«Aqui descansa
NOSKA GHADOCK
Amou os cães
e aos homens, nem sequer os odiou»
Charly Garner, depois de ficar quieto uns momentos, pensativo olhando a inscrição, soltou os arbustos e estes voltaram a cobrir a pedra. Ao levantar-se, puxou o coldre que se tinha desviado para trás, pondo-o mais ao alcance da sua mão. Voltou-se com os olhos secos, a olhar o vale. Além, ao longe, os pastos verdejantes e amarelos. A planície parda, com o raio de prata de um rio... Por um momento, sentiu-se aturdido por uma avalanche de recordações que lhe caíam em cima. Encontrava--se no alto duma colina, donde se dominava uma imensa paisagem.
Voltou-se rápido para a pedra, e afastou de novo os arbustos. Mas agora fê-lo tão violentamente, que alguns troncos quebraram. As letras daquela inscrição estavam gravadas com bastante profundidade, e todas tinham um traço seguro.
«As mãos do velho Row eram duras e seguras — pensou. — Talvez já não o sejam. Os anos passaram sobre ele».
Só havia uma inscrição muito débil. A última linha, situada quase na base da pedra. Era só um risco feito com a ponta dum machado.
«Ano mil oitocentos e oitenta e...»
Nem sequer estava terminada. Charly sabia porque faltava a última cifra. Olhou para a sua mão esquerda. Ainda se notava a cicatriz. Uma escapadela do machado fez com que a sua mão de menino derramasse bastante sangue sobre aquela inscrição. Vendo-o, o velho Row ficou pensativo; mas bastante preocupado. Ele, cuja atitude habitual parecia indiferente a tudo.
«Já o vês, Charly, até para gravar se necessita a vista limpa. Seca essas lágrimas. Vou ligar-te a mão.»
Instantes depois, empurrava a pedra, de forma que ficasse à cabeça donde estava enterrada Noska Ghadock, a mulher chegada da cidade com um cão tão enfraquecido como ela. Agora, sim, definitivamente soltou os arbustos. Alguns, partidos, não puderam voltar à sua posição vertical. Ficou outra vez olhando o vale, mas agora não tinha os olhos secos.
«Para ir com os lobos, é preciso que o olhar não esteja turvo, e o pulso tremente. Vale mais ficar-se em casa.»
Eram palavras do velho Row. O homem solitário, selvagem, que tinha voltado as costas aos homens para construir uma cabana num lugar afastado de toda a comunidade.
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