quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

PAS718. Um aviso ao xerife

Quando Joe English chegou a Lighty, Nevada, exibindo no peito uma estrela de xerife, ninguém o tomou a sério. Joe era um rapaz muito novo, parecia muito tímido e a cidade, pequena mas sempre cheirando a pólvora, já vira cavar uma porção de sepulturas para receber os corpos inanimados de vários servidores da lei que tinham sido fortes, audazes e experientes. Que diabo ia ali fazer aquele rapazito imberbe? Essa primeira pergunta refletia-se em todos os espíritos. Joe tinha apenas vinte e três anos, cabelos loiros e olhos cinzentos com uma expressão tão ingénua que davam a ideia de que ele havia saído pouco tempo antes do colégio. Não teria ainda sido suficiente o número de vítimas? Seria possível que os seus superiores tivessem apenas serradura na cabeça?
Joe pareceu não reparar na impressão que causava. Ocupou as instalações destinadas aos xerifes, visitou as pessoas que, pelo seu prestígio, significavam alguma coisa na cidade — e que o receberam com um ar protetor e vagamente compadecido — e começou a exercer as suas funções.
Tinha decorrido menos de um ano depois do fim da guerra que opusera o Norte contra o Sul. A tragédia, longa e sangrenta, começava a esquecer pouco a co. Os aventureiros proliferavam em todos os Estados da União. Homens enriquecidos à custa do sangue dos seus compatriotas continuavam a troçar da Lei; pistoleiros atrevidos impunham, com as suas armas, as suas próprias leis. Lighty, como tantas outras cidades, tinha chegado ao ponto de se familiarizar com o detonar dos «Colts», e o menos destro, ou menos ousado, por qualquer questão sem importância era abatido para nunca mais se erguer. Aqueles que, pela sua situação privilegiada, teriam podido deter aquele alastrar de crimes que tomava cada vez maiores proporções, estavam por seu lado mergulhados na maré turva da corrupção, em cujas profundidades todos pretendiam ser pescadores de lucros. Se por acaso e exceção se erguia uma voz justiceira, se um coração honesto se indignava, breve esse coração deixava de palpitar e a indignação era afogada pelo troar das armas.
Por isso a chegada de Joe English á cidade tinha provocado o riso, um riso trágico, embora. A alguns poderia perdoar-se-lhes que não chorassem de raiva ou de deceção — porque não seriam capazes disso, estavam demasiadamente empedernidos; a vida perigosa tinha há muito calejado a sua sensibilidade.
Joe sorria sempre, e isso fazia com que ele aparecesse ainda mais infantil. Mostrava os dentes, irregulares mas muito brancos, e parecia não compreender a realidade. Era nesses momentos que nascia a compaixão em algumas almas generosas. «Tão novo... e já podemos considerá-lo morto...», era o que diziam.
Joe usava dois revólveres pendentes de um largo cinturão que lhe cingia a cintura delgada. Dava voltas e mais voltas pela cidade, sempre risonhos, visitava a todas as horas os numerosos «saloons» e tabernas, ninhos de desordens.
Havia já duas semanas que ele tinha chegado a Lighty, e nada ocorrera de anormal, ainda. «Menos mal... — diziam alguns — ... viverá enquanto o deixarem». A única coisa que Joe tinha conseguido, até então, era tornar-se enormemente simpático.
Todos — ou quase todos — os habitantes da cidade estavam encantados com ele, especialmente Parkings Hawks, um caçador que, quando tinha dinheiro, não descansava até gastar o seu último cêntimo, esquecido da sua espingarda e do seu ofício.
— Quem te enganou, rapaz?... — perguntou Hawks ao novo xerife, na primeira vez que o encontrou a seu lado, apoiados ambos ao balcão de um «saloon».
Joe olhou para o velho e respondeu, divertido:
— A minha avó passou a vida a dar-me bons conselhos.
— Ah! Ah!... — riu Hawks. — Tens o atrevimento da inocência. E és divertido. Desde este momento ficas a fazer parte dos bons amigos de Parkings Hawks.
— Obrigado.
— Podes agradecer, rapaz. Não conheces o terreno que pisas, e vais escorregar. Um amigo como o velho Hawks, nestas condições, é um tesouro. Pagas-lhe um copo e ele converte-se num irmão, pagas-lhe uma garrafa inteira e ele passa a ser como uma mãe...
-- Podes beber a garrafa, Hawks. Uma mãe com barbas foi sempre a aspiração da minha vida.
— Rapaz, falas melhor do que um candidato em véspera de eleições.
—És sempre assim adulador, antes de beber? Deus me livre dos teus elogios, quando chegares ao fundo da garrafa!
— Não te esqueças de que o papel de mãe começa no momento dá oferta... — volveu Hawks, com uma sonora gargalhada. — E agora... — o criado, a um sinal de Joe, pusera a garrafa em cima do balcão — ... vou beber à tua saúde.
— Obrigado... — Joe tocou com o copo no do novo amigo, e bebeu. — À tua saúde! E agora dá-me licença para ir andando. Já visitei todos os recantos e já vi todas as caras.
— Está bem, amigo. Se queres cozinhar o frango e comê-lo, isso é lá contigo. Mas não te esqueças de que o velho Hawks te avisou.
O rapaz sorriu. Depois, despediu-se, com um aceno da mão, e saiu.
Entrou ainda noutro «saloon»; e noutro. Depois encaminhou-se para casa.
— Joe... — disse ele consigo mesmo, depois de se ter estendido confortavelmente em cima da cama. —Está-me a parecer que exageram muito. A não ser que os lobos, se tenham disfarçado de cordeiros...

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