sábado, 15 de outubro de 2016

KNS074. CAP IV. A arte de domar uma égua selvagem

Já antes de chegar ao rancho, escoltando os dois carros, Roy reparou que reinava ali grande animação. Ao parar diante da casa viu um grande número de vaqueiros ociosos. Sem se ocupar deles, desmontou de um salto e encaminhou-se para o carro, a fim de ajudar Arabella a descer. Com grande surpresa sua, viu que ela o esperara e aceitava a sua mão.
— Obrigada... — disse ela, com um deslumbrante sorriso e olhando-o de tal modo que ele sentiu o coração começar a bater de maneira diferente.
Ficou tão aturdido que teve um sobressalto ao ouvir a voz de Marvin, que se aproximara para receber os recém-chegados.
— Olá, Eli! Como está, Ally? Estávamos à vossa espera. Entrem.
Donovan apressou-se a apanhar os embrulhos que estavam dentro do carro, e com eles entrou no amplo e fresco vestíbulo da casa, ouvindo vozes provenientes de um dos compartimentos cujas portas se abriam para ali.
— Estão cá os Enders... — estava Marvin a dizer.— Organizámos uma pequena festa, para vermos como Roy levanta a poeira no curral.
— Roy domará a égua. Vais ver... — disse Arabella, em voz firme e clara.
Marvin voltou-se para o vaqueiro, que parara sem saber o que fazer com os embrulhos.
— Você ouviu, rapaz... — disse o ganadeiro, divertido.— Terá que se aguentar na sela, seja como for, para honrar esta confiança... um tanto recente.
Donovan soltou uma gargalhada, sentindo-se sereno e confiante.
— Hei-de aguentar-me... — declarou. — Não posso deixar mal a menina.
O ganadeiro riu também.
— Pouco tardará que se veja isso. Largue esses embrulhos onde puder, e venha para que eu o apresente aos nossos amigos.
Roy aproximou-se de uma pequena mesa, deixando sobre ela o que levava, e encaminhou-se depois para onde o ganadeiro o esperava, junto a uma porta por onde tinham passado os outros e de onde vinham vozes alegres de mulheres e vozes mais graves, de homens.
— Aqui está o herói... — anunciou Marvin, levando Roy na sua frente.
Um tanto perturbado, apesar de não ser tímido, nem nada que se parecesse com isso, Roy fitou as caras que se voltavam para ele, vendo algumas que lhe eram completamente desconhecidas.
Havia um homem corpulento, já de idade madura, de expressão franca e simpática, cujo aspeto revelava o ganadeiro e que devia ser o chefe da família Enders, a que Marvin já se referira; duas senhoras não muito jovens, a mais nova e bonita das quais devia ser a mãe de Arabella, porque a semelhança era flagrante; uma rapariga morena e muito bonita e dois rapazes altos e magros, também morenos e bem-parecidos.
— Bem, rapaz. Tinha bastante curiosidade por travar conhecimento consigo... — disse o homem com aspeto de ganadeiro. — Ao que ouvi, você propõe-se fazer grandes proezas.
Notando a expectativa de todos, Roy recorreu à sua alegre maneira de se mostrar fanfarrão, para sair da dificuldade.
— Sou texano, senhor... — respondeu, sorrindo. — E já se sabe que, onde estiver um texano, tem de fazer mais e melhor do que qualquer outro.
O homem riu alegremente.
— Acredito-o... — disse ele, bem disposto. — Pelo menos não há quem se atreva a ser mais simpaticamente gabarola do que um texano. Posso apostar em como a égua o deita ao chão, meu rapaz?
— O senhor é hóspede do meu patrão, e não gostaria de ganhar o seu dinheiro.
Enders voltou-se a rir.
— Que atencioso! Pois aqui somos todos multo simples, Donovan, e não é preciso andar com tantas considerações. Ou isso será um modo de disfarçar o medo?
Roy encolheu os ombros.
— Ando mal de fundos nesta altura...— disse —mas tenho uma Padget trabalhada à mão e com adornos de prata, que me custou trezentos e cinquenta dólares. Quer vê-la?
— Decerto! Já me falaram nela, e gostaria de a ver.
— Pois está ali fora, no portal.
O rancheiro saiu, seguido por todos os outros, e Roy foi atrás deles.
Um dos jovens desconhecidos estava junto de Arabella e falava-lhe animadamente. O texano olhou-o com ressentimento.
Era um rapaz bem constituído e de aspeto simpático. Parecia muito entusiasmado com a jovem, e ela não lhe fazia mau acolhimento.
«O inferno, Roy! Que esperavas?...», disse o vaqueiro consigo mesmo. «A guerra acabou com tudo quanto tinhas, família e bens, e agora não passas de um vaqueiro que não tem onde cair morto. Farás bem em não te esquecer disso, e em não olhar muito para cima. Porque raio não te vais embora daqui, enquanto é tempo?».
Mas chegou ao portal e viu como os homens rodeavam o seu cavalo, admirando a sela e o animal.
— Caramba, rapaz! Onde conseguiu tudo isto?
— Domando cavalos bravos... — respondeu o jovem, sorrindo, embora a resposta fosse em grande parte verdadeira.
A sua afirmação, embora feita em tom de gracejo causou certa impressão.
— Não tenho muita certeza de que isso seja verdade... — resmungou Enders. ---- E pelo sim e pelo não prefiro não apostar consigo. De qualquer modo estou disposto a comprar-lhe o cavalo e os arreios. Qual é o seu preço?
 -- Nenhum. Não tenho nada à venda.
— Setecentos dólares por tudo. Creio que é uma boa oferta.
— Não é má, realmente, embora já mas tenham feito melhores. Mas é inútil insistir.
— Você estava disposta a apostá-los...
— A sela, unicamente. Sobre «Dark» não aceito apostas nem o vendo, embora me ofereça por ele toda a sua fortuna.
— Grandes palavras, essas.
— Que exprimem um facto bem simples. O cavalo é meu e não quero desfazer-me dele.
O cavalo parecia inquieto ante a curiosidade de que era alvo. Relinchou, sacudindo a cabeça, e olhou para o dono, como a pedir-lhe auxílio.
Roy aproximou-se dele, afagando-lhe o pescoço.
— Se mo permitem, vou tirar-lhe a sela... — disse. Usá-la-ei para montar a égua. Estou habituado a ela, e além disso terei a certeza de que não vai rasgar-se a cilha, ou partir-se um estribo.
Como ninguém fizesse objeções, Roy afastou-se em direção às cavalariças, levando «Dark» pela rédea.
Ao lado de Dave Enclers, o mais velho dos filhos do ganadeiro vizinho e amigo — embora sem pensar sequer na companhia dele— Arabella seguiu com os olhos o novo vaqueiro.
Tinha-o acusado de fanfarrão, e de facto ele alardeava alegremente as suas habilidades, mas não dissera uma palavra a respeito da sua luta contra os dois pistoleiros de Herbert Coe. Falaria nisso, quando estivesse com os seus companheiros? Sem motivo algum que justificasse a sua certeza, Arabella sabia que ele não faria qualquer comentário sobra o que, se tinha passado. E ela? Devia calar-se também? Dizê-lo seria provocar perguntas e tornar necessárias explicações, e se o pai chegasse a saber das afirmações de Coe; de que a faria sua custasse o que custasse, não era possível prever as consequências. Por outro lado a notícia, daquela luta circularia prontamente...
— Arbell!
A jovem olhou, sobressaltada, para o rapaz que se inclinava para ela.
— Iria jurar que não ouviste uma só palavra que eu te disse... — lamentou-se o jovem Enders.
Arabella não soube que dizer, porque realmente nem notara que ele estivesse a falar-lhe.
— Receio bem que assim seja, Dave... — sorriu ela, em desagravo. — Que dizias?
— Não tem importância... — murmurou ele, mal-humorado.
— Desculpa, estava distraída... — Mas não insistiu em averiguar o que ele tinha dito. Na verdade não tinha qualquer interesse em saber o que era.
— Tenho umas quantas garrafas de cerveja metidas no poço, Eli, e já devem estar bastante frescas... dizia naquele momento Daniel Marvin. — Há «whisky», também, e refrescos para as senhoras. Que lhes parece se nos sentarmos aqui mesmo, no portal? Está--se menos mal, e sem grande calor.
Entretanto os vaqueiros tinham dispensado um ruidoso acolhimento a Roy.
— Amigo, já te julgava em El Paso, pelo menos, de volta ao teu bem amado Texas... — bradou o formidável mocetão loiro que já de manhã gracejara com Roy e que este sabia agora chamar-se Jay Tyler.— Mas, ao que parece, preferiste evitar o incómodo da viagem, e antes queres que a égua te mande para lá, pelos ares.
Sem lhe prestar atenção, Roy desafivelou a cilha de «Dark» e, levantando a pesada sela, lançou-a para Jay, numa formidável demonstração de força.
— Segura aí, tamanhão... — disse — e guarda-a até eu voltar.
Mas o vaqueiro apanhou a «Padget» no ar e pô-la debaixo do braço, com surpreendente facilidade, rindo às gargalhadas.
— Está bem, rapaz. Não é preciso que te apresses... — replicou.
Roy riu-se também e levou «Dark» para a cavalariça, onde se ocupou em escová-lo, dando-lhe água e comida antes de voltar a reunir-se aos camaradas. Quando voltou viu que Jay, Frank e um par de outros rapazes estavam a selar a égua. Os outros tinham-se içado para a vedação, junto da qual havia uma galera sem toldo, certamente para que servisse de tribuna aos donos do rancho e aos seus convidados. Os mexicanos também tinham aproximado dois carros mais leves, e juntamente com as suas famílias contemplavam os preparativos, palrando excitadamente.
— Estás pronto, Roy? — perguntou o corpulento capataz, indo ao encontro dos vaqueiros.
— Já estenderam os colchões no chão?... — perguntou Roy por sua vez, alegremente.
Tap Roberts soltou uma gargalhada.
— Lembra-te de que és o tal tipo que nasceu em cima de um cavalo... — respondeu.
— O pior é que já estou crescidote e com ânsias de independência. Pode ser que a consiga hoje. Talvez o cavalo vá para um lado e eu para outro.
— Pois mais te vale guardares para outra ocasião as ideias separatistas. Agarra-te à sela e não a largues, se não queres quebrar os ossos. Vou avisar o patrão.
Enquanto o capataz se afastava em direção à casa, Donovan saltou para o lado de dentro do curral, aproximando-se dos companheiros que seguravam a égua. Esta, com os músculos tensos e palpitantes sob a pelagem que brilhava ao sol, tinha os olhos vendados, mas mesmo assim era difícil mantê-la quieta.
— Quando a montares vai explodir... disse Frank, com um sorriso. — Isto é como um cartucho de dinamite.
— Não te preocupes... — disse Tyler, animador. — Quando largar este veneno, vou buscar uma boa manta para apanhar os bocados do cavaleiro.
Ouviram os risos alegres das raparigas, e, olhando para a galera, Donovan viu-as subir, ajudadas pelos jovens Enders.
— Pronto, rapaz! — bradou pouco depois o vozeirão de Roberts.— Pode começar o baile.
— Adeus, companheiro... — disse Jay Tyler a rir. — Tenho pena de que estivesses tão pouco tempo connosco.
A sua voz alegre era um pouco arquejante, porque estava a segurar a cabeça da égua e os seus poderosos músculos distinguiam-se sob o tecido da camisa, no esforço de manter quieto o fogoso animal.
— Apostei por ti, Roy— disse Frank.— Aguenta firme!
Donovan montou, firmando-se bem nos estribos.
Frank olhou-o, e a um gesto dele...
— Larguem I... — gritou, puxando rapidamente a venda que tapava os olhos do animal.
Deslumbrada, aturdida, assustada, a égua manteve--se imóvel por um instante, erguida a bela cabeça, tensa e brilhante ao sol ainda alto, enquanto os quatro vaqueiros corriam a pôr-se a salvo.
Foi só um instante, mas permitiu que todos os espectadores pudessem observar o soberbo conjunto formado pelo animal e pelo cavaleiro.
Arabella, já muito interessada por aquele rapaz alegre e valente, que tão de súbito surgira na sua vida, sentiu-se impressionada pela espetaculosidade do momento.
Roy tinha magnífica figura, com as calças escuras metidas em finas botas texanas de onde se destacavam as brilhantes esporas de prata, cingida a cintura estreita pelo cinturão de onde só pendia a faca de caça, sobressaindo o tronco forte sob a camisa clara. Tinha o chapéu na mão esquerda, e os seus cabelos escuros, revoltos e ondulados, brilhavam em reflexos acobreados.
Mas a quieta plasticidade da figura equestre durou apenas um instante. Subitamente o belo animal selvagem ergueu-se no ar, num salto inverosímil, e com o dorso arqueado, as pernas hirtas, a cabeça baixa, começou a debater-se, saltando para a frente e para os lados, enquanto do chão se levantavam nuvens de poeira.
Violentamente sacudido por aqueles movimentos incontroláveis e inesperados, que pareciam querer desconjuntar-lhe as articulações, Roy, sem nada poder fazer para o evitar, viu como a sua montada se lançava sobre Tyler, o mais atrasado dos vaqueiros que corriam para a alta cerca do curral.
Estava quase em cima do rapagão, e parecia iminente o choque; ouviu mesmo os gritos assustados das mulheres, quando Jay saltou de lado, com uma agilidade incrível para a sua corpulência, e tirando o chapéu bateu com ele na cabeça da égua, bradando um alegre desafio.
Roy não viu como Jay se içava para a cerca, assobiado pelos ruidosos companheiros, porque já os saltos da endiabrada égua se sucediam em velocidade vertiginosa, e ele estava demasiadamente ocupado em manter-se sobre a sela.
Doíam-lhe os rins, o pescoço, o peito.., e parecia-lhe que estava completamente desconjuntado. Essa sensação tornou-se mais aguda quando o animal estacou subitamente, como que espantado de sentir ainda sobre o dorso o peso do cavaleiro.
Sobrepondo-se ao seu aturdimento, sabendo que devia aproveitar aquela curta trégua para assustar o animal e dominá-lo, Roy estendeu as pernas e roçou as esporas ao longo do corpo da égua, para a assustar sem a ferir, desde o poderoso peito até aos flancos arquejantes.
O animal soltou um relincho selvagem e encabritou-se, erguendo-se sobre as patas traseiras e lançando-se logo num salto inverosímil, para depois cair sobre as patas da frente, como se fosse mergulhar no terreno.
Roy tinha domado muitos cavalos selvagens, ganhara vários prémios em «rodeos» e havia sido derrubado muitas vezes, mas nunca daquela maneira.
Embora, no momento em que a égua tocou novamente no terreno, tivesse inclinado muito o corpo para trás, a violência do golpe e a inclinarão enorme da montada lançaram-no para diante, sem poder agarrar--se fosse ao que fosse ou fazer qualquer coisa para o evitar. Caiu sobre o pescoço suado do animal quando este se ergueu novamente, dando-lhe uma pancada violenta e projetando-o de costas.
Caiu em cheio no chão, braços e pernas abertos, na cambalhota mais aparatosa e ridícula que dera em toda a sua vida.
No primeiro instante, Donovan teve a ingressão de que o mundo desabara em cima dele, mas miando o universo deixou de girar como um pião, compreendeu que estava estendido no terreno, como um sapo amachucado. Endireitou-se penosamente, até ficar sentado, sentindo-se o homem mais maltratado do mundo.
Quando se dissipou completamente a névoa dos seus olhos, viu que a endiabrada égua se tinha afastado e o olhava com uma curiosidade desconfiada. Depois olhou para a vedação e viu um círculo de caras expectantes e alarmadas. Então, com plena consciência da figura que fazia, teve um ataque de riso tão violento que lhe vieram as lágrimas aos olhos e sentiu o corpo doer-lhe dos pés à cabeça.
— Bem, companheiro. Pregaste-nos um susto.
Viu diante dele, vagamente, o vulto esbelto de Frank Slate, e sem qualquer motivo riu ainda mais.
Um momento depois sentiu que o agarravam pelas axilas e o levantavam com pasmosa facilidade.
— Não tem nada partido, mas a pancada acabou por dar-lhe volta ao juízo... — ouviu ele comentar a voz de Jay, tão forte e próxima que ameaçava ensurdecê-lo.
— Pouco falta para pensares que a égua me fez cair... — exclamou, lutando para conter o riso.
— Ah, não !... — replicou Tyler, trocista, falando ainda mais alto para que todos pudessem ouvi-lo. Estiveste só a ensaiar uma nova maneira de desmontar.
— Com certeza! Tinha de deixar descansar o pobre animal.
A descomunal fanfarronada provocou uma explosão de riso entre os rapazes, que acabaram por assobiá-lo com força e longamente.
Roy apanhou o chapéu e cumprimentou com o maior descaramento, como se em lugar de assobios estivesse a receber aplausos.
Estava moído e sentia-se como se não tivesse um osso inteiro, mas manteve-se direito e risonho, como se nada se houvesse passado.
— Vamos, infelizes acólitos... -- disse ele, com ares de grandeza, aos dois vaqueiros que tinham acudido para o ajudar. — Apanhem-me esse pobre bicho, que vou acabar a lição do dia.
— Muito bem... — troçou Jay, sempre alegre.— Vá-mos lá a ver se és capaz de cair de cabeça e ficar teso como um pau. Desse modo teríamos uma curiosidade para mostrar aos visitantes, embora fosse bom arranjar um letreiro a dizer que se trata de um tipo morto e não de mais um cato nascido aqui.
Mas Roy não voltou a deixar-se desmontar, e por fim a égua, coberta de espuma, arquejante e assustada, deu-se por vencida e trotou em volta do curral, seguindo obedientemente as indicações do cavaleiro.
Ao desmontar, cambaleando e tendo a sensação de que as pernas se lhe tinham transformado em dois pedaços de cortiça, Roy sofreu a avalanche do entusiasmo dos companheiros e deu por si a cavalgar outra vez, agora aos ombros dos vaqueiros delirantes. Ao chegar à cerca atiraram-no para o outro lado, sobre os ombros de outro grupo que ali o esperava e o passeou em triunfo.
Quando, por fim, conseguiu libertar-se deles, correu para o rio e mergulhou na água. Depois foi meter-se na cama sem sequer se lembrar de que não tinha jantado. Já não podia mais.

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