segunda-feira, 20 de julho de 2020

BUF003.06 Luta no «saloon»

— Mas... são os californianos do «Gray»! Vêm o mesmo que eu? Não é aquele tipo simpático o que meteram entre as grades por te agredir, Bill?
— Claro que é. Não percebo como o patrão o deixou sair.
— Faz-lhe um buraco para que aprenda a comportar-se.
— Não vês como está sossegadinho? Aprendeu a lição e agora será bonzinho.
— Vais deixá-lo tranquilo depois do soco que te deu?
— Agora mesmo me vai pedir perdão e depois dançará um bocadinho como desagravo.
Os cinco vaqueiros do rancho «Gray» acabavam de entrar no «The Bull» para celebrarem a liberdade de Dick com uns copos, e a sua chegada provocou certos comentários de uns «cowboys» que ocupavam o balcão do «saloon». Kim deteve-se a meio da ampla sala, e os seus companheiros imitaram-no aguardando a sua iniciativa.
— Bem, Dick. Já ouviste o estúpido zumbi desses dois zangões. Jack, queres ajudá-lo a dar uns rudimentos de boa educação nesses cabeçudos?
Com todo o gosto, chefe — concordou alegremente o rapaz —. O dia de hoje vai ser o mais feliz da minha vida.
— Vocês dois — disse então o texano dirigindo-se aos dois vaqueiros que haviam elevado a voz —, venham até aqui para ver se são tão homens como indicam as vossas palavras. Os outros, muito cuidado com as intervenções se não querem provar o gosto do chumbo.
Com o braço direito ao peito, o aspeto do «ex-xerife» não parecia muito perigoso.

— Quem é esse lobisomem, Bill? Conhece-lo?
— Não, mas estou tremendo — o homem apoiava-se de costas contra o balcão, e como se quisesse fazer mais palpável o seu desprezo pela ameaça do desconhecido, tomou o copo de «whisky» que estava ao seu lado, levantando-o com a intenção de o tomar de um trago.
Se bem que Kim se alegrasse com aquela oportunidade em demonstrar de uma vez para sempre que com o seu pessoal não podiam continuar as brincadeiras, não queria derramamentos de sangue, e para demonstrar que a sua ameaça não era vã, empunhou o seu revólver com maravilhosa rapidez, disparando uma só vez, destroçando o copo entre os dedos do vaqueiro, que ficou lívido olhando incrédulo a mão escorrendo em líquido, como se não se atrevesse a crer que não fora ferido.
— Vamos, rapazes, demonstrem que se não têm a língua comprida, com os punhos é outra coisa.
Kinastor recolhera o seu revólver, mas para os vaqueiros do «Duble T» a demonstração havia sido suficiente e permaneciam quietos e silenciosos, enquanto dois deles se adiantavam preferindo haver-se com os punhos dos seus adversários, a enfrentarem aquele terrível atirador.
Para Dick a coisa terminou depressa. Tinha uma compleição robusta e, sem dúvida, conhecia alguma coisa de «box», sem contar a vontade que tinha em se desquitar dos dias passados na cela por causa daquele mesmo homem que agora enfrentava. Uma finta ao estômago fez com que o seu antagonista, ainda um pouco aturdido pela impressão recebida, baixasse a guarda com que tentava proteger-se, e quase o levantou do solo um magnífico «upper-cut» em pleno queixo. O homem caiu rudemente no chão, com os sentidos perdidos.
Para Jack não se apresentava tão fácil o combate. Embora ágil, magro e vigoroso, não gozava da constituição atlética do seu companheiro, e o seu adversário era também jovem e robusto. Os dois homens acometeram violentamente sem mais preparativos, e fortemente agarrados forcejaram para um lado e outro, até que numa conjuntura propícia, Jack aproveitando o facto de o  outro apoiar o queixo no seu ombro, projetou-o com força fazendo-o ranger os dentes e conseguindo separar-se, aplicando imediatamente os dois punhos contra o estômago descoberto do se antagonista, que com um rugido de dor retrocedeu de um salto para recuperar o fôlego perdido.
Mas Jack não estava disposto a conceder trégua alguma e lançou-se novamente contra o seu adversário e, metralhando-o com os punhos, até que se viu contido por um forte soco no nariz tão doloroso que os olhos se lhe encheram de lágrimas não podendo conter uni grito, ao mesmo tempo que retrocedia apressadamente.
Ambos os antagonistas permaneciam agora ofegantes olhando-se furiosamente, se bem que. golpes recebidos por ambas as partes os tornassem mais prudentes. Começaram a girar um em torno do outro, ligeiramente inclinados e com os braços estendidos, esperando um descuido que lhes permitisse golpear e afastar-se antes de receber a réplica.
A assistência era agora muito mais numerosa e na sua maioria animava o vaqueiro do «Double T», mas embora muito inferiores em número, os do «Gray» compensavam a diferença com a potência dos seus gritos.
De momento, pelo menos, havia desaparecido o perigo de que o combate pugilístico degenerasse numa luta a tiros, e embora não deixasse de estar vigilante, Kim não perdia nenhuma das fases do combate.
A luta perdeu grande parte do seu interesse, pois os dois homens estavam quebrantados e doloridos fugindo ambos ao corpo a corpo, o que originou gritos e protestos do público, a quem não agradava as fintas a que a luta ficara reduzida.
Inesperadamente Jack lançou um violento esquerdo alcançando o seu adversário numa das costelas inferiores, fazendo-o retroceder sem poder conter um rugido de dor e, despertos novamente os desejos de luta estiveram indo de um lado para o outro duramente mais de cinco minutos, socando-se mutuamente, até que Jack conseguiu cair por cima do outro dominando-o com o seu peso.
— Tens bastante ou queres mais? — gritou ofegante.
— Para mim já é suficiente — replicou o outro, dando-se por vencido após uma pausa para recobrar a respiração.
— Rapazes do «Doble T»! Querem tomar um copo connosco? Eu convido-os — gritou, então, Kim.
Os vaqueiros olharam-se entre si, e logo se lançaram para o balcão.
* * *
— Ouve, Dick. Porque não te deixas prender novamente? Foi o melhor dia da minha vida.
— Penso que agora te toca a ti, Jack. Não te calharia mal passares uns dias à sombra, até que te passasse a nódoa negra que tens nesse olho.
— Ri-te se quiseres. Eu gostaria que te tivesse tocado aquele tipo. Lança uns socos que parecem o coice de uma mula e tão imprevistamente que não se sabe quando vão chegar.
— Eu pensei nisso ao ouvir-te chiar como um rato agarrado pelo rabo.
— Eu diria como um leitãozinho — interveio Lee.
— Cala-te, Chuck. Tu ainda estás picado pela alcunha.
Ao ouvi-lo, Dick soltou unia gargalhada.
— A verdade é que te assenta muito bem. Cacareja um pouco, homem.
— Vão para o diabo!
— Crês que o juiz permitirá a liberdade de Dick? — a pergunta de Dick dissipou um pouco a alegria geral.
Os cinco homens regressaram ao rancho a trote largo e já começava a escurecer.
— Não sei o que fará, mas como primeira providência terá de esperar até designar um novo «sheriff». Depois veremos o que há a fazer.
—Kim, não queria que por minha causa tivesse algum percalço. Não encontro palavras com que lhe testemunhe a minha gratidão pelo que fez, e não poderia perdoar-me nunca que tivesse de o lamentar.
— Não te preocupes com isso, rapaz. O juiz já sabe que comigo não pode brincar, e na realidade é a quem mais interessa que isto não transcenda. É um homem obstinado e de mau carácter.
— Um motivo mais para não gostar de ficar em ridículo. Verás como será o primeiro a esquecer-se do assunto.
— Não sei se poderá. Seguramente já correm rumores do ocorrido. Nós fazemos correr a versão de que te pós em liberdade atendendo às nossas súplicas e que, em justiça, não se podia culpá-lo muito do acontecido.
— Ninguém acreditará que imediatamente depois de me ter perdoado, brigasse novamente com o mesmo homem.
— Há muita gente que testemunhará que foste provocado, e além disso, a partir de hoje, as nossas relações com o «Doble T» serão mais cordiais. Todos aqueles vaqueiros se despediram em termos amistosos.
— Depois de terem enchido o bucho de «whisky» à tua custa, era o menos que poderiam fazer — grunhiu Grunter.
— O facto de terem bebido connosco demonstra que não nos guardavam demasiada animosidade apesar da sua derrota.
— Isso só quer dizer que são uns borrachos. Todos eles dançam ao som da música que lhes tocam, e depois da tua demonstração julgaram mais oportuno mostrarem-se amistosos. Não te fies demasiado. Esses vaqueiros do «Doble T» são rapazes como outros quaisquer. Enquanto se consideravam superiores, desprezavam-nos. Agora a coisa mudou e dentro em pouco vão mostrar-se tão amáveis como aborrecidos antes.
— Bem, já veremos.
— Olhe, Kim — disse Chuck Lee —. Os rapazes viram-nos chegar e dirigem-se-nos! Em correria a ver quem é o primeiro.
A chegada dos vaqueiros produziu uma algaraviada infernal durante a qual se cruzavam uma infinidade de perguntas e respostas, no decurso das quais Kim pôde notar que Dick era muito popular entre os seus companheiros. Após algum tempo para explicações, continuaram até ao rancho onde os aguardavam os Gray.
— Vamos, preguiçosos — gritou Vivian, da varanda onde se apoiava — Pensei que nuns mais vinham.
— Pois aqui estamos — respondeu Kim, saltando do seu negro corcel, com alguma dificuldade devido ao seu braço ferido —. E como podes ver trazemos a ovelha negra do rebanho.
— Tu sim, é que és uma ovelha negra — replicou a rapariga, rindo —. Que tal, Dick?
— É como um pássaro a quem acabam de abrir a gaiola. Bem pode calcular, menina Vivian.
— Tomem conta desses cavalos, rapazes. Jack e tu, Lee, tratem deles. Os outros entrem porque estou morrendo de curiosidade por escutar vossas notícias.
Walter estava verdadeiramente impaciente.
— Lupe, põe seis talhares na mesa — disse Mad, voltando-se para uma gorda e coquete mexicana que estava atrás deles —. E não te demores porque estes vaqueiros devem ter fome.
— Eu que o diga, menina — disse Kim, que na realidade não tinha deixado de olhar a formosa mulher desde que chegara —. Pelo que a mim se refere estou mais famélico que um lobo do deserto.
A morena havia mudado maravilhosamente desde a primeira vez que o vira, e agora, junto dela, contemplando-a à brilhante luz que saía a jorros pela porta aberta, pois a noite tinha caído completamente, pensava como era possível que tivesse viajado horas inteiras na sua frente sem reparar na sua extraordinária beleza.
Claro que durante quase todo o tempo tinha tido o rosto semiescondido pelo véu que ainda guardava e que não pensava devolver enquanto não lho pedisse, mas mesmo assim, apesar do vestido folgado e simples que ocultava a firmeza das suas linhas, do seu cabelo apanhado e dos seus olhos apagados e tristes, devia estar cego. Por que mudara tanto? Por que seriam agora os seus olhos negros dois pontos luminosos? Seria porventura... Não, não podia ser. Dick era demasiado jovem para que ela estivesse apaixonada pelo «cowboy». Claro que às vezes se davam destes casos mas ele não queria crê-lo. Além disso, bastava um só olhar para o rapaz para notar que ele estava cego pelo linda e buliçosa Vivian, que, naquele momento, os estava aturdindo a todos com o ininterrupto jorro da sua voz cristalina e tão agradável como o murmúrio de um arroio límpido de fresca água em pleno deserto.
Entretanto, o rancheiro havia-os conduzido ao seu gabinete, e com a ampla janela aberta, pois fazia calor, sentaram-se ao redor da mesa. Do exterior, chegava-lhes a voz dos vaqueiros, que tinham preferido ficar sobre a verde relva, junto às cavalariças.
— Bem, Kim — começou Walter Gray  — estamos ansiosos por escutar o seu relato.
— Eu sou muito mau narrador, mas vejo que Grunter está rebentando por falar.
— Assim é, Wal, e para começar digo-te que Rust deixou Flagstaff a caminho do Texas se não me engano.
— O «sheriff»!
— Precisamente.
— São boas notícias. Mas continua e não fiques para aí calado matando-nos de curiosidade. Que aconteceu para querer partir tão rapidamente?
— Se me perguntas quem foi o causador, dir-te-ei que foi Kim.
— Amedrontou-o a presença de Kim? Pois sempre me pareceu um pistoleiro e um matador. Aqui tinha toda a gente dominada pelo medo aos seus grandes «Colts».
— É, efetivamente, um pistoleiro e um matador — assentiu o texano —. Tivemos um encontro em Lubbodk e o homem não quis repetir a experiência. Não compreendo como o puderam eleger para «sheriff» deste distrito. Nunca foi o que se chama um homem honrado.
— Foi coisa de Clanke. Conhece aquele rancheiro que nos acompanhava na diligência. É muito influente, e afirmou que necessitávamos de um homem de ação e que ele conhecia o seu recomendado de longa data e era o homem que nos fazia falta. Na realidade, no que se refere à ordem pública, conseguiu grandes melhoramentos na cidade, mas quanto aos roubos de gado nada adiantámos.
— Clanke? estranho!
— Deixemo-nos de desconfianças e continua, Grunter. Estou desejando ouvir essa história.
Na realidade, Kim não ouviu nada do que o veterano vaqueiro esteve contando, demasiado absorto nos seus pensamentos. Donde se conheceriam Clarke e Rust? E se assim era, como lhe ocorrera propô-lo para «sheriff»? Havia algo estranho em tudo aquilo, algo que ele não conseguia ver claro, e pensando no assunto havia muitas outras coisas que também não entendia. Por Grunter se havia inteirado de que aquele Hensler que falara a Walter sobre o dinheiro que a diligência transportava era um vaqueiro de Flagstaff, e os trinta mil dólares uma transferência do estabelecimento bancário que dirigia... Era lógico que segredasse isso aos viajantes, quando aquele envio devia ser conservado no maior segredo? Parecia que a amizade que unia Hensler e Clanke era muito mais antiga e firme, que com Graty, que apenas estava na região há um ano e, no entanto, nada havia dito àquele. Era isto verdade? E se assim era... porquê? Alguma coisa estava errada e o seu fino olfato de polícia experimentado percebeu-o, embora não pudesse precisar a direção em que soprava o vento.
O forte zumbido de uma bala junto ao seu ouvido arrancou-o à sua abstração, e numa reação instintiva, quando lhe chegou o estampido da detonação já estava sulcando o ar em direção ao candeeiro que estava sobre a mesa derrubando-a e deixando a habitação na penumbra.

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