quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ARZ140.16 A serpente do deserto fez o que parecia impossível ao homem

No momento em que a avistou, ao dobrar um cotovelo rochoso, avistou também Roland, que saía. Roland ia bem vestido, como sempre, e levava um baú amarrado à garupa do cavalo, atrás da sela.
Viu vir Larsen e compreendeu em seguida do que se tratava. Não perdeu nem um segundo. Pusera pouco antes em liberdade todos os cavalos, para que ninguém o pudesse perseguir. Agora chegava aquele intruso, mas não duraria muito...
Um só disparo bastou para acabar com o animal montado por Larsen. Este caiu pesadamente no chão, enquanto Roland soltava uma gargalhada. A menos de trinta jardas parou e apontou a Larsen, o qual sabia que já não tinha tempo de sacar. E o seu inimigo via-o perfeitamente, porque as primeiras luzes do amanhecer surgiam no horizonte. A segunda gargalhada de Roland ecoou triunfalmente na claridade leitosa.
— Sabes que estás perdido, Larsen... Sabes que não poderás mexer um dedo antes de eu disparar. E como sei ao que vens, dispararei sem hesitar... Mas antes quero dar-te a satisfação de te dizer que tinhas razão... Sim, eu fiz assaltar a diligência e depois arranjei as coisas de modo a ficar com todo o ouro. E tu deste-me uma pequena fortuna, para me ajudares! Se tivesse tempo, oferecer-te-ia uma bonita lápida, boneco, mas não tenho. Antes de passar uma hora atravessarei a fronteira do México, de modo que penso acabar contigo agora mesmo...

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

ARZ140.15 A última fronteira para um xerife

Larsen parou. Teria parado mesmo no ar ao ouvir aquela voz. Porque era a voz do xerife Rocket.
Coberto de pó, com os olhos a brilhar como carvões acesos, a mão crispada a muito pouca distância do revólver, o xerife Rocket olhava-o fixamente a doze passos de distância. Boa distância para matar... ou para morrer.
— Procurei-te por todo o Sudoeste — resmungou o xerife. — Agora, maldito seja o inferno, chegámos os dois ao fim, chegámos à última fronteira. Vamos decidir isto de uma vez para sempre.
Larsen disse, num fio de voz:
— Sim, xerife, de uma vez para sempre.
— O teu revólver está carregado?
— Ainda tem, pelo menos, duas balas xerife. Mas antes de acontecer o inevitável quero que me escute. Todo o condenado à morte tem direito a formular o último pedido.
— Fala, mas sê breve. Juro-te que os meus dedos já tremem ao pensar no gatilho.
— Você não tem autoridade aqui, Rocket. Não procede em nome da lei.
— Bom, e depois? Procedo em nome do meu revólver.
— Contratou pistoleiros para me liquidarem por qualquer preço. Um desses pistoleiros foi até dos que assaltaram a diligência. Descobri-o porque o seu cavalo me trouxe, impelido pela querença, a casa de Roland. E contratar pistoleiros não é legal.
— Eu não falo de legalidades, rapaz; falo de balas.
— Pois ouça-me agora, xerife Rocket. Posto que estamos nesta situação, posto que não tem o direito de me prender, podemos chegar a um acordo. Deixe-me ir a casa de um homem que fica exatamente a duas milhas daqui. Assim que resolver um assunto com ele, terei muito prazer em conversar do nosso caso.
O homem da estrela denegou lentamente com a cabeça, ao mesmo tempo que um sorriso lhe aflorava aos lábios.
— Não há acordo, Larsen.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

ARZ140.14 Um cavalo com uma conduta estranha e salvadora

Larsen parou um momento no meio da rua principal, a olhar com saudade os edifícios da pequena cidade. Jamais teria podido imaginar que um lugarejo tão insignificante como aquele penetrasse tão fundo no seu coração.
Estava numa aldeola perdida nas imediações da fronteira, num sítio ao qual quase não levava nenhum caminho, num recanto situado em parte alguma. E, no entanto, pelo simples facto de Ingrid viver ali, a povoação de Deming adquiria um significado diferente. Era um lugar doce, um sítio bom para viver e morrer.
Mas Larsen não viveria nem morreria ali. Larsen tinha de fugir, teria de fugir sempre, eternamente, enquanto ó xerife Rocket continuasse a persegui-lo com aquele ódio fanático. Estava a cavalo e mal levava provisões que lhe permitissem chegar ao México. Uma vez lá, pensaria no que devia fazer.
A ferida doía-lhe intensamente, mas não tinha febre. Aquela dor devia ser a inevitável consequência dos últimos esforços despendidos. Mais valia não pensar nela.
Mas enquanto Larsen estava mergulhado nestas reflexões, despedindo-se da cidade, alguém decidira que ficasse ali.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

ARZ140.13 Ainda há quem entregue o ouro ao bandido

Roland regressou silenciosamente a sua casa, dando uma volta para não ser ouvido, e por fim entrou por uma janela das traseiras. Já colocara debaixo da janela um grosso tapete, para abafar o ruído dos seus passos, e dali entrou silenciosamente num quartinho que lhe servia de arrecadação e no qual havia um armário que Ingrid jamais se atreveria a abrir. Era o armário onde se guardavam as carabinas e as munições, coisas que para nada interessavam à mulher.
Arrumou as carabinas no armário, em cujo fundo havia um buraco muito bem dissimulado pelas caixas de munições. Nesse buraco ia a colocar o baú, mas antes sentiu a tentação irresistível de o abrir.
Queria ver os duzentos mil pesos mexicanos, queria desfrutar a contemplação de uma fortuna que o convertia no homem mais rico da região.
O conteúdo daquele baú permitir-lhe-ia viver no México como um nababo, até que dentro de cinco ou seis anos, esgotado o dinheiro e cansado da mulher que o acompanharia, começasse vida nova.
O pensamento de que aquele dinheiro custara muito sangue e, além disso, se esgotaria um dia, não o preocupou absolutamente nada.
Tinha na sua frente cinco ou mais anos de riqueza e prazer na companhia de urna mulher que lhe transtornava os sentidos. E isso era mais que suficiente para um homem como Roland.

domingo, 27 de outubro de 2019

ARZ140.12 Perseguição Implacável chega a Deming

O homem que avançava penosamente entre os rochedos ouviu o cavalo relinchar segunda vez, o que parecia indicar que farejara à distância a presença de algum outro ser humano.
Pouco antes tinham-se ouvido tiros e a isso se devia o facto de o cavaleiro se ter desviado do seu caminho para se meter por aquele labirinto rochoso. Mas estava convencido de que, quando chegasse, já não encontraria o autor das detonações.
O relincho do cavalo fez-lhe conceber a esperança de que talvez ainda chegasse a tampo. Picou de esporas e obrigou-o a avançar mais depressa na escuridão, embora com risco de que o animal partisse uma pata.
 Pouco depois julgou distinguir um leve clarão entre umas rochas. Ao aproximar-se mais, viu que se tratava de uma fogueira prestes a extinguir-se. Em torno dela descobriu uns vultos que não tardou a verificar serem cadáveres de homens.
O recém-chegado desmontou e, à luz da fogueira, observou os rostos dos mortos. Conhecia-os, conhecia-os muito bem. Eram todos bandidos da fronteira, tipos que cometiam os seus crimes no Sul do Novo México, valendo-se da relativa impunidade que lhes proporcionava o poderem passar com facilidade de um país para o outro.
Eram procurados em vários condados, entre os quais o dele. Porque o homem que acabava de chegar à cena da matança e de desmontar junto da fogueira, não era senão o xerife Rocket. Desta vez vinha só. Nenhum pistoleiro a soldo o quisera seguir para capturar um tipo tão perigoso como Larsen e nenhum voluntário se oferecera também para aquele trabalho. E como Rocket não tinha autoridade para isso na região, tão--pouco pudera formar uma milícia. Mas ele continuava sozinho. Seguiria a pista até à última pegada, até ao fim.
— Até à morte de um dos dois.

sábado, 26 de outubro de 2019

ARZ140.11 Um bando desfeito

A pequena fogueira cobria de leves resplendores os rostos dos bandidos reunidos no acampamento que Roland visitara noites antes. As estrelas recamavam o céu e a quietude era absoluta.
Os cinco homens reunidos ali tinham quase a sensação de se encontrarem numa ilha deserta, no fim do mundo, onde nenhum perigo os poderia ameaçar. E esse excesso de confiança, originado por vários dias, de estada ali sem o menor contratempo, levara-os a não pôr ninguém de guarda à entrada do refúgio.
Agora os rostos de quatro deles estavam voltados com irritação para o homenzinho que imitava o uivo dos coiotes e se entretinha a caçar as serpentes do deserto.
— Já mataste esse bicharoco? Não o terás escondido perto daqui, com risco de se introduzir no acampamento?
— Juro-lhes que...
— Tu e as tuas malditas serpentes acabarão na fogueira! Nunca vi mania mais repugnante do que essa! Podias entreter-te a colecionar mulheres...
— As mulheres são mais traiçoeiras do que as serpentes e ligam-me muito menos importância.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

ARZ140.10 O amor que não desapareceu

O jovem montou no que já considerava o seu cavalo e dirigiu-se sem demora para a casa dos arredores onde morava Ingrid. Caso surpreendente, também desta vez não teve necessidade de dirigir o cavalo. O próprio animal tomou tranquilamente o caminho da casa e parou diante dela, como se a conhecesse desde que nascera.
Normalmente, este facto teria chamado a atenção de Larsen; mas ia absorto nos seus pensamentos e não o notou. Quer dizer, teve a sensação de guiar o cavalo de uma forma maquinal, quando, na realidade, fora a montada que não necessitara de ser dirigida.
Quando o animal se deteve diante da casa, Larsen desmontou calmamente e aproximou-se do alpendre. Tinham descido já as sombras da noite e o ar parado dava ao ambiente uma doçura especial.
A casa, branca e limpa, salientava-se na penumbra com uma claridade quase irreal, proporcionando uma sensação de paz que tocou o fundo do coração de Larsen. Mas este disse para consigo que não vinha falar com Ingrid e sim com o seu marido, Devia esquecer tudo o que os ligara noutro tempo.
Ao bater à porta, porém, abriu-lha a própria Ingrid. Trazia um vestido preto, muito cingido às suas formas, e os seus olhos claros brilhavam com tanta limpidez como nos tempos em que os seus destinos foram comuns.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

ARZ140.09 Ganhar 100 mil dólares falsos

Percy era um homem ordenado e meticuloso, um verdadeiro jogador profissional. Depois de uma breve visita de observação, na noite anterior, ao «saloon» da cidade, durante a qual não notara nada de extraordinário, decidiu que no dia seguinte poderiam começar as partidas. Por isso, naquela tarde, por volta das cinco, apresentou-se no «saloon», sentou-se a uma mesa e começou a fazer paciências, sem dar atenção, segundo parecia, a nenhum dos homens que havia no estabelecimento. Um cavalheiro tão bem vestido como ele tinha de chamar a atenção do «saloon».
Alguns dos clientes mais habituais começaram a olhá-lo. Parte desses clientes vestia pobremente, mas eram gente rica. Alguns viviam do contrabando com o México, outros vendiam armas e álcool aos índios da fronteira...
Não poucos possuíam terras e gado que davam bons rendimentos e — o mais importante — a maior parte deles não sabia o que era trabalhar. Por isso, a dois desses homens tentou-os a possibilidade de uma partida com aquele desconhecido.
Deming era uma povoação ainda não explorada pelos jogadores e ninguém desconfiou. Percy começou por dizer que não queria jogar.
— Agradeço-lhes, cavalheiros, mas estou apenas de passagem na cidade. Instalei-me no hotel até receber a visita de um negociante de gado que tem de fechar um negócio comigo. Só faço paciências para me distrair. Na realidade, desconfio das cartas; não me dão sorte.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

ARZ140.08 O coiote que uivava com precisão de relógio

Deviam ser três horas da madrugada e a noite estava muito escura quando aquele coiote se pôs a uivar nas montanhas.
Roland, que estava no leito contíguo ao da esposa, no grande quarto com duas camas, levantou a cabeça ao ouvir aquele prolongado e agoirento uivo. Este repetiu-se. Pelos vistos, o coiote procurava a fêmea.
Em silêncio, levantou-se, procurando não acordar a esposa, embora soubesse que não eram necessárias muitas precauções, porque lhe pusera umas gotas de narcótico no copo de vinho do Porto que em geral tomavam ambos depois do jantar.
Vestiu-se com rapidez, para sair de casa, e calçou botas de montar, mas sem esporas. Depois, afivelou um cinturão-cartucheira com um revólver e saiu pela janela, silenciosamente. Os criados dormiam nas traseiras da casa, de modo que nenhum deles, logicamente, deveria dar pela sua saída.
Aproximou-se da cavalariça, mas no último momento pareceu pensar melhor e caminhou velozmente, procurando pisar a erva fresca, até se afastar do rancho umas quinhentas jardas. Então, abandonou todas as precauções e estugou o passo, embora fizesse barulho ao pisar as pedras.
Não foi em direção a Deming, a pequena povoação vizinha, mas sim em direção às montanhas que ficavam a leste, onde o coiote continuava a uivar regularmente, com uma exasperante monotonia, de três em três minutos. Por fim, entre uns penhascos, encontrou o tipo que imitava tão bem o uivo do animal.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

ARZ140.07 Jogar com dinheiro falso

Naquele momento, enquanto Larsen refletia febrilmente, um grupo formado por cinco cavaleiros observava a cidade do alto de uma das colinas que a rodeavam.
Os cinco cavaleiros eram um tanto especiais, porque havia dois que estavam elegantemente vestidos, enquanto os outros três tinham aspeto de pistoleiros da fronteira.
Os dois elegantes envergavam sobrecasacas cinzentas, calças pretas e coletes bordados. Bastava vê-los para se descobrir que eram jogadores profissionais, embora o mais novo deles tivesse cara de inocente. Os seus olhos grandes e límpidos deviam ter infundido falsa confiança a mais de um criador de gado, que depois lamentaria a perda das economias de toda a sua vida.
Quanto aos tipos que os seguiam, deviam estar contratados para os proteger. Nem tudo eram rosas na profissão de jogador e convinha tomar precauções.
Às vezes, um homem esperava ganhar uma montanha de ouro e ganhava um pedacinho de chumbo. O jogador de mais idade perguntou:
— Vês isso, Len?
— Sim... é, com certeza, a povoação de Deming. Uma terra excelente e civilizada onde nem sequer há xerife. Persistes na ideia de nos estabelecermos aqui, Percy?
Percy, o jogador mais velho, refletiu uns instantes.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

ARZ140.06 Honradez de cão

Ingrid fitou o homem que estava no limiar. A sua palidez era extrema. Queria manter-se calma, mas os lábios tremiam-lhe espasmodicamente.
— Não devias ter aparecido — murmurou.
— Ouvi tudo, da cama, e já não podia aguentar mais.
— Mas comprometeste-me... Não sabia que estavas aqui, Ingrid. Não sabia, também, que aquela voz era a do teu marido. Eu só percebi que na casa onde me tinham ajudado estavam em apuros, e julguei meu dever aparecer e... — De súbito, calou-se. — Lamento, Ingrid. Agora compreendo que fui um estúpido. Partirei imediatamente.
— Não podes. Tens febre...
— E tu tens um marido. Isso é muito mais importante.
— Sabes que... Sabes que Roland te odeia. Nunca te perdoará saber que te deve pouco menos do que a vida.
— Não me voltará a ver. Já te disse que me vou embora imediatamente.
Ia dirigir-se para o quarto onde estavam a sua camisa e as suas coisas, mas nesse momento dobraram-se-lhe os joelhos, devida à sua fraqueza. Conseguiu refazer-se sem demora, mas Ingrid notou-lhe o desfalecimento.
— Não podes ir-te embora assim. Seria uma loucura.
— Pelo contrário, a loucura seria ficar aqui.
-- Porquê?
Ele virou-se devagar. Os seus olhos percorreram lentamente a figura da mulher, pareceram criá-la de novo, como se Ingrid surgisse do fundo das suas recordações, talvez do nada. Nos olhos do homem brilhou a chispazinha de uma mágoa distante, mas que ia crescendo pouco a pouco.

domingo, 20 de outubro de 2019

ARZ140.05 Salvo pelo rival

O cavalo deteve-se diante da porta da casa. Era um cavalo alugado, nem muito novo nem muito bom, que ao chegar ao seu destino estava à beira do esgotamento.
Ingrid saiu ao ouvir o barulho dos cascos do animal. Encontrou-se diante de um homem novo, bem vestido, que tinha aspeto de banqueiro ou de empregado de alta categoria. Aquele homem era, nem mais nem menos, que Roland, seu marido.
Ingrid viu-o tão alterado que se aproximou impulsivamente dele.
— Que tens, Roland? Não devias ter regressado ontem à noite?
A mulher estava vestida normalmente, pois haviam passado já vinte e quatro horas desde que Larsen ali chegara ferido e ela viera ao alpendre apenas em camisa de dormir. Naquele momento, e apesar das roupas severas que a cobriam, a sua beleza era serena, perturbadora, inquietante. O homem beijou-a nos lábios, mas dando a sensação de que pensava noutro coisa.
— Não devias ter regressado ontem à noite? — repetiu Ingrid.
— Sim, mas aconteceu uma coisa terrível. Passei vinte e quatro horas a prestar declarações ao xerife, metido em diligências, em sarilhos...
— Que aconteceu?
— Roubaram-me todo o ouro que transportava do México. No total, o valor andava por duzentos mil dólares.

sábado, 19 de outubro de 2019

ARZ140.04 Assalto à diligência

A diligência atravessara a fronteira sem novidade e agora os seis cavalos que a puxavam galopavam ritmicamente em direção norte.
O maioral e o seu ajudante observavam o horizonte de modo maquinal, aborrecidamente, pois aquele trecho da estrada era o que menos perigos oferecia, apesar de estar muito perto da fronteira. Cinco milhas adiante encontrava-se a casa de posta, onde poderiam mudar de cavalos e beber um copo de uísque. Um pouco mais à frente dormiriam e na manhã seguinte voltariam a encontrar-se num trecho perigoso do caminho. Mas agora não tinham motivos para se preocupar. O ajudante até cabeceava, com a carabina atravessada nos joelhos.
— Eh, não adormeças!... — resmungou o maioral. —A companhia paga-te para que estejas com os olhos bem abertos...
O ajudante pouco se animou.
— Mas se aqui não há nada... Nem um desfiladeiro, nem uma árvore onde se possa esconder um assaltante... Demónio, para isso era preciso dares-me uma cotovelada? Não vês que neste sítio nunca nos acontecerá nada?
— Bom, pois então continua a dormir...
—É o que penso fazer, cabeça de mula!

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

ARZ140.03 Encontro com a pessoa mais odiada no Mundo

Era uma casa branca, limpa e bem construída. Tinha um só piso, mas não lhe faltava nada para ser cómoda. Nalguns aspetos, como nas flores e nas cortinas que adornavam as janelas, notavam-se os cuidados de mão feminina.
Quando o cavalo se deteve, Larsen, que conservara inconscientemente um difícil equilíbrio, escorregou e caiu por terra. Apesar da pancada, não recuperou os sentidos.
O ruído que produziu, junto a um relincho do cavalo, fez que se acendessem uma luz dentro da casa.
A porta desta abriu-se e a figura de uma mulher que segurava um candeeiro de petróleo recortou-se no limiar.
Era uma mulher nova e vestia uma comprida e quase transparente camisa de dormir.
Ao princípio só viu o cavalo, mas ao acercar-se dele distinguiu o vulto caído por terra e uma exclamação de espanto brotou-lhe dos lábios.
Notou sem demora que aquele homem estava ferido, embora não lhe pudesse ver o rosto. Levantou o candeeiro e chamou:
— Gretchen!
Uma mulher de meia idade apareceu no limiar poucos segundos mais tarde. Era loura e devia ter sido bonita na sua juventude, mas agora estava prejudicada pela sua excessiva corpulência. Ao ver o vulto caído aos pés da outra mulher, arqueou uma sobrancelha.
— Que é isso?
— Não sei; parece um homem ferido.
— Algum pistoleiro...
— Talvez, mas, em todo o caso, devemos ajudá-lo.
— Que dirá o seu marido quando regressar e souber que deu alojamento a outro homem?
—E apenas um ferido; além disso, não discutas as minhas ordens, Gretchen. Ajuda-me a levá-lo para dentro.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

ARZ140.02 Um cavalo com o freio nos dentes

O xerife Rocket perscrutou as sombras e disse suavemente, enquanto as suas mãos acariciavam a carabina:
— Não tem por onde fugir.
Os seus quatro homens olhavam também para cima, onde o pequeno saliente rochoso se distinguia tenuemente entre a massa de sombras da montanha. As suas carabinas estavam prontas e não tinham abandonado a vigilância nem um só minuto, desde que o assédio começara.
— Existe um perigo — sussurrou um dos agentes. —Creio que é um tipo hábil e poderá escapar-nos depois de cair a noite.
— Não. Precisamente hoje muda a lua. Esta noite teremos quase tanta luz como durante o dia e ser-lhe-á impossível mexer-se sem que nós o notemos. A única coisa que é preciso é que não descurem a vigilância.
Observou o céu, recamado de estrelas, e acrescentou:
— Não há nem uma nuvenzinha. Estou certo de que a lua não se esconderá durante toda a noite e, portanto, não o deixaremos respirar. Vamos, ocupem os seus postos!
Dispusera os turnos de guarda com muita inteligência, de modo que houvesse sempre três homens de vigilância e um a dormir, tanto de dia como de noite. Desta maneira assegurava aos seus agentes um descanso razoável e deixava rebentado Larsen, pois este, com medo de que os seus inimigos trepassem pela montanha, com certeza não se atreveria a pregar olho.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

ARZ140.01 Um homem cercado

A carabina crepitou três vezes.
O homem que estivera a observar o horizonte com o binóculo, percorrendo rocha por rocha aquela paisagem pétrea, estremeceu três veze na sela.
A primeira bala só o feriu, mas as outras duas foram mortais. Soltou um grito agudo e escorregou na sela, da qual ficou pendurado, com o rosto mergulhado no pó. O cavalo, apesar de ter sentido as balas quase morderem-lhe a carne, não se mexeu.
Os cinco cavaleiros que estavam atrás do homem abatido, separados deste por umas oitentas jardas, também ficaram como petrificados, no primeiro instante. Depois um deles, que trazia uma estrela no peito, gritou:
— Aí o temos! Avante, rapazes! Já não pode fugir!
Apontava um pequeno promontório entre os rochedos, onde ainda pairavam três diminutas nuvenzinhas brancas. A paisagem que se lhe estendia diante dos olhos era seca, terrivelmente árida e poderia confundir-se com uma paisagem lunar. Estava cheia de pequenas crateras e de promontórios rochosos, aos quais a erosão de milhares de anos dera formas caprichosas. Aquelas rochas, as crateras, os desníveis e os pequenos desfiladeiros que se abriam aqui e ali, convertiam a paisagem num labirinto que, à luz ofuscante do sol, adquiria características de autêntico pesadelo. Mas agora não seria necessário procurar mais, porque haviam localizado o inimigo.
Aquelas três nuvenzinhas brancas eram tudo o que necessitavam para saber o seu paradeiro.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

ARZ140.00 Reencontro na «Última Fronteira»

Retomamos «A última fronteira» porque as passagens deixadas não lhe faziam justiça. O papel daquele cavalo que voltava sempre a casa e assim esclareceu a Larsen o mistério da quadrilha de Roland não estava suficientemente claro. A novela quase podia chamar-se «O cavalo delator». Pena que o senhor Kane, no final, o tenha feito abater pelo bandido, era um destino que não merecia.
Devido a isso, nos próximos dias, vamos publicar este livro por inteiro

sábado, 5 de outubro de 2019

KNS004. Epílogo

A alegria voltava cada vez que o riso juvenil de Carol, refrescava o ambiente. Era como que uma campainha de paz e felicidade. Shelby só sabia fazer uma coisa: beijá-la. Ela enchia-se de contentamento, cada vez que os lábios do seu marido, se apoiavam nos seus, numa suave carícia.
Em tais ocasiões, Medina só tinha uma coisa a fazer: para disfarçar, manifestava súbita atenção por qualquer detalhe insignificante do lugar onde se encontrassem...
Carol recuperava as forças, de dia para dia. O seu sangue juvenil, tingia de novo as faces pálidas e os seus olhos brilhavam de amor. Tinham-se casado, antes que ela estivesse completamente curada. Não havia tempo a perder!...
Abilene tinha depressa esquecido os sangrentos sucessos que a tinham feito estremecer, ao tomar conhecimento deles na manhã seguinte. A Associação tinha-se voltado a constituir sob a presidência de King, lugar ocupado por direito próprio. Os outros membros que não tinham morrido, como Spencer e Kirby, foram repelidos, quando se preparavam para reocupar os seus cargos. A decisão de King foi perentória:
— Não queremos cobardes.
Sentia-se feliz. Uma esposa enamorada e um amigo fiel, fazem a felicidade de qualquer homem de bem. Mas ainda havia mais. Tinha-o dito um dia, a Medina:
— Descanso agora tranquilo, porque o meu pai está vingado. Walcott, tinha-o assassinado, no princípio do seu plano ambicioso, plano de se assenhorear da comarca. Entre os documentos que encontrámos em sua casa, figuram uns, relativos a esse crime. E Shelby ria cada vez que Carol ria e beijava-a como se o riso alegre dela fosse uma chamada. E Carol ria cada vez mais. Pura coincidência, não é verdade?...



FIM 

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

KNS004.10 O traidor desmascarado

— Ainda me parece um milagre, Medina. Não sei como te agradecer.
— Tive muito prazer em o ajudar, patrão. O senhor é a nossa única esperança. Falavam num tom desanimado.
— Aconteceu alguma coisa?
— Houve, sim! Fomos traídos.
— A manada?
— Todos, todos nós fomos traídos. O traidor era Donovan.
Shelby crispou as mãos nas rédeas do cavalo.
— Que dizes?
— Pode crê-lo. O capataz estava combinado com os nossos inimigos. Quando o patrão saiu, dando-nos ordem de ficar ali, ele saiu também... para voltar pouco depois com vários tipos armados, entre os quais os californianos, que tinham vindo com Carol. Apanharam-nos de surpresa. Brady, Vernon e Mart quiseram resistir e...
O rosto de Shelby deixava transparecer a sua fúria.
— Onde está Carol?
— Levaram-na juntamente com o gado. Eu consegui escapar porque estava noutra ponta e me apercebi do que acontecia. Queria avisá-lo. Talvez devesse ter ajudado os outros, mas pensei... — passou a mão pelo rosto. — Bom, queria que acreditasse que não foi o medo que me obrigou a fugir.
— Sei-o muito bem. Acabas de te portar como um valente. Para onde os levaram?
— Para o Este. A manada inteira, incluindo as reses doentes.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

KNS004.09 Fuga ao linchamento

Circundava a cidade para se dirigir para os pastos do Sul, quando lhe saíram ao caminho, o xerife e dois dos seus ajudantes.
— Não cometa nenhuma loucura, forasteiro. Se pensa resistir, lembre-se que seis revólveres valem mais do que dois.
Shelby parou, compreendendo que as novas autoridades de Abilene, tinham todos os trunfos na mão. Com astúcia e falta de escrúpulos, tinham-se pouco a pouco assenhoreado de tudo, sem que a população desse conta. Era uma guerra de ambições, que só poderia terminar, com o extermínio de um dos bandos. Fosse qual fosse o resultado, Abilene continuaria na mesma; continuaria a haver comércio de gado e com a afluência de manadas, a povoação continuaria a ser, um dos lugares mais turbulentos do Sudoeste. Só as pessoas inteligentes compreenderiam que aquela cidade estava a edificar-se sobre sangue. Levantou os braços.
— De que sou acusado?
— De homicídio. Matou dois homens na parte norte da cidade. Lamento, mas está preso. Será julgado.
Era fácil adivinhar que nunca chegaria ao juiz e que devia estar preparado um linchamento, para acabar com ele.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

KNS004.08 Salvo por uma arma de mulher

Trouxeram-no para fora da cidade. Os dois assassinos atrás, quase sorridentes, como se fossem três amigos, amantes de passeios vespertinos. Shelby, esperava que, de um momento para o outro, os «pistoleiros» lhe dessem um tiro pelas costas. Tinham-no desarmado e sentiam-se seguros. Procurou ganhar tempo:
— O xerife é vosso aliado, não é?
— Não tenhas ilusões; ele não investigará as causas do teu falecimento.
Continuou:
— Quanto é que Walcott vos paga?
— Estás a fazer perguntas de mais. Cala o bico e não tentes surpreender-nos. Pouco te serviria. Estás desarmado.
— Eu pagar-lhes-ia melhor. Trago dinheiro fresco e tenho mais.
— Pretendes comprar a tua vida?
— E porque não? Tenho de o tentar agora, não é depois de morto...
— Tens razão. Mas não encontras comprador.
— Eu dar-lhes-ia...
— Não te incomodes! Somos honestos, sabias? O combinado é o combinado. Recebemos para efetuar a tarefa... e fá-la-emos. Temos uma ética profissional. Os compromissos respeitam-se.
— Não sabia que os desavergonhados fossem tão «honrados» ...

terça-feira, 1 de outubro de 2019

KNS004.07 Uma Leona traiçoeira e mortífera

Gastaram vários dias a agrupar a manada dispersa. Ao contá-las verificaram que, entre as que tinham morrido e as que desapareceram, faltavam cerca de cem. Não era mau, atendendo que da terrível refrega, ninguém tinha ficado ferido com gravidade.
A caravana pôs-se de novo em marcha. King recompôs-se em dois dias e quando retomaram o caminho para Abilene, ele ocupava o seu habitual posto de comando, mais alegre e cantarolando até...
Os «cowboys» notaram-no e atrás dele, acotovelavam-se uns aos outros. Eles sabiam os motivos daquela transformação... Os lábios de Carol tinham feito o milagre, afastando as nuvens que tinham toldado os dias anteriores ao ataque dos bandidos.
A manada prosseguia incansável o caminho para o Norte. Dias e dias. Semanas. Dois meses. Sempre para o Norte rumo a Abilene. Free Town estava já esquecida. E tudo corria normalmente. Com uma calma, que às vezes inquietava Shelby. Até os ex-companheiros de Carol tinham desaparecido, pois desde o assalto dos bandidos, não mais se tinham visto. Parecia que nada de especial ocorreria até ao fim da viagem. Mas a tempestade ameaçava e uma manhã estalou.