende?
Samuelson fez um gesto afirmativo.
— Eram índios?
A cabeça do ancião moveu-se em sinal afirmativo.
— Usavam um lenço amarrado à volta da cabeça?
O moribundo voltou a dizer que sim, mas cada vez com maior dificuldade.
— De que cor?
Os lábios do velho moveram-se, mas nenhum som lhe saiu da boca. Finalmente, compreendendo que havia formulado uma pergunta de maneira equívoca, o sargento apressou-se a inquirir:
— Vermelho?
Samuelson negou com a cabeça.
— Amarelo?
Uma nova negativa.
— Azul?
Samuelson, desta vez, disse que sim com a cabeça.
O sargento lançou um rugido, voltando-se depois para o oficial.
— São os «chiricaguas» de Jimeno, senhor. Não há a menor dúvida. Sempre usaram um lenço azul na cabeça.
Para se distinguirem dos «apaches chiricaguas» de Jerónimo, os índios de Jimeno, os mesmos que tantos problemas lhes haviam levantado no Inverno anterior, amarravam a testa com um lenço de intensa cor azul; já não havia qualquer dúvida quanto à identidade dos atacantes de New Ville.
Foi a vez do tenente interrogar o ferido:
— Há mais sobreviventes?
Por momentos o moribundo deu a impressão de que não responderia. Mas fazendo um supremo esforço, o último, moveu a cabeça, tristemente, de um lado para o outro. Depois, lançando um grito rouco, que lhe saiu do mais fundo do seu peito, tentou erguer-se, apoiando os braços na cama onde jazia. Abriu os olhos desmesuradamente, ao mesmo tempo que estes adquiriam uma cor vítrea que não deixava margem para quaisquer esperanças. Depois, com a boca aberta, como se quisesse respirar todo o ar que já não podia entrar nos seus pulmões, permaneceu um par de segundos naquela estranha e trágica posição. Caiu finalmente para trás e, inclinando a cabeça para o lado direito, ficou imóvel para sempre.
A mão do médico continuava pousada sobre o tórax do ancião.
— Morreu — anunciou.
Olson olhou o pobre velho com simpatia. O seu corpo desnudado mostrava bem que apesar de a idade continuava a ser um homem forte, que viveria muitos anos se a morte não o atingisse de modo tão violento. Uma vida ceifada sem proveito algum... Como outras que, tal como dissera antes de morrer, haviam sido destruídas para sempre naquela terra onde a erva, inclusive sob um sol de fogo, era alta e se movia como o dorso imenso de um animal gigantesco.
— Maldito Jimeno; — resmungou o sargento.

Sem comentários:

Enviar um comentário