domingo, 18 de outubro de 2015

PAS548. O homem com a marca do diabo

Farnum voltou ao «saloon». Viu, então, que Andy Kinder estava derrotado e Ned Linton triunfante.
— Que há, Ned? — perguntou Farnum.
— A obstrução à Justiça acarreta uma forte condenação, não é verdade, xerife?
— Claro. Uns cinco anos, pelo menos — exagerou Farnum.
— Era isso que eu estava a dizer a Andy. Fala, Andy.
— Bem, Knox veio pedir-me que deixasse aberto o «saloon» depois da meia-noite. Não sei o que estão a cozinhar, mas eles estarão aqui antes da madrugada. — E Kinder encheu um copo com a mão a tremer, bebendo-o antes de acrescentar: — Parece-me que lhe preparam uma cilada e que o senhor não poderá contar com ninguém.
— Já sei isso há muito tempo, Andy.
Saíram. Na rua, Farnum comentou:
— Suponho que os criadores de gado não acreditam que os lavradores se atreverão a linchar Benson. De outro modo teriam atacado já.
No templo dos lavradores as luzes estavam acesas, mas agora, em vez das vozes agudas das mulheres, ouviam-se baixos e tenores. O hino era bonito: «Minha pequena ermida no vale».
Tirando o chapéu, entrou seguido por Linton. O pregador Korvin marcava o compasso com a mão. O cântico estava no final e Ned Linton entoou as palavras românticas:
«Oh, vem comigo à ermida do bosque,
Oh, vem comigo ao lugar da minha infância,
À pequena ermida do vale».
Havia uns quarenta cantores, cujas carabinas e espingardas de dois canos estavam inclinadas contra as paredes do templo. Um jovem lavrador tocava o órgão, apoiando pesadamente os grossos dedos nas teclas.
E Clay Korvin tinha qualquer coisa de convicção fanática na comprida face tenebrosa, como guerreiro prestes a triunfar.
Stone Farnum avançou lentamente pelo corredor. Os lavradores iam voltando a cabeça ao ouvir os seus passos. Korvin juntou as espessas sobrancelhas, furioso, e gritou:
— Está a manchar o templo do Senhor! Vá-se embora!
Voltando-lhe as costas, Farnum ficou virado para os lavradores. Na primeira fila viu Elmer Leroy, o pai do rapaz assassinado. Os seus outros três filhos alinhavam-se do mais velho ao mais novo, à sua direita.
— O senhor traz a marca do Diabo! — gritou Korvin. — O senhor e o seu futuro genro! Não tem nada que fazer aqui.
— E mesmo que o Diabo me marcasse não posso entrar no seu templo, Korvin?
Elmer Leroy interveio:
— Deixe-o falar, pregador. Está no seu direito, e para qualquer pecador não há melhor lugar que um templo.
Uma dezena de vozes entoou:
— Amen.
— Diga depressa o que tem a dizer e vá-se embora! — ordenou Korvin.
Farnum contemplou em silêncio as filas de rostos curtidos, obstinados, daquela gente que trazia um propósito definido. Boa gente habitualmente, estavam agora desesperados e eram capazes de tudo.
— Em primeiro lugar devo dizer-lhes que eu represento a Lei. E suponho que a Lei tem diferentes significados, pois todos os homens são diferentes. Consta-me que a Lei nem sempre foi aplicada com honestidade, sem sempre foi aplicada com justiça, mas os senhores podem verificar isto: desde que estão em Noland County, pode alguém dizer, sem faltar à verdade, que eu não apliquei a Lei honestamente e com justiça?
Não esperava resposta e prosseguiu:
— Acho estranho ver armas de fogo no templo do Senhor. Recordo-me de ter lido no colégio alguma coisa sobre os peregrinos que iam rezar ao templo, levando as suas armas, para se protegerem dos índios; mas que eu saiba, não há índios nesta região.
— Já falou bastante, Farnum! — gritou Korvin. — Nós procuraremos que a Justiça seja aplicada, e o senhor não irá impedi-lo com palavras.
De pé, Elmer Leroy advertiu:
— Esse homem ainda não acabou de falar, pregador.
Korvin perdia terreno, pensou Farnum, pois teve de convidar:
— Pode falar, Farnum.
— Já me chegou aos ouvidos o que se propõem fazer. E ao ver as vossas armas de fogo neste templo, verifico que o que ouvi é verdade. Tenho por isso de vos lembrar que não podem tirar Benson da prisão sem me matar primeiro a mim e a Bliss Harlan. E isto transformar-vos-ia em assassinos. Estiveram já no meu gabinete. Sabem que as escadas são estreitas e dois homens esperando em cima matarão muitos de vós. As vossas famílias necessitam de cada um de vós. E a minha necessita também de mim.
— O Senhor está connosco, a nosso lado! — exclamou Korvin.
— Por favor, Korvin; não invoque a despropósito O que é misericordioso para com todos, pregadores e pecadores. O Senhor não pode nunca estar ao lado de quem mate contra a Lei. Tenho ouvido comentar sujamente que sendo Marty Munroe um criador de gado e desejando ele libertar Benson, eu o permitiria porque Munroe vai casar com minha filha. Isso é uma suja mentira. Se Munroe tentar qualquer coisa, mato-o, como matarei qualquer outro que tente contra a Lei que eu represento.
— Tinha de dizer isso — grasnou Korvin. — Mas eu digo-vos que se a Justiça há-de cumprir-se, nós nos encarregaremos de fazer justiça.
Continuando voltado para os lavradores e sem olhar para o fanático puritano, Farnum declarou:
— Benson foi capturado por mim e Harlan. Foi julgado e condenado a morrer na forca amanhã às nove da manhã. Eu prometo-vos que assim acontecerá. Mas qualquer acto de violência da vossa parte colocar-vos-ia fora da Lei e serieis castigados por tentar fazer uma coisa que será feita poucas horas depois legalmente. Muitos de vós votaram por mim. Fizestes isso porque confiáveis em mim, de outro modo não me teríeis elegido. Agora só vos peço uma coisa: confiem em mim.
Dando um passo em frente, parou diante de Elmer Leroy.
— Compreendo quais sejam os seus sentimentos, porque tenho um filho em Denver, de dezanove anos — a mesma idade que tinha Young Leroy. É de toda a justiça que Mack Benson pague com a forca o que fez; mas, é justo condenar vários de vós a morrer por coisa nenhuma?
Solenemente, como se naquele momento caísse em si, disse Leroy:
— Não, não é justo que mais alguém morra, além de Mack Benson.
Korvin bateu com as mãos no rebordo do púlpito:
— Já que falamos de Justiça: É justo que deixemos livres os que pagaram a Benson para matar?
Esta era a pergunta que Farnum receava. Replicou:
— Quando tiver provas contra aquele ou aqueles que pagaram, serão presos e julgados, mas isto não tem agora nada que ver com o que se propunham realizar os que estão aqui reunidos. Deixem que Mack Benson morra na hora marcada segundo determina a Lei.
— Não tinha mais nada a dizer. Saiu do templo, e, na rua, Linton disse:
— Falou-lhes acertadamente, Stone. Se Korvin não voltar a envenená-los...
— Korvin julga-se justo, a seu modo. E aí é que está o mal.
Chegaram ao hotel e Linton despediu-se Farnum continuou a marchar em direcção ao bloco de pedra e troncas, alto e negro, que era o edifício da Lei.

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