quarta-feira, 2 de outubro de 2019

KNS004.08 Salvo por uma arma de mulher

Trouxeram-no para fora da cidade. Os dois assassinos atrás, quase sorridentes, como se fossem três amigos, amantes de passeios vespertinos. Shelby, esperava que, de um momento para o outro, os «pistoleiros» lhe dessem um tiro pelas costas. Tinham-no desarmado e sentiam-se seguros. Procurou ganhar tempo:
— O xerife é vosso aliado, não é?
— Não tenhas ilusões; ele não investigará as causas do teu falecimento.
Continuou:
— Quanto é que Walcott vos paga?
— Estás a fazer perguntas de mais. Cala o bico e não tentes surpreender-nos. Pouco te serviria. Estás desarmado.
— Eu pagar-lhes-ia melhor. Trago dinheiro fresco e tenho mais.
— Pretendes comprar a tua vida?
— E porque não? Tenho de o tentar agora, não é depois de morto...
— Tens razão. Mas não encontras comprador.
— Eu dar-lhes-ia...
— Não te incomodes! Somos honestos, sabias? O combinado é o combinado. Recebemos para efetuar a tarefa... e fá-la-emos. Temos uma ética profissional. Os compromissos respeitam-se.
— Não sabia que os desavergonhados fossem tão «honrados» ...


Com uma gargalhada, um deles explicou:
— O que é que queres? Dignidade, acima de tudo. É a única maneira de subir na vida...
Tinham saído de Abilene. As últimas casas e a estação de caminho de ferro, já ficavam para trás.
— Não nos afastemos demasiado. Não é necessário.
— Vamos até aquele eucalipto — opinou o companheiro. — Está bem.
Aqueles vinte passos, que os separavam da árvore, seriam os últimos da vida do rapaz. Shelby, fazendo parar a sua montada, pediu:
— Deixem-me ir a pé. É a minha última vontade...
Deixaram-no, e caminharam para o eucalipto. As primeiras sombras da noite desciam.
— Bom?
King fitou-os, aos dois. Nos olhos deles não havia ódio, em especial. Talvez aborrecimento. Fastio de fazer um trabalho eternamente igual. Não odiavam. Agiam. Não eram inimigos pessoais dele. Desempenhavam o seu trabalho com a mesma probidade que se ferrassem cavalos ou laçassem vitelos. Cumprir era o que importava e não o tipo de trabalho.
Mesmo assim, pertenciam à escória da sociedade: sem moral, nem lei, nem religião. Assassinos profissionais. Inspirou ar com força e encheu os pulmões. Eles tiraram os revólveres dos coldres. Shelby moveu-se, como que impulsionado por molas.
Baixou os braços e sacudiu o esquerdo. Da jaqueta de coiro, pelo antebraço caiu-lhe na mão, um pequeno «Derringer». Uma arma feminina, quase inofensiva. Mas os seus dois carrascos estavam a dois metros de distância. E disparou as duas balas. Uma atrás da outra, fazendo um barulho parecido com uma palmada infantil. Os chumbos pequenos, mas mortais, cravaram-se nos olhos dos assassinos; um ponto vulnerável, sem riscos de erro.
Os «pistoleiros» dobraram-se pela cintura, caindo ao chão, sem chegar a disparar, com a cara cheia de sangue. King relaxou os músculos, passado o perigo. Graças à sua previsão antes de sair do acampamento, tinha salvo a vida. Inclinou-se sobre os cadáveres, para recuperar as suas armas e então escutou uma nova ordem:
— Mãos ao ar, Shelbyl A mim não me enganas tu!
Estava inclinado sobre as armas, ao alcance da sua mão. Ficou uns segundos imóvel, surpreendido pela voz feminina cheia de ódio. Depois desprezando um segundo perigo, agarrou no seu famoso «Colt», caído junto a um dos cadáveres.
E disparou instintivamente, mais guiado pela voz, do que pela silhueta, situada atrás de si, atirando-se ao chão, ao mesmo tempo. Quando caiu, rodou sobre si mesmo e viu o efeito do seu tiro, surpreendente de pontaria e firmeza.
A bala acertara na mão de Leona, que ferida, deixara cair o revólver que empunhava. Pálida e colérica, Leona agarrou-se à mão.
Shelby levantou-se, sorrindo.
— Voltámos a encontrar-nos — disse.
Aproximou-se. Um brilho metálico, duríssimo, palpitava nas suas pupilas. A mão, com o revólver em punho, dir-se-ia ansiosa de disparar.
— Devia matar-te — disse o rapaz.
O «Colt» apoiou-se no peito feminino.
— És pior do que uma hiena — disse. — Cruel, egoísta, ambiciosa... Se te matasse, a humanidade agradecer-me-ia...
«Não sou um assassino do teu jaez. Nem como o teu pai. Esses dois — apontou os cadáveres — mandou-mos ele para me matarem. Tu também o querias fazer. E além disso envenenaste a manada. E mataram Stanley e... quem mais? Canory, Livingston, que se opunha aos propósitos ambiciosos do teu pai... e quem mais, Leona?»
— Tu é que mandas. Continua!
— Que é feito de Spencer? E de Kirby? Atualmente não fazem parte da Associação...
— Tiveram medo e fugiram.
— E a mim queriam-me matar.
— Ou que te vás embora. Ou, melhor ainda, que te alies connosco...
— Sabes que não o farei!
— Porquê? Era muito melhor para ti. É bem pouco o que te peço. Fica. Fica comigo. Não sou feia. Antes agradava-te... Lembras-te, Shelby? Podemos recomeçar... Tudo o que tentes, é inútil. O Destino está traçado. Deixa-te levar... a meu lado.
— Esqueces, talvez, que estás nas minhas mãos... esqueces que se contrair o indicador, te posso mandar para o inferno...
— Não o farás. Pobre Shelby! Ainda gostas de mim, não é verdade?
Suavemente a sua mão esquerda, afastou o revólver que Shelby tinha apoiado ao seu peito. Sorria, desafiante. King recuou. Por um momento pareceu que se rendia. Mas recuperou imediatamente:
-- Não te mato. Tu arranjarás o castigo que mereces! Vai-te — continuou imperativo. — Vai e diz ao teu pai que o matarei! Que o matarei ainda que se esconda debaixo da terra. Vai e diz-lhe isso!
Empurrou-a rudemente e afastou-se. Ela montou no seu cavalo, esporeou-o e galopou para Abilene. Entretanto, Shelby aborrecido consigo mesmo, aproximou-se do seu cavalo, disposto a regressar ao acampamento.
Mas não o pôde fazer.

Sem comentários:

Enviar um comentário