(Coleção Colorado, nº 99)
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
terça-feira, 29 de agosto de 2017
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
domingo, 27 de agosto de 2017
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quinta-feira, 24 de agosto de 2017
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
terça-feira, 22 de agosto de 2017
BUF015. Epílogo
Telegrama de John Campbell, de Rockville, para Richard Atkins, em Tuscaloosa:
«Caro Dick Stop Fico em Rockville Stop Casamento breve Stop Triunfarás só porque és bom Stop Desejo êxitos e rápido matrimónio Marion Rolls Stop Um forte abraço Stop Johnny.»
Telegrama de Richard Atkins em Tuscaloosa para John Campbell, de Rockville:
«Caro Johnny Stop Sinto separação Stop Marion aceitou minha branca mão Stop Felicidades teu casamento Stop Aí vai minha prenda Stop Em Everton trinta milhas de Tuscaloosa capturado Ronald Appleton Stop Confessou ser autor assassínio Kovitz Stop Quis roubá-lo e matou-o ao intentar resistir Stop Encarrego-me reabilitação David Hubert Stop Escreverei Stop Um forte abraço Stop Dick.»
FIM
BUF015. CAP X. O inevitável pedido de casamento
Campbell, com à cara repleta de pedaços de adesivo, escutava as explicações de Parker no escritório de Jonathan Hubert.
— Eis o que se passou depois do senhor se ter ido embora! Victória ouvira o discurso que fez aos lavradores e, quando nós saímos daqui, ela meteu-se cá dentro. O certo é que, ao despedirmo-nos, eu fiquei preocupado com o passo que o senhor ia dar e regressando escutei Victória dirigindo a palavra aos lavradores. Estava-lhes contando que o senhor não era o David e que tinha vindo a Rockville, sem conhecer ninguém e sem qualquer interesse económico, com o único objetivo de ajudar a terra a desfazer-se do bando de Burnet... enfim, esteve a falar sobre o egoísmo deles e outras coisas. Quando terminou, tinha-os entusiasmado e disposto a bater-se mesmo que fosse contra o diabo se estivesse aliado aos piratas!
— Não me quis receber. Chamei-a da porta dos seus aposentos e está fechada à chave.
— Bem. Não dê muita importância a isso. Já sabe como as mulheres são estranhas.
Campbell ficou uns segundos pensativo, e como ' se falasse consigo mesmo, disse:
— Encontro-me numa linda situação. O assunto está liquidado, e é hora de regressar ao meu escritório de Tuscaloosa. Mas acontece que o velho, quero dizer o senhor Hubert, não sabe que eu apenas fui um impostor...
— Pois está enganado, senhor Campbell! —advertiu-o uma voz, nas suas costas.
O advogado voltou-se como uma centelha e mastigou em seco vendo no umbral da porta o próprio Jonathan Hubert. Este sorria, e não parecia tão doente como seria de prever, tendo em conta o diagnóstico do doutor Morley.
Avançou para Johnny, dizendo:
— Desde o dia que chegou que eu descobri que o senhor não era David.
—Ê possível? Mas haverá alguém nesta casa que não supusesse quem eu era realmente?
Parker afirmou que o desconhecia até o ter ouvido a Victória.
— E como o soube, afinal, senhor Hubert?
— O meu filho, quando tinha cinco anos, disparou um tiro ao brincar com uma pistola que descuidadamente deixara na secretária. O projétil produziu-lhe um ferimento nas costas da mão direita. Era uma cicatriz enorme, daquelas que se levam para o caixão. Quando o senhor
se aproximou de mim para me abraçar no nosso primeiro encontro, procurei-o...
— Não prossiga. Sinto-me o ser mais ridículo do Mundo.
— Não diga isso. Fez muito bem em Rockville. O seu nome ficará gravado a letras de oiro na história da comarca. Confesso que ao descobrir que era uni impostor, tive as minhas dúvidas a respeito das suas intenções. O lógico era que viesse à caça da herança...
— Deixemos isso — sugeriu Johnny — e agora diga-me alguma coisa acerca da sua doença... — Achaques da velhice — sorriu Jonathan. — Nada mais?
—O doutor Morley e eu estávamos combinados. Lembrou-me de agravar o meu estado quando recebi a primeira carta de David. Tentava assim conseguir, embora à custa de alguns sustos para Victória, que viesse depressa — na voz de Hubert houve um tremor.
— E o último ataque? Por que o simulou?
— Via que as coisas atingiam o auge. Terá de me perdoar, mas fi-lo para obrigar o senhor a adotar essa decisão de chamar os lavradores. A mim, jamais me teriam escutado.
— Nem a mim tão-pouco me atenderam! — exclamou Campbell.
— Bem. Mas preparou o terreno a Victória. — Também sabe isso?
— Venho do quarto de minha filha. Ali tivemos um ror de confidências. Segredo por segredo.
— Eis o que se passou depois do senhor se ter ido embora! Victória ouvira o discurso que fez aos lavradores e, quando nós saímos daqui, ela meteu-se cá dentro. O certo é que, ao despedirmo-nos, eu fiquei preocupado com o passo que o senhor ia dar e regressando escutei Victória dirigindo a palavra aos lavradores. Estava-lhes contando que o senhor não era o David e que tinha vindo a Rockville, sem conhecer ninguém e sem qualquer interesse económico, com o único objetivo de ajudar a terra a desfazer-se do bando de Burnet... enfim, esteve a falar sobre o egoísmo deles e outras coisas. Quando terminou, tinha-os entusiasmado e disposto a bater-se mesmo que fosse contra o diabo se estivesse aliado aos piratas!
— Não me quis receber. Chamei-a da porta dos seus aposentos e está fechada à chave.
— Bem. Não dê muita importância a isso. Já sabe como as mulheres são estranhas.
Campbell ficou uns segundos pensativo, e como ' se falasse consigo mesmo, disse:
— Encontro-me numa linda situação. O assunto está liquidado, e é hora de regressar ao meu escritório de Tuscaloosa. Mas acontece que o velho, quero dizer o senhor Hubert, não sabe que eu apenas fui um impostor...
— Pois está enganado, senhor Campbell! —advertiu-o uma voz, nas suas costas.
O advogado voltou-se como uma centelha e mastigou em seco vendo no umbral da porta o próprio Jonathan Hubert. Este sorria, e não parecia tão doente como seria de prever, tendo em conta o diagnóstico do doutor Morley.
Avançou para Johnny, dizendo:
— Desde o dia que chegou que eu descobri que o senhor não era David.
—Ê possível? Mas haverá alguém nesta casa que não supusesse quem eu era realmente?
Parker afirmou que o desconhecia até o ter ouvido a Victória.
— E como o soube, afinal, senhor Hubert?
— O meu filho, quando tinha cinco anos, disparou um tiro ao brincar com uma pistola que descuidadamente deixara na secretária. O projétil produziu-lhe um ferimento nas costas da mão direita. Era uma cicatriz enorme, daquelas que se levam para o caixão. Quando o senhor
se aproximou de mim para me abraçar no nosso primeiro encontro, procurei-o...
— Não prossiga. Sinto-me o ser mais ridículo do Mundo.
— Não diga isso. Fez muito bem em Rockville. O seu nome ficará gravado a letras de oiro na história da comarca. Confesso que ao descobrir que era uni impostor, tive as minhas dúvidas a respeito das suas intenções. O lógico era que viesse à caça da herança...
— Deixemos isso — sugeriu Johnny — e agora diga-me alguma coisa acerca da sua doença... — Achaques da velhice — sorriu Jonathan. — Nada mais?
—O doutor Morley e eu estávamos combinados. Lembrou-me de agravar o meu estado quando recebi a primeira carta de David. Tentava assim conseguir, embora à custa de alguns sustos para Victória, que viesse depressa — na voz de Hubert houve um tremor.
— E o último ataque? Por que o simulou?
— Via que as coisas atingiam o auge. Terá de me perdoar, mas fi-lo para obrigar o senhor a adotar essa decisão de chamar os lavradores. A mim, jamais me teriam escutado.
— Nem a mim tão-pouco me atenderam! — exclamou Campbell.
— Bem. Mas preparou o terreno a Victória. — Também sabe isso?
— Venho do quarto de minha filha. Ali tivemos um ror de confidências. Segredo por segredo.
Por fim, disse-me que lhe doía um pouco a cabeça e foi para o. bosquezinho de álamos.
— Não a vi sair — murmurou Johnny perplexo.
— Há uma porta traseira, já se esqueceu?
Campbell assentiu e deu uns passos pelo aposento, seguido pelos olhares dos dois homens. Subitamente disse:
— Creio que a mim também me faz falta um passeio.
Enquanto se dirigia para fora, Jonathan Hubert piscava um olho a Parker, e este sorria.
Encontrou-a sentada a um lado do tanque, com a mão metida na água.
— Olá! disse ele nas suas costas.
A jovem teve um sobressalto e ao ver Johnny, o seu rosto tingiu-se de vermelho.
— Quero que me perdoes, Victória.
— Pela bofetada? — perguntou ela nervosamente. — Merecia-a. Não me peças desculpa.
— Mas tu dizias tudo aquilo sem o sentir. Devia-o ter compreendido. Fui um estúpido.
Houve um silêncio.
— Vais-te embora amanhã, suponho — aventurou.
— Não o resolvi ainda. Não desejava ir por aí fora com esta cara.
Alguns pássaros cantavam nas árvores.
— Já decidiste a resposta a dar ao Tom Henderson? — perguntou o advogado.
— Sim.
— E qual é?
— Negativa.
Os últimos raios de sol brincavam sobre a superfície do tanque.
— Casar-te-ás agora com essa mulher? — inquiriu a seguir a rapariga.
— Depende dela.
— Porquê?
— Recorda-te. Não sei se me quer!
— Nunca lho perguntaste?
-- Nunca.
— Quando o fizeres, oxalá te diga que sim. O ar trazia os rumores do vento longínquo. — Queres casar-te comigo, Vic?
Victória voltou bruscamente o rosto para ele. Abriu os olhos, a boca, respirou com ardor, e por fim exclamou:
— John!
Campbell estreitou-a nos seus braços beijando-a fervorosamente.
— Não a vi sair — murmurou Johnny perplexo.
— Há uma porta traseira, já se esqueceu?
Campbell assentiu e deu uns passos pelo aposento, seguido pelos olhares dos dois homens. Subitamente disse:
— Creio que a mim também me faz falta um passeio.
Enquanto se dirigia para fora, Jonathan Hubert piscava um olho a Parker, e este sorria.
Encontrou-a sentada a um lado do tanque, com a mão metida na água.
— Olá! disse ele nas suas costas.
A jovem teve um sobressalto e ao ver Johnny, o seu rosto tingiu-se de vermelho.
— Quero que me perdoes, Victória.
— Pela bofetada? — perguntou ela nervosamente. — Merecia-a. Não me peças desculpa.
— Mas tu dizias tudo aquilo sem o sentir. Devia-o ter compreendido. Fui um estúpido.
Houve um silêncio.
— Vais-te embora amanhã, suponho — aventurou.
— Não o resolvi ainda. Não desejava ir por aí fora com esta cara.
Alguns pássaros cantavam nas árvores.
— Já decidiste a resposta a dar ao Tom Henderson? — perguntou o advogado.
— Sim.
— E qual é?
— Negativa.
Os últimos raios de sol brincavam sobre a superfície do tanque.
— Casar-te-ás agora com essa mulher? — inquiriu a seguir a rapariga.
— Depende dela.
— Porquê?
— Recorda-te. Não sei se me quer!
— Nunca lho perguntaste?
-- Nunca.
— Quando o fizeres, oxalá te diga que sim. O ar trazia os rumores do vento longínquo. — Queres casar-te comigo, Vic?
Victória voltou bruscamente o rosto para ele. Abriu os olhos, a boca, respirou com ardor, e por fim exclamou:
— John!
Campbell estreitou-a nos seus braços beijando-a fervorosamente.
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
BUF015. CAP IX. Duas balas para cinco bandidos
John fez um exame rápido aos homens que se encontravam no escritório. Tinham sido apresentados por Parker e esperavam que aquele que eles julgavam filho de Jonathan Hubert fosse direito à questão que lhes interessava.
Campbell, falando claro, perguntou dirigindo-se a Peter Gaumont:
— Há quanto tempo está o senhor na comarca, Gaumont?
O aludido olhou para o advogado, mexeu-se na cadeira e esteve vários segundos sem responder. Depois abriu a boca:
— Vinte anos.
— E você, senhor Whislire?
— Vinte e dois.
— Estou seguro que os outros se encontram em Rockville mais ou menos desde essa altura!...
Os quatro lavradores restantes aquiesceram, um pouco perplexos.
— Custou-lhes muito chegar ao que são hoje — continuou a falar Campbell. — Aqui encontraram o sítio que procuravam. A maioria dos senhores terá mulher e filhos. É justo que um homem assegure a descendência. Todos queremos que o velho tronco não seque, e consola-nos pensar que no dia em que nos toque deixar este mundo, haverá outros que se encarreguem da nossa obra e a continuem. Mas há coisas que muitas vezes não tomamos em consideração. Já acaso fizeram esta pergunta a vós mesmos: «Terão os nossos filhos, quando morrermos, meios para defender a sua herança?» Não é vosso dever certificarem-se se, de facto, contribuíram para que eles tenham uma vida melhor? Ou são tão egoístas que só pensem nas dificuldades que vocês atravessaram, encolhendo os ombros ante as que claramente observam que se levantarão ante eles? Apostaria a minha cabeça em como teriam que responder afirmativamente a última pergunta.
Campbell fez uma pausa, contemplando, um a um, os lavradores. Parker coçava a cabeça conforme o seu costume. Logo, sabendo que lograra interessar o auditório, continuou:
— Há poucos dias que cheguei a Rockville, mas já sei tanto ou mais do que vocês a respeito do futuro dos vossos filhos. Não pretendo ser um mago. É algo que salta à vista e que os senhores se obstinam em não reparar. Dois homens, Burnet e Grieser, estão dispostos a ser os donos do território. Para levar a cabo os seus planos, necessitam apoderar-se deste rancho. Logo, quando o possuírem, tocará o turno de vocês ou de vossos filhos. Far-lhe-ão guerra com todos os seus meios, legais ou criminosos, como nos fazem a nós. Sabem perfeitamente que constituíram um bando com a pior gente que puderam encontrar em cinco Estados. Ladrões, assassinos, atiradores profissionais, a escória da sociedade... o xerife pode fazer muito pouco, quase nada, porque não encontra colaboradores. — Parou de falar vendo que os lavradores se moviam inquietos e, então, prosseguiu com mais rapidez: — Quando pensam em acordar? É este o momento de decidir sobre o futuro de todos os homens honrados de Rockville e de suas famílias. O caminho a seguir é este: Falar com o xerife e oferecer os nossos esforços para acabar o despotismo de Burnet e Grieser. Hoje mesmo, sem esperar o dia de amanhã, devemos atacar o covil dessas feras e destruir a sua força! Senhores, foi por esta razão que vos chamei! Têm um dever a cumprir, entre vocês e a sociedade! Não podem permitir a injustiça perante a vossa cara. Chegou a hora de punir, de pôr fora de combate, os que vivem à margem da lei! Se se decidem por isto, prepararão o caminho a seguir por vossos filhos, como disse ao princípio! Se autorizam o crime, e ficam impávidos à sua frente, sujeitam-se às mais graves consequências, e serão liquidados na primeira altura. E é tudo.
Um silêncio sepulcral caiu em toda a casa.
Correu um largo minuto antes que Gaumont o rompesse, dizendo:
— É muito simpático o que acaba de dizer, senhor Hubert; no entanto, acho que o assunto não é connosco. Compreendo a situação de Jonathan e lamento-a, mas creio que quando Burnet e Griesei consigam... este rancho, voltará a reinar a paz! Por isso, não posso dar a minha ajuda. Não quero expor os meus homens a uma morte quase certa por uma coisa que não nos diz respeito.
Depois de Gaumont, falou Nancey, um homem de cerca de sessenta anos.
— Que me atem ao rabo de um cavalo e me cortem o cabelo à escovinha se já ouvi algo maior que o seu discurso, senhor Hubert! Evidentemente que tenho de estar com o Gaumont. Esses tipos só querem a grande pradaria. Burnet mo tem assegurado várias vezes. Quando a possuírem, acabaram-se os tiros e os bandidos!
— Não conte comigo, tão-pouco — disse Whislire. — Seria uma verdadeira guerra civil e a vida das nossas mulheres, e desses filhos a que o senhor se refere, ficariam em perigo!
Campbell, dececionado, observou os rostos dos três que faltavam emitir as suas opiniões, mas nos seus olhares leu quais eram elas, e saiu em silêncio do escritório.
Parker uniu-se-lhe no vestíbulo.
— Sinto imenso — disse o capataz.
— O senhor tinha razão. Devia ter concordado consigo e não os chamar.
— Que pensa fazer agora?
— Vim aqui com um propósito e não me irei embora sem o ter levado a efeito. Vou procurar Burnet e Grieser.
— Com que finalidade?
— Prendê-los-ei e levá-los-ei atados com cordas ao xerife.
— Está louco? Sabe que não o conseguirá! Pelo contrário, se vai aos domínios desses foragidos não voltará com vida.
— Vou tentá-lo, Parker.
O capataz fixou-o nas pupilas. Por fim, declarou a Campbell:
— Já o conheço suficientemente para saber que nada o poderá dissuadir. Está bem, o senhor venceu! Quando saímos?
O advogado sorriu e respondeu, pondo a mão no ombro do amigo:
— Eu também sei que posso contar consigo e com a maioria dos rapazes, mas prometi a mim mesmo evitar uma carnificina. Irei só!
— É uma loucura! Haverá carnificina de qualquer das maneiras.
— Está enganado. Se eu fracassar, o rancho Hubert vender-se-á esta noite.
— Não o posso acreditar!...
— Está decidido por... Jonathan Hubert. Se não voltar dentro de cinco horas, fale com Victória. Ela há-de entregar-lhe o contrato que o senhor levará a Burnet. Adeus, Parker.
Este encontrava-se tão surpreendido, que não foi capaz de articular uma palavra de despedida.
Campbell, falando claro, perguntou dirigindo-se a Peter Gaumont:
— Há quanto tempo está o senhor na comarca, Gaumont?
O aludido olhou para o advogado, mexeu-se na cadeira e esteve vários segundos sem responder. Depois abriu a boca:
— Vinte anos.
— E você, senhor Whislire?
— Vinte e dois.
— Estou seguro que os outros se encontram em Rockville mais ou menos desde essa altura!...
Os quatro lavradores restantes aquiesceram, um pouco perplexos.
— Custou-lhes muito chegar ao que são hoje — continuou a falar Campbell. — Aqui encontraram o sítio que procuravam. A maioria dos senhores terá mulher e filhos. É justo que um homem assegure a descendência. Todos queremos que o velho tronco não seque, e consola-nos pensar que no dia em que nos toque deixar este mundo, haverá outros que se encarreguem da nossa obra e a continuem. Mas há coisas que muitas vezes não tomamos em consideração. Já acaso fizeram esta pergunta a vós mesmos: «Terão os nossos filhos, quando morrermos, meios para defender a sua herança?» Não é vosso dever certificarem-se se, de facto, contribuíram para que eles tenham uma vida melhor? Ou são tão egoístas que só pensem nas dificuldades que vocês atravessaram, encolhendo os ombros ante as que claramente observam que se levantarão ante eles? Apostaria a minha cabeça em como teriam que responder afirmativamente a última pergunta.
Campbell fez uma pausa, contemplando, um a um, os lavradores. Parker coçava a cabeça conforme o seu costume. Logo, sabendo que lograra interessar o auditório, continuou:
— Há poucos dias que cheguei a Rockville, mas já sei tanto ou mais do que vocês a respeito do futuro dos vossos filhos. Não pretendo ser um mago. É algo que salta à vista e que os senhores se obstinam em não reparar. Dois homens, Burnet e Grieser, estão dispostos a ser os donos do território. Para levar a cabo os seus planos, necessitam apoderar-se deste rancho. Logo, quando o possuírem, tocará o turno de vocês ou de vossos filhos. Far-lhe-ão guerra com todos os seus meios, legais ou criminosos, como nos fazem a nós. Sabem perfeitamente que constituíram um bando com a pior gente que puderam encontrar em cinco Estados. Ladrões, assassinos, atiradores profissionais, a escória da sociedade... o xerife pode fazer muito pouco, quase nada, porque não encontra colaboradores. — Parou de falar vendo que os lavradores se moviam inquietos e, então, prosseguiu com mais rapidez: — Quando pensam em acordar? É este o momento de decidir sobre o futuro de todos os homens honrados de Rockville e de suas famílias. O caminho a seguir é este: Falar com o xerife e oferecer os nossos esforços para acabar o despotismo de Burnet e Grieser. Hoje mesmo, sem esperar o dia de amanhã, devemos atacar o covil dessas feras e destruir a sua força! Senhores, foi por esta razão que vos chamei! Têm um dever a cumprir, entre vocês e a sociedade! Não podem permitir a injustiça perante a vossa cara. Chegou a hora de punir, de pôr fora de combate, os que vivem à margem da lei! Se se decidem por isto, prepararão o caminho a seguir por vossos filhos, como disse ao princípio! Se autorizam o crime, e ficam impávidos à sua frente, sujeitam-se às mais graves consequências, e serão liquidados na primeira altura. E é tudo.
Um silêncio sepulcral caiu em toda a casa.
Correu um largo minuto antes que Gaumont o rompesse, dizendo:
— É muito simpático o que acaba de dizer, senhor Hubert; no entanto, acho que o assunto não é connosco. Compreendo a situação de Jonathan e lamento-a, mas creio que quando Burnet e Griesei consigam... este rancho, voltará a reinar a paz! Por isso, não posso dar a minha ajuda. Não quero expor os meus homens a uma morte quase certa por uma coisa que não nos diz respeito.
Depois de Gaumont, falou Nancey, um homem de cerca de sessenta anos.
— Que me atem ao rabo de um cavalo e me cortem o cabelo à escovinha se já ouvi algo maior que o seu discurso, senhor Hubert! Evidentemente que tenho de estar com o Gaumont. Esses tipos só querem a grande pradaria. Burnet mo tem assegurado várias vezes. Quando a possuírem, acabaram-se os tiros e os bandidos!
— Não conte comigo, tão-pouco — disse Whislire. — Seria uma verdadeira guerra civil e a vida das nossas mulheres, e desses filhos a que o senhor se refere, ficariam em perigo!
Campbell, dececionado, observou os rostos dos três que faltavam emitir as suas opiniões, mas nos seus olhares leu quais eram elas, e saiu em silêncio do escritório.
Parker uniu-se-lhe no vestíbulo.
— Sinto imenso — disse o capataz.
— O senhor tinha razão. Devia ter concordado consigo e não os chamar.
— Que pensa fazer agora?
— Vim aqui com um propósito e não me irei embora sem o ter levado a efeito. Vou procurar Burnet e Grieser.
— Com que finalidade?
— Prendê-los-ei e levá-los-ei atados com cordas ao xerife.
— Está louco? Sabe que não o conseguirá! Pelo contrário, se vai aos domínios desses foragidos não voltará com vida.
— Vou tentá-lo, Parker.
O capataz fixou-o nas pupilas. Por fim, declarou a Campbell:
— Já o conheço suficientemente para saber que nada o poderá dissuadir. Está bem, o senhor venceu! Quando saímos?
O advogado sorriu e respondeu, pondo a mão no ombro do amigo:
— Eu também sei que posso contar consigo e com a maioria dos rapazes, mas prometi a mim mesmo evitar uma carnificina. Irei só!
— É uma loucura! Haverá carnificina de qualquer das maneiras.
— Está enganado. Se eu fracassar, o rancho Hubert vender-se-á esta noite.
— Não o posso acreditar!...
— Está decidido por... Jonathan Hubert. Se não voltar dentro de cinco horas, fale com Victória. Ela há-de entregar-lhe o contrato que o senhor levará a Burnet. Adeus, Parker.
Este encontrava-se tão surpreendido, que não foi capaz de articular uma palavra de despedida.
* * *
O projétil trazia um silvo sinistro. Ricocheteou numa rocha e Campbell deteve o seu alazão. Recebeu ordem de levantar os braços e obedeceu, ouvindo uma gargalhada sardónica.
— Mas se é mesmo David Hubert! — exclamou Lionel, o sobrevivente do ataque à diligência, acercando-se do advogado, de revólver em punho. — Desmonte!
— Leve-me à presença de Burnet — pediu John, quando se encontrou em terra.
— Está habituado a dar ordens, não é verdade? — replicou Lionel, desarmando o seu prisioneiro pelas costas.
— Aceite-as apenas como uma sugestão...
— Que bem que ele fala. Vê-se logo que é um pombinho bem educado!
— Por que não acaba com as ironias e vamos ver os seus patrões?
O desalmado deu-lhe uma coronhada rápida e certeira na cara e ele caiu dolorosamente no chão.
— Sou eu quem manda! — e logo, ao ver que o homem que odiava se erguia, correndo-lhe o sangue pelos lábios, acrescentou: — Recorda-se do outro dia? Deu-me as armas dos meus companheiros para que me refrescassem a memória. Foi um bom conselho. Somente que se voltou contra si. Vou matá-lo.
Nesse caso você também não durará muito! Se eu morrer, os seus patrões perderão um negócio de cinquenta mil dólares.
Lionel ficou a olhar Campbell. Ao cabo duns segundos declarou:
— Não creio que seja um truque, porque seria pior para si. Onde está Barry? Ele devia ter regressado há muito tempo!
— Era isso o que eu queria dizer-lhe. Teve um acidente e eu ocupei o seu posto.
— Com que então, um acidente! Creio que o levarei mesmo aos meus chefes! Deve-lhes interessar saber porque é que você vem em lugar de Barry.
Quinze minutos mais tarde, John era introduzido no gabinete de Burnet e Grieser. Os dois biltres, de pé junto a uma mesa, sorriam maliciosamente.
— Caramba! É o nosso jovem Hubert, o homem da profecia! — exclamou Burnet.
Pode chamar-me pelo meu nome — respondeu o advogado, sorrindo também. E esclareceu: — Pelo verdadeiro.
— Muito bem, senhor Campbell! Parece que desta vez quis levar à boca um bocado demasiado grande e não o pode digerir... Tenho que felicitá-lo! Não estava mal pensado. Além de rapidez com a pistola, o senhor tem cérebro. Lastimo imenso não o ter conhecido antes. Tinha-o contratado com o dobro do ordenado que dou ao melhor dos meus homens.
— Não sei a que se refere.
— Eh, eh!... Não se faça parvo. Estamos aqui como em família. Apresentou-se como David Hubert para apanhar as propriedades ao velho. Há, porém, esta casualidade: a nós também nos interessa o rancho!
— A mim não me interessa.
— Não me diga, Campbell. O senhor deixa-me assombrado.
— Quero dizer: não me seduz no sentido que você lhe atribui!
— Já surgiu o advogado! — riu Burnet, mostrando os dentes separados.
— Acreditará ou não! Eu vim ~ente a Rockville para ajudar Jonathan Hubert na luta contra os senhores.
Grieser e Burnet olharam-se bastante admirados.
— Onde é que você quer chegar? — perguntou Grieser, dando um forte murro na mesa.
— E vim por cá pela vossa casa -- continuou Campbell — para que abandonem o que tencionam fazer e licenciem os seus profissionais do revólver.
— Está bom de cabeça? — perguntou em voz sumida Burnet, franzindo o cenho.
— Perfeitamente, e dou-lhes o prazo de meia hora para que decidam este assunto.
— Que espécie de jogo é o seu? — inquiriu Grieser.
— Se dentro de meia hora eu não tiver regressado a certo sítio perto do Vale das Sombras, os lavradores da comarca, com os seus homens, reduzirão esta casa a cinzas. Nem um de vocês escapará com vida.
Lionel deu um passo e exclamou:
— Está a mentir! Segui-o desde cinco milhas antes de chegar ao vale e vinha só. É uma treta!
— Que de nada lhe valerá, senhor Campbell —advertiu Burnet.
— Eu não lhe disse que me ia salvar. Ao vir aqui sabia que me expunha a não me acreditarem, mas resolvi entrevistar-me com os senhores para evitar que corra mais sangue.
Houve um silêncio, no fim do qual Burnet ordenou a Lionel:
— Agarra em seis homens e percorre todo o vale numa extensão de dez milhas.
— Repito-lhe que vinha só! Está-os a enganar! — Que ia adiantar com isso? — argumentou o advogado, com um sorriso.
— Vai fazer essa exploração! — vociferou Grieser.
Lionel moveu a cabeça, em sinal de acordo, e depois de dirigir a John um olhar venenoso, saiu do gabinete.
O plano de Campbell era simples, e ao mesmo tempo dificílimo de resultar com êxito. Baseava-se única e exclusivamente — uma vez dentro da sala em que estavam apenas os dois sócios —em aproveitar uma oportunidade para os derrotar, apontando-lhes um revólver. John reconhecia que era um plano quase desmiolado, mas não podia escolher; os minutos passavam vertiginosamente e, ao anoitecer, Jonathan Hubert teria assinado o contrato de venda que Victória lhe apresentaria sob qualquer pretexto.
A sua presença no quartel-general dos foragidos não era mais do que um intento desesperado para anular a expropriação, já que todos outros tinham fracassado.
— Sente-se, senhor Campbell — convidou Bur-net. — Temos muito que esperar.
John aceitou a cadeira e, então, ouviu Grieser que lhe perguntava:
—O que é que fez com o Barry? — Pouca coisa.
— A sua cara apresenta certos ferimentos. Dir-se-ia que alguém se entreteve a aborrecê-lo. Foi Barry?
— Inteligente dedução!
Cambell nada mais disse. Burnet havia colocado o revólver sobre a mesa. Separavam-no dele uns três passos, já que estava sentado no centro da sala. Se conseguisse distraí-los com a conversa, talvez se apresentasse a oportunidade desejada.
— Que farão quando tiverem o rancho? — animou-os. Supondo, evidentemente, que eu os tenha enganado.
— Não o inquieta a sua situação, se comprovarmos que nos mentiu? — replicou Grieser.
—O quê, comportar-se-ão melhor comigo se lhes disse a verdade? Vamos, senhores, um pouco de seriedade. Sei que, na realidade, em qualquer dos casos, o final será o mesmo.
— Responderei à sua pergunta—interveio Burnet. — Quando esta noite formos os donos do ancho Hubert, proporei à filha de Jonathan que se case comigo.
— O senhor é terrivelmente engraçado -- articulou John, contendo a muito custo a sua raiva. — Acha que ela me recusaria?
— Se espera uma resposta afirmativa, dir-lhe-ei que você é o mais arrogante, fanfarrão e repulsivo dos homens que tenho conhecido na minha vida!
Burnet deu uma gargalhada e exclamou:
— Parece que isso o incomoda, hem, Campbell? Enamorou-se de Victória Hubert, é isso, não é verdade? Magnífico, pois assim digo-lhe que, efetivamente, espero uma resposta afirmativa. Não, não se excite. Espere para ouvir o final. A minha arrogância, como você diz, baseia-se na seguinte eventualidade: como lhe comuniquei, esta noite teremos o contrato de venda do rancho em nosso poder... — os olhos de Burnet brilharam malignamente — ou seja: obrigá-la-ei a casar-se comigo sob a ameaça de comunicar a seu pai que David Hubert morreu enforcado...
— Canalha! — rebentou John. E saltou da cadeira como impulsionado por uma mola, atirando-se sobre Burnet.
O ataque foi tão repentino que este não teve tempo de alcançar o revólver, e ambos os contendores rolaram pelo solo, enlaçados. Campbell lançou o punho direito ao estômago do seu inimigo, e logo lhe fechou a boca com um fortíssimo esquerdo.
Grieser acudiu rápido em socorro do amigo el pregou uma tremenda coronhada na cabeça do advogado. Este, sem emitir um só gemido, viu-se privado da razão.
Quando voltou a si, calculou que devia ter transcorrido muito tempo porque no aposento, além dos dois sócios, encontravam-se Lionel e quatro homens a quem via pela primeira vez.
Lionel pregou-lhe um pontapé no fígado, ordenando:
— Vamos, levanta-te! Chegou a tua hora! John tentou erguer-se e o bandido deu-lhe um soco na cara.
Não chegou a cair de novo porque dois desconhecidos o seguraram enquanto lhe apertavam fortemente os braços e Lionel o ia golpeando.
— Mentiste-nos, então! — dizia Burnet, ao mesmo tempo que projetava os seus punhos uma e outra vez no rosto magoado. — Eu te ensinarei... Este é pelo homem que mataste antes de chegar a Rockville!... E este pelo seu companheiro!... Outro por Lube «Relâmpago»!... Mais outro por Barry! E aqui tens um especial em meu nome !...
Campbell dobrou as pernas ao ficar novamente sem sentidos nas mãos dos sicários que o sustinham.
— Remolha-lhe a cabeça! — ordenou Grieser.
Lionel saiu da casa e pouco depois regressou com um balde de água que arrojou sobre o desmaiado. Este voltou a abrir os olhos.
Burnet sorria.
— Vês isto? — disse, mostrando-lhe dois «Colts». — São os teus revólveres.
Campbell verificou que, efetivamente, eram os seus.
— Pois escuta! — continuou Burnet. — Os rapazes e eu pensámos dar-te uma oportunidade. Sabemos que és um grande atirador. Eles têm uma vontade enorme de competir contigo e, claro, pensei em satisfazer toda a gente. São cinco os que querem enfrentar-se com o ás de Rockville, e os cinco terás como rivais, ao mesmo tempo. Mas, naturalmente, tu serias capaz de liquidá-los. Por isso, tens de conceder-lhes alguma vantagem. És um bom rapaz e não te ralas, não é, verdade? Em cada revólver tens um projétil, um só. Portanto só poderás disparar duas vezes. Mas, o que é isso para ti, Campbell? — Os foragidos soltaram estrepitosas gargalhadas, enquanto Burnet, fazia uma pausa. — Tu farás com que os projéteis batam uns nos outros liquidando todos. Serás um verdadeiro campeão!
O advogado via como o sócio de Grieser girava os cilindros mostrando unicamente um compartimento com duas balas.
— E escuta ainda, Campbell. Nós ficamos nesta janela, contemplando o desafio. Se te lembras de voltar o corpo ou as mãos um centímetro para aqui, os rapazes transformam-te num passador. Os meus cinco homens sairão primeiro e ficam em frente à casa. Depois é a tua vez. Pões-te a dez passos deles; e quando estiveres imóvel, contarei até três e poderás fazer fogo. De acordo? — Não deixou que John respondesse e exclamou com autoridade: — Vamos, saiam já vocês!
Os cinco bandidos, entre os quais se achava Lionel, abandonaram a sala.
Griser assomou à porta e passado um minuto voltou a cabeça e disse:
— Pronto, Gorman!
Burnet encostou as armas de Campbell nos rins deste e fê-lo avançar. No umbral, colocou rapidamente os dois «Colts» no cinturão do advogado e deu-lhe um empurrão para fora, fechando logo a porta e correndo para junto de Grieser que já se achava na janela. Dali, viram que o homem que ia morrer caminhava lentamente para se colocar aos dez passos dos seus rivais. Estes, formados em linha, seguiam atentamente os movimentos do solitário.
— Já está no seu sítio! — advertiu Grieser. —Começa a contar. Que esperas?
— Estava a observar a solenidade que Campbell dá ao desafio. Qualquer diria que, efetivamente, vai fazer carambolas com os dois projéteis que tem.
— Não digas maluquices e começa a contar!
— Um!
Os cinco facínoras prepararam-se, dobrando ligeiramente os braços para que as suas mãos ficassem mais perto das culatras.
— Dois!
John não movia um músculo. Ã direita dele estavam quinze homens do bando de Burnet e Grieser. Todos teriam jurado que Campbell era exatamente uma estátua.
— Três!
Os dois sócios, pendentes da morte do homem que os tinha burlado várias vezes, nem sequer viram como ele tirava as armas. Foi como se por arte de magia, sem mover os dedos, os «Colts» tivessem saltado para as suas mãos.
Então ocorreu o inaudito. Saíram duas labaredas dos revólveres de Campbell. Duas! E os cinco homens contorceram-se como bonecos antes de pegar nas armas, e tombaram no solo.
— Não! — gritou Burnet, sem dar crédito ao que viam os seus olhos.
— Fez as carambolas! — exclamou Grieser, apertando a cabeça.
Naquele instante, um tropel de homens a cavalo apareceu por uma das esquinas da casa.
— Todos quietos! — ordenou Parker, o capataz do rancho «Hubert», com a sua pistola ainda fumegante.
— O que se mover, deito-o abaixo! — sentenciou Whislire, o lavrador, que também tinha utilizado o rifle que apontava.
Campbell viu que Gaumont, um dos que se
tinha negado a ajudá-lo, obrigava Burnet e Grieser a desfazer-se das suas armas.
Os bandidos, aparvalhados, levantaram os braços entregando-se.
— Chegámos a tempo! — disse Parker, olhando sorridente o advogado. — Vimo-lo em frente desses tipos e decidimos dar-lhes o que mereciam. Por todo o pais correrá a história de que certa
vez John Campbell liquidou cinco homens em desafio...
— Mas... Você também conhece o meu nome?
— Todos nós o sabemos e por isso mesmo esta-
mos aqui. O que é que se passou? Andou outra vez à bulha?
— Isso recorda-me que ainda tenho algo pendente.
John dirigiu-se para a casa e entrou. Os dois sócios continuavam à janela, de braços no ar. — Saia, Grieser! — mandou o advogado.
Quando o bandido mais gordo obedeceu, Campbell olhou raivosamente Burnet e propôs:
— Que lhe parece se reatássemos a luta onde a deixámos?
— Eu... eu estou em inferioridade.
— Você é um repugnante cobarde! Defenda-se!
Burnet atirou-se para a frente, mas John endereçou-lhe um soco e levou-o até à parede, castigando-lhe o estômago e o fígado. O foragido gemia, vendo-se impotente para resolver o combate a seu favor.
— Este é por Jonathan Hubert! Aqui tem um pelo seu filho!... Outro mais pelo cow-boy que morreu no incêndio da pradaria!... Este pelos outros crimes que cometeu! — Campbell encheu os pulmões, reuniu as suas energias e logo disparou o seu punho direito contra a mandíbula do seu rival, gritando selvaticamente: — E este em meu nome!
Burnet caiu no solo, fulminado.
Nesse instante abriu-se a porta e o xerife de Rockville entrou pela sala dentro. Depois de ver Burnet inanimado, cofiou os flácidos bigodes e olhou Johnny, sorrindo.
— Bom trabalho, rapaz — declarou. — Pareceu-me que a sua presença me traria complicações. Lembra-se que o adverti? Mas, pelo meu tio Zacarias, que adoro esta complicação!
— Muito bem. Já a possui. Que vai fazer agora?
—E pergunta-mo? Vamo-nos divertir à grande! Entre os tipos que estão aí fora, há dois homens que mataram, há dois meses, Rock Heston, um negociante de Chicago que vinha comprar gado ao velho Hubert. Também será fácil identificar os cinco foragidos que há seis semanas atacaram um grupo de cow-boys de Hubert, matando um dos seus componentes. E ainda há outros que responderão por roubos de gado, incêndios de pastos e mais patifarias. — O xerife fez uma pausa, passou a língua pelos lábios e acrescentou: —Você já sabe que eu me encontrava atado de pés e mãos, pois ninguém colaborava comigo. E eu sozinho, nada podia fazer. Como é que me poderia apresentar aqui para levar os delinquentes, se não tinha um mínimo auxílio e provas diretas? Fizeram-me a cabeça em água! Mas agora o senhor conseguiu pôr tudo nos eixos! Burnet e Grieser, autores de todas as patifarias, estão perdidos. Asseguro-lhe que logo que o Juiz pronuncie o seu veredicto, nem um só dos seus sequazes deixará de cumprir a sua pena. E já conhece o final. Pendurados numa árvore!
Os bandidos, aparvalhados, levantaram os braços entregando-se.
— Chegámos a tempo! — disse Parker, olhando sorridente o advogado. — Vimo-lo em frente desses tipos e decidimos dar-lhes o que mereciam. Por todo o pais correrá a história de que certa
vez John Campbell liquidou cinco homens em desafio...
— Mas... Você também conhece o meu nome?
— Todos nós o sabemos e por isso mesmo esta-
mos aqui. O que é que se passou? Andou outra vez à bulha?
— Isso recorda-me que ainda tenho algo pendente.
John dirigiu-se para a casa e entrou. Os dois sócios continuavam à janela, de braços no ar. — Saia, Grieser! — mandou o advogado.
Quando o bandido mais gordo obedeceu, Campbell olhou raivosamente Burnet e propôs:
— Que lhe parece se reatássemos a luta onde a deixámos?
— Eu... eu estou em inferioridade.
— Você é um repugnante cobarde! Defenda-se!
Burnet atirou-se para a frente, mas John endereçou-lhe um soco e levou-o até à parede, castigando-lhe o estômago e o fígado. O foragido gemia, vendo-se impotente para resolver o combate a seu favor.
— Este é por Jonathan Hubert! Aqui tem um pelo seu filho!... Outro mais pelo cow-boy que morreu no incêndio da pradaria!... Este pelos outros crimes que cometeu! — Campbell encheu os pulmões, reuniu as suas energias e logo disparou o seu punho direito contra a mandíbula do seu rival, gritando selvaticamente: — E este em meu nome!
Burnet caiu no solo, fulminado.
Nesse instante abriu-se a porta e o xerife de Rockville entrou pela sala dentro. Depois de ver Burnet inanimado, cofiou os flácidos bigodes e olhou Johnny, sorrindo.
— Bom trabalho, rapaz — declarou. — Pareceu-me que a sua presença me traria complicações. Lembra-se que o adverti? Mas, pelo meu tio Zacarias, que adoro esta complicação!
— Muito bem. Já a possui. Que vai fazer agora?
—E pergunta-mo? Vamo-nos divertir à grande! Entre os tipos que estão aí fora, há dois homens que mataram, há dois meses, Rock Heston, um negociante de Chicago que vinha comprar gado ao velho Hubert. Também será fácil identificar os cinco foragidos que há seis semanas atacaram um grupo de cow-boys de Hubert, matando um dos seus componentes. E ainda há outros que responderão por roubos de gado, incêndios de pastos e mais patifarias. — O xerife fez uma pausa, passou a língua pelos lábios e acrescentou: —Você já sabe que eu me encontrava atado de pés e mãos, pois ninguém colaborava comigo. E eu sozinho, nada podia fazer. Como é que me poderia apresentar aqui para levar os delinquentes, se não tinha um mínimo auxílio e provas diretas? Fizeram-me a cabeça em água! Mas agora o senhor conseguiu pôr tudo nos eixos! Burnet e Grieser, autores de todas as patifarias, estão perdidos. Asseguro-lhe que logo que o Juiz pronuncie o seu veredicto, nem um só dos seus sequazes deixará de cumprir a sua pena. E já conhece o final. Pendurados numa árvore!
domingo, 20 de agosto de 2017
BUF015. CAP VIII. O impostor desmascarado
Victória saiu do quarto de seu pai acompanhando o doutor Morley.
— Como é que o acha, doutor? — perguntou ansiosamente.
— Uma pequena coisa, Vic. Nada que dê razão para andares preocupada.
— Recompor-se-á?
— O quê, pensas o contrário? Esse grandalhão do Jonathan ainda fará muita guerra. Tens aquele remédio que lhe receitei?
— Sim, ainda resta meio frasco.
— Pois dá-lhe uma colher antes de cada refeição, e estas que sejam ligeiras!
Dialogavam descendo a escada. Victória viu Campbell sentado num banco do vestíbulo. O advogado estava pensativo e levantou os olhos ao ouvir passos, mostrando o rosto tisnado.
Victória fez as apresentações e logo perguntou a John:
— Conseguiste salvar o gado?
— Conseguiram-no os rapazes. Portaram-se bem.
— E tu? Deves estar esgotado.
— Nem por isso. Sentei-me apenas uns segundos. Ia subir agora para ver... o nosso pai. Contaram-me o que se passou esta tarde.
O doutor despediu-se e Campbell seguiu-o, desculpando-se perante a rapariga.
— Já volto, Vic. Tenha cuidado, doutor Morley, a noite está escura...
Fora de casa, junto ao carro do médico, John perguntou-lhe o estado do enfermo.
— Não quis assustar a sua irmã, David, mas o seu pai encontra-se bastante mal.
— Não se pode fazer nada?
Morley pigarreou, replicando:
— Meu filho, há casos perante os quais, desgraçadamente, a ciência se vê impotente. O seu pai é como um relógio que trabalha há muito tempo e que têm sofrido pancadas e reparações... Chega um dia em que não bastam arranjos. Pode-se pôr um coração novo?
— Compreendo-o. Obrigado, doutor.
O médico fustigou os cavalos e o carro partiu. Campbell regressou para junto de Victória que continuava no vestíbulo.
— Que pensas fazer, David?
— A respeito de quê?
— Sabes ao que me refiro. Projetas alguma coisa contra esses bandidos e quero que mo digas.
— São coisas de homens, compreendes? — respondeu o advogado, com voz autoritária. — Deixa-me proceder conforme eu desejo.
— Suponho que o teu gosto será meteres-te na boca do lobo! Não percebes que é isso exatamente o que eles procuraram?
— E que posso fazer? Vamos esperar que se cansem ou que façam marcha atrás? Esses foragidos estão dispostos a tudo; e se continuamos com os braços cruzados, ardemos também nós, mais dia menos dia. Hoje pegaram fogo à pradaria, amanhã pode ser a esta mesma casa... Não, Vic, há que nos enfrentarmos abertamente com a situação que eles criaram. Até agora, o pessoal do rancho Hubert terá estado na defensiva, tem-se limitado a acudir onde eles querem, para evitar uma catástrofe. Já suportámos demasiado!...
—Isso significará a nossa ruína total, David. Por que razão é que o há-de ser?
— Matarão os nossos homens, matar-te-ão a ti. Não haverá, depois, mais ninguém no rancho «Hubert»!
— E o que importa? — gritou Campbell. — Não os estão assassinando um a um? O que pensas tu que se passaria se eu amanhã fosse à cidade e intentasse recrutar gente?... Ninguém se atreveria a ajudar-nos! Cada baixa que temos transforma-se em vaga que nunca mais se preencherá, porque só um louco, no juízo de todos, se atreveria a ocupá-la...
— Como é que o acha, doutor? — perguntou ansiosamente.
— Uma pequena coisa, Vic. Nada que dê razão para andares preocupada.
— Recompor-se-á?
— O quê, pensas o contrário? Esse grandalhão do Jonathan ainda fará muita guerra. Tens aquele remédio que lhe receitei?
— Sim, ainda resta meio frasco.
— Pois dá-lhe uma colher antes de cada refeição, e estas que sejam ligeiras!
Dialogavam descendo a escada. Victória viu Campbell sentado num banco do vestíbulo. O advogado estava pensativo e levantou os olhos ao ouvir passos, mostrando o rosto tisnado.
Victória fez as apresentações e logo perguntou a John:
— Conseguiste salvar o gado?
— Conseguiram-no os rapazes. Portaram-se bem.
— E tu? Deves estar esgotado.
— Nem por isso. Sentei-me apenas uns segundos. Ia subir agora para ver... o nosso pai. Contaram-me o que se passou esta tarde.
O doutor despediu-se e Campbell seguiu-o, desculpando-se perante a rapariga.
— Já volto, Vic. Tenha cuidado, doutor Morley, a noite está escura...
Fora de casa, junto ao carro do médico, John perguntou-lhe o estado do enfermo.
— Não quis assustar a sua irmã, David, mas o seu pai encontra-se bastante mal.
— Não se pode fazer nada?
Morley pigarreou, replicando:
— Meu filho, há casos perante os quais, desgraçadamente, a ciência se vê impotente. O seu pai é como um relógio que trabalha há muito tempo e que têm sofrido pancadas e reparações... Chega um dia em que não bastam arranjos. Pode-se pôr um coração novo?
— Compreendo-o. Obrigado, doutor.
O médico fustigou os cavalos e o carro partiu. Campbell regressou para junto de Victória que continuava no vestíbulo.
— Que pensas fazer, David?
— A respeito de quê?
— Sabes ao que me refiro. Projetas alguma coisa contra esses bandidos e quero que mo digas.
— São coisas de homens, compreendes? — respondeu o advogado, com voz autoritária. — Deixa-me proceder conforme eu desejo.
— Suponho que o teu gosto será meteres-te na boca do lobo! Não percebes que é isso exatamente o que eles procuraram?
— E que posso fazer? Vamos esperar que se cansem ou que façam marcha atrás? Esses foragidos estão dispostos a tudo; e se continuamos com os braços cruzados, ardemos também nós, mais dia menos dia. Hoje pegaram fogo à pradaria, amanhã pode ser a esta mesma casa... Não, Vic, há que nos enfrentarmos abertamente com a situação que eles criaram. Até agora, o pessoal do rancho Hubert terá estado na defensiva, tem-se limitado a acudir onde eles querem, para evitar uma catástrofe. Já suportámos demasiado!...
—Isso significará a nossa ruína total, David. Por que razão é que o há-de ser?
— Matarão os nossos homens, matar-te-ão a ti. Não haverá, depois, mais ninguém no rancho «Hubert»!
— E o que importa? — gritou Campbell. — Não os estão assassinando um a um? O que pensas tu que se passaria se eu amanhã fosse à cidade e intentasse recrutar gente?... Ninguém se atreveria a ajudar-nos! Cada baixa que temos transforma-se em vaga que nunca mais se preencherá, porque só um louco, no juízo de todos, se atreveria a ocupá-la...
Victória suspirou enquanto nos seus lábios florescia um sorriso.
— Agrada-me que sejas assim, David. Queria estar certa de que és como eu te sonhei...
O advogado teve uma expressão de amargura e murmurou:
— Como tu me sonhaste...
— Sim, David. Aprovo o teu plano. Ensina a Burnet e Grieser que nós não os tememos.
— Pedi a Parker que envie mensageiros a todos os pequenos lavradores da região. Quero trocar impressões com eles amanhã. A reunião será aqui. Subirei para ver o nosso pai...
— Não, deixa isso para amanhã. Estava a dormir quando saí do seu quarto.
— Está bem.
Despediram-se. Victória esperou, com a mão no puxador da porta, que John desaparecesse em direção à biblioteca.
As oito da manhã, Parker entrou na sala onde estava Campbell.
— Como correu isso, William? — perguntou.
— Não foi mau de todo. Cinco lavradores prometeram que estariam aqui às duas. Naturalmente, não sabem para que fim o senhor os chamou, já que eu nada lhes disse, mas ontem mesmo o adverti: eles vêm porque julgam que o rancho Hubert se deu por vencido na luta com Burnet e se dispõe a vender as suas reses...
— Bom! O importante é que não faltem é reunião.
Parker coçou o queixo, e disse:
— O senhor é quem manda, mas lembre-se do que lhe digo. Os lavradores chegarão com dinheiro para comprar o gado. Vêm dispostos a fazer um grande negócio. E quando o senhor lhes começar a falar de Burnet, dos seus sequazes, dos seus crimes e de que os chamou para formar um exército, deixá-lo-ão a meio do discurso.
— Mas eles serão assim tão boçais que não vejam as intenções de Burnet? Se até agora os deixou em paz é porque os seus ranchos não confinam com o seu, mas se cai o «Hubert», os seus dias estarão contados...
— Não farão caso. Eles pouco ou nada percebem de solidariedade. Os lavradores dizem que o que são o devem a eles mesmos e é certo. Trata-se de homens puramente individualistas, que romperam há, décadas com os laços que os unia à sociedade. Começaram com uma parelha, uma carroça, um pedaço de dinheiro e um raio de esperança. Isso era tudo quanto possuíam. O seu pai mostrara-lhes o caminho! Lutaram contra a chuva, a tempestade, a seca, as enfermidades e saíram triunfantes.' Mas, recorde, só lutam contra o que veem. Fale-lhes o senhor do perigo que representa a vizinhança de Burnet. Eles não o sentem! Rir-se-ão na sua própria cara...
— Obrigado, Parker, pelas suas informações. Confesso que sei pouco acerca das pessoas que vivem por aqui. De qualquer modo, tentarei convencê-los...
— Agrada-me que sejas assim, David. Queria estar certa de que és como eu te sonhei...
O advogado teve uma expressão de amargura e murmurou:
— Como tu me sonhaste...
— Sim, David. Aprovo o teu plano. Ensina a Burnet e Grieser que nós não os tememos.
— Pedi a Parker que envie mensageiros a todos os pequenos lavradores da região. Quero trocar impressões com eles amanhã. A reunião será aqui. Subirei para ver o nosso pai...
— Não, deixa isso para amanhã. Estava a dormir quando saí do seu quarto.
— Está bem.
Despediram-se. Victória esperou, com a mão no puxador da porta, que John desaparecesse em direção à biblioteca.
As oito da manhã, Parker entrou na sala onde estava Campbell.
— Como correu isso, William? — perguntou.
— Não foi mau de todo. Cinco lavradores prometeram que estariam aqui às duas. Naturalmente, não sabem para que fim o senhor os chamou, já que eu nada lhes disse, mas ontem mesmo o adverti: eles vêm porque julgam que o rancho Hubert se deu por vencido na luta com Burnet e se dispõe a vender as suas reses...
— Bom! O importante é que não faltem é reunião.
Parker coçou o queixo, e disse:
— O senhor é quem manda, mas lembre-se do que lhe digo. Os lavradores chegarão com dinheiro para comprar o gado. Vêm dispostos a fazer um grande negócio. E quando o senhor lhes começar a falar de Burnet, dos seus sequazes, dos seus crimes e de que os chamou para formar um exército, deixá-lo-ão a meio do discurso.
— Mas eles serão assim tão boçais que não vejam as intenções de Burnet? Se até agora os deixou em paz é porque os seus ranchos não confinam com o seu, mas se cai o «Hubert», os seus dias estarão contados...
— Não farão caso. Eles pouco ou nada percebem de solidariedade. Os lavradores dizem que o que são o devem a eles mesmos e é certo. Trata-se de homens puramente individualistas, que romperam há, décadas com os laços que os unia à sociedade. Começaram com uma parelha, uma carroça, um pedaço de dinheiro e um raio de esperança. Isso era tudo quanto possuíam. O seu pai mostrara-lhes o caminho! Lutaram contra a chuva, a tempestade, a seca, as enfermidades e saíram triunfantes.' Mas, recorde, só lutam contra o que veem. Fale-lhes o senhor do perigo que representa a vizinhança de Burnet. Eles não o sentem! Rir-se-ão na sua própria cara...
— Obrigado, Parker, pelas suas informações. Confesso que sei pouco acerca das pessoas que vivem por aqui. De qualquer modo, tentarei convencê-los...
— Desejo-lhe a eloquência dum advogado. Necessita bastante dela!
Campbell tossiu várias vezes e repetiu:
— Obrigado, Parker.
O capataz saiu da sala, deixando John concentrado em profundas reflexões.
Às nove sentiu desejos de respirar a brisa fresca da manhã e abandonou a casa. Passeava talvez aí há uma meia hora por entre o pequeno bosque de álamos que havia junto ao tanque, quando ouviu o relinchar dum cavalo. Encontrou este sem ninguém e enrugou a testa pensando que era raro. Só havia uma explicação: que o animal pertencesse a qualquer pessoa estranha ao rancho, já que a camuflagem entre os álamos era evidente. Decidido a comprovar a sua suspeita, escondeu-se entre as várias árvores mais próximas, e esperou.
Dez minutos depois ouviu ruído de passos e saiu do seu esconderijo, quando um homem de rosto enegrecido se dispunha a montar o cavalo.
— O senhor tem um bonito animal! — comentou.
O outro voltou-se como uma flecha levando a mão ao revólver, mas ao ver o cano que lhe apontavam, desistiu desse movimento.
— Os visitantes bem educados não se retiram sem cumprimentar o dono da casa — acrescentou John, acercando-se do intruso.
Este, como resposta, torceu a boca.
— Estou à espera que me comunique o motivo da sua presença.
— Ia de viagem e tinha sede — explicou o outro. — Vi a casa e aproximei-me para pedir água.
— E deram-lha?
— Sim.
— Quem?
O desconhecido titubeou, exclamando por fim: — Uma mulher.
— Bonita?
— Não fixei.
— Então foi a Carolina. Uma senhora gorda, de olhos claros sugeriu o advogado.
— Sim. Disse-me que era esse o seu nome.
— E agora vai-se embora. Para onde é que se dirige?
— Para o Oeste.
Sem destino fixo, não é verdade?
— Bem... não tenho preferências. Se gosto dum sítio, fico nele, e pronto!...
— Suponho, então, que se achará otimamente instalado na casa de Burnet e Grieser...
O outro passou a língua pelos lábios e perguntou:
— Burnet e Grieser ? Quem são?
— Não se faça de novas. Para seu conhecimento dir-lhe-ei que nesta casa não há mulher alguma que seja gorda e tenha os olhos claros. Nem há, tão-pouco, quem se chame Carolina.
— Bem... e depois?
Campbell tossiu várias vezes e repetiu:
— Obrigado, Parker.
O capataz saiu da sala, deixando John concentrado em profundas reflexões.
Às nove sentiu desejos de respirar a brisa fresca da manhã e abandonou a casa. Passeava talvez aí há uma meia hora por entre o pequeno bosque de álamos que havia junto ao tanque, quando ouviu o relinchar dum cavalo. Encontrou este sem ninguém e enrugou a testa pensando que era raro. Só havia uma explicação: que o animal pertencesse a qualquer pessoa estranha ao rancho, já que a camuflagem entre os álamos era evidente. Decidido a comprovar a sua suspeita, escondeu-se entre as várias árvores mais próximas, e esperou.
Dez minutos depois ouviu ruído de passos e saiu do seu esconderijo, quando um homem de rosto enegrecido se dispunha a montar o cavalo.
— O senhor tem um bonito animal! — comentou.
O outro voltou-se como uma flecha levando a mão ao revólver, mas ao ver o cano que lhe apontavam, desistiu desse movimento.
— Os visitantes bem educados não se retiram sem cumprimentar o dono da casa — acrescentou John, acercando-se do intruso.
Este, como resposta, torceu a boca.
— Estou à espera que me comunique o motivo da sua presença.
— Ia de viagem e tinha sede — explicou o outro. — Vi a casa e aproximei-me para pedir água.
— E deram-lha?
— Sim.
— Quem?
O desconhecido titubeou, exclamando por fim: — Uma mulher.
— Bonita?
— Não fixei.
— Então foi a Carolina. Uma senhora gorda, de olhos claros sugeriu o advogado.
— Sim. Disse-me que era esse o seu nome.
— E agora vai-se embora. Para onde é que se dirige?
— Para o Oeste.
Sem destino fixo, não é verdade?
— Bem... não tenho preferências. Se gosto dum sítio, fico nele, e pronto!...
— Suponho, então, que se achará otimamente instalado na casa de Burnet e Grieser...
O outro passou a língua pelos lábios e perguntou:
— Burnet e Grieser ? Quem são?
— Não se faça de novas. Para seu conhecimento dir-lhe-ei que nesta casa não há mulher alguma que seja gorda e tenha os olhos claros. Nem há, tão-pouco, quem se chame Carolina.
— Bem... e depois?
— E depois, vai-me dizer o objeto da sua visita.
— Perde o seu tempo e é uma lástima.
— Oxalá não pense assim daqui a pouco. Vamos a andar até à casa!
O desconhecido encolheu os ombros e obedeceu.
Quando se acercavam da escada, Parker saiu¬-lhes ao encontro. Olhou o prisioneiro de Campbell e deu um assobio.
— Onde é que o encontrou, David?
— Entre os álamos do tanque.
— Sabe que é?
— Ainda não teve a gentileza de dizer o seu nome!
— É Barry «el Nino», um dos atiradores de Burnet.
O aludido moveu a cabeça num gesto de estúpida vaidade.
— Pois está bastante crescido! — disse John, com ironia. — Por que terá ele vindo visitar-nos, Parker?
— Que me matem se o sei! — respondeu o capataz, coçando perplexo o coiro cabeludo.
— Mande vários homens revistar a casa. A firma Burnet & Grieser pode ter-nos obsequiado, desta feita, com alguma formosa bomba. Onde é que podemos encerrar este pássaro, de momento, sem perigo de que nos bata a asa?...
— Há uma cela que seu pai construiu, vai fazer quinze anos, para os delinquentes, enquanto o xerife não tomava conta deles. É por dar a ordem de revista e acompanhá-lo-ei.
Assim atuou. Momentos mais tarde John disse ao foragido:
— Para a frente. Hoje começam as tuas férias! Foi desarmado e metido na prisão situada na parte traseira da casa.
Campbell e o capataz caminharam um ao lado do outro, após terem-no fechado à chave. O primeiro pensava em voz alta:
— Esses bandidos não dão um passo sem que exista uma causa que o justifique. Para que teriam enviado um dos seus melhores homens?
— Para vigiar os nossos movimentos — respondeu, logo, Parker. — Eis a explicação. Temem que o senhor consiga aquilo que está tentando com os lavradores!
— É mais lógico que eles, conhecedores do terreno que pisam, pensem, como você, que os peque-nos rancheiros jamais nos ajudem. Não, não creio que seja por isso.
— Então não sei.
Sentaram-se no último degrau da escada e ficaram pensativos durante um bom pedaço, até que compareceram os homens encarregados de revistar a casa. Nenhum deles tinha encontrado o que quer que fosse de anormal.
— Viram a minha irmã? — perguntou John. — Sim — disse um. — Está no seu quarto, de-
certo que... — não terminou a frase, gaguejando. — Que se passa?
— Creio que esteve a chorar. Deve preocupá-la muito a enfermidade de seu pai.
O advogado levantou-se, agradeceu aos cow¬boys e entrou na vivenda.
Chamou suavemente, da porta dos aposentos de Victória, e uma voz débil autorizou-o a entrar.
— Que tal vai isso, Victória? — saudou Camp-bel com otimismo.
Ela não respondeu, abstraída na contemplação do exterior através das janelas.
— Não estejas a pensar no assunto — disse John. — O teu pai, quero dizer o papá, curar-se-á em breve...
Vic fixou-o de olhos vermelhos e murmurou: — Decidi terminar com tudo.
— Terminar com tudo? Que queres dizer? —Direi ao pai que aceite a oferta de Burnet e Grieser.
Campbell arqueou as sobrancelhas numa expressão muito característica.
— Estás no teu juízo perfeito, Vic?
— Precisamente por o estar é que adotei esta decisão! Não há mais intranquilidade, nem mais luta! Julgas que é humano ver como cada dia morrem os nossos rapazes? Quem será o próximo cadáver? — A rapariga falava nervosa. — Pode ser o papá!... Ou Parker!... Ou tu!...
— Mas, Victória, tu ontem não pensavas assim!... Aprovaste o meu plano, deste-me ânimo! O que é que se passa agora?
— Que pensei melhor. Direi ao pai qual é o teu desejo, que irás de novo para o Este. Para que nos havemos de arriscar mais? Continuar a resistir equivale ao suicídio. Depois de tudo, a oferta de Burnet e Grieser é aceitável.
— Quanto dão?
— Trinta mil dólares. Quinze mil a pronto e os outros quinze mil a pagar num prazo de seis meses.
—É uma fraude! E tu bem o sabes! — exclamou Campbell. — Não pagam nem a quinta parte do seu valor. E essa metade aprazada nunca mais os teus olhos a verão! Não posso permitir esse sacrifício!
— Lamento-o! Já te disse que está decidido.
— E julgas que o nosso pai vai dar consentimento a esse negócio sujo? É impossível!
— Farei com que assine o contrato sem saber o que é...
— Victória! Não podes fazer isso! Cometerias um crime!
— Faço-o pelo seu bem, que é o nosso. Campbell agarrou fortemente a jovem pelos braços.
— Olha para mim!... Bem de frente!
Ela, após vacilar uns segundos, obedeceu. Ele então perguntou:
— O que é que se está a passar? Exijo que mo digas! Tenho direito a sabê-lo!
Transcorreu um minuto de silêncio.
Por fim, Vic murmurou:
— Tens direito, dizes?
Campbell não pôde evitar um estremecimento, mas afirmou com firmeza:
— Tanto como tu!
— És muito engraçado, David. Não seria melhor que tirasses a máscara?
— Do que é que estás a falar?
Victória sorriu e respondeu:
— Voltaste por causa da herança. Soube-o desde o primeiro momento. Recebeste a carta em que te punha ao corrente da gravidade de nosso pai, e pensaste que não era mau negócio vir até Rockville. Aceitando a oferta de Burnet, fica tudo liquidado. Apanhas um bocado de dinheiro que te corresponda e tornas para essa mulherzinha que adoras. Quando te vir chegar com a carteira repleta, não mais te terá asco.
Campbell esbofeteou a cara de Victória com uma raiva que não conseguiu dominar.
A jovem soltou um gemido e ficou com o corpo dobrado, levando as mãos ao rosto.
O advogado olhou-a pelo espaço de uns segundos, girou sobre os calcanhares e saiu do aposento batendo com a porta.
Victória, quando se achou só, correu para a cama e arrojou-se para cima dela, rompendo em soluços.
— Perde o seu tempo e é uma lástima.
— Oxalá não pense assim daqui a pouco. Vamos a andar até à casa!
O desconhecido encolheu os ombros e obedeceu.
Quando se acercavam da escada, Parker saiu¬-lhes ao encontro. Olhou o prisioneiro de Campbell e deu um assobio.
— Onde é que o encontrou, David?
— Entre os álamos do tanque.
— Sabe que é?
— Ainda não teve a gentileza de dizer o seu nome!
— É Barry «el Nino», um dos atiradores de Burnet.
O aludido moveu a cabeça num gesto de estúpida vaidade.
— Pois está bastante crescido! — disse John, com ironia. — Por que terá ele vindo visitar-nos, Parker?
— Que me matem se o sei! — respondeu o capataz, coçando perplexo o coiro cabeludo.
— Mande vários homens revistar a casa. A firma Burnet & Grieser pode ter-nos obsequiado, desta feita, com alguma formosa bomba. Onde é que podemos encerrar este pássaro, de momento, sem perigo de que nos bata a asa?...
— Há uma cela que seu pai construiu, vai fazer quinze anos, para os delinquentes, enquanto o xerife não tomava conta deles. É por dar a ordem de revista e acompanhá-lo-ei.
Assim atuou. Momentos mais tarde John disse ao foragido:
— Para a frente. Hoje começam as tuas férias! Foi desarmado e metido na prisão situada na parte traseira da casa.
Campbell e o capataz caminharam um ao lado do outro, após terem-no fechado à chave. O primeiro pensava em voz alta:
— Esses bandidos não dão um passo sem que exista uma causa que o justifique. Para que teriam enviado um dos seus melhores homens?
— Para vigiar os nossos movimentos — respondeu, logo, Parker. — Eis a explicação. Temem que o senhor consiga aquilo que está tentando com os lavradores!
— É mais lógico que eles, conhecedores do terreno que pisam, pensem, como você, que os peque-nos rancheiros jamais nos ajudem. Não, não creio que seja por isso.
— Então não sei.
Sentaram-se no último degrau da escada e ficaram pensativos durante um bom pedaço, até que compareceram os homens encarregados de revistar a casa. Nenhum deles tinha encontrado o que quer que fosse de anormal.
— Viram a minha irmã? — perguntou John. — Sim — disse um. — Está no seu quarto, de-
certo que... — não terminou a frase, gaguejando. — Que se passa?
— Creio que esteve a chorar. Deve preocupá-la muito a enfermidade de seu pai.
O advogado levantou-se, agradeceu aos cow¬boys e entrou na vivenda.
Chamou suavemente, da porta dos aposentos de Victória, e uma voz débil autorizou-o a entrar.
— Que tal vai isso, Victória? — saudou Camp-bel com otimismo.
Ela não respondeu, abstraída na contemplação do exterior através das janelas.
— Não estejas a pensar no assunto — disse John. — O teu pai, quero dizer o papá, curar-se-á em breve...
Vic fixou-o de olhos vermelhos e murmurou: — Decidi terminar com tudo.
— Terminar com tudo? Que queres dizer? —Direi ao pai que aceite a oferta de Burnet e Grieser.
Campbell arqueou as sobrancelhas numa expressão muito característica.
— Estás no teu juízo perfeito, Vic?
— Precisamente por o estar é que adotei esta decisão! Não há mais intranquilidade, nem mais luta! Julgas que é humano ver como cada dia morrem os nossos rapazes? Quem será o próximo cadáver? — A rapariga falava nervosa. — Pode ser o papá!... Ou Parker!... Ou tu!...
— Mas, Victória, tu ontem não pensavas assim!... Aprovaste o meu plano, deste-me ânimo! O que é que se passa agora?
— Que pensei melhor. Direi ao pai qual é o teu desejo, que irás de novo para o Este. Para que nos havemos de arriscar mais? Continuar a resistir equivale ao suicídio. Depois de tudo, a oferta de Burnet e Grieser é aceitável.
— Quanto dão?
— Trinta mil dólares. Quinze mil a pronto e os outros quinze mil a pagar num prazo de seis meses.
—É uma fraude! E tu bem o sabes! — exclamou Campbell. — Não pagam nem a quinta parte do seu valor. E essa metade aprazada nunca mais os teus olhos a verão! Não posso permitir esse sacrifício!
— Lamento-o! Já te disse que está decidido.
— E julgas que o nosso pai vai dar consentimento a esse negócio sujo? É impossível!
— Farei com que assine o contrato sem saber o que é...
— Victória! Não podes fazer isso! Cometerias um crime!
— Faço-o pelo seu bem, que é o nosso. Campbell agarrou fortemente a jovem pelos braços.
— Olha para mim!... Bem de frente!
Ela, após vacilar uns segundos, obedeceu. Ele então perguntou:
— O que é que se está a passar? Exijo que mo digas! Tenho direito a sabê-lo!
Transcorreu um minuto de silêncio.
Por fim, Vic murmurou:
— Tens direito, dizes?
Campbell não pôde evitar um estremecimento, mas afirmou com firmeza:
— Tanto como tu!
— És muito engraçado, David. Não seria melhor que tirasses a máscara?
— Do que é que estás a falar?
Victória sorriu e respondeu:
— Voltaste por causa da herança. Soube-o desde o primeiro momento. Recebeste a carta em que te punha ao corrente da gravidade de nosso pai, e pensaste que não era mau negócio vir até Rockville. Aceitando a oferta de Burnet, fica tudo liquidado. Apanhas um bocado de dinheiro que te corresponda e tornas para essa mulherzinha que adoras. Quando te vir chegar com a carteira repleta, não mais te terá asco.
Campbell esbofeteou a cara de Victória com uma raiva que não conseguiu dominar.
A jovem soltou um gemido e ficou com o corpo dobrado, levando as mãos ao rosto.
O advogado olhou-a pelo espaço de uns segundos, girou sobre os calcanhares e saiu do aposento batendo com a porta.
Victória, quando se achou só, correu para a cama e arrojou-se para cima dela, rompendo em soluços.
*
Campbell passeava pelo atalho que conduzia à casa, presa de uma grande excitação. Apertava-se as mãos, e os seus olhos não se detinham num ponto fixo mais de três segundos. Consultou o relógio. Estava próxima a hora combinada para a reunião com os pequenos lavradores. De um momento para o outro começariam a chegar.
Por fim, depois de muita vacilação, dirigiu-se para a cela ocupada por Barry «el Niño». Abriu a porta com a chave que Parker lhe havia entregue, e penetrou no interior sem se incomodar a fechá-la.
O bandido, que se achava encostado a um enxergão, ergueu-se ao ouvir ruído, ficando sentado. Sorriu ironicamente, perguntando;
— Encontrou a bomba?
— Quero fazer um acordo com você.
— Sim? Que interessante.
— Aí tem a porta que o conduz à liberdade. — Solta-me já?! — disse Barry, impressionado. — É uma aldrabice?
—É o prémio para o que ficar vencedor no concurso que vamos realizar!
— Não me diga! Como num «Rodeo»?
— Mais emocionante, contudo!
— Quais são as bases? Não me inscrevo sem as conhecer!
— Vamos combater de homem para homem. Nas mesmas condições. Se você ganhar, vai-se embora; mas se eu vencer dir-me-á o que comunicou à minha irmã.
— É só isso? — inquiriu Barry, levantando-se.
— Quero adverti-lo duma coisa.
— Mais bases?
— Um simples esclarecimento. Poderia atormentá-lo até que me dissesse tudo o que necessito saber, mas repugna-me utilizar esses métodos.
— É um sentimental, não?
— Mas juro-lhe que não o serei se o vencer e não cumprir o prometido. Nesse caso marcá-lo-ei como a uma rês.
— Creio que não haverá necessidade de utilizar o ferro. Não disse de homem para homem? O senhor tem armas!
O advogado assentiu, desfivelou o cinturão e atirou-o para um canto, voltando a cabeça para o lado.
Nesse instante, Barry lançou o seu punho direito de encontro à mandíbula do confiado John, o qual foi arremessado até à parede.
O foragido deu um salto, dirigindo-se para o lugar onde descansavam as pistolas. Mas antes que pudesse tocar-lhes, Campbell caiu em cima dele, fazendo-o retroceder com duas pancadas nas costas.
— Devia ter compreendido que não jogava limpo... — articulou ao deter-se enquanto Barry recuava.
Este enrugou o nariz e respondeu:
— Quer lutar de verdade, não é? Bem, quando acabar consigo, nem os seus homens o vão conhecer...
Fintou com a esquerda e lançou um direto que Campbell recebeu junto a uma orelha, produzindo-lhe forte dor. John esquivou-se a um rapidíssimo gancho e respondeu com uma série ao estômago, que Barry encaixou mal. Então o bandido lançou-se para a frente e conseguiu tocar o fígado do seu rival que, ao dobrar-se, recebeu uma ajoelhada num ombro que o fez cair de costas contra a parede. Ficou estonteado, e Barry aproveitou a oportunidade para o golpear no rosto uma e outra vez. Campbell reuniu as suas forças e conseguiu apanhar o seu antagonista com uma terrível esquerda que o fez cambalear até ao centro da cela. Isso proporcionou-lhe um tempo precioso para se recompor, dissipando as sombras que lhe lançavam nos olhos e enchendo os pulmões de ar.
Quando apanhou, de novo, Barry na sua frente, fez uma ameaça com o corpo, correu para a direita e no instante em que o outro baixava guarda crendo que fugia, disparou-lhe os seus punhos, um atrás do outro, com uma rapidez vertiginosa. O foragido não esperava tal chuva e agachou-se tentando inutilizar os golpes. Campbell, que o vigiava, caçou-o com um gancho demolidor, levantando-o alguns centímetros do solo. Na queda torceu-se como um boneco de trapos e ficou inerte.
O advogado acercou-se, cambaleando, da parede, apanhou o seu cinturão e pô-lo. Depois esperou que o seu vencido rival voltasse a si.
Barry levantou-se passado um bocado, aos tropeções. Tinha o rosto ferido; mas o de John não teria melhor aspeto.
Este disse:
— Bem, agora é a sua vez.
Barry «el Niño» olhou o vencedor e pareceu pouco disposto a dar explicações.
— Que vai fazer comigo, se dou à língua?
— Continuará aqui encerrado. Terá de responder às queixas que houver contra você!
— Não me matará?
— Tem a minha palavra de que não o farei. Será julgado legalmente pela sua intervenção nos trabalhos de Burnet e Grieser.
— De acordo, senhor Campbell!
John ficou estupefacto ao ouvir-se chamar pelo seu nome.
— Não se admire — explicou o outro. — Burnet chegou à conclusão de que o senhor era o advogado de Tuscaloosa que falou com David Hubert antes de ser enforcado.
— E como é que ele pode afirmar isso?
— Porque tem a carta que Victória Hubert recebeu do seu irmão! — seguidamente Barry esclareceu Campbell do conteúdo dessa carta.
Pelo cérebro do advogado cruzou um pensamento insuspeito. Victória tinha sabido antes dele chegar a Rockville que não era David Hubert! Preferiu deixar para mais tarde a análise da situação que tal descobrimento originava, e continuou fazendo perguntas ao seu informador. Assim, soube a forma porque Burnet conseguira inteirar-se do que ele julgava um segredo.
— E qual foi, então, o plano dos seus patrões?
— Obrigar a menina Hubert a conseguir a assinatura de seu pai no documento de venda do rancho. Se antes desta noite não entregar o contrato que lhe trouxe, devidamente cumprido, Burnet informará Jonathan Hubert de que o senhor não é seu filho, mas sim um impostor.
Agora, tudo se tornava claro para Campbell. A atitude de Victória e as suas frases mordazes. Tinha pretendido feri-lo para justificar a sua mudança de opiniões a respeito da batalha que travavam.
Quando abandonou a cela, havia um sorriso nos seus lábios.
Parker viu-o da porta e gritou-lhe:
— Eh! Senhor Hubert!... Temos andado à sua procura! — e quando já estava mais perto e reparou no seu rosto, acrescentou: — O que é que se passou?
— Arrumei um assunto com Barry.
— Espero que ele tenha a cara pior do que a sua. Já estão aqui os lavradores. Não necessito repetir-lhe o plano que trazem!
— Levou-os para o escritório?
— Sim, senhor! Lá estão a mirar-se de soslaio, sem falar, preocupados apenas em levar a melhor talhada do que eles julgam uma liquidação.
— Quantos são?
— Seis. Houve um que, pelos vistos, se decidiu à última hora.
— Está bem. Vamos até lá.
— Preferia ficar por aqui...
— O senhor é o capataz. Deve estar informado das minhas decisões. Venha comigo.
Parker suspirou e seguiu Campbell.
Por fim, depois de muita vacilação, dirigiu-se para a cela ocupada por Barry «el Niño». Abriu a porta com a chave que Parker lhe havia entregue, e penetrou no interior sem se incomodar a fechá-la.
O bandido, que se achava encostado a um enxergão, ergueu-se ao ouvir ruído, ficando sentado. Sorriu ironicamente, perguntando;
— Encontrou a bomba?
— Quero fazer um acordo com você.
— Sim? Que interessante.
— Aí tem a porta que o conduz à liberdade. — Solta-me já?! — disse Barry, impressionado. — É uma aldrabice?
—É o prémio para o que ficar vencedor no concurso que vamos realizar!
— Não me diga! Como num «Rodeo»?
— Mais emocionante, contudo!
— Quais são as bases? Não me inscrevo sem as conhecer!
— Vamos combater de homem para homem. Nas mesmas condições. Se você ganhar, vai-se embora; mas se eu vencer dir-me-á o que comunicou à minha irmã.
— É só isso? — inquiriu Barry, levantando-se.
— Quero adverti-lo duma coisa.
— Mais bases?
— Um simples esclarecimento. Poderia atormentá-lo até que me dissesse tudo o que necessito saber, mas repugna-me utilizar esses métodos.
— É um sentimental, não?
— Mas juro-lhe que não o serei se o vencer e não cumprir o prometido. Nesse caso marcá-lo-ei como a uma rês.
— Creio que não haverá necessidade de utilizar o ferro. Não disse de homem para homem? O senhor tem armas!
O advogado assentiu, desfivelou o cinturão e atirou-o para um canto, voltando a cabeça para o lado.
Nesse instante, Barry lançou o seu punho direito de encontro à mandíbula do confiado John, o qual foi arremessado até à parede.
O foragido deu um salto, dirigindo-se para o lugar onde descansavam as pistolas. Mas antes que pudesse tocar-lhes, Campbell caiu em cima dele, fazendo-o retroceder com duas pancadas nas costas.
— Devia ter compreendido que não jogava limpo... — articulou ao deter-se enquanto Barry recuava.
Este enrugou o nariz e respondeu:
— Quer lutar de verdade, não é? Bem, quando acabar consigo, nem os seus homens o vão conhecer...
Fintou com a esquerda e lançou um direto que Campbell recebeu junto a uma orelha, produzindo-lhe forte dor. John esquivou-se a um rapidíssimo gancho e respondeu com uma série ao estômago, que Barry encaixou mal. Então o bandido lançou-se para a frente e conseguiu tocar o fígado do seu rival que, ao dobrar-se, recebeu uma ajoelhada num ombro que o fez cair de costas contra a parede. Ficou estonteado, e Barry aproveitou a oportunidade para o golpear no rosto uma e outra vez. Campbell reuniu as suas forças e conseguiu apanhar o seu antagonista com uma terrível esquerda que o fez cambalear até ao centro da cela. Isso proporcionou-lhe um tempo precioso para se recompor, dissipando as sombras que lhe lançavam nos olhos e enchendo os pulmões de ar.
Quando apanhou, de novo, Barry na sua frente, fez uma ameaça com o corpo, correu para a direita e no instante em que o outro baixava guarda crendo que fugia, disparou-lhe os seus punhos, um atrás do outro, com uma rapidez vertiginosa. O foragido não esperava tal chuva e agachou-se tentando inutilizar os golpes. Campbell, que o vigiava, caçou-o com um gancho demolidor, levantando-o alguns centímetros do solo. Na queda torceu-se como um boneco de trapos e ficou inerte.
O advogado acercou-se, cambaleando, da parede, apanhou o seu cinturão e pô-lo. Depois esperou que o seu vencido rival voltasse a si.
Barry levantou-se passado um bocado, aos tropeções. Tinha o rosto ferido; mas o de John não teria melhor aspeto.
Este disse:
— Bem, agora é a sua vez.
Barry «el Niño» olhou o vencedor e pareceu pouco disposto a dar explicações.
— Que vai fazer comigo, se dou à língua?
— Continuará aqui encerrado. Terá de responder às queixas que houver contra você!
— Não me matará?
— Tem a minha palavra de que não o farei. Será julgado legalmente pela sua intervenção nos trabalhos de Burnet e Grieser.
— De acordo, senhor Campbell!
John ficou estupefacto ao ouvir-se chamar pelo seu nome.
— Não se admire — explicou o outro. — Burnet chegou à conclusão de que o senhor era o advogado de Tuscaloosa que falou com David Hubert antes de ser enforcado.
— E como é que ele pode afirmar isso?
— Porque tem a carta que Victória Hubert recebeu do seu irmão! — seguidamente Barry esclareceu Campbell do conteúdo dessa carta.
Pelo cérebro do advogado cruzou um pensamento insuspeito. Victória tinha sabido antes dele chegar a Rockville que não era David Hubert! Preferiu deixar para mais tarde a análise da situação que tal descobrimento originava, e continuou fazendo perguntas ao seu informador. Assim, soube a forma porque Burnet conseguira inteirar-se do que ele julgava um segredo.
— E qual foi, então, o plano dos seus patrões?
— Obrigar a menina Hubert a conseguir a assinatura de seu pai no documento de venda do rancho. Se antes desta noite não entregar o contrato que lhe trouxe, devidamente cumprido, Burnet informará Jonathan Hubert de que o senhor não é seu filho, mas sim um impostor.
Agora, tudo se tornava claro para Campbell. A atitude de Victória e as suas frases mordazes. Tinha pretendido feri-lo para justificar a sua mudança de opiniões a respeito da batalha que travavam.
Quando abandonou a cela, havia um sorriso nos seus lábios.
Parker viu-o da porta e gritou-lhe:
— Eh! Senhor Hubert!... Temos andado à sua procura! — e quando já estava mais perto e reparou no seu rosto, acrescentou: — O que é que se passou?
— Arrumei um assunto com Barry.
— Espero que ele tenha a cara pior do que a sua. Já estão aqui os lavradores. Não necessito repetir-lhe o plano que trazem!
— Levou-os para o escritório?
— Sim, senhor! Lá estão a mirar-se de soslaio, sem falar, preocupados apenas em levar a melhor talhada do que eles julgam uma liquidação.
— Quantos são?
— Seis. Houve um que, pelos vistos, se decidiu à última hora.
— Está bem. Vamos até lá.
— Preferia ficar por aqui...
— O senhor é o capataz. Deve estar informado das minhas decisões. Venha comigo.
Parker suspirou e seguiu Campbell.
sábado, 19 de agosto de 2017
BUF015. CAP VII. Fogo no rancho
Lube «Relâmpago», as pernas abertas em compasso, esperava no meio da rua, de olhar atento, a aparição de Hubert.
Pensava nos dois mil dólares que receberia de Burnet e Grieser «pelos serviços prestados». Ele era muito rápido com o revólver, mas tanto tinha ouvido falar do seu rival, que julgou mais certo e oportuno recorrer a uma vigarice para nada arriscar. Depois de tudo, o próprio Hubert tinha assinado a sua sentença de morte ao penetrar no recinto onde se efetuava o baile dominical. Tinha seguido os dois irmãos desde que saíram do rancho, após a refeição, acompanhados de uma pequena escolta. Tinha previsto desafiá-lo de homem para homem, mas as circunstâncias tinham-se posto a seu favor, e não ia ser tão tonto que as desperdiçasse.
Era um assassínio. Sabia-o. Hubert estava indefeso. Que sensação lhe produziria, antes de morrer, aperceber-se de que os seus revólveres não tinham munições? Riu, admirando-se da sua astúcia.
Naquele instante, viu sair Hubert pela porta, e seguiu os seus movimentos. Deteve-se no passeio e examinou o ponto onde ele se encontrava. Agora passava à calçada, andando, com os polegares metidos no cinturão. Já estava no centro, e voltava-se até se colocar de frente. Lube calculou a distância. Umas vinte jardas. Decidiu antecipar-se a Hubert e deu um passo, logo outro. O homem do Este pôs-se também a andar. As vinte jardas reduziram-se a quinze. Lube observou o rosto que, transcorridos uns minutos, ficaria desfigurado pela palidez da morte. Não pôde evitar um leve estremecimento ao ver que lhe faltava expressão. Parecia uma máscara. A ele também lhe tinham dito que a sua cara tão-pouco dizia alguma coisa antes de disparar contra alguém. Era a firme resolução de matar a única sensação capaz de atarantar, daquela forma, os músculos, até dar o aspeto da dureza do granito.
A distância era agora de quinze jardas. Por que se moviam tão lentamente? Teria jurado que há horas que se aproximavam um do outro. Dispararia quando tivesse Hubert a umas dez jardas. Onde lhe meteria a bala? Na cabeça ou no peito? Tanto fazia num sítio como no outro. Procuraria que tivesse uns segundos de vida. Isso era o suficiente para ele descobrir o engano em que tinha caído, e a raiva que se apoderaria dele paralisar-lhe-ia o coração!...
Doze jardas, onze... Agora! Pôs os dedos na culatra, tirou o «Colt». Tudo nuns escassos décimos de segundo e com os olhos cravados nos de Hubert. Mas, de repente, das mãos deste brotou uma chama e soou um estampido.
Lube «Relâmpago» sentiu uma convulsão, ao mesmo tempo que algo parecido com uma agulha, aquecida ao rubro, lhe atravessava a garganta. Não, aquilo não era verdade, não podia estar certo. As pistolas de Hubert não tinham munições. Que se passava? Por que não lhe obedecia o dedo que roçava o gatilho? Tinha de apertar! Uma só vez, e o pesadelo acabaria.
Mas, de súbito, sentiu-se sem forças. Deu um tombo, um líquido quente corria-lhe pelo peito. Olhou até abaixo. Era vermelho! Vermelho de sangue!
Abriu a boca, ao descobrir que aos seus pulmões lhe faltava ar. Estava sufocando. Seria aquilo a morte?
Então, ouviu uma voz que lhe pareceu vir dum lugar longínquo, a milhas e milhas donde ele se encontrava.
— Tenho sempre a precaução de observar as minhas armas antes de bater-me com alguém, Lube! Não tiveste sorte. Boa viagem.
As palavras ressoaram aos seus ouvidos. «Boa viagem». Mas onde? Viu que tudo se cobria de trevas e submergiu-se nelas.
Antes de tocar no solo, Lube «Relâmpago» era cadáver.
Pensava nos dois mil dólares que receberia de Burnet e Grieser «pelos serviços prestados». Ele era muito rápido com o revólver, mas tanto tinha ouvido falar do seu rival, que julgou mais certo e oportuno recorrer a uma vigarice para nada arriscar. Depois de tudo, o próprio Hubert tinha assinado a sua sentença de morte ao penetrar no recinto onde se efetuava o baile dominical. Tinha seguido os dois irmãos desde que saíram do rancho, após a refeição, acompanhados de uma pequena escolta. Tinha previsto desafiá-lo de homem para homem, mas as circunstâncias tinham-se posto a seu favor, e não ia ser tão tonto que as desperdiçasse.
Era um assassínio. Sabia-o. Hubert estava indefeso. Que sensação lhe produziria, antes de morrer, aperceber-se de que os seus revólveres não tinham munições? Riu, admirando-se da sua astúcia.
Naquele instante, viu sair Hubert pela porta, e seguiu os seus movimentos. Deteve-se no passeio e examinou o ponto onde ele se encontrava. Agora passava à calçada, andando, com os polegares metidos no cinturão. Já estava no centro, e voltava-se até se colocar de frente. Lube calculou a distância. Umas vinte jardas. Decidiu antecipar-se a Hubert e deu um passo, logo outro. O homem do Este pôs-se também a andar. As vinte jardas reduziram-se a quinze. Lube observou o rosto que, transcorridos uns minutos, ficaria desfigurado pela palidez da morte. Não pôde evitar um leve estremecimento ao ver que lhe faltava expressão. Parecia uma máscara. A ele também lhe tinham dito que a sua cara tão-pouco dizia alguma coisa antes de disparar contra alguém. Era a firme resolução de matar a única sensação capaz de atarantar, daquela forma, os músculos, até dar o aspeto da dureza do granito.
A distância era agora de quinze jardas. Por que se moviam tão lentamente? Teria jurado que há horas que se aproximavam um do outro. Dispararia quando tivesse Hubert a umas dez jardas. Onde lhe meteria a bala? Na cabeça ou no peito? Tanto fazia num sítio como no outro. Procuraria que tivesse uns segundos de vida. Isso era o suficiente para ele descobrir o engano em que tinha caído, e a raiva que se apoderaria dele paralisar-lhe-ia o coração!...
Doze jardas, onze... Agora! Pôs os dedos na culatra, tirou o «Colt». Tudo nuns escassos décimos de segundo e com os olhos cravados nos de Hubert. Mas, de repente, das mãos deste brotou uma chama e soou um estampido.
Lube «Relâmpago» sentiu uma convulsão, ao mesmo tempo que algo parecido com uma agulha, aquecida ao rubro, lhe atravessava a garganta. Não, aquilo não era verdade, não podia estar certo. As pistolas de Hubert não tinham munições. Que se passava? Por que não lhe obedecia o dedo que roçava o gatilho? Tinha de apertar! Uma só vez, e o pesadelo acabaria.
Mas, de súbito, sentiu-se sem forças. Deu um tombo, um líquido quente corria-lhe pelo peito. Olhou até abaixo. Era vermelho! Vermelho de sangue!
Abriu a boca, ao descobrir que aos seus pulmões lhe faltava ar. Estava sufocando. Seria aquilo a morte?
Então, ouviu uma voz que lhe pareceu vir dum lugar longínquo, a milhas e milhas donde ele se encontrava.
— Tenho sempre a precaução de observar as minhas armas antes de bater-me com alguém, Lube! Não tiveste sorte. Boa viagem.
As palavras ressoaram aos seus ouvidos. «Boa viagem». Mas onde? Viu que tudo se cobria de trevas e submergiu-se nelas.
Antes de tocar no solo, Lube «Relâmpago» era cadáver.
Victória e Campbell falavam enquanto iam passeando pelo rancho, naquela tarde de segunda¬-feira.
— Quero pedir-te um conselho, David. — Sobre quê?
— Tom Henderson propôs-me ontem que me case com ele.
O advogado teve um estremecimento, detendo-se. Victória também quedou imóvel, e perguntou:
— Que achas que eu deva fazer? Não me atrevo a resolver por mim mesma.
— Eu creio que a resposta mais sincera — respondeu John, contendo dolorosamente a sua emoção — será esta: se gostas dele, aceita-o.
— Ë esse o caso, David! Não sei se gosto dele. Ignoro o sentimento que deve existir numa pessoa a respeito de outra, quando existe amor. Tu que estás enamorado, o que sentes?
Campbell notou que o sangue lhe afluía à cara. — Pois... assim que a modos... um desejo imenso de abraçar a mulher que amo.
— E que mais?
— Pois... também sinto que ela para mim representa o que de melhor existe no Mundo e que desejaria passar o resto da minha vida junto dela...
— Nada mais?
— Bem, há, mais coisas... enfim... — Campbell titubeou e depois explodiu: — Sentes algo parecido com isto por esse tal Tom?...
Victória gaguejou, e disse:
— Não sei, David.
John suspirou, murmurando:
— Então teremos que ver o que tens no sítio do coração.
— Não te enfades...
— Eu enfado-me? Por que pensas tal coisa? Ao fim e ao cabo, tanto se me dá que seja o Tom, o Joe, o Peter...
— Ë então o mesmo!... És um bom irmão!... Valeu bem a pena pedir-te conselho! — comentou a jovem, aborrecida.
Campbel não prestava já atenção a Victória. Tinha os olhos fixos num ginete que se aproximava com a velocidade de uma seta.
Em poucos segundos chegou ao pé deles. Com voz entrecortada, o cowboy exclamou:
— Deitaram fogo à grande pradaria!... Uma grande área está já em chamas... necessitamos de mais homens... Está tudo desorientado...
Campbell adotou imediatamente uma decisão.
— Avisa Parker, Victória!... Que reúna todos os homens que puder! Que deixe dez com vocês, e o resto que nos venha ajudar!... Nós vamos andando à frente!
Vinte e cinco minutos mais tarde, o advogado contemplava a indescritível e selvagem beleza de um vasto sector da pradaria em chamas. Era o que correspondia aos pastos de inverno. O fogo detinha-se lá longe onde a erva primaveril constituía a melhor barreira para a localização do incêndio.
Conforme avançavam, cavalgando os fogosos cavalos, chegava a seus ouvidos o ruído produzido por milhares de patas entrechocando-se com a terra.
— Além, ao Norte! — gritou o cowboy que precedia Johnny.
Este olhou na direção assinalada e descobriu uma massa pardacenta que fugia com uma rapidez impressionante. Era a loucura do fogo. As reses afastavam-se das labaredas, mas ao cabo de uma milha as chamas envolviam-nas fechando-lhes a fuga, vendo-se obrigadas a trocar o caminho, num desesperado intento para escapar ao terrível braseiro.
Os vaqueiros, fazendo titânicos esforços e verdadeiros alardes de equilibristas, procuravam, infrutuosamente, levar os animais pelo único sítio livre.
Campbell não possuía experiência alguma naquelas lides de gado, e tinha de limitar-se a acompanhar os homens de Hubert nas galopadas, serpenteando por entre a gigantesca fogueira.
Um cowboy teve um segundo de vacilação quando o gado que fugia se voltou bruscamente; e antes que pudesse pôr-se a salvo, as reses enlouquecidas cobriram-no como uma onda do mar embravecido. Ao passar o último bovino, apenas ficou, numa extensão de vários metros, uns pedaços de roupa e coiro, cobertos de sangue enegrecido, e ossos dificilmente identificáveis.
Por fim, chegaram Parker e onze homens. Só então se conseguiu conduzir as cabeças-guias do rebanho pelo estreito desfiladeiro, em cujos lados crescia o fogo. Mesmo assim, ainda foram necessários denodados esforços para se conseguir que os animais cessassem a sua endiabrada correria.
Já a noite ia bastante avançada quando os vaqueiros, silenciosos, cansados, com o rosto manchado de cinza, puderam sentar-se e contemplar o incêndio que lá longe, no horizonte, ia perdendo a intensidade ao' esgotarem-se os pastos secos de inverno.
Victória observava pela janela do seu quarto o pôr-do-sol. As colinas próximas à casa, banhadas por uma auréola encarnada, e as silhuetas dos altos pinheiros sobre um fundo branco, eram parte de um quadro que ela amava como se fizesse parte do seu ser.
Voltou-se, e lentamente acercou-se da cómoda. Em frente do espelho manteve-se imóvel, em atitude pensativa. Ao cabo de uns minutos abriu uma caixa donde extraiu um pequeno cofre. Do interior deste, tirou uma carta amarrotada. Quantas vezes a tinha lido, desde que a recebera dias antes? Não o sabia, mas eram muitas.
Tinha-a gravada na mente, e sentia uma emoção nova de cada vez que os seus olhos percorriam as apertadas linhas escritas com um pulso nervoso.
— Quero pedir-te um conselho, David. — Sobre quê?
— Tom Henderson propôs-me ontem que me case com ele.
O advogado teve um estremecimento, detendo-se. Victória também quedou imóvel, e perguntou:
— Que achas que eu deva fazer? Não me atrevo a resolver por mim mesma.
— Eu creio que a resposta mais sincera — respondeu John, contendo dolorosamente a sua emoção — será esta: se gostas dele, aceita-o.
— Ë esse o caso, David! Não sei se gosto dele. Ignoro o sentimento que deve existir numa pessoa a respeito de outra, quando existe amor. Tu que estás enamorado, o que sentes?
Campbell notou que o sangue lhe afluía à cara. — Pois... assim que a modos... um desejo imenso de abraçar a mulher que amo.
— E que mais?
— Pois... também sinto que ela para mim representa o que de melhor existe no Mundo e que desejaria passar o resto da minha vida junto dela...
— Nada mais?
— Bem, há, mais coisas... enfim... — Campbell titubeou e depois explodiu: — Sentes algo parecido com isto por esse tal Tom?...
Victória gaguejou, e disse:
— Não sei, David.
John suspirou, murmurando:
— Então teremos que ver o que tens no sítio do coração.
— Não te enfades...
— Eu enfado-me? Por que pensas tal coisa? Ao fim e ao cabo, tanto se me dá que seja o Tom, o Joe, o Peter...
— Ë então o mesmo!... És um bom irmão!... Valeu bem a pena pedir-te conselho! — comentou a jovem, aborrecida.
Campbel não prestava já atenção a Victória. Tinha os olhos fixos num ginete que se aproximava com a velocidade de uma seta.
Em poucos segundos chegou ao pé deles. Com voz entrecortada, o cowboy exclamou:
— Deitaram fogo à grande pradaria!... Uma grande área está já em chamas... necessitamos de mais homens... Está tudo desorientado...
Campbell adotou imediatamente uma decisão.
— Avisa Parker, Victória!... Que reúna todos os homens que puder! Que deixe dez com vocês, e o resto que nos venha ajudar!... Nós vamos andando à frente!
Vinte e cinco minutos mais tarde, o advogado contemplava a indescritível e selvagem beleza de um vasto sector da pradaria em chamas. Era o que correspondia aos pastos de inverno. O fogo detinha-se lá longe onde a erva primaveril constituía a melhor barreira para a localização do incêndio.
Conforme avançavam, cavalgando os fogosos cavalos, chegava a seus ouvidos o ruído produzido por milhares de patas entrechocando-se com a terra.
— Além, ao Norte! — gritou o cowboy que precedia Johnny.
Este olhou na direção assinalada e descobriu uma massa pardacenta que fugia com uma rapidez impressionante. Era a loucura do fogo. As reses afastavam-se das labaredas, mas ao cabo de uma milha as chamas envolviam-nas fechando-lhes a fuga, vendo-se obrigadas a trocar o caminho, num desesperado intento para escapar ao terrível braseiro.
Os vaqueiros, fazendo titânicos esforços e verdadeiros alardes de equilibristas, procuravam, infrutuosamente, levar os animais pelo único sítio livre.
Campbell não possuía experiência alguma naquelas lides de gado, e tinha de limitar-se a acompanhar os homens de Hubert nas galopadas, serpenteando por entre a gigantesca fogueira.
Um cowboy teve um segundo de vacilação quando o gado que fugia se voltou bruscamente; e antes que pudesse pôr-se a salvo, as reses enlouquecidas cobriram-no como uma onda do mar embravecido. Ao passar o último bovino, apenas ficou, numa extensão de vários metros, uns pedaços de roupa e coiro, cobertos de sangue enegrecido, e ossos dificilmente identificáveis.
Por fim, chegaram Parker e onze homens. Só então se conseguiu conduzir as cabeças-guias do rebanho pelo estreito desfiladeiro, em cujos lados crescia o fogo. Mesmo assim, ainda foram necessários denodados esforços para se conseguir que os animais cessassem a sua endiabrada correria.
Já a noite ia bastante avançada quando os vaqueiros, silenciosos, cansados, com o rosto manchado de cinza, puderam sentar-se e contemplar o incêndio que lá longe, no horizonte, ia perdendo a intensidade ao' esgotarem-se os pastos secos de inverno.
Victória observava pela janela do seu quarto o pôr-do-sol. As colinas próximas à casa, banhadas por uma auréola encarnada, e as silhuetas dos altos pinheiros sobre um fundo branco, eram parte de um quadro que ela amava como se fizesse parte do seu ser.
Voltou-se, e lentamente acercou-se da cómoda. Em frente do espelho manteve-se imóvel, em atitude pensativa. Ao cabo de uns minutos abriu uma caixa donde extraiu um pequeno cofre. Do interior deste, tirou uma carta amarrotada. Quantas vezes a tinha lido, desde que a recebera dias antes? Não o sabia, mas eram muitas.
Tinha-a gravada na mente, e sentia uma emoção nova de cada vez que os seus olhos percorriam as apertadas linhas escritas com um pulso nervoso.
«Querida Victória:
Vacilei imenso antes de tomar a iniciativa de dirigir-te estas letras. Há umas horas nunca o pensara fazer, considerando isso uma ideia triste e absurda; agora, o coração diz-me que é o meu dever. Esta transformação talvez tivesse ocorrido por ter falado com um homem. Ele trouxe-me a paz de espírito e devolveu-me a fé em mim mesmo. A minha vida não foi o que vos contei nas minhas cartas anteriores. Enganei-os. Fui um jogador, um homem sem moral nem escrúpulos. Fiz muitas coisas malfeitas. E a minha dor é não poder repará-las, já que não tenho tempo para isso. Morrerei amanhã ao amanhecer. Condenaram-me como culpado de assassínio. Da mesma forma que te confessei o anterior, digo-te que não matei ninguém. As provas estão contra mim, e reconheço que se me tenho encontrado no lugar de um dos do júri, teria procedido como eles fizeram. Não lhes guardo rancor. E é tudo, Victória, ou quase tudo.
O homem a quem devo ânimo para escrever estas linhas chama-se John Campbell e é sócio da firma de advogados que se encarregou da minha defesa. Ele não interveio na causa por achar-se longe de Tuscaloosa, mas ao inteirar-se da condenação visitou-me e ACREDITOU EM MIM. Disse que fará o possível para reabilitar o meu nome. Não sei se o conseguirá. Pedi-lhe para que vos escrevesse comunicando a minha morte por doença, mas, depois de ter ficado só, pensei que deveis conhecer a verdade. Dirijo-te a ti a carta para que sejas tu a decidir se o nosso pai deve inteirar-se ou não do sucedido. Adotei esta precaução por ter em conta o seu estado de saúde, o qual, pelas tuas notícias, deve ser grave.
Já nada me resta para dizer. Só lamento não ter a oportunidade de vos abraçar. Que Deus os proteja.»
Em baixo, a assinatura de «David».
Tinha chorado muito no dia em que recebera a carta. As suas esperanças de recuperar o irmão perdido, com tudo o que isso representava, desvaneciam-se. Burnet e Grieser conseguiriam por fim desalojá-los daquela terra que um Hubert tinha convertido em fonte de riqueza, daquele solo que amava tanto.
Não disse nada a seu pai. A trágica notícia precipitaria a sua morte. David tinha dito que os seus negócios o reteriam uns meses no Este. Havia muito tempo para esperar. Entretanto, seu pai ficou felicíssimo pensando que o ente querido ia regressar. Só isso lhe deu forças para subsistir. Não, era impossível contar-lhe a verdade. Nunca! Preferia guardar em si, como um segredo de morte que lhe dilacerava as entranhas, a chegada daquela carta.
No cofre também estava um telegrama, que o pai recebera, procedente de Kansas. Que estranha sensação a dominou quando ele lhe disse que o seu irmão chegaria na próxima diligência a Rockville?! Teve de fazer um enorme esforço para que o seu rosto não a traísse. E mais tarde encerrou-se no quarto e tratou de pôr em ordem os seus pensamentos.
Quem era aquele homem que se fazia passar por David Hubert? Um impostor à caça de uma herança? Foi o que primeiro lhe ocorreu, mas logo surgiram argumentos que rebateram tal hipótese.
O indivíduo em questão tinha de estar integrado na história dos Hubert, da tragédia remota que destroçou o seu lar. Também conheceria as circunstâncias que rodeavam a morte de David, e a sua correspondência familiar. Nesse caso, não seria um segredo para ele que o rancho estava à mercê de um bando de foragidos e que a sua probabilidade de perder a vida aumentava, se punha os pés em Rockville.
Como um raio de luz que cruzasse rapidamente as suas ideias, lembrou-se do que lhe havia escrito o seu irmão acerca do homem que TINHA ACREDITADO nele. Como se chamava? Leu a carta. John Campbell, advogado em Tuscaloosa.
«Disse que fará o possível por reabilitar o meu nome». «Pedi-lhe que vos escreva comunicando a minha morte por doença, mas depois de ter ficado só, pensei que devíeis conhecer a verdade». Seria o próprio John Campbell?
Decidiu que, quem quer que fosse, lhe seguiria o jogo até desmascará-lo.
E assim chegou o dia em que teve de enfrentar-se com o impostor. Não se atreveu a esperá-lo no passeio, e quase se escondeu na porta duma casa próxima. Viu-o descer da diligência, reconhecendo-o logo porque os outros viajantes eram de mais idade. E, então, por uma misteriosa atração, acreditou ver o verdadeiro David Hubert, e seus olhos encheram-se de lágrimas. Ele estava de costas olhando Ellen Austin, confundindo-a com ela. Chamou-o. Ao voltar-se e ao contemplar o seu rosto, pediu aos céus que fosse um homem bom. E a sua oração tinha sido atendida! Não podia ser outro senão John Campbell, de Tuscaloosa. Tinha-o demonstrado, pondo-se à frente dos rapazes para impedir o desvio do rio Negro. E acima de tudo, tinha saído airosamente das duas provas a que o submeteu sugerindo-lhe que ficasse, que não fosse ao encontro do perigo. A última vez dissera-lhe que gostava de Rockville para a não entristecer. Campbell só havia ido ao rancho para evitar a catástrofe que pairava sobre este. Era um espírito nobre e generoso, a quem a história de David certamente deveria ter impressionado bastante. Nos seus íntimos, teriam ficado, até, verdadeiros amigos!
Agora, frente ao espelho que refletia a sua imagem, com a carta tantas vezes lida, na mão, assustava-se do sentimento que lhe inspirava o impostor. Amava-o. Estava apaixonada por ele, e era inútil negá-lo. Tudo aquilo que Campbell lhe havia dito, há umas horas, sobre o que sentia um ser que ama, compreendia-o nesse instante. Mas o advogado gostava de outra mulher! Tinha-o confessado, balbuciando, abrindo a sua alma, tal como se essa mulher não lhe correspondesse a tamanha estima.
Bem. De qualquer forma gozaria de uma pequena felicidade, ainda que fosse curta, até tudo se legalizar. Mas como conseguiria John que as coisas se arrumassem? Burnet e Grieser tinham iniciado o seu último ataque, brutal, impiedoso. Talvez Campbell fracassasse, perdendo a vida na luta. Então, nada mais restaria para salvar.
Que felicidade a inundara no dia anterior, quando dançavam juntos. Como gostaria que ele a estreitasse mais nos seus braços! Ser ela, naquele instante, a mulher que ele dizia amar.
De súbito, a porta do quarto abriu-se.
Victória, surpreendida, escondeu a mão que sustinha a carta de David, retendo-a atrás das costas, ao mesmo tempo que se voltava.
No umbral achava-se Whiters, um dos cowboys.
— Não sabe que é costume bater à porta antes de entrar?
— Perdoe-me, menina... 2 que o seu pai acaba de ter um ataque...
A jovem entreabriu os lábios, olhando Whiters com ricto angustioso.
— Papá! — exclamou. E saiu a correr do quarto.
Whiters afastou-se para a deixar passar e então reparou que um papel caía no solo.
Olhou para baixo vendo a jovem que se perdia nas escadas, em direção ao quarto do enfermo, abaixou-se e apanhou o que já distinguira como uma carta.
Leu-a avidamente, crescendo o seu assombro à medida que avançava. Ao terminar, ficou pensativo uns segundos. Pouco a pouco um sorriso astuto foi substituindo a expressão de perplexidade. Guardou o documento no bolso traseiro das calças, e saiu do quarto.
Já fora do edifício, encaminhou-se para as cavalariças, selou o cavalo e pouco depois partia do rancho a trote rápido, seguindo o atalho do Norte.
Ao passar, minutos depois, pelo Vale das Sombras, soou um estampido de espingarda, e uma bala sibilou a três passos do ginete. O vaqueiro deteve o seu cavalo e ao voltar a cabeça para o lugar donde procedia o aviso, viu um homem sobre uma rocha que lhe apontava uma «Winchester».
— Sou Whiters! — exclamou.
— Isso vejo eu! Do rancho Hubert!... Há meia hora que estou aqui à caça, ilustre viajante!...
— Quero falar com Burnet e Grieser!
— Não queres mais nada, meu cara de asno? É melhor que te vejam de corpo presente... com alguns balázios na barrigal... Onde estão os cães que te acompanham?
Whiters estremeceu e replicou imediatamente.
— Juro-te que venho só!... Não é nenhuma vigarice!... Trago uma mensagem importante para os teus chefes!
O outro pareceu meditar na justificação, e por fim decidiu aceitá-la.
— Está bem!... Levanta os braços e, pela tua cabeça, não penses em baixá-los!... Segue adiante até ao olmo da direita!... Eu seguir-te-ei, cá atrás!... Se tentas alguma das tuas!... — deixou a ameaça em meio, o que era suficientemente expressivo.
Whiters largou as rédeas e roçou com as esporas os flancos do seu cavalo, deixando-o ir a passo.
Minutos mais tarde era introduzido, com um empurrão, no rancho, dos inimigos de Hubert.
Burnet e Grieser receberam-no numa sala em que havia uma mesa e várias cadeiras. A sentinela que o conduzira deu aos seus patrões a explicação da presença do outro.
— Com que então uma mensagem, não é? —riu Burnet„ olhando Whiters. — Suponho que será do velho Hubert. Talvez uma rendição incondicional?
O cowboy sorriu vaidosamente, recuperando a sua serenidade, e baixou os braços com lentidão.
— Levanta-os! — gritou-lhe o que o vigiava.
— No seu lugar, senhor Burnet, mandaria calar este parlapatão...
— Eu já te...
— Quieto, Jeff ! — atalhou Grieser. E logo disse a Whiters: — Estás borracho ou estás doido?
— Nem uma coisa nem outra. Transformei-me num homem de negócios! Venho propor-lhes um que bastante lhes interessa.
— Sobre o rancho Hubert? — inquiriu Grieser. Whiters assentiu sem deixar de sorrir.
— Sai, Jeff ! Espera lá fora! — ordenou Burnet. O bandido retirou-se mastigando algumas palavras; e então inquiriu Grieser:
— Em que consiste esse negócio?
Whiters deu uns passos pelo aposento com ar de superioridade, ao mesmo tempo que falava.
— Tenho seguido, dia a dia, os vossos esforços para se apoderarem da grande pradaria. O único obstáculo que têm é o que lhes oferece os seus próprios donos. Tudo ia bem, há uns meses, para os senhores. Só tinham que esperar que o velho morresse e isso levaria pouco tempo. Mas, de repente, surgiu o filho de Jonatham Hubert.
— Ouve! — interrompeu-o Burnet, com um frio olhar. — Se viestes para nos contar uma história que sabemos de cor, fazemos-te pagar caro o tempo que perdemos a escutar-te!
— David Hubert foi o tipo que deitou por terra o vosso plano — prosseguiu Whiters com jactância. — Quanto dariam para se ver livres dele ?
Houve um silêncio. Burnet e Grieser olharam-se e logo o primeiro respondeu:
— A Lube «Relâmpago» oferecemos dois mil dólares!
O cow-boy soltou uma gargalhada.
—E o que é que foi feito de Lube? Era o seu atirador mais rápido, e o jovem Hubert fulminou-o sem pestanejar. Vamos, senhores, esse homem vale mais!
— Digamos três mil! — falou Grieser.
— E porque não quatro mil? É o que necessito para me pôr a andar daqui para fora. Sinto a nostalgia da Califórnia.
— Está bem — aceitou Burnet. — Terás os teus quatro mil. Vais matá-lo pelas costas?
— Ainda não terminei. Falta outra oferta. Esta é ainda mais interessante. Quanto dão pela desaparição simultânea de Jonathan Hubert e do filho?
Os dois desalmados franziram o cenho.
— Terás mais quatro mil! — exclamou Burnet. — Mas com mil diabos, fala ou arranco-te a pele às tiras!
— Que garantia oferecem de que cumprirão a vossa palavra?
Grieser trocou outro olhar com o seu sócio, foi buscar uma chave, abriu um pequeno cofre que havia sobre a mesa e do seu interior extraiu um monte de notas que estendeu a Whiters dizendo:
— Metade agora, e a outra metade quando terminares o trabalho.
— E dois quilos de chumbo se nos enganas! — terminou Burnet.
— Prepare a outra parte, porque o meu trabalho termina agora! — Whiters guardou o monte de notas, puxou pela carta que tinha encontrado no quarto de Victória Hubert e acrescentou: — Aqui têm o que pagaram!
Burnet recebeu a carta, um pouco perplexo. E Grieser acercou-se dele. Leram-na com as cabeças juntas, fazendo várias interrupções.
— Como veem — disse alegremente Whiters, — David Hubert é um impostor... — e quando terminavam a leitura comentou: — Não está mal, pois não?
— Não, não está mal! — articulou Grieser, como um eco.
— Reconhecerão, portanto, que esta notícia vale os oito mil.
Transcorreu um minuto de silêncio.
— Dá-lhe o que falta, Henry! — murmurou Burnet, com voz glacial.
— Claro, claro que sim! — Grieser sorriu e abriu de novo o cofre. Ao tirar a mão, segurava uma «Derringer».
— Não! — exclamou Whiters, com os olhos fora das órbitas.
Mas nesse instante o assassino fez fogo e o cow-boy tombou sem vida.
Vacilei imenso antes de tomar a iniciativa de dirigir-te estas letras. Há umas horas nunca o pensara fazer, considerando isso uma ideia triste e absurda; agora, o coração diz-me que é o meu dever. Esta transformação talvez tivesse ocorrido por ter falado com um homem. Ele trouxe-me a paz de espírito e devolveu-me a fé em mim mesmo. A minha vida não foi o que vos contei nas minhas cartas anteriores. Enganei-os. Fui um jogador, um homem sem moral nem escrúpulos. Fiz muitas coisas malfeitas. E a minha dor é não poder repará-las, já que não tenho tempo para isso. Morrerei amanhã ao amanhecer. Condenaram-me como culpado de assassínio. Da mesma forma que te confessei o anterior, digo-te que não matei ninguém. As provas estão contra mim, e reconheço que se me tenho encontrado no lugar de um dos do júri, teria procedido como eles fizeram. Não lhes guardo rancor. E é tudo, Victória, ou quase tudo.
O homem a quem devo ânimo para escrever estas linhas chama-se John Campbell e é sócio da firma de advogados que se encarregou da minha defesa. Ele não interveio na causa por achar-se longe de Tuscaloosa, mas ao inteirar-se da condenação visitou-me e ACREDITOU EM MIM. Disse que fará o possível para reabilitar o meu nome. Não sei se o conseguirá. Pedi-lhe para que vos escrevesse comunicando a minha morte por doença, mas, depois de ter ficado só, pensei que deveis conhecer a verdade. Dirijo-te a ti a carta para que sejas tu a decidir se o nosso pai deve inteirar-se ou não do sucedido. Adotei esta precaução por ter em conta o seu estado de saúde, o qual, pelas tuas notícias, deve ser grave.
Já nada me resta para dizer. Só lamento não ter a oportunidade de vos abraçar. Que Deus os proteja.»
Em baixo, a assinatura de «David».
Tinha chorado muito no dia em que recebera a carta. As suas esperanças de recuperar o irmão perdido, com tudo o que isso representava, desvaneciam-se. Burnet e Grieser conseguiriam por fim desalojá-los daquela terra que um Hubert tinha convertido em fonte de riqueza, daquele solo que amava tanto.
Não disse nada a seu pai. A trágica notícia precipitaria a sua morte. David tinha dito que os seus negócios o reteriam uns meses no Este. Havia muito tempo para esperar. Entretanto, seu pai ficou felicíssimo pensando que o ente querido ia regressar. Só isso lhe deu forças para subsistir. Não, era impossível contar-lhe a verdade. Nunca! Preferia guardar em si, como um segredo de morte que lhe dilacerava as entranhas, a chegada daquela carta.
No cofre também estava um telegrama, que o pai recebera, procedente de Kansas. Que estranha sensação a dominou quando ele lhe disse que o seu irmão chegaria na próxima diligência a Rockville?! Teve de fazer um enorme esforço para que o seu rosto não a traísse. E mais tarde encerrou-se no quarto e tratou de pôr em ordem os seus pensamentos.
Quem era aquele homem que se fazia passar por David Hubert? Um impostor à caça de uma herança? Foi o que primeiro lhe ocorreu, mas logo surgiram argumentos que rebateram tal hipótese.
O indivíduo em questão tinha de estar integrado na história dos Hubert, da tragédia remota que destroçou o seu lar. Também conheceria as circunstâncias que rodeavam a morte de David, e a sua correspondência familiar. Nesse caso, não seria um segredo para ele que o rancho estava à mercê de um bando de foragidos e que a sua probabilidade de perder a vida aumentava, se punha os pés em Rockville.
Como um raio de luz que cruzasse rapidamente as suas ideias, lembrou-se do que lhe havia escrito o seu irmão acerca do homem que TINHA ACREDITADO nele. Como se chamava? Leu a carta. John Campbell, advogado em Tuscaloosa.
«Disse que fará o possível por reabilitar o meu nome». «Pedi-lhe que vos escreva comunicando a minha morte por doença, mas depois de ter ficado só, pensei que devíeis conhecer a verdade». Seria o próprio John Campbell?
Decidiu que, quem quer que fosse, lhe seguiria o jogo até desmascará-lo.
E assim chegou o dia em que teve de enfrentar-se com o impostor. Não se atreveu a esperá-lo no passeio, e quase se escondeu na porta duma casa próxima. Viu-o descer da diligência, reconhecendo-o logo porque os outros viajantes eram de mais idade. E, então, por uma misteriosa atração, acreditou ver o verdadeiro David Hubert, e seus olhos encheram-se de lágrimas. Ele estava de costas olhando Ellen Austin, confundindo-a com ela. Chamou-o. Ao voltar-se e ao contemplar o seu rosto, pediu aos céus que fosse um homem bom. E a sua oração tinha sido atendida! Não podia ser outro senão John Campbell, de Tuscaloosa. Tinha-o demonstrado, pondo-se à frente dos rapazes para impedir o desvio do rio Negro. E acima de tudo, tinha saído airosamente das duas provas a que o submeteu sugerindo-lhe que ficasse, que não fosse ao encontro do perigo. A última vez dissera-lhe que gostava de Rockville para a não entristecer. Campbell só havia ido ao rancho para evitar a catástrofe que pairava sobre este. Era um espírito nobre e generoso, a quem a história de David certamente deveria ter impressionado bastante. Nos seus íntimos, teriam ficado, até, verdadeiros amigos!
Agora, frente ao espelho que refletia a sua imagem, com a carta tantas vezes lida, na mão, assustava-se do sentimento que lhe inspirava o impostor. Amava-o. Estava apaixonada por ele, e era inútil negá-lo. Tudo aquilo que Campbell lhe havia dito, há umas horas, sobre o que sentia um ser que ama, compreendia-o nesse instante. Mas o advogado gostava de outra mulher! Tinha-o confessado, balbuciando, abrindo a sua alma, tal como se essa mulher não lhe correspondesse a tamanha estima.
Bem. De qualquer forma gozaria de uma pequena felicidade, ainda que fosse curta, até tudo se legalizar. Mas como conseguiria John que as coisas se arrumassem? Burnet e Grieser tinham iniciado o seu último ataque, brutal, impiedoso. Talvez Campbell fracassasse, perdendo a vida na luta. Então, nada mais restaria para salvar.
Que felicidade a inundara no dia anterior, quando dançavam juntos. Como gostaria que ele a estreitasse mais nos seus braços! Ser ela, naquele instante, a mulher que ele dizia amar.
De súbito, a porta do quarto abriu-se.
Victória, surpreendida, escondeu a mão que sustinha a carta de David, retendo-a atrás das costas, ao mesmo tempo que se voltava.
No umbral achava-se Whiters, um dos cowboys.
— Não sabe que é costume bater à porta antes de entrar?
— Perdoe-me, menina... 2 que o seu pai acaba de ter um ataque...
A jovem entreabriu os lábios, olhando Whiters com ricto angustioso.
— Papá! — exclamou. E saiu a correr do quarto.
Whiters afastou-se para a deixar passar e então reparou que um papel caía no solo.
Olhou para baixo vendo a jovem que se perdia nas escadas, em direção ao quarto do enfermo, abaixou-se e apanhou o que já distinguira como uma carta.
Leu-a avidamente, crescendo o seu assombro à medida que avançava. Ao terminar, ficou pensativo uns segundos. Pouco a pouco um sorriso astuto foi substituindo a expressão de perplexidade. Guardou o documento no bolso traseiro das calças, e saiu do quarto.
Já fora do edifício, encaminhou-se para as cavalariças, selou o cavalo e pouco depois partia do rancho a trote rápido, seguindo o atalho do Norte.
Ao passar, minutos depois, pelo Vale das Sombras, soou um estampido de espingarda, e uma bala sibilou a três passos do ginete. O vaqueiro deteve o seu cavalo e ao voltar a cabeça para o lugar donde procedia o aviso, viu um homem sobre uma rocha que lhe apontava uma «Winchester».
— Sou Whiters! — exclamou.
— Isso vejo eu! Do rancho Hubert!... Há meia hora que estou aqui à caça, ilustre viajante!...
— Quero falar com Burnet e Grieser!
— Não queres mais nada, meu cara de asno? É melhor que te vejam de corpo presente... com alguns balázios na barrigal... Onde estão os cães que te acompanham?
Whiters estremeceu e replicou imediatamente.
— Juro-te que venho só!... Não é nenhuma vigarice!... Trago uma mensagem importante para os teus chefes!
O outro pareceu meditar na justificação, e por fim decidiu aceitá-la.
— Está bem!... Levanta os braços e, pela tua cabeça, não penses em baixá-los!... Segue adiante até ao olmo da direita!... Eu seguir-te-ei, cá atrás!... Se tentas alguma das tuas!... — deixou a ameaça em meio, o que era suficientemente expressivo.
Whiters largou as rédeas e roçou com as esporas os flancos do seu cavalo, deixando-o ir a passo.
Minutos mais tarde era introduzido, com um empurrão, no rancho, dos inimigos de Hubert.
Burnet e Grieser receberam-no numa sala em que havia uma mesa e várias cadeiras. A sentinela que o conduzira deu aos seus patrões a explicação da presença do outro.
— Com que então uma mensagem, não é? —riu Burnet„ olhando Whiters. — Suponho que será do velho Hubert. Talvez uma rendição incondicional?
O cowboy sorriu vaidosamente, recuperando a sua serenidade, e baixou os braços com lentidão.
— Levanta-os! — gritou-lhe o que o vigiava.
— No seu lugar, senhor Burnet, mandaria calar este parlapatão...
— Eu já te...
— Quieto, Jeff ! — atalhou Grieser. E logo disse a Whiters: — Estás borracho ou estás doido?
— Nem uma coisa nem outra. Transformei-me num homem de negócios! Venho propor-lhes um que bastante lhes interessa.
— Sobre o rancho Hubert? — inquiriu Grieser. Whiters assentiu sem deixar de sorrir.
— Sai, Jeff ! Espera lá fora! — ordenou Burnet. O bandido retirou-se mastigando algumas palavras; e então inquiriu Grieser:
— Em que consiste esse negócio?
Whiters deu uns passos pelo aposento com ar de superioridade, ao mesmo tempo que falava.
— Tenho seguido, dia a dia, os vossos esforços para se apoderarem da grande pradaria. O único obstáculo que têm é o que lhes oferece os seus próprios donos. Tudo ia bem, há uns meses, para os senhores. Só tinham que esperar que o velho morresse e isso levaria pouco tempo. Mas, de repente, surgiu o filho de Jonatham Hubert.
— Ouve! — interrompeu-o Burnet, com um frio olhar. — Se viestes para nos contar uma história que sabemos de cor, fazemos-te pagar caro o tempo que perdemos a escutar-te!
— David Hubert foi o tipo que deitou por terra o vosso plano — prosseguiu Whiters com jactância. — Quanto dariam para se ver livres dele ?
Houve um silêncio. Burnet e Grieser olharam-se e logo o primeiro respondeu:
— A Lube «Relâmpago» oferecemos dois mil dólares!
O cow-boy soltou uma gargalhada.
—E o que é que foi feito de Lube? Era o seu atirador mais rápido, e o jovem Hubert fulminou-o sem pestanejar. Vamos, senhores, esse homem vale mais!
— Digamos três mil! — falou Grieser.
— E porque não quatro mil? É o que necessito para me pôr a andar daqui para fora. Sinto a nostalgia da Califórnia.
— Está bem — aceitou Burnet. — Terás os teus quatro mil. Vais matá-lo pelas costas?
— Ainda não terminei. Falta outra oferta. Esta é ainda mais interessante. Quanto dão pela desaparição simultânea de Jonathan Hubert e do filho?
Os dois desalmados franziram o cenho.
— Terás mais quatro mil! — exclamou Burnet. — Mas com mil diabos, fala ou arranco-te a pele às tiras!
— Que garantia oferecem de que cumprirão a vossa palavra?
Grieser trocou outro olhar com o seu sócio, foi buscar uma chave, abriu um pequeno cofre que havia sobre a mesa e do seu interior extraiu um monte de notas que estendeu a Whiters dizendo:
— Metade agora, e a outra metade quando terminares o trabalho.
— E dois quilos de chumbo se nos enganas! — terminou Burnet.
— Prepare a outra parte, porque o meu trabalho termina agora! — Whiters guardou o monte de notas, puxou pela carta que tinha encontrado no quarto de Victória Hubert e acrescentou: — Aqui têm o que pagaram!
Burnet recebeu a carta, um pouco perplexo. E Grieser acercou-se dele. Leram-na com as cabeças juntas, fazendo várias interrupções.
— Como veem — disse alegremente Whiters, — David Hubert é um impostor... — e quando terminavam a leitura comentou: — Não está mal, pois não?
— Não, não está mal! — articulou Grieser, como um eco.
— Reconhecerão, portanto, que esta notícia vale os oito mil.
Transcorreu um minuto de silêncio.
— Dá-lhe o que falta, Henry! — murmurou Burnet, com voz glacial.
— Claro, claro que sim! — Grieser sorriu e abriu de novo o cofre. Ao tirar a mão, segurava uma «Derringer».
— Não! — exclamou Whiters, com os olhos fora das órbitas.
Mas nesse instante o assassino fez fogo e o cow-boy tombou sem vida.
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
BUF015. CAP VI. O baile da tentação
Campbell esperou Victória ao pé da escada que conduzia aos aposentos superiores, onde se encontravam os quartos de dormir; e quando chegou aos seus ouvidos um «frou-frou» muito característico e levantou a cabeça, ficou maravilhado vendo a jovem descer.
Ela tinha trazido um vestido branco, vaporoso, decotado. O cabelo, prendera-o na nuca. Parecia a imperatriz duma corte europeia.
Ao chegar junto do advogado, fez uma reverência de esquisita feminilidade, e disse:
— O cavalheiro saberá desculpar o meu atraso?
Campbell fechou os olhos num esforço para arrancar da sua mente as imagens que nela se forjavam.
— Estás doente, David?
— Não, querida. Estou perfeitamente bem. melhor sairmos já.
Tom, como havia anunciado, esperava-os à entrada do recinto, e resplandeceu de orgulho ao saber-se encarregado da mais gentil beleza do baile. Todo ele era saltinhos, interrogações e afirmações, não parando por um segundo de manifestar as suas ideias que ele próprio contestava.
Campbell leu com atenção um grande cartaz afixado numa das paredes do vestíbulo. Era um edital do xerife. Ninguém podia permanecer no recinto de baile levando armas.
O que noutro tempo tinha sido escritório, era agora utilizado como arsenal. Um homem de aspeto cansado aceitou o cinturão do advogado, entregando-lhe uma senha com um número.
Pouco tempo depois, dois homens acercaram-se do que guardava as pistolas, e houve um olhar de inteligência entre eles.
— Está por aí com a sua irmã — indicou o cansado.
— E as armas? — perguntou um dos recém¬-chegados.
— Naquela prateleira da direita.
— Traz! — desviou o olhar para o companheiro e disse-lhe: — Tu, vai lá dentro e assegura-te de que ninguém se aproxima. Eu farei o trabalho.
Quando se apoderou dos «Colts» de Campbell, fez girar os cilindros e foi tirando os projéteis das suas câmaras, até as deixar sem munições. Colocou os «45» como estavam e entregou o cinturão ao encarregado da sua guarda. Ambos sorriram.
No local do baile, Tom Henderson era o cidadão mais feliz de Rockville. Dançava como se o tivessem advertido que o solo estava cheio de ovos, tal era o excessivo zelo em colocar os pés seguindo o compasso da valsa que interpretavam num piano e num violino. O seu par, Victória Hubert, deixava-se conduzir com inefável encanto, o que contrariava enormemente Campbell. Para desgraça sua, dançava com uma rapariguinha horrivelmente faladora.
— Oh!... Que alto que é, senhor Hubert!... Ah, ah!... O meu nariz chega-lhe ao pescoço...
O advogado limitava-se a sorrir protocolarmente, desejando, de toda a sua alma, o final daquele suplício.
— Estou convencida de que o senhor não é desses homens que passam a vida no «saloon». Novo sorriso.
— E quando desejar uma esposa, aposto que a arranjará... Ah, ah!..., dá-me vergonha dizer, senhor Hubert!...
Campbell invejava até ao mais profundo do seu coração a sorte daquele fantoche que rodeava com os seus braços a cintura frágil de Victória. A voz aflautada da rapariguinha feria-lhe os tímpanos.
— Pois vou-lhe dizer, senhor Hubert. Estou convencida de que a arranjará entre as mulheres de pequena estatura! Ah, ah!... Como eu...
A valsa terminou e Campbell separou-se da rapariga, como um raio. Acompanhou-a às cadeiras que havia junto da parede, sem prestar atenção ao que dizia, olhando Victória que se aproximava com Tom. Apenas os encontrou a seu lado, dirigiu-se logo à filha de Jonathan Hubert. — Victória, a próxima é nossa...
— Mas... mas... Hem ?!... — articulou Henderson.
A reduzida orquestra atacou uma polca e John enlaçou Victória pela cintura, deixando Tom assombrado.
— Danças muito bem, David.
— É uma coisa corrente. Sempre levei uma existência um pouco tristonha.
— Pois não parece. És o melhor bailarino da comarca.
— Se continuas a troçar de mim, levo-te a casa.
Transcorreram uns segundos de silêncio. Mas daí a algum tempo, e inesperadamente, Victória perguntou com interesse:
Quantas noivas já tiveste, David? Campbell foi surpreendido.
—Podes crer que não sei o que compreendes por noivas!
— Refiro-me ao número de namoros..., mas de verdade!
— Oh!... Apenas um.
— E ainda lhe queres?
— Sim... bastante.
— Por isso desejas partir. Para te encontrares com ela.
Johnny preferiu iludir a resposta. Na continuação da nova pausa, Victória perguntou:
— É bonita?
— Maravilhosamente formosa.
— E ela ama-te?
— Não. Não me pode amar.
— Porquê? Tu não estás nada mal. Deve ser uma rapariga tonta, dessas que só pensam nelas mesmas.
Campbell tossiu e respondeu:
— Bem, creio que não estás a ser justa para ela. — Vocês os homens, têm um grande defeito! Não sabem distinguir...
— Por favor — atalhou Johnny — não pretendas pregar-me um sermão, querida. O meu último par leu-me o futuro... sem ser na palma da mão. Já tenho, portanto, bastante em que pensar...
Naquele momento, o advogado sentiu que lhe davam umas pancaditas nas costas. Voltou a cabeça, sem deixar de dançar e viu um homem de espesso bigode que lhe dizia:
— É a minha vez, companheiro.
— Lamento, companheiro! — exclamou em resposta, dando igual trato.
Rodopiou com Victória, mas o outro segurou-o fortemente pelo ombro. Então, desprendeu-se da jovem, e enfrentou o desconhecido.
— Por que não é bom rapaz e nos deixa circular? — sugeriu Campbell em tom conciliador. Todos temos direito de dançar!
— Ninguém o discute. Traga a sua dama e mova as pernas até cair de cansaço.
— É o que penso fazer com esta pequena tão simpática.
— Terá que arranjar outra. Esta menina é propriedade particular.
— Gosto dela, companheiro!
O rosto de Campbell endureceu.
— Vamos embora, David — interveio Victória, principiando a andar.
O homem que procurava arranjar sarilho embargou-lhe o passo, colocando-se à sua frente. — Vamos, beldade. Vai ver...
Não terminou a frase porque o punho do advogado fechou-lhe a boca, fazendo-o voar alguns metros até cair estrepitosamente no chão.
— David! — exclamou a jovem, refugiando-se de encontro ao peito varonil do advogado.
Campbell sentiu o palpitar do coração amado e esteve quase a apertá-la mais contra o seu peito. Neste momento, o promotor daquele incidente voltava à posição vertical.
A música 'tinha cessado e os curiosos acercavam-se para não perder um detalhe da iminente peleja.
Campbell apartou de si Victória, dispondo-se a deixar fora de combate o estúpido rival. Entretanto, este, ficou imóvel, sorrindo, fazendo festas na cara dorida, ao mesmo tempo que dizia:
— Há alguma coisa melhor do que os punhos para decidir esta questão, não lhe parece? — e sem receber resposta do defensor da rapariga, acrescentou: — Escolha as suas armas. Estarei a quinze passos acima da porta, no centro da rua. Se dentro de dez minutos não tiver saído, entrarei por aqui dentro e nem vinte editais do xerife
me impedirão de o matar como a um cão sarnoso!
— Não terá necessidade de entrar nem de esperar pelo fim desse prazo, canalha! — replicou o advogado, com os dentes cerrados.
— Para a próxima vez já não viverá para me impedir de dançar com a mulher que eu queira.
— Não haverá próxima vez para si! — assegurou Campbell — Vá para a rua e assente fortemente os pés no solo. Em seguida, sairei.
O outro riu com sarcasmo e andou para a porta.
Então, Victória olhou Campbell com o rosto pálido de medo.
— Não, David!... Não vás! ...Esse homem é Lube «Relâmpago»!... Está ao serviço do Burnet!
— Não consegui evitá-lo.
— Mas matar-te-á!
— Logo veremos a quem recolhem na rua.
Henderson introduziu a sua cabeça entre eles.
— Não pense sequer em sair, senhor Hubert!... Hem?!... É Lube «Relâmpago»... Eu vi-o disparar há uns dias, não é verdade?... Atravessou cinco vezes uma moeda de cinco cêntimos pelo mesmo buraco... Sabe?
— Obrigado, Tom, pelas informações.
— Não, David! — gemeu Victória, pretendendo retê-lo.
Campbell coçou a cara, e disse:
— É necessário, querida. Tu sabe-lo tão bem como eu. Se fugisse, o rancho dos Hubert ficaria à mercê desses foragidos. Não podemos permitir uma arrogância como a desse tipo.
— Mas se tu morres!...
— Terei o maior cuidado! — Campbell apertou¬-lhe as mãos, retirando-se imediatamente em direção o vestíbulo.
Exibiu ao homem que guardava as armas a senha que lhe havia dado à entrada.
O encarregado meteu-se no antigo escritório e regressou com elas.
John segurou o pesado cinturão e colocou-o acima das cadeiras passando a correia pelas presilhas, ao mesmo tempo que cravava os olhos na porta por onde havia de sair para chegar à rua.
Ela tinha trazido um vestido branco, vaporoso, decotado. O cabelo, prendera-o na nuca. Parecia a imperatriz duma corte europeia.
Ao chegar junto do advogado, fez uma reverência de esquisita feminilidade, e disse:
— O cavalheiro saberá desculpar o meu atraso?
Campbell fechou os olhos num esforço para arrancar da sua mente as imagens que nela se forjavam.
— Estás doente, David?
— Não, querida. Estou perfeitamente bem. melhor sairmos já.
Tom, como havia anunciado, esperava-os à entrada do recinto, e resplandeceu de orgulho ao saber-se encarregado da mais gentil beleza do baile. Todo ele era saltinhos, interrogações e afirmações, não parando por um segundo de manifestar as suas ideias que ele próprio contestava.
Campbell leu com atenção um grande cartaz afixado numa das paredes do vestíbulo. Era um edital do xerife. Ninguém podia permanecer no recinto de baile levando armas.
O que noutro tempo tinha sido escritório, era agora utilizado como arsenal. Um homem de aspeto cansado aceitou o cinturão do advogado, entregando-lhe uma senha com um número.
Pouco tempo depois, dois homens acercaram-se do que guardava as pistolas, e houve um olhar de inteligência entre eles.
— Está por aí com a sua irmã — indicou o cansado.
— E as armas? — perguntou um dos recém¬-chegados.
— Naquela prateleira da direita.
— Traz! — desviou o olhar para o companheiro e disse-lhe: — Tu, vai lá dentro e assegura-te de que ninguém se aproxima. Eu farei o trabalho.
Quando se apoderou dos «Colts» de Campbell, fez girar os cilindros e foi tirando os projéteis das suas câmaras, até as deixar sem munições. Colocou os «45» como estavam e entregou o cinturão ao encarregado da sua guarda. Ambos sorriram.
No local do baile, Tom Henderson era o cidadão mais feliz de Rockville. Dançava como se o tivessem advertido que o solo estava cheio de ovos, tal era o excessivo zelo em colocar os pés seguindo o compasso da valsa que interpretavam num piano e num violino. O seu par, Victória Hubert, deixava-se conduzir com inefável encanto, o que contrariava enormemente Campbell. Para desgraça sua, dançava com uma rapariguinha horrivelmente faladora.
— Oh!... Que alto que é, senhor Hubert!... Ah, ah!... O meu nariz chega-lhe ao pescoço...
O advogado limitava-se a sorrir protocolarmente, desejando, de toda a sua alma, o final daquele suplício.
— Estou convencida de que o senhor não é desses homens que passam a vida no «saloon». Novo sorriso.
— E quando desejar uma esposa, aposto que a arranjará... Ah, ah!..., dá-me vergonha dizer, senhor Hubert!...
Campbell invejava até ao mais profundo do seu coração a sorte daquele fantoche que rodeava com os seus braços a cintura frágil de Victória. A voz aflautada da rapariguinha feria-lhe os tímpanos.
— Pois vou-lhe dizer, senhor Hubert. Estou convencida de que a arranjará entre as mulheres de pequena estatura! Ah, ah!... Como eu...
A valsa terminou e Campbell separou-se da rapariga, como um raio. Acompanhou-a às cadeiras que havia junto da parede, sem prestar atenção ao que dizia, olhando Victória que se aproximava com Tom. Apenas os encontrou a seu lado, dirigiu-se logo à filha de Jonathan Hubert. — Victória, a próxima é nossa...
— Mas... mas... Hem ?!... — articulou Henderson.
A reduzida orquestra atacou uma polca e John enlaçou Victória pela cintura, deixando Tom assombrado.
— Danças muito bem, David.
— É uma coisa corrente. Sempre levei uma existência um pouco tristonha.
— Pois não parece. És o melhor bailarino da comarca.
— Se continuas a troçar de mim, levo-te a casa.
Transcorreram uns segundos de silêncio. Mas daí a algum tempo, e inesperadamente, Victória perguntou com interesse:
Quantas noivas já tiveste, David? Campbell foi surpreendido.
—Podes crer que não sei o que compreendes por noivas!
— Refiro-me ao número de namoros..., mas de verdade!
— Oh!... Apenas um.
— E ainda lhe queres?
— Sim... bastante.
— Por isso desejas partir. Para te encontrares com ela.
Johnny preferiu iludir a resposta. Na continuação da nova pausa, Victória perguntou:
— É bonita?
— Maravilhosamente formosa.
— E ela ama-te?
— Não. Não me pode amar.
— Porquê? Tu não estás nada mal. Deve ser uma rapariga tonta, dessas que só pensam nelas mesmas.
Campbell tossiu e respondeu:
— Bem, creio que não estás a ser justa para ela. — Vocês os homens, têm um grande defeito! Não sabem distinguir...
— Por favor — atalhou Johnny — não pretendas pregar-me um sermão, querida. O meu último par leu-me o futuro... sem ser na palma da mão. Já tenho, portanto, bastante em que pensar...
Naquele momento, o advogado sentiu que lhe davam umas pancaditas nas costas. Voltou a cabeça, sem deixar de dançar e viu um homem de espesso bigode que lhe dizia:
— É a minha vez, companheiro.
— Lamento, companheiro! — exclamou em resposta, dando igual trato.
Rodopiou com Victória, mas o outro segurou-o fortemente pelo ombro. Então, desprendeu-se da jovem, e enfrentou o desconhecido.
— Por que não é bom rapaz e nos deixa circular? — sugeriu Campbell em tom conciliador. Todos temos direito de dançar!
— Ninguém o discute. Traga a sua dama e mova as pernas até cair de cansaço.
— É o que penso fazer com esta pequena tão simpática.
— Terá que arranjar outra. Esta menina é propriedade particular.
— Gosto dela, companheiro!
O rosto de Campbell endureceu.
— Vamos embora, David — interveio Victória, principiando a andar.
O homem que procurava arranjar sarilho embargou-lhe o passo, colocando-se à sua frente. — Vamos, beldade. Vai ver...
Não terminou a frase porque o punho do advogado fechou-lhe a boca, fazendo-o voar alguns metros até cair estrepitosamente no chão.
— David! — exclamou a jovem, refugiando-se de encontro ao peito varonil do advogado.
Campbell sentiu o palpitar do coração amado e esteve quase a apertá-la mais contra o seu peito. Neste momento, o promotor daquele incidente voltava à posição vertical.
A música 'tinha cessado e os curiosos acercavam-se para não perder um detalhe da iminente peleja.
Campbell apartou de si Victória, dispondo-se a deixar fora de combate o estúpido rival. Entretanto, este, ficou imóvel, sorrindo, fazendo festas na cara dorida, ao mesmo tempo que dizia:
— Há alguma coisa melhor do que os punhos para decidir esta questão, não lhe parece? — e sem receber resposta do defensor da rapariga, acrescentou: — Escolha as suas armas. Estarei a quinze passos acima da porta, no centro da rua. Se dentro de dez minutos não tiver saído, entrarei por aqui dentro e nem vinte editais do xerife
me impedirão de o matar como a um cão sarnoso!
— Não terá necessidade de entrar nem de esperar pelo fim desse prazo, canalha! — replicou o advogado, com os dentes cerrados.
— Para a próxima vez já não viverá para me impedir de dançar com a mulher que eu queira.
— Não haverá próxima vez para si! — assegurou Campbell — Vá para a rua e assente fortemente os pés no solo. Em seguida, sairei.
O outro riu com sarcasmo e andou para a porta.
Então, Victória olhou Campbell com o rosto pálido de medo.
— Não, David!... Não vás! ...Esse homem é Lube «Relâmpago»!... Está ao serviço do Burnet!
— Não consegui evitá-lo.
— Mas matar-te-á!
— Logo veremos a quem recolhem na rua.
Henderson introduziu a sua cabeça entre eles.
— Não pense sequer em sair, senhor Hubert!... Hem?!... É Lube «Relâmpago»... Eu vi-o disparar há uns dias, não é verdade?... Atravessou cinco vezes uma moeda de cinco cêntimos pelo mesmo buraco... Sabe?
— Obrigado, Tom, pelas informações.
— Não, David! — gemeu Victória, pretendendo retê-lo.
Campbell coçou a cara, e disse:
— É necessário, querida. Tu sabe-lo tão bem como eu. Se fugisse, o rancho dos Hubert ficaria à mercê desses foragidos. Não podemos permitir uma arrogância como a desse tipo.
— Mas se tu morres!...
— Terei o maior cuidado! — Campbell apertou¬-lhe as mãos, retirando-se imediatamente em direção o vestíbulo.
Exibiu ao homem que guardava as armas a senha que lhe havia dado à entrada.
O encarregado meteu-se no antigo escritório e regressou com elas.
John segurou o pesado cinturão e colocou-o acima das cadeiras passando a correia pelas presilhas, ao mesmo tempo que cravava os olhos na porta por onde havia de sair para chegar à rua.
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
BUF015. CAP V. O beijo mais amargo
Depois do jantar, sábado à noite, três dias após os sucessos do rio Negro, Victória e Campbell saíram para o terraço contíguo à sala de leitura.
A jovem apoiou as suas mãos na varanda e aspirou a brisa noturna envolta em eflúvios primaveris.
O advogado, encostado à parede, observava Victória, enquanto enchia o seu cachimbo. Um subtil encanto embriagava-lhe os sentidos.
Pegou fogo ao tabaco. O silêncio continuou espalhando o seu mágico sortilégio. Ao fim de um pedaço ela voltou-se e disse:
— Não achas isto maravilhoso, David?
Aquele nome foi o grito de realidade que rompeu o seu estranho sonho.
Ficou aniquilado, como se esperasse que aqueles deliciosos minutos retrocedessem misteriosamente no galopar inexorável do tempo.
— Escutas-me, David?
— Oh, sim, perdoa-me...
— Sabes o que te perguntei? — riu Victória. — Creio que é maravilhoso.
— Acaso pensavas a resposta?
— Oxalá tivesse sido isso, tão diferente de tudo o que até agora me rodeou...
— Conheces Nova Iorque?
— Passei lá uma temporada.
— Se te dessem a escolher entre Nova Iorque e Rockville, por qual te decidirias agora?
Viu o seu rosto formoso banhado pelo luar, o seu cabelo de fios de ouro ondeando à mercê da brisa, e os seus grandes olhos azuis que o miravam fixamente.
Sim, estava-se enamorando dela. Reconhecer tal sentimento produzia-lhe ao mesmo tempo repulsa. Victória via nele um irmão e, por consequência, moralmente, John Campbell não devia albergar no seu coração outra coisa que não fosse um carinhoso respeito pela jovem. Mas, será possível uma pessoa dominar-se, petrificar-se até esse ponto? Não, ele era de carne e osso, um ser humano com as suas virtudes e as suas fraquezas, e assim o mais lógico, o que a sua intuição lhe ditava, era abandonar aquela casa quanto antes, imediatamente.
Estás a pensar nas vantagens e nos inconvenientes? — inquiriu de novo Victória.
Recordou-se de que ela lhe havia feito uma pergunta. Qual? Ah, sim!... A de Nova Iorque e Rockville. Era a sua oportunidade, e não a quis deixar escapar.
70
— Nova Iorque — afirmou.
Uma sombra de tristeza abateu-se sobre a face de Victória. Voltou a costas a Campbell encostando melancolicamente o queixo ao peito.
O advogado correu para junto dela. Sentiu um grande remorso.
— Victória, eu... eu não queria... não era minha intenção causar-te um desgosto.
A rapariga não protestou.
— Escuta-me, eu procuro ocasionar-vos as menores arrelias possíveis.
— Como podes falar assim? — disse pronta-
mente Victória, com lágrimas nos olhos. Campbell cravou o seu olhar no rosto adorável, e proclamou com voz firme:
— Prefiro Rockville!
— Dizes agora isso para me consolar.
— Tens a minha palavra de que digo a verdade.
Durante o silêncio que se seguiu, os lábios de Victória começaram. a distender-se num encantador sorriso.
Ele havia pensado que devido àquela declaração as coisas ficariam melhor. O final seria sempre o mesmo. Abandonar o rancho dos Hubert. Mas já não teria tempo de preparar a partida. Antes que o pudesse evitar, Victória pôs-se na ponta dos pés e deu-lhe um beijo no nariz. Depois disse:
— Boa noite, David. Não te esqueças de o desejar também a nosso pai — afastou-se e entrou em casa.
Para John Campbell aquele beijo fora o mais amargo da sua vida.
No domingo de manhã dirigiram-se a Rockville para assistir aos ofícios religiosos. No carro puxado por uma parelha de cavalos castanhos, viajavam Victória e John, e atrás dele seguia um tropel de ginetes.
Ao redor da igreja tinha-se reunido o povo da comarca. Todos estavam ao corrente dos últimos acontecimentos, e ninguém queria perder o encontro dos dois grupos contendores, se isso acontecesse, já que alguns tinham opinado que os Hubert não mostrariam, nesse dia, a cabeça na cidade.
Logo, a aparição por uma das ruas, do carro que conduzia Victória Hubert, foi recebida por diversas exclamações e gestos melodramáticos. Os cidadãos pensaram na possibilidade daquele dia ser um dos tais em que o sangue corre pelas valetas de Rockville.
Os olhares de expectativa iam dos Hubert, que se acercavam, ao bando dos Burnet e Grieser, composto por trinta homens reunidos perto da igreja.
Como se tivessem recebido uma ordem, os que se encontravam ali unicamente para cumprir os seus deveres religiosos, ou por simples curiosidade, apressaram-se a abandonar o terreno, metendo-se na igreja ou nalgum lugar que a seu ver poderia tornar-se mais seguro, ante a eventualidade de que as pistolas começassem a entoar uma cantiga, sem aviso prévio.
O carro dos cavalos castanhos traçou um airoso círculo pela praça e foi deter-se em frente ao adro.
Os cowboys cerraram as suas linhas, mas não desmontaram colocando-se à frente do veículo de caras para os seus rivais.
— Desmontem! — ordenou Campbell, saltando do carro.
Os rapazes obedeceram, adotando as precauções necessárias para não serem surpreendidos.
John recebera uma ampla descrição física de Burnet e Grieser, pelo que não lhe foi difícil identificá-los.
Burnet era alto, de ombros largos e cabeça poderosa, na qual se destacavam uns olhos negros de brilho feroz.
Grieser era de altura mediana, gorducho e de nariz afilado.
Ambos contemplavam com interesse o indivíduo que viam pela primeira vez e de cujas atividades, apenas chegado à cidade, tinham tão desagradáveis notícias.
Campbell correspondia ao exame coletivo com um olhar de ironia.
David, será melhor que entremos — propôs Victória, dando-lhe o braço.
Começaram a andar, seguidos dos rapazes.
A jovem apoiou as suas mãos na varanda e aspirou a brisa noturna envolta em eflúvios primaveris.
O advogado, encostado à parede, observava Victória, enquanto enchia o seu cachimbo. Um subtil encanto embriagava-lhe os sentidos.
Pegou fogo ao tabaco. O silêncio continuou espalhando o seu mágico sortilégio. Ao fim de um pedaço ela voltou-se e disse:
— Não achas isto maravilhoso, David?
Aquele nome foi o grito de realidade que rompeu o seu estranho sonho.
Ficou aniquilado, como se esperasse que aqueles deliciosos minutos retrocedessem misteriosamente no galopar inexorável do tempo.
— Escutas-me, David?
— Oh, sim, perdoa-me...
— Sabes o que te perguntei? — riu Victória. — Creio que é maravilhoso.
— Acaso pensavas a resposta?
— Oxalá tivesse sido isso, tão diferente de tudo o que até agora me rodeou...
— Conheces Nova Iorque?
— Passei lá uma temporada.
— Se te dessem a escolher entre Nova Iorque e Rockville, por qual te decidirias agora?
Viu o seu rosto formoso banhado pelo luar, o seu cabelo de fios de ouro ondeando à mercê da brisa, e os seus grandes olhos azuis que o miravam fixamente.
Sim, estava-se enamorando dela. Reconhecer tal sentimento produzia-lhe ao mesmo tempo repulsa. Victória via nele um irmão e, por consequência, moralmente, John Campbell não devia albergar no seu coração outra coisa que não fosse um carinhoso respeito pela jovem. Mas, será possível uma pessoa dominar-se, petrificar-se até esse ponto? Não, ele era de carne e osso, um ser humano com as suas virtudes e as suas fraquezas, e assim o mais lógico, o que a sua intuição lhe ditava, era abandonar aquela casa quanto antes, imediatamente.
Estás a pensar nas vantagens e nos inconvenientes? — inquiriu de novo Victória.
Recordou-se de que ela lhe havia feito uma pergunta. Qual? Ah, sim!... A de Nova Iorque e Rockville. Era a sua oportunidade, e não a quis deixar escapar.
70
— Nova Iorque — afirmou.
Uma sombra de tristeza abateu-se sobre a face de Victória. Voltou a costas a Campbell encostando melancolicamente o queixo ao peito.
O advogado correu para junto dela. Sentiu um grande remorso.
— Victória, eu... eu não queria... não era minha intenção causar-te um desgosto.
A rapariga não protestou.
— Escuta-me, eu procuro ocasionar-vos as menores arrelias possíveis.
— Como podes falar assim? — disse pronta-
mente Victória, com lágrimas nos olhos. Campbell cravou o seu olhar no rosto adorável, e proclamou com voz firme:
— Prefiro Rockville!
— Dizes agora isso para me consolar.
— Tens a minha palavra de que digo a verdade.
Durante o silêncio que se seguiu, os lábios de Victória começaram. a distender-se num encantador sorriso.
Ele havia pensado que devido àquela declaração as coisas ficariam melhor. O final seria sempre o mesmo. Abandonar o rancho dos Hubert. Mas já não teria tempo de preparar a partida. Antes que o pudesse evitar, Victória pôs-se na ponta dos pés e deu-lhe um beijo no nariz. Depois disse:
— Boa noite, David. Não te esqueças de o desejar também a nosso pai — afastou-se e entrou em casa.
Para John Campbell aquele beijo fora o mais amargo da sua vida.
No domingo de manhã dirigiram-se a Rockville para assistir aos ofícios religiosos. No carro puxado por uma parelha de cavalos castanhos, viajavam Victória e John, e atrás dele seguia um tropel de ginetes.
Ao redor da igreja tinha-se reunido o povo da comarca. Todos estavam ao corrente dos últimos acontecimentos, e ninguém queria perder o encontro dos dois grupos contendores, se isso acontecesse, já que alguns tinham opinado que os Hubert não mostrariam, nesse dia, a cabeça na cidade.
Logo, a aparição por uma das ruas, do carro que conduzia Victória Hubert, foi recebida por diversas exclamações e gestos melodramáticos. Os cidadãos pensaram na possibilidade daquele dia ser um dos tais em que o sangue corre pelas valetas de Rockville.
Os olhares de expectativa iam dos Hubert, que se acercavam, ao bando dos Burnet e Grieser, composto por trinta homens reunidos perto da igreja.
Como se tivessem recebido uma ordem, os que se encontravam ali unicamente para cumprir os seus deveres religiosos, ou por simples curiosidade, apressaram-se a abandonar o terreno, metendo-se na igreja ou nalgum lugar que a seu ver poderia tornar-se mais seguro, ante a eventualidade de que as pistolas começassem a entoar uma cantiga, sem aviso prévio.
O carro dos cavalos castanhos traçou um airoso círculo pela praça e foi deter-se em frente ao adro.
Os cowboys cerraram as suas linhas, mas não desmontaram colocando-se à frente do veículo de caras para os seus rivais.
— Desmontem! — ordenou Campbell, saltando do carro.
Os rapazes obedeceram, adotando as precauções necessárias para não serem surpreendidos.
John recebera uma ampla descrição física de Burnet e Grieser, pelo que não lhe foi difícil identificá-los.
Burnet era alto, de ombros largos e cabeça poderosa, na qual se destacavam uns olhos negros de brilho feroz.
Grieser era de altura mediana, gorducho e de nariz afilado.
Ambos contemplavam com interesse o indivíduo que viam pela primeira vez e de cujas atividades, apenas chegado à cidade, tinham tão desagradáveis notícias.
Campbell correspondia ao exame coletivo com um olhar de ironia.
David, será melhor que entremos — propôs Victória, dando-lhe o braço.
Começaram a andar, seguidos dos rapazes.
Um segundo mais tarde, Burnet, Grieser e os seus homens puseram-se também em movimento, dirigindo-se para a porta da igreja.
Os dois grupos chegaram simultaneamente em frente da escada de três degraus, e detiveram-se.
A atmosfera parecia eletrizada. Uma só chispa bastaria para desencadear a mais terrível das tempestades. Houve uma troca de olhares entre os Hubert e os seus inimigos.
— Bom dia, menina Hubert! — saudou rapidamente Burnet, com um falso sorriso. Logo, sem esperar resposta, pôs os seus olhos no rosto de Campbell e disse: — É o senhor o jovem David, não? O tal de quem tanto se fala hoje em Rockville!
— Faço uma vida muito retirada, senhor Burnet — replicou o advogado. — O que é que se diz de mim?
— Que o senhor parece um homem temerário.
— Não está mal, então. É consolador que pensem assim de nós!
— E dizem também que em Rockville nenhum homem temerário pode chegar a velho.
— É muito amável da sua parte, senhor Burnet, comunicar-me o que pensa de mim a opinião pública. Compensá-lo-ei com o que dizem do senhor. Também é interessante. Pude chegar à conclusão de que o têm em grande estima, até ao ponto de que, quando morrer, lhe levantarão um monumento à sua memória.
Burnet e Grieser entortaram os olhos tentando decifrar o que Campbell dizia. E então, este, após uma pausa, acrescentou:
— Todos os dias o têm presente nas suas orações... para que o monumento, muito em breve, seja uma realidade!...
Burnet fez uma careta ao pretender sorrir, enquanto muitos homens dum e doutro bando soltaram uma gargalhada.
— O senhor Hubert goza de um humor excelente! — falou Burnet — e seria uma lástima que a profecia do povo, a seu respeito, se cumprisse.
— Eu, no seu lugar, preocupava-me em saber se as orações dos cidadãos da terra são atendidas. E agora perdoem-nos, mas temos de passar à igreja. Os senhores entram?
— Temos de nos ocupar de assuntos importantes. Ver-nos-emos, senhor Hubert — disse Burnet, retrocedendo.
— Decerto, cavalheiros! — assentiu Campbell. — Ah!... ia-me esquecendo! Como se encontram os rapazes que perderam as botas no outro dia? Disseram-me que tinham bolhas e gretas nos pés!... Como os lamento, coitados...
Burnet mordeu o lábio inferior contendo a sua raiva. Tentou sorrir, e respondeu:
— É algo que eles não esquecem, Hubert. Não me estranharia que os culpados dessa marcha com os pés descalços, fossem aparecendo, um a um, enforcados numa árvore!
— Sei de outros pescoços onde assentaria melhor um adorno dessa classe. Bom dia, cavalheiros. Vamos, Victória?
A jovem subiu as escadas solenemente, agarrada o braço varonil do advogado. Ao chegar lá cima mirou de soslaio o seu suposto irmão, e comentou:
— Estiveste estupendo, David. Colocaste-os em ridículo à frente dos seus homens...
— Não sei se fiz bem. Talvez apenas tivesse logrado excitá-los ainda mais. A sua reação, agora, não se fará esperar!
Isso era o que dizia Campbell, mas no seu íntimo sabia que estava mentindo. Depois de se inteirar dos costumes da cidade, previu que Burnet e Grieser, com os seus, o esperariam domingo ao pé da igreja, ainda que mais não fosse senão para conhecê-lo de perto, e por isso decidiu tirar partido da situação. Queria liquidar quanto antes o assunto que o havia levado a Rockville, já que as horas, os minutos da sua estadia ali, se tornavam cada vez mais insuportáveis. E a melhor forma de consegui-lo, era exacerbando o ódio que contra ele deviam sentir Burnet e Grieser. Assim, provocando-os, obrigava-os a sair da toca e a mostrar o seu jogo.
Depois da missa era habitual as pessoas deterem-se na praça para trocar cumprimentos, empurrões, sorrisos e notícias.
Nesse dia, a tertúlia dos curiosos esteve mais concorrida do que nunca. Não houve uma só jovem casadoira, de Rockville e sua comarca, que não se acercasse de Victória Hubert perguntando pela sua saúde e pela de seu pai, mas, enquanto inquiriam, os olhos femininos prestavam mais atenção ao irmão do que à amiga, o que deu lugar a que Campbell estivesse a cada instante a tirar o chapéu e a repetir variadíssimas vezes: «Muito gosto em conhecê-la, menina!».
De improviso, o posto que acabava de deixar vago a décima sétima rapariga em idade de casar, foi ocupado por um jovem dos seus vinte e cinco anos, que se apresentou soltando frases muito originais:
— Que tal, Victória?... Bem, não é verdade?... Este é o teu irmão, hem?! Como está, senhor Hubert? Bonito país, não é verdade? Um dia destes terá de vir comigo caçar, hem?! Sei onde se encontram os melhores antílopes da América... Que diz você, hem?!
Tal chorrilho de cumprimentos, perguntas, respostas e afirmações era acompanhado dos seus correspondentes saltinhos e sorrisos.
— Este é o senhor Tom Henderson, David! —conseguiu, por fim, Victória interromper. — Um dos nossos amigos mais íntimos.
— Como está, senhor...?
Não lhe foi possível terminar a pergunta, porque já o rapaz tinha arrancado de novo:
— Ela e eu, conhecemo-nos desde que viemos ao Mundo, hem?!... Temos jogado juntos e aprendemos a ler na mesma escola, não é verdade?... Tenho sido um irmão para Victória... hem ?!... Como se o senhor não tivesse faltado...
— Ótimo! Consola-me pensar que o meu posto tem estado dignamente defendido durante a minha ausência.
— A propósito, Vic, esta tarde serás o meu par, hem?!... Ai do que se atreva a tirar-te do meu lado! Terá de se haver comigo, não é verdade?
— Está falando de alguma festa? — perguntou Campbell.
— Todos os domingos de primavera há baile, à tarde, num local descoberto, ao lado do teatro — explicou Victória. — Noutros tempos era um armazém de sementes, e agora tiraram-lhe
teto.
— Talvez seja melhor que fiquemos no rancho — sugeriu o advogado.
— Hem?... Que disse? — interveio, pressuroso, Henderson. — Não pode ser, não é verdade?
— Estou certo de que poderá substituir a minha irmã por outra linda jovem.
— Mas eu não quero outra, hem?!...
Victória atalhou a discussão dizendo:
— De acordo, Tom, veremos.
O rapaz abriu os olhos e a boca num gesto de irreprimível contentamento.
— Magnífico, Vic!... Espero-te à porta!... Hem ?!... Não chegarás tarde, não é verdade?...
Tom retirou-se tropeçando em várias pessoas, porque insistiu em caminhar com a cabeça vol-tada para os Hubert.
— Como te ocorreu aceitar um convite, nas atuais circunstâncias? — perguntou Campbell, arqueando as sobrancelhas e deixando transparecer uma pontinha de mau humor.
— Porque desejo que tu vás! — sorriu ela. —És a atracão do dia. Não reparaste como te fixam todas as raparigas?... E olha que as há bastante belas...
— Nenhuma o é tanto como tu!
— És muito galante, David. Gostaste de alguma, em particular?
— Não. Quero dizer... são bonitas, mas nenhuma me atraiu, no sentido que tu sugeres. O que é que há com o Tom?
— Com o Tom? Não te percebo.
— É bastante fácil. Não creio que queira bailar contigo como o faria um irmão... isto é, como o faria eu... — Campbell sentiu que pisava um terreno escorregadio.
— Realmente. Tom não é a pessoa indicada para uma comparação. Há coisas que um irmão nunca teria feito.
— O quê? — inquiriu, alarmado. — Alguma vez foi grosseiro para contigo?
— Por favor, não grites, David.
Campbell reparou que várias pessoas tinham voltado a cabeça para o olhar.
Victória riu, tapando a boca com a mão. —Pareço-te ridículo, não é verdade?... Hem?!... — disse ele.
— Não imites o Tom, David.
— Que coisas são essas que um irmão não faria?
— Oh! É um segredo! Como podes fazer tais perguntas? — Victória tornou a rir, dando o braço a John.
— Está bem. Vamos embora? Os rapazes esperam-nos.
No caminho de regresso, Victória cantou uma canção de vaqueiros, enquanto Campbell mantinha uma ruga entre os olhos.
Os dois grupos chegaram simultaneamente em frente da escada de três degraus, e detiveram-se.
A atmosfera parecia eletrizada. Uma só chispa bastaria para desencadear a mais terrível das tempestades. Houve uma troca de olhares entre os Hubert e os seus inimigos.
— Bom dia, menina Hubert! — saudou rapidamente Burnet, com um falso sorriso. Logo, sem esperar resposta, pôs os seus olhos no rosto de Campbell e disse: — É o senhor o jovem David, não? O tal de quem tanto se fala hoje em Rockville!
— Faço uma vida muito retirada, senhor Burnet — replicou o advogado. — O que é que se diz de mim?
— Que o senhor parece um homem temerário.
— Não está mal, então. É consolador que pensem assim de nós!
— E dizem também que em Rockville nenhum homem temerário pode chegar a velho.
— É muito amável da sua parte, senhor Burnet, comunicar-me o que pensa de mim a opinião pública. Compensá-lo-ei com o que dizem do senhor. Também é interessante. Pude chegar à conclusão de que o têm em grande estima, até ao ponto de que, quando morrer, lhe levantarão um monumento à sua memória.
Burnet e Grieser entortaram os olhos tentando decifrar o que Campbell dizia. E então, este, após uma pausa, acrescentou:
— Todos os dias o têm presente nas suas orações... para que o monumento, muito em breve, seja uma realidade!...
Burnet fez uma careta ao pretender sorrir, enquanto muitos homens dum e doutro bando soltaram uma gargalhada.
— O senhor Hubert goza de um humor excelente! — falou Burnet — e seria uma lástima que a profecia do povo, a seu respeito, se cumprisse.
— Eu, no seu lugar, preocupava-me em saber se as orações dos cidadãos da terra são atendidas. E agora perdoem-nos, mas temos de passar à igreja. Os senhores entram?
— Temos de nos ocupar de assuntos importantes. Ver-nos-emos, senhor Hubert — disse Burnet, retrocedendo.
— Decerto, cavalheiros! — assentiu Campbell. — Ah!... ia-me esquecendo! Como se encontram os rapazes que perderam as botas no outro dia? Disseram-me que tinham bolhas e gretas nos pés!... Como os lamento, coitados...
Burnet mordeu o lábio inferior contendo a sua raiva. Tentou sorrir, e respondeu:
— É algo que eles não esquecem, Hubert. Não me estranharia que os culpados dessa marcha com os pés descalços, fossem aparecendo, um a um, enforcados numa árvore!
— Sei de outros pescoços onde assentaria melhor um adorno dessa classe. Bom dia, cavalheiros. Vamos, Victória?
A jovem subiu as escadas solenemente, agarrada o braço varonil do advogado. Ao chegar lá cima mirou de soslaio o seu suposto irmão, e comentou:
— Estiveste estupendo, David. Colocaste-os em ridículo à frente dos seus homens...
— Não sei se fiz bem. Talvez apenas tivesse logrado excitá-los ainda mais. A sua reação, agora, não se fará esperar!
Isso era o que dizia Campbell, mas no seu íntimo sabia que estava mentindo. Depois de se inteirar dos costumes da cidade, previu que Burnet e Grieser, com os seus, o esperariam domingo ao pé da igreja, ainda que mais não fosse senão para conhecê-lo de perto, e por isso decidiu tirar partido da situação. Queria liquidar quanto antes o assunto que o havia levado a Rockville, já que as horas, os minutos da sua estadia ali, se tornavam cada vez mais insuportáveis. E a melhor forma de consegui-lo, era exacerbando o ódio que contra ele deviam sentir Burnet e Grieser. Assim, provocando-os, obrigava-os a sair da toca e a mostrar o seu jogo.
Depois da missa era habitual as pessoas deterem-se na praça para trocar cumprimentos, empurrões, sorrisos e notícias.
Nesse dia, a tertúlia dos curiosos esteve mais concorrida do que nunca. Não houve uma só jovem casadoira, de Rockville e sua comarca, que não se acercasse de Victória Hubert perguntando pela sua saúde e pela de seu pai, mas, enquanto inquiriam, os olhos femininos prestavam mais atenção ao irmão do que à amiga, o que deu lugar a que Campbell estivesse a cada instante a tirar o chapéu e a repetir variadíssimas vezes: «Muito gosto em conhecê-la, menina!».
De improviso, o posto que acabava de deixar vago a décima sétima rapariga em idade de casar, foi ocupado por um jovem dos seus vinte e cinco anos, que se apresentou soltando frases muito originais:
— Que tal, Victória?... Bem, não é verdade?... Este é o teu irmão, hem?! Como está, senhor Hubert? Bonito país, não é verdade? Um dia destes terá de vir comigo caçar, hem?! Sei onde se encontram os melhores antílopes da América... Que diz você, hem?!
Tal chorrilho de cumprimentos, perguntas, respostas e afirmações era acompanhado dos seus correspondentes saltinhos e sorrisos.
— Este é o senhor Tom Henderson, David! —conseguiu, por fim, Victória interromper. — Um dos nossos amigos mais íntimos.
— Como está, senhor...?
Não lhe foi possível terminar a pergunta, porque já o rapaz tinha arrancado de novo:
— Ela e eu, conhecemo-nos desde que viemos ao Mundo, hem?!... Temos jogado juntos e aprendemos a ler na mesma escola, não é verdade?... Tenho sido um irmão para Victória... hem ?!... Como se o senhor não tivesse faltado...
— Ótimo! Consola-me pensar que o meu posto tem estado dignamente defendido durante a minha ausência.
— A propósito, Vic, esta tarde serás o meu par, hem?!... Ai do que se atreva a tirar-te do meu lado! Terá de se haver comigo, não é verdade?
— Está falando de alguma festa? — perguntou Campbell.
— Todos os domingos de primavera há baile, à tarde, num local descoberto, ao lado do teatro — explicou Victória. — Noutros tempos era um armazém de sementes, e agora tiraram-lhe
teto.
— Talvez seja melhor que fiquemos no rancho — sugeriu o advogado.
— Hem?... Que disse? — interveio, pressuroso, Henderson. — Não pode ser, não é verdade?
— Estou certo de que poderá substituir a minha irmã por outra linda jovem.
— Mas eu não quero outra, hem?!...
Victória atalhou a discussão dizendo:
— De acordo, Tom, veremos.
O rapaz abriu os olhos e a boca num gesto de irreprimível contentamento.
— Magnífico, Vic!... Espero-te à porta!... Hem ?!... Não chegarás tarde, não é verdade?...
Tom retirou-se tropeçando em várias pessoas, porque insistiu em caminhar com a cabeça vol-tada para os Hubert.
— Como te ocorreu aceitar um convite, nas atuais circunstâncias? — perguntou Campbell, arqueando as sobrancelhas e deixando transparecer uma pontinha de mau humor.
— Porque desejo que tu vás! — sorriu ela. —És a atracão do dia. Não reparaste como te fixam todas as raparigas?... E olha que as há bastante belas...
— Nenhuma o é tanto como tu!
— És muito galante, David. Gostaste de alguma, em particular?
— Não. Quero dizer... são bonitas, mas nenhuma me atraiu, no sentido que tu sugeres. O que é que há com o Tom?
— Com o Tom? Não te percebo.
— É bastante fácil. Não creio que queira bailar contigo como o faria um irmão... isto é, como o faria eu... — Campbell sentiu que pisava um terreno escorregadio.
— Realmente. Tom não é a pessoa indicada para uma comparação. Há coisas que um irmão nunca teria feito.
— O quê? — inquiriu, alarmado. — Alguma vez foi grosseiro para contigo?
— Por favor, não grites, David.
Campbell reparou que várias pessoas tinham voltado a cabeça para o olhar.
Victória riu, tapando a boca com a mão. —Pareço-te ridículo, não é verdade?... Hem?!... — disse ele.
— Não imites o Tom, David.
— Que coisas são essas que um irmão não faria?
— Oh! É um segredo! Como podes fazer tais perguntas? — Victória tornou a rir, dando o braço a John.
— Está bem. Vamos embora? Os rapazes esperam-nos.
No caminho de regresso, Victória cantou uma canção de vaqueiros, enquanto Campbell mantinha uma ruga entre os olhos.
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