quinta-feira, 28 de setembro de 2017

PAS791. Nas mãos de um ser asqueroso

Pierce veio visitá-la algumas horas depois, dando-lhe um tratamento amabilíssimo como se se tratasse de uma verdadeira hóspede. Ela respondeu com monossílabos às interrogações que o homem lhe dirigia, perguntando-lhe, em certo momento, à queima-roupa:
— Está na disposição de me mandar para casa depois de receber o preço do resgate?
Pierce titubeou e abriu ainda mais o seu sorriso!
— Estás a ser muito curiosa, pequena. Ainda não temos o dinheiro em nosso poder.
E sem acrescentar mais palavra, abandonou a cabana precipitadamente. «Bela Estrela» entrou a seguir, a fim de lhe trazer mais comida. Doris, que elaborara já o seu plano, experimentou pô-lo em prática. Sondou-a.
— Impossível fugir daqui — respondeu. — Já, certamente, verificaste que ninguém se dá ao trabalho de fechar a porta da tua prisão. Para quê? Existe apenas um caminho que está permanentemente vigiado. Qualquer homem, sem mais ajuda, poderá fazer frente a mais de um cento.
— Não queres ajudar-me? — queixou-se a jovem.
— Não é bem assim. Não é não querer; é não poder. A tua sorte depende exclusivamente de ti; ou ficas aqui a compartilhar a sorte de muitas outras desgraçadas que, como tu, vivem para o capricho do bando, ou...
Efetivamente, Doris tinha observado em diversas ocasiões, através da porta entreaberta, que algumas mulheres deambulavam por ali, entrando e saindo da casa principal. Ficou-se novamente sozinha, com os seus receios e com os seus remorsos, recriminando-se a si própria pelas desgraças que até aí lhe tinham sucedido e que eram o fruto da sua insensatez, ao ter persistido em seguir viagem, a despeito dos perigos que lhe anunciaram.
O dia decorreu com toda a normalidade. A noite há muito já que cobria toda a terra, mas ela persistia em manter os olhos abertos, estendida sobre a cama, com a atenção posta na porta de entrada, único ponto que podia ser utilizado por quem intentasse...
Estremeceu. Um débil ruído preveniu-a de que alguém tentava levantar o tranquete. Encolheu-se toda e esperou, anelante, alguns segundos. A escuridão era absoluta e uma aragem fresca que lhe beijou as faces deu-lhe a entender que a porta se abria lentamente. Mal teve tempo para dizer:
—És tu Bela?
Agora sim, podia ver nitidamente que um vulto deslizava para dentro, fechando a porta atrás de si e que um vago riso lhe punha os cabelos em pé.
— Isso é uma galanteria? — sussurrou uma voz. —Bela, eu?
 E o estúpido sorriso do homem ria-se agora da sua própria ironia.
Doris já não podia ter dúvidas acerca de quem se tratava: era aquele repugnante homem de pelo ruivo que durante o caminho lhe insinuara as suas pretensões amorosas.
A jovem ficou paralisada pelo terror. Apenas os seus olhos se revolviam nas órbitras, acompanhando aqueles outros olhos que cintilavam na obscuridade e avançavam em direção à cama. Ouviu o respirar ofegante do homem de mistura com um risinho soez.
— Eu só pretendo ajudar-te sabes, minha rosa? Anda, se fores condescendente comigo verás como 'ficamos a rir-nos de todos os outros... Gosto tanto de ti!
E como a jovem não se movia nem gritava em virtude do pânico e da repugnância de que estava possuída, foi aquele silêncio tomado pelo homem como um sinal de anuência aos seus desejos, sem suspeitar que era tudo fruto do nojo e da repulsa que Doris sentia por ele. Inclinou-se e pegou-lhe pelos ombros, na intenção de aproximar o seu rosto do dela. O contacto daquelas horríveis mãos devolveram à jovem toda a energia do seu carácter, levando-a a reagir de uma maneira altamente dolorosa para o homem: as suas afiadas unhas enterraram-se na epiderme de Godfrey, muito próximo dos olhos que certamente lhe teriam saltado das órbitras, se não tivesse cerrado instintivamente as pálpebras.
As mãos de Godfrey abandonaram os ombros de Doris para descerem até ao seu frágil pescoço que apertou com a maior violência, vendo-se a jovem na contingência de retirar as suas mãos da cara do homem para conseguir libertar-se das garras que a impossibilitavam de respirar. O homem, como não tinha intenção de a estrangular, deixou de comprimir-lhe o pescoço para lhe prender os braços, impossibilitando-a assim de toda e qualquer defesa.
— Talvez me tivesse desgostado se te tivesses entregado sem resistência; assim é mais saboroso — segredou-lhe ele ao ouvido.

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