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sábado, 22 de outubro de 2016
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
KNS074. Epílogo.
Roy estava só, acabando de atar à sela o seu saco de viagem. Tinha querido evitar as despedidas e por isso nada dissera aos seus amigos, que estavam então com o gado nas pastagens. Ia-se embora furtivamente, como se fugisse, e efetivamente era uma fuga.
Um leve rumor fê-lo voltar a cabeça, e viu Arabella.
— Vais-te embora.
Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
Roy acabou de prender a última correia e tirou o chapéu sem saber que fazer ou que dizer.
— Não julgava que fosses um cobarde, Royal Donovan.
Com súbita violência, ele atirou o chapéu para o chão e, aproximando-se da rapariga, segurou-a rudemente pelos ombros.
— Que queres tu, Arabella?... — perguntou, em voz rouca. — Sim, amo-te! Amo-te tanto que não posso ver--te feita tonta com Dave Enders ou com qualquer outro desses rapazes que te fazem a corte e com um dos quais acabarás por te casar. Por isso me vou embora. Mas antes...
Apertou-a contra o peito e beijou-a desesperadamente nos lábios, aqueles lábios que andavam a enlouquecê-lo desde que os tinha visto.
— Tu mesma o quiseste... — rouquejou, soltando-a.
Voltou-se, apanhou o chapéu e, tomando as rédeas de «Dark», encaminhou-se para a porta dos estábulos.
—Roy!
Não quis ouvir. Cerrou os dentes e continuou a caminhar.
Então ouviu os passos precipitados dela, e sentiu-se agarrado por um braço.
— Não te deixarei partir... — ouviu-a dizer.
Parou, rígido, sem olhar para ela..
— Não sou um caçador de dotes... — disse.
— Pateta!
Por fim fitou-a, bruscamente, corri a face crispada.
— Se praticares a loucura de casar comigo, procuraremos um lugar bom para construir uma cabana, e terás de trabalhar como uma negra, cuidando da casa, cozinhando, lavando, partindo lenha...
Arabella, rodeou-lhe o pescoço com os braços, erguendo-se nos bicos dos pés.
— Será maravilhoso!... — suspirou, acariciando-lhe os lábios com o seu hálito.
— Os primeiros anos hão-de ser muito duros... -- insistiu ele, embora a sua voz já fosse menos áspera.
— Amo-te!
— Mas...
— Amo-te!... — repetiu ela, beijando-o de leve.
— Escuta, Arabella. É uma loucura o que...
— Sim?
Arabella fez pressão com as mãos sobre a nuca dele, para obrigá-lo a baixar a cabeça, e então beijou-o apaixonadamente.
Roy esqueceu-se de todas as suas objeções e, enlaçando-a pela cintura estreita, abandonou-se àquele beijo, numa rendição total.
FIM
Um leve rumor fê-lo voltar a cabeça, e viu Arabella.
— Vais-te embora.
Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
Roy acabou de prender a última correia e tirou o chapéu sem saber que fazer ou que dizer.
— Não julgava que fosses um cobarde, Royal Donovan.
Com súbita violência, ele atirou o chapéu para o chão e, aproximando-se da rapariga, segurou-a rudemente pelos ombros.
— Que queres tu, Arabella?... — perguntou, em voz rouca. — Sim, amo-te! Amo-te tanto que não posso ver--te feita tonta com Dave Enders ou com qualquer outro desses rapazes que te fazem a corte e com um dos quais acabarás por te casar. Por isso me vou embora. Mas antes...
Apertou-a contra o peito e beijou-a desesperadamente nos lábios, aqueles lábios que andavam a enlouquecê-lo desde que os tinha visto.
— Tu mesma o quiseste... — rouquejou, soltando-a.
Voltou-se, apanhou o chapéu e, tomando as rédeas de «Dark», encaminhou-se para a porta dos estábulos.
—Roy!
Não quis ouvir. Cerrou os dentes e continuou a caminhar.
Então ouviu os passos precipitados dela, e sentiu-se agarrado por um braço.
— Não te deixarei partir... — ouviu-a dizer.
Parou, rígido, sem olhar para ela..
— Não sou um caçador de dotes... — disse.
— Pateta!
Por fim fitou-a, bruscamente, corri a face crispada.
— Se praticares a loucura de casar comigo, procuraremos um lugar bom para construir uma cabana, e terás de trabalhar como uma negra, cuidando da casa, cozinhando, lavando, partindo lenha...
Arabella, rodeou-lhe o pescoço com os braços, erguendo-se nos bicos dos pés.
— Será maravilhoso!... — suspirou, acariciando-lhe os lábios com o seu hálito.
— Os primeiros anos hão-de ser muito duros... -- insistiu ele, embora a sua voz já fosse menos áspera.
— Amo-te!
— Mas...
— Amo-te!... — repetiu ela, beijando-o de leve.
— Escuta, Arabella. É uma loucura o que...
— Sim?
Arabella fez pressão com as mãos sobre a nuca dele, para obrigá-lo a baixar a cabeça, e então beijou-o apaixonadamente.
Roy esqueceu-se de todas as suas objeções e, enlaçando-a pela cintura estreita, abandonou-se àquele beijo, numa rendição total.
FIM
KNS074. CAP IX. Duelo na madrugada
Donovan não dormia. Tinha-se deixado cair sobre uma cama, vestido, e estava a olhar para o tecto, muito quieto, quando ouviu a detonação.
Soergueu-se vivamente, até ficar sentado. Aquele tiro!
Tinha sido um só e não houvera nenhum mais, mas ele sentia-se agora inquieto. Tinha soado tão próximo! Possivelmente no «Fox Case». Talvez alguma luta de bêbedos.
Olhou para o relógio e viu que era cedo. Onze horas da noite, apenas.
A recordação de Herbert Coe fê-lo levantar-se resolutamente e sair do quarto.
No vestíbulo viu o porteiro e mais dois homens, falando excitadamente.
— Que foi isto?... — perguntou.
Três pares de olhos o fitaram, de um modo que aumentou a sua inquietação.
— Sabem?... — insistiu.
Os homens pareciam ter medo de lhe responder, e Roy saiu disposto a averiguar por si mesmo.
A zona mais iluminada da rua era a que ficava em frente do «Fox Case», sobre cuja porta havia uma grande lanterna de petróleo. E precisamente naquele momento um grupo de homens saia do estabelecimento, recuando e de armas em punho.
Roy avançou, perguntando a si mesmo o que poderia significar aquilo. Um assalto? Era absurdo.
Quase no mesmo instante soube que não era um assalto, porque no vulto alto e arrogante do homem que saía em último lugar, reconheceu Herbert Coe.
Alguns dos homens voltavam-se para os cavalos que dois outros seguravam, e de repente uma voz gritou:
— Aí está ele! Cuidado!
Roy saltou instintivamente para um lado, e isso, juntamente com o grito que o homem soltara antes de disparar, salvou-lhe a vida.
Estava junto do passeio que acabava de abandonar, e lançou-se para lá, num longo mergulho que o levou até junto das grossas colunas de madeira que sustinham os alpendres dos portais. Rolou sobre si mesmo até se abrigar atrás da coluna, enquanto um som atroador de detonações enchia a rua e o chumbo assobiava à sua volta.
A luz da lanterna mal chegava até ali. A obscuridade e a rapidez do seu movimento permitiram-lhe refugiar-se atrás da coluna sem ter sofrido um arranhão sequer. No entanto a sua situação era desesperada. Tinha na sua frente mais de uma dúzia de homens, e era impossível poder contê-los, a todos. Quando o atacassem de flanco estaria perdido.
— Malditos imbecis! Deixaram-no escapar! Fora! É preciso sair daqui!
Aquela voz era a de Herbert Coe, e Roy perguntou a si mesmo por que motivo gritava ele daquela maneira.
Tinha empunhado já os revólveres e, assomando rapidamente a cabeça fez fogo sobre um cavaleiro que ameaçava atacá-lo pela esquerda. O homem rolou pesadamente no chão, com um brado rouco.
Naquele momento os tiros e os brados intensificaram-se até tomarem o aspeto de uma verdadeira bata-lha. Ao que parecia Coe e a sua gente encontravam dificuldades.
Outro cavaleiro apareceu à vista de Roy, que o abateu com um tiro certeiro. Um súbito aumento da obscuridade fê-lo saber que a lanterna tinha sido quebrada a tiros.
Espreitou então, cautelosamente, vendo que não havia mais homens a cavalo. Os animais tinham sido abandonados e trocavam-se tiros entre a porta do «Fox Case» e a esquina mais próxima, onde, ao que parecia, se haviam refugiado Coe e os seus homens.
— Roy, estás bem?... — ouviu o vozeirão de Roberts.
— Perfeitamente.
— Já supunha que eras tu. Como diabo te meteste neste vespeiro?
— Sem saber como. Que aconteceu?
— É longo de explicar. Dir-to-ei quando acabarmos com esses malditos.
— Parece-me que não será agora. Eu diria que fugiram.
As detonações tinham cessado, e só alguns gritos cortavam o pesado silêncio que se seguira ao estrondo da batalha.
Roy esperou algum tempo e depois correu rapidamente até à coluna imediata, sem que ninguém tentasse impedi-lo. Outra corrida levou-o até à esquina por onde tinham desaparecido Coe e os seus homens. Embora não houvesse luz por ali, a noite não era escura, e pôde ver que a rua estava deserta.
— Foram-se embora!... — bradou. — Ninguém por aqui.
Imediatamente começou a sair gente do «saloon», e Roy reuniu-se a Tap junto de um dos cavaleiros que derrubara.
— Este ainda respira... — disse o capataz, endireitando-se. — Tem só uma bala num ombro, mas acho que partiu o pescoço ao cair.
— Aqui há um morto !... — exclamou um dos vaqueiros do «Shoe».
Frank, Tyler e alguns outros reuniram-se então ao grupo, ofegantes ainda da corrida em que se haviam lançado.
— Roy, rapaz !... — bradou o primeiro, ao reconhecê-lo. — Pensei que todo esse tiroteio era em tua honra.
— Bem, já vês que nada me aconteceu.
-- Que se passou aqui?
— Não mo perguntes a mim.
— Esse maldito assassino, o Coe, apareceu aqui com duas dezenas de homens, e começou a bazofiar a respeito do que faria com vocês os dois, quando conseguisse encontrá-los. Perguntei-lhe se trazia tanta gente para ter a certeza de que ninguém ia cortar-lhe a crista. Mas nessa altura interveio a Gabor e disse-lhe claramente que género de tipo ele é. Afianço-lhes que ela não o poupou. O cobarde atirou-a ao chão, com uma bofetada. Ela tinha uma pistolazita escondida não sei onde, e por momento pareceu que o cocote carnoso ia acabar ali, mas Beasley interveio, antecipando-se. Atirou a matar... A coisa pôs-se feia e teria acabado mal se eles não fossem tantos. Mas mesmo assim não estavam tranquilos e, de armas em punho, recuaram, prontos para fugir como cobardes que são. Tinham saído quando ouvimos gritos e começaram os tiros, e então os rapazes e eu entrámos no baile. Que raio houve aqui fora?
— Eu vinha para cá quando dei com eles... — respondeu Roy, secamente.
— Imaginava isso... — volveu o capataz.
Continuava a acudir gente, e apareceu Daniel Marvin. Arabella seguiu-o, mas parou, com os olhos muito abertos, ao ver Roy.
— Donovan!... — bradou, de súbito, uma voz.
Depois do brado, que dominou os excitados comentários, fez-se um silêncio tenso e ameaçador.
— Que há?... — perguntou Roy, em voz alta.
— Tu e Slate.
— Aqui estou!... — disse Frank.
— Beasley e Coe esperam-nos esta madrugada, em frente da taberna de Miller. É um desafio.
— Eles e quantos mais?... — zombou Frank.
— Sós. Homem por homem. Até os cães lhes chamarão cobardes, se vocês não forem.
— Os únicos cães são vocês, e tu já estás a ladrar.
— Todos ouviram. É um desafio.
Soergueu-se vivamente, até ficar sentado. Aquele tiro!
Tinha sido um só e não houvera nenhum mais, mas ele sentia-se agora inquieto. Tinha soado tão próximo! Possivelmente no «Fox Case». Talvez alguma luta de bêbedos.
Olhou para o relógio e viu que era cedo. Onze horas da noite, apenas.
A recordação de Herbert Coe fê-lo levantar-se resolutamente e sair do quarto.
No vestíbulo viu o porteiro e mais dois homens, falando excitadamente.
— Que foi isto?... — perguntou.
Três pares de olhos o fitaram, de um modo que aumentou a sua inquietação.
— Sabem?... — insistiu.
Os homens pareciam ter medo de lhe responder, e Roy saiu disposto a averiguar por si mesmo.
A zona mais iluminada da rua era a que ficava em frente do «Fox Case», sobre cuja porta havia uma grande lanterna de petróleo. E precisamente naquele momento um grupo de homens saia do estabelecimento, recuando e de armas em punho.
Roy avançou, perguntando a si mesmo o que poderia significar aquilo. Um assalto? Era absurdo.
Quase no mesmo instante soube que não era um assalto, porque no vulto alto e arrogante do homem que saía em último lugar, reconheceu Herbert Coe.
Alguns dos homens voltavam-se para os cavalos que dois outros seguravam, e de repente uma voz gritou:
— Aí está ele! Cuidado!
Roy saltou instintivamente para um lado, e isso, juntamente com o grito que o homem soltara antes de disparar, salvou-lhe a vida.
Estava junto do passeio que acabava de abandonar, e lançou-se para lá, num longo mergulho que o levou até junto das grossas colunas de madeira que sustinham os alpendres dos portais. Rolou sobre si mesmo até se abrigar atrás da coluna, enquanto um som atroador de detonações enchia a rua e o chumbo assobiava à sua volta.
A luz da lanterna mal chegava até ali. A obscuridade e a rapidez do seu movimento permitiram-lhe refugiar-se atrás da coluna sem ter sofrido um arranhão sequer. No entanto a sua situação era desesperada. Tinha na sua frente mais de uma dúzia de homens, e era impossível poder contê-los, a todos. Quando o atacassem de flanco estaria perdido.
— Malditos imbecis! Deixaram-no escapar! Fora! É preciso sair daqui!
Aquela voz era a de Herbert Coe, e Roy perguntou a si mesmo por que motivo gritava ele daquela maneira.
Tinha empunhado já os revólveres e, assomando rapidamente a cabeça fez fogo sobre um cavaleiro que ameaçava atacá-lo pela esquerda. O homem rolou pesadamente no chão, com um brado rouco.
Naquele momento os tiros e os brados intensificaram-se até tomarem o aspeto de uma verdadeira bata-lha. Ao que parecia Coe e a sua gente encontravam dificuldades.
Outro cavaleiro apareceu à vista de Roy, que o abateu com um tiro certeiro. Um súbito aumento da obscuridade fê-lo saber que a lanterna tinha sido quebrada a tiros.
Espreitou então, cautelosamente, vendo que não havia mais homens a cavalo. Os animais tinham sido abandonados e trocavam-se tiros entre a porta do «Fox Case» e a esquina mais próxima, onde, ao que parecia, se haviam refugiado Coe e os seus homens.
— Roy, estás bem?... — ouviu o vozeirão de Roberts.
— Perfeitamente.
— Já supunha que eras tu. Como diabo te meteste neste vespeiro?
— Sem saber como. Que aconteceu?
— É longo de explicar. Dir-to-ei quando acabarmos com esses malditos.
— Parece-me que não será agora. Eu diria que fugiram.
As detonações tinham cessado, e só alguns gritos cortavam o pesado silêncio que se seguira ao estrondo da batalha.
Roy esperou algum tempo e depois correu rapidamente até à coluna imediata, sem que ninguém tentasse impedi-lo. Outra corrida levou-o até à esquina por onde tinham desaparecido Coe e os seus homens. Embora não houvesse luz por ali, a noite não era escura, e pôde ver que a rua estava deserta.
— Foram-se embora!... — bradou. — Ninguém por aqui.
Imediatamente começou a sair gente do «saloon», e Roy reuniu-se a Tap junto de um dos cavaleiros que derrubara.
— Este ainda respira... — disse o capataz, endireitando-se. — Tem só uma bala num ombro, mas acho que partiu o pescoço ao cair.
— Aqui há um morto !... — exclamou um dos vaqueiros do «Shoe».
Frank, Tyler e alguns outros reuniram-se então ao grupo, ofegantes ainda da corrida em que se haviam lançado.
— Roy, rapaz !... — bradou o primeiro, ao reconhecê-lo. — Pensei que todo esse tiroteio era em tua honra.
— Bem, já vês que nada me aconteceu.
-- Que se passou aqui?
— Não mo perguntes a mim.
— Esse maldito assassino, o Coe, apareceu aqui com duas dezenas de homens, e começou a bazofiar a respeito do que faria com vocês os dois, quando conseguisse encontrá-los. Perguntei-lhe se trazia tanta gente para ter a certeza de que ninguém ia cortar-lhe a crista. Mas nessa altura interveio a Gabor e disse-lhe claramente que género de tipo ele é. Afianço-lhes que ela não o poupou. O cobarde atirou-a ao chão, com uma bofetada. Ela tinha uma pistolazita escondida não sei onde, e por momento pareceu que o cocote carnoso ia acabar ali, mas Beasley interveio, antecipando-se. Atirou a matar... A coisa pôs-se feia e teria acabado mal se eles não fossem tantos. Mas mesmo assim não estavam tranquilos e, de armas em punho, recuaram, prontos para fugir como cobardes que são. Tinham saído quando ouvimos gritos e começaram os tiros, e então os rapazes e eu entrámos no baile. Que raio houve aqui fora?
— Eu vinha para cá quando dei com eles... — respondeu Roy, secamente.
— Imaginava isso... — volveu o capataz.
Continuava a acudir gente, e apareceu Daniel Marvin. Arabella seguiu-o, mas parou, com os olhos muito abertos, ao ver Roy.
— Donovan!... — bradou, de súbito, uma voz.
Depois do brado, que dominou os excitados comentários, fez-se um silêncio tenso e ameaçador.
— Que há?... — perguntou Roy, em voz alta.
— Tu e Slate.
— Aqui estou!... — disse Frank.
— Beasley e Coe esperam-nos esta madrugada, em frente da taberna de Miller. É um desafio.
— Eles e quantos mais?... — zombou Frank.
— Sós. Homem por homem. Até os cães lhes chamarão cobardes, se vocês não forem.
— Os únicos cães são vocês, e tu já estás a ladrar.
— Todos ouviram. É um desafio.
*
Havia bastante claridade quando, lado a lado, Frank e Roy avançaram pela rua deserta.
Aproximavam-se da taberna de Milier quando viram aparecer duas altas silhuetas que pararam em frente do estabelecimento.
— Ai estão... — disse Roy, desnecessariamente.
— Como vês eram inúteis as discussões... — respondeu o amigo. — São eles que escolhem o adversário.
— Dizes isso porque é Beasley quem está do teu lado.
— Há umas velhas contas entre nós. De todos os modos, não te confies muito. Coe é talvez tão rápido como ele.
Avançavam lentamente, com calma, e achavam-se ainda a distância quando se ouviu um tiro de espingarda.
Alguém fez rindo, acima deles, sobre um telhado â esquerda, e logo a seguir ouviram o baque de um corpo, muito próximo.
— Com os cumprimentos de Tap ou de Jay... — comentou Frank, sem deixar de vigiar atentamente o pistoleiro que o esperava.
Os seus passos faziam apenas um leve ruido sobre a espessa camada de poeira, que cobria a rua, e levantavam pequenas nuvens que a fresca e leve brisa da madrugada se encarregava de dissipar.
Roy fixou a sua atenção no homem que se propunha matá-lo. Já distinguia claramente as suas feições e a estranha contração que as deformava.
Pela primeira vez na sua vida se aproximava de um homem com a firme determinação de lhe tirar a vida. Era o assassino de Gabor, e embora essa mulher tivesse deixado de significar fosse o que fosse na sua vida, o crime merecia castigo. Mas, acima de tudo, havia Arabella. Só de pensar que aquele sapo repugnante tinha dito que lhe poria as mãos em cima, sentia náuseas e uma ânsia incontível de esmagá-lo.
A distância tinha-se reduzido a metade, e Roy viu como o seu inimigo se encolhia, aproximando a mão direita do revólver até quase lhe tocar. Por si teria começado já a disparar, mas Frank continuava a aproximar-se e ele imitou-o. Podia acontecer que, por seu lado, o amigo estivesse a deixar-lhe a iniciativa, mas de qualquer maneira quanto mais perto estivesse maior certeza teria de não falhar o tiro.
Além disso a inexorável aproximação estava a exercer efeito sobre os nervos do ganadeiro-bandido. Notava-o na expressão dele e num pestanejar nervoso que Herbert Coe decerto não podia reprimir. Compreendeu então que aquele homem era um cobarde e que nunca pensara que o duelo chegasse a ter lugar. Talvez confiado no homem que estivera no telhado, ou noutros que não se teriam atrevido a assomar-se... ou que estivessem a apontar-lhes pelas costas.
Essa ideia fez com que Roy sentisse uma espécie de formigueiro ao longo da coluna vertebral, mas dominou-se no mesmo instante. Não podia deixar-se levar pelos nervos. Estavam a chegar ao momento decisivo, e a menor falha significaria a morte. E então surgiu o momento!
Notou o súbito pestanejar mais forte, e empunhou o revólver do lado direito no instante em que Coe arrancava também a sua arma do coldre, com um grito agudo.
Ao empunhar o «Colt» engatilhou-o e disparou assim que o cano tomou a posição horizontal.
A sua esquerda soou uma detonação, que se confundiu com a da sua arma.
Coe disparou para o chão, violentamente dobrado pelo choque de uma bala no estômago, e caiu de joelhos, apertando com as mãos o meio do corpo.
— Não, não!... — soluçou, sacudido por um ataque de tosse.
Tinham soado outras detonações e Roy apontou para Jubal Beasley o cano do seu revólver. Mas viu o bandido afastar-se, cambaleante, e cair de bruços uns passos mais longe.
— Não gostaria de ter de te enfrentar, Roy... — disse a voz lenta e arrastada de Frank, dominando por instantes o som dos gemidos de Coe. — Não consegui a mais leve vantagem.
Roy sentia-se invadido por uma náusea, e tentou contê-la falando.
— Foi Coe quem tomou a iniciativa, por isso comecei antes.
— Tens a certeza? Julgava que tinha sido Beasley.
O assunto não tinha qualquer espécie de importância, e sabendo-o Roy compreendeu que o amigo se sentia tão mal como ele. Abandonou toda a dissimulação e, girando sobre os calcanhares, voltou para trás.
Um homem gordo e calvo aproximava-se apressa-mente, com uma pequena maleta negra na mão. Dono-van não o conhecia, mas não era preciso conhecê-lo para ver que se tratava do médico.
— Bom trabalho, rapazes!
A voz fê-lo levantar a cabeça. Viu o alto vulto de Tyler, de pé sobre um telhado.
Parou e, dobrando-se, vomitou.
Aproximavam-se da taberna de Milier quando viram aparecer duas altas silhuetas que pararam em frente do estabelecimento.
— Ai estão... — disse Roy, desnecessariamente.
— Como vês eram inúteis as discussões... — respondeu o amigo. — São eles que escolhem o adversário.
— Dizes isso porque é Beasley quem está do teu lado.
— Há umas velhas contas entre nós. De todos os modos, não te confies muito. Coe é talvez tão rápido como ele.
Avançavam lentamente, com calma, e achavam-se ainda a distância quando se ouviu um tiro de espingarda.
Alguém fez rindo, acima deles, sobre um telhado â esquerda, e logo a seguir ouviram o baque de um corpo, muito próximo.
— Com os cumprimentos de Tap ou de Jay... — comentou Frank, sem deixar de vigiar atentamente o pistoleiro que o esperava.
Os seus passos faziam apenas um leve ruido sobre a espessa camada de poeira, que cobria a rua, e levantavam pequenas nuvens que a fresca e leve brisa da madrugada se encarregava de dissipar.
Roy fixou a sua atenção no homem que se propunha matá-lo. Já distinguia claramente as suas feições e a estranha contração que as deformava.
Pela primeira vez na sua vida se aproximava de um homem com a firme determinação de lhe tirar a vida. Era o assassino de Gabor, e embora essa mulher tivesse deixado de significar fosse o que fosse na sua vida, o crime merecia castigo. Mas, acima de tudo, havia Arabella. Só de pensar que aquele sapo repugnante tinha dito que lhe poria as mãos em cima, sentia náuseas e uma ânsia incontível de esmagá-lo.
A distância tinha-se reduzido a metade, e Roy viu como o seu inimigo se encolhia, aproximando a mão direita do revólver até quase lhe tocar. Por si teria começado já a disparar, mas Frank continuava a aproximar-se e ele imitou-o. Podia acontecer que, por seu lado, o amigo estivesse a deixar-lhe a iniciativa, mas de qualquer maneira quanto mais perto estivesse maior certeza teria de não falhar o tiro.
Além disso a inexorável aproximação estava a exercer efeito sobre os nervos do ganadeiro-bandido. Notava-o na expressão dele e num pestanejar nervoso que Herbert Coe decerto não podia reprimir. Compreendeu então que aquele homem era um cobarde e que nunca pensara que o duelo chegasse a ter lugar. Talvez confiado no homem que estivera no telhado, ou noutros que não se teriam atrevido a assomar-se... ou que estivessem a apontar-lhes pelas costas.
Essa ideia fez com que Roy sentisse uma espécie de formigueiro ao longo da coluna vertebral, mas dominou-se no mesmo instante. Não podia deixar-se levar pelos nervos. Estavam a chegar ao momento decisivo, e a menor falha significaria a morte. E então surgiu o momento!
Notou o súbito pestanejar mais forte, e empunhou o revólver do lado direito no instante em que Coe arrancava também a sua arma do coldre, com um grito agudo.
Ao empunhar o «Colt» engatilhou-o e disparou assim que o cano tomou a posição horizontal.
A sua esquerda soou uma detonação, que se confundiu com a da sua arma.
Coe disparou para o chão, violentamente dobrado pelo choque de uma bala no estômago, e caiu de joelhos, apertando com as mãos o meio do corpo.
— Não, não!... — soluçou, sacudido por um ataque de tosse.
Tinham soado outras detonações e Roy apontou para Jubal Beasley o cano do seu revólver. Mas viu o bandido afastar-se, cambaleante, e cair de bruços uns passos mais longe.
— Não gostaria de ter de te enfrentar, Roy... — disse a voz lenta e arrastada de Frank, dominando por instantes o som dos gemidos de Coe. — Não consegui a mais leve vantagem.
Roy sentia-se invadido por uma náusea, e tentou contê-la falando.
— Foi Coe quem tomou a iniciativa, por isso comecei antes.
— Tens a certeza? Julgava que tinha sido Beasley.
O assunto não tinha qualquer espécie de importância, e sabendo-o Roy compreendeu que o amigo se sentia tão mal como ele. Abandonou toda a dissimulação e, girando sobre os calcanhares, voltou para trás.
Um homem gordo e calvo aproximava-se apressa-mente, com uma pequena maleta negra na mão. Dono-van não o conhecia, mas não era preciso conhecê-lo para ver que se tratava do médico.
— Bom trabalho, rapazes!
A voz fê-lo levantar a cabeça. Viu o alto vulto de Tyler, de pé sobre um telhado.
Parou e, dobrando-se, vomitou.
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
KNS074. CAP VIII. Confissões de uma noite de baile
Roy abriu os olhos e viu a mulher que, soerguida sobre um cotovelo, o fitava, passeando-lhe sobre o peito a ponta de um dedo.
— De modo... — murmurou ele — ... que não foi tudo um sonho...
— Estavas muito bêbedo ontem, não estavas?
— Não há dúvida.
— Roy...
— Que queres, Gabor? A nossa ligação acabou há muito tempo, e não é possível recomeçar.
— Esta noite foi possível.
— Estava embriagado.
— Queres dizer que teria sido diferente, se não estivesses como estavas?
— Completamente diferente... — respondeu ele, sério.
Ela beijou-o, mas Donovan afastou-a de si e, levantando-se, começou a vestir-se, com a atitude de quem fecha de súbito uma porta.
— Estás muito seguro de ti... — disse ela, com uma curva amarga nos lábios.
— Estive doido por tua causa, Gabor. A tal ponto que cheguei a pedir-te que casasses comigo. Mas...
— E que pensavas?... — Interrompeu-o ela, apaixonadamente. — Irmos para um descampado e trabalhar como animais, sem vizinhos, sem a possibilidade dê ver criaturas humanas durante meses inteiros, a não ser índios que podiam atacar-nos a qualquer momento.
— Propunha-te procurar um pedaço de terra com água abundante e boas pastagens, onde houvessem cavalos selvagens que eu pudesse caçar e domar. Propunha-te que me ajudasses a construir um rancho onde crescessem os nossos filhos, que mais se sentiriam orgulhosos do trabalho que nós tivéssemos feito.
Gabor levantou-se, envolvendo-se num roupão.
— Eu não sirvo para isso, Roy... — murmurou, sem se voltar.
— Foi isso o que me disseste. E riste-te dos meus projetos. Mas eu continuo a pensar da mesma maneira... e tu também, ao que vejo. Portanto é inútil insistir sobre o que foi.
Donovan passou os dedos pelos cabelos despenteados e apanhou o chapéu.
Ela sentiu uma brusca sensação de perda. Julgava tê-lo bem seguro nos seus braços, mas ele escapava-se sem que ela pudesse fazer fosse o que fosse para evitar isso.
— Roy, escuta-me!... — gritou. — Tenho algum dinheiro e com ele poderíamos instalar-nos em qualquer parte. Podíamos até, talvez, comprar um pequeno rancho, em algum lugar onde tivéssemos vizinhos e pudéssemos viver de uma maneira civilizada.
Donovan voltou-se, junto da porta.
— Não quero perguntar-te como ganhaste esse dinheiro, Gabor... — disse ele, procurando falar em voz calma. — Também não quero perguntar-te como vieste parar aqui. Simplesmente... eu não sou desses. Além disso pertences ao passado e eu não quero abrir outra vez essa porta. Não a abriria... mesmo que por detrás dela não houvesse o que há.
Abriu a porta e abandonou o quarto, saindo para o corredor... onde quase deu de caras com os Marvin. Arabella ia adiante, e ficou a olhar para ele, com os olhos muito abertos. Depois olhou para a porta por onde ele acabava de sair.
Roy sentiu um desejo desesperado de seguir o olhar dela, mas não o fez. Sabia que Gabor estava ali, tapada com o roupão, sob o qual não havia mais roupa, e imaginava qual devia ser o seu próprio aspeto, depois da fenomenal bebedeira da noite anterior e do que acontecera a seguir.
— Bons-dias... — murmurou.
E afastou-se precipitadamente, sentindo que a sua espantosa dor de cabeça se lhe fixava agora no peito, torturante, como se fosse sufocá-lo.
— Roy !... — chamou ainda Gabor. Mas ele continuou a caminhar sem voltar a cabeça.
Passava por uma porta quando dela surgiu um comprido braço, que o agarrou e o puxou com força irresistível.
— Rapaz, rapaz!... — exclamou Tyler, encostado à porta que acabava de fechar e abanando a cabeça, com um ar de censura.
— De onde diabo saíste tu?... — perguntou Roy, demasiadamente espantado para se zangar.
— Entrei com os Marvin e acabava de despedir-me, dispondo-me a entrar no quarto, quando te vi aparecer. Não podias tê-lo feito em momento mais opor-tufo!
Roy atirou o chapéu para cima de uma das camas dirigiu-se para o lavatório, tirando a camisa.
— Assim parece... — disse, tentando dar à sua voz um tom de indiferença. — Onde está Frank?
— Não é difícil imaginá-lo.
— Sim... Não quer perder tempo, segundo parece... — comentou Roy, começando a ensaboar-se.
— Não, evidentemente. Mas... sabes que horas são?
— Não.
— Meio-dia.
— Diabo! Estava a suspirar por um pouco de café.
-- Só depois do almoço. Estão à nossa espera, e por isso vim ver se te encontrava.
— Elihu?
— O convite é de Ally. Não podemos negar-nos.
— Vai tu e diz que não me encontraste. Não estou com disposição para isso.
— Talvez seja melhor... — concordou Tyler, com uma gravidade pouco habitual nele. — Meteste-te nalgum sarilho?
— Não... Porquê?
— Parece que essa Gabor se entende com Herbert Coe. Receio que ele não leve a coisa a bem, quando souber onde passaste a noite.
— Pois que vá para o diabo respondeu Roy, a quem aquela notícia não interessava.
— Pois que vá... — concordou Tyler, com um sorriso fugitivo. — Onde nos veremos, depois do almoço?
— Acho que vou voltar ao rancho. Não quero estragar-te a tarde.
— Não me parece que te tenhas divertido muito... — comentou o rapagão, suavemente.
— Não ias sair?
Tyler estendeu as mãos, encolhendo a cabeça.
— Bem, bem... — disse. — Não estava a fazer-te perguntas.
— Um bom sistema. Não fazendo perguntas evitam-se determinadas respostas.
— Desagradáveis?
Roy acabou de barbear-se e meteu a cabeça no lavatório.
— Bem, vou andando... — ouviu ele dizer o amigo, entre o barulho da água. — Mas virei buscar-te.
Quando Donovan acabou de se enxugar, Tyler já tinha saído.
Penteado, acabava de vestir a camisa e estendia a mão para o cinturão, quando ouviu bater à porta.
— Quem é?... — perguntou, apoiando a mão sobre a coronha do revólver mais próximo.
— Marvin... — disse a voz do ganadeiro.
— Entre... — respondeu Roy, apanhando o cinturão e afivelando-o, ao mesmo tempo que se descontraía. As pancadas na porta tinham-no surpreendido. Não podia descuidar-se ante a possibilidade de urna visita inesperada de Herbert Coe.
Daniel Marvin entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
— Não há dúvida de que melhorou bastante o seu aspeto, desde há bocado... — sorriu. — Pode dispensar-me uns instantes?
— Com certeza. Quer fazer-me o favor de se sentar?
Depois de um momento de hesitação, o ganadeiro sentou-se na única cadeira que havia no quarto, onde quase todo o espaço disponível estava ocupado pelas três camas colocadas da melhor maneira possível.
Roy foi sentar-se aos pés de uma das camas, e aceitou o tabaco que Marvin lhe oferecia.
— Gostaria que me falasse do que está a acontecer... — disse o ganadeiro, quando acenderam os cigarros.
Donovan sentia-se ainda um tanto atordoado, e não soube entender a que era que o ganadeiro queria referir-se.
— O que está a acontecer?... — repetiu. — Não percebo o que quer dizer.
— Entende, Roy. Você teve uma altercação com dois homens de Herbert Coe, porque eles se tinham permitido ser insolentes com minha filha, e sei agora que lutou com o próprio Coe. Porquê?
— Quem lho disse?
— Minha filha.
— Então... não compreendo...
— As explicações que ela me deu são bastante confusas.
— Receio bem não poder esclarecê-lo. Castiguei Joe e Nick porque estavam a incomodar «miss» Arabella e eu não podia consentir isso, visto que a acompanhava.
— E Coe?
— Perseguia sua filha, não sei porquê, e eu interpus-me.
— E isso é tudo?
— Tudo o que eu sei, pelo menos.
— Permite-me uma pergunta um tanto... delicada?
— Sim, com certeza.
— Você não procura deliberadamente provocar Coe, por algum motivo relacionado com Arabella?
Roy olhou-o, espantado.
— Não.
— Não foi por isso que passou a noite com a mulher que se supõe ser amante desse homem?... — insistiu Marvin.
— Claro que não ! Quem esteve a insinuar-lhe essas Ideias absurdas?
O ganadeiro levantou-se. Não parecia muito satisfeito.
— Não me ajudou muito... mas de qualquer forma, obrigado.
Roy compreendeu que ele não o acreditava.
— Garanto-lhe — começou, acaloradamente. Mas não soube como continuar sem se alongar em explicações que não vinham a propósito.
— Até logo... — disse Marvin, enganando-se sobre o motivo daquela interrupção.
Saiu antes que o rapaz se tivesse decidido a fazer--lhe confidências.
— Ora... — resmungou Roy, irritado consigo mesmo — ...que acredite o que lhe der na gana.
Naquele mesmo instante tomou a decisão de não voltar ao «Shoe» antes da manhã seguinte e só para recolher as suas coisas e despedir-se.
— De modo... — murmurou ele — ... que não foi tudo um sonho...
— Estavas muito bêbedo ontem, não estavas?
— Não há dúvida.
— Roy...
— Que queres, Gabor? A nossa ligação acabou há muito tempo, e não é possível recomeçar.
— Esta noite foi possível.
— Estava embriagado.
— Queres dizer que teria sido diferente, se não estivesses como estavas?
— Completamente diferente... — respondeu ele, sério.
Ela beijou-o, mas Donovan afastou-a de si e, levantando-se, começou a vestir-se, com a atitude de quem fecha de súbito uma porta.
— Estás muito seguro de ti... — disse ela, com uma curva amarga nos lábios.
— Estive doido por tua causa, Gabor. A tal ponto que cheguei a pedir-te que casasses comigo. Mas...
— E que pensavas?... — Interrompeu-o ela, apaixonadamente. — Irmos para um descampado e trabalhar como animais, sem vizinhos, sem a possibilidade dê ver criaturas humanas durante meses inteiros, a não ser índios que podiam atacar-nos a qualquer momento.
— Propunha-te procurar um pedaço de terra com água abundante e boas pastagens, onde houvessem cavalos selvagens que eu pudesse caçar e domar. Propunha-te que me ajudasses a construir um rancho onde crescessem os nossos filhos, que mais se sentiriam orgulhosos do trabalho que nós tivéssemos feito.
Gabor levantou-se, envolvendo-se num roupão.
— Eu não sirvo para isso, Roy... — murmurou, sem se voltar.
— Foi isso o que me disseste. E riste-te dos meus projetos. Mas eu continuo a pensar da mesma maneira... e tu também, ao que vejo. Portanto é inútil insistir sobre o que foi.
Donovan passou os dedos pelos cabelos despenteados e apanhou o chapéu.
Ela sentiu uma brusca sensação de perda. Julgava tê-lo bem seguro nos seus braços, mas ele escapava-se sem que ela pudesse fazer fosse o que fosse para evitar isso.
— Roy, escuta-me!... — gritou. — Tenho algum dinheiro e com ele poderíamos instalar-nos em qualquer parte. Podíamos até, talvez, comprar um pequeno rancho, em algum lugar onde tivéssemos vizinhos e pudéssemos viver de uma maneira civilizada.
Donovan voltou-se, junto da porta.
— Não quero perguntar-te como ganhaste esse dinheiro, Gabor... — disse ele, procurando falar em voz calma. — Também não quero perguntar-te como vieste parar aqui. Simplesmente... eu não sou desses. Além disso pertences ao passado e eu não quero abrir outra vez essa porta. Não a abriria... mesmo que por detrás dela não houvesse o que há.
Abriu a porta e abandonou o quarto, saindo para o corredor... onde quase deu de caras com os Marvin. Arabella ia adiante, e ficou a olhar para ele, com os olhos muito abertos. Depois olhou para a porta por onde ele acabava de sair.
Roy sentiu um desejo desesperado de seguir o olhar dela, mas não o fez. Sabia que Gabor estava ali, tapada com o roupão, sob o qual não havia mais roupa, e imaginava qual devia ser o seu próprio aspeto, depois da fenomenal bebedeira da noite anterior e do que acontecera a seguir.
— Bons-dias... — murmurou.
E afastou-se precipitadamente, sentindo que a sua espantosa dor de cabeça se lhe fixava agora no peito, torturante, como se fosse sufocá-lo.
— Roy !... — chamou ainda Gabor. Mas ele continuou a caminhar sem voltar a cabeça.
Passava por uma porta quando dela surgiu um comprido braço, que o agarrou e o puxou com força irresistível.
— Rapaz, rapaz!... — exclamou Tyler, encostado à porta que acabava de fechar e abanando a cabeça, com um ar de censura.
— De onde diabo saíste tu?... — perguntou Roy, demasiadamente espantado para se zangar.
— Entrei com os Marvin e acabava de despedir-me, dispondo-me a entrar no quarto, quando te vi aparecer. Não podias tê-lo feito em momento mais opor-tufo!
Roy atirou o chapéu para cima de uma das camas dirigiu-se para o lavatório, tirando a camisa.
— Assim parece... — disse, tentando dar à sua voz um tom de indiferença. — Onde está Frank?
— Não é difícil imaginá-lo.
— Sim... Não quer perder tempo, segundo parece... — comentou Roy, começando a ensaboar-se.
— Não, evidentemente. Mas... sabes que horas são?
— Não.
— Meio-dia.
— Diabo! Estava a suspirar por um pouco de café.
-- Só depois do almoço. Estão à nossa espera, e por isso vim ver se te encontrava.
— Elihu?
— O convite é de Ally. Não podemos negar-nos.
— Vai tu e diz que não me encontraste. Não estou com disposição para isso.
— Talvez seja melhor... — concordou Tyler, com uma gravidade pouco habitual nele. — Meteste-te nalgum sarilho?
— Não... Porquê?
— Parece que essa Gabor se entende com Herbert Coe. Receio que ele não leve a coisa a bem, quando souber onde passaste a noite.
— Pois que vá para o diabo respondeu Roy, a quem aquela notícia não interessava.
— Pois que vá... — concordou Tyler, com um sorriso fugitivo. — Onde nos veremos, depois do almoço?
— Acho que vou voltar ao rancho. Não quero estragar-te a tarde.
— Não me parece que te tenhas divertido muito... — comentou o rapagão, suavemente.
— Não ias sair?
Tyler estendeu as mãos, encolhendo a cabeça.
— Bem, bem... — disse. — Não estava a fazer-te perguntas.
— Um bom sistema. Não fazendo perguntas evitam-se determinadas respostas.
— Desagradáveis?
Roy acabou de barbear-se e meteu a cabeça no lavatório.
— Bem, vou andando... — ouviu ele dizer o amigo, entre o barulho da água. — Mas virei buscar-te.
Quando Donovan acabou de se enxugar, Tyler já tinha saído.
Penteado, acabava de vestir a camisa e estendia a mão para o cinturão, quando ouviu bater à porta.
— Quem é?... — perguntou, apoiando a mão sobre a coronha do revólver mais próximo.
— Marvin... — disse a voz do ganadeiro.
— Entre... — respondeu Roy, apanhando o cinturão e afivelando-o, ao mesmo tempo que se descontraía. As pancadas na porta tinham-no surpreendido. Não podia descuidar-se ante a possibilidade de urna visita inesperada de Herbert Coe.
Daniel Marvin entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
— Não há dúvida de que melhorou bastante o seu aspeto, desde há bocado... — sorriu. — Pode dispensar-me uns instantes?
— Com certeza. Quer fazer-me o favor de se sentar?
Depois de um momento de hesitação, o ganadeiro sentou-se na única cadeira que havia no quarto, onde quase todo o espaço disponível estava ocupado pelas três camas colocadas da melhor maneira possível.
Roy foi sentar-se aos pés de uma das camas, e aceitou o tabaco que Marvin lhe oferecia.
— Gostaria que me falasse do que está a acontecer... — disse o ganadeiro, quando acenderam os cigarros.
Donovan sentia-se ainda um tanto atordoado, e não soube entender a que era que o ganadeiro queria referir-se.
— O que está a acontecer?... — repetiu. — Não percebo o que quer dizer.
— Entende, Roy. Você teve uma altercação com dois homens de Herbert Coe, porque eles se tinham permitido ser insolentes com minha filha, e sei agora que lutou com o próprio Coe. Porquê?
— Quem lho disse?
— Minha filha.
— Então... não compreendo...
— As explicações que ela me deu são bastante confusas.
— Receio bem não poder esclarecê-lo. Castiguei Joe e Nick porque estavam a incomodar «miss» Arabella e eu não podia consentir isso, visto que a acompanhava.
— E Coe?
— Perseguia sua filha, não sei porquê, e eu interpus-me.
— E isso é tudo?
— Tudo o que eu sei, pelo menos.
— Permite-me uma pergunta um tanto... delicada?
— Sim, com certeza.
— Você não procura deliberadamente provocar Coe, por algum motivo relacionado com Arabella?
Roy olhou-o, espantado.
— Não.
— Não foi por isso que passou a noite com a mulher que se supõe ser amante desse homem?... — insistiu Marvin.
— Claro que não ! Quem esteve a insinuar-lhe essas Ideias absurdas?
O ganadeiro levantou-se. Não parecia muito satisfeito.
— Não me ajudou muito... mas de qualquer forma, obrigado.
Roy compreendeu que ele não o acreditava.
— Garanto-lhe — começou, acaloradamente. Mas não soube como continuar sem se alongar em explicações que não vinham a propósito.
— Até logo... — disse Marvin, enganando-se sobre o motivo daquela interrupção.
Saiu antes que o rapaz se tivesse decidido a fazer--lhe confidências.
— Ora... — resmungou Roy, irritado consigo mesmo — ...que acredite o que lhe der na gana.
Naquele mesmo instante tomou a decisão de não voltar ao «Shoe» antes da manhã seguinte e só para recolher as suas coisas e despedir-se.
Não tendo encontrado maneira de se despedir de Tyler, Roy acabou por se deixar arrastar ao baile, embora não tivesse qualquer desejo de festas e muito menos de ver Arabella Marvin nos braços de outro.
Aquela reunião social realizava-se num velho e grande barracão de madeira, à entrada da povoação, e como ali acorria a grande maioria da juventude da terra, bem como muitas pessoas das famílias das raparigas, havia muita gente.
A música era proporcionada por um piano, um violino e uma concertina, e dançava-se animadamente.
— Que te parece? perguntou Jay, sorrindo.
— Muito animado.
— Que entusiasmo, rapaz — troçou o amigo. — Vê-se que estavas morto por vir.
— Escuta, Jay... porque não me deixas em paz? Ou vou ter de convidar-te a dançar?
Tyler soltou uma alegre gargalhada.
— Faríamos um bonito par, não te parece? Ponho um lenço no braço e faço de rapariga. Depois trocamos.
— Vai para o diabo!
— Está bem, homem, está bem.
— Olha... Não é aquele o teu adorado tormento? Porque não lhe pedes para dançar contigo?
— Fá-lo-ia, se me prometesses que não te ias embora.
— Mas...
— Escuta, companheiro. Frank encarregou-me de te trazer aqui, porque de contrário iria ele ter connosco. Achas bem estragar-lhe o idílio recém-iniciado?
— Porque é que pensas que eu preciso de ama-seca?
— Sabes perfeitamente isso. Já não é segredo para ninguém que deste uma tareia a Coe, e além disso há o caso de Joe e de Nick. Ele há-de procurar-te, por força, e não aparecerá sozinho. Beasley, pelo menos, há-de estar com ele.
Roy ia responder quando viu Arabella Marvin, que parecia vir ao seu encontro.
— Como te atrasaste tanto?... — perguntou ela, animadamente. -- Pensei que nunca mais chegavas!
Demasiado aturdido para saber o que dizer ou fazer, ficou a olhá-la, pasmado.
-- Vamos. Esta é a nossa dança. Lembras-te?
Meio empurrado por Jay, Roy encontrou-se com a jovem nos braços antes de ter saído do seu pasmo.
Dançaram em silêncio, e antes de terem trocado uma só palavra, cessou a música.
— Faz calor aqui...--murmurou Arabella, sem olhar para ele. — Queres que vamos dar um passeio?
Roy conduziu-a para fora e caminharam um ao lado do outro, afastando-se da povoação.
— Obrigada por não ter contado a verdade a meu pai, Roy... disse ela em voz baixa, quando o silêncio começava a tornar-se insustentável.
Ele parou subitamente.
— Eu contei-lhe a verdade.
— Tu...
— Impedi que esse Coe te agarrasse e voltaria a lazer o mesmo, se fosse preciso. Mas não sei o que há no fundo deste assunto.
Ela levantou vivamente a cabeça.
— Que estás a imaginar?... — perguntou, com os olhos fulgurantes e a voz alterada.
-- Que havia eu de imaginar, e porquê?
— Porque... — Ela pareceu hesitar, e bruscamente mudou de tom.— Herbert Coe tem andado a perseguir-me e, despeitado, jurou que eu havia de ser dele, custasse o que custasse. Toda a gente o sabe, menos meu pai. Não quero que ele o saiba porque então enfrentar-se-ia com esse assassino, e morreria às mãos dele.
Cresciam árvores à beira do caminho. Roy encostou-se a uma delas, enrolando um cigarro. Por instantes a chama do fósforo iluminou as suas feições corretas e enérgicas.
— Sinto dececioná-la... — disse ele resolutamente, desejando acabar de uma vez com aquele equívoco. — Não sabia que essa mulher, Gabor, tivesse alguma espécie de relações com Herbert Coe. Conhecia-a de muito antes. Houve mesmo uma altura em que estive apaixonado por ela.
Arabella baixou a cabeça.
— É muito bonita... — murmurou.
— Sim, é.
Houve um longo silêncio.
— Mas já nada significa para mim... — continuou Roy, embora não soubesse porque dizia aquilo. — Há um ano pedi-lhe que se casasse comigo, e não quis. Não lhe agradava a ideia de se converter em pioneira. Não era o que é agora, mas pelos vistos já tinha inclinação para sê-lo. Só agora o compreendo.
— Porquê... então?... — perguntou a rapariga, com um fio de voz, sem ousar completar a pergunta.
Elihu tinha-nos feito beber Jerez para festejar o compromisso de Ally e de Frank... e depois, no Fox Case, brindámos mais do que a conta. Eu estava embriagado.
O silêncio prolongou-se mais.
— Será melhor voltarmos... — disse Roy, por fim.
Voltaram para o barracão onde se realizava o baile, sem trocarem uma só palavra mais. Arabella afastou-se do seu companheiro logo que chegaram, e daí por diante evitou olhar para ele.
Roy pensou então que não fizera qualquer promessa a Tyler, e foi-se embora.
Aquela reunião social realizava-se num velho e grande barracão de madeira, à entrada da povoação, e como ali acorria a grande maioria da juventude da terra, bem como muitas pessoas das famílias das raparigas, havia muita gente.
A música era proporcionada por um piano, um violino e uma concertina, e dançava-se animadamente.
— Que te parece? perguntou Jay, sorrindo.
— Muito animado.
— Que entusiasmo, rapaz — troçou o amigo. — Vê-se que estavas morto por vir.
— Escuta, Jay... porque não me deixas em paz? Ou vou ter de convidar-te a dançar?
Tyler soltou uma alegre gargalhada.
— Faríamos um bonito par, não te parece? Ponho um lenço no braço e faço de rapariga. Depois trocamos.
— Vai para o diabo!
— Está bem, homem, está bem.
— Olha... Não é aquele o teu adorado tormento? Porque não lhe pedes para dançar contigo?
— Fá-lo-ia, se me prometesses que não te ias embora.
— Mas...
— Escuta, companheiro. Frank encarregou-me de te trazer aqui, porque de contrário iria ele ter connosco. Achas bem estragar-lhe o idílio recém-iniciado?
— Porque é que pensas que eu preciso de ama-seca?
— Sabes perfeitamente isso. Já não é segredo para ninguém que deste uma tareia a Coe, e além disso há o caso de Joe e de Nick. Ele há-de procurar-te, por força, e não aparecerá sozinho. Beasley, pelo menos, há-de estar com ele.
Roy ia responder quando viu Arabella Marvin, que parecia vir ao seu encontro.
— Como te atrasaste tanto?... — perguntou ela, animadamente. -- Pensei que nunca mais chegavas!
Demasiado aturdido para saber o que dizer ou fazer, ficou a olhá-la, pasmado.
-- Vamos. Esta é a nossa dança. Lembras-te?
Meio empurrado por Jay, Roy encontrou-se com a jovem nos braços antes de ter saído do seu pasmo.
Dançaram em silêncio, e antes de terem trocado uma só palavra, cessou a música.
— Faz calor aqui...--murmurou Arabella, sem olhar para ele. — Queres que vamos dar um passeio?
Roy conduziu-a para fora e caminharam um ao lado do outro, afastando-se da povoação.
— Obrigada por não ter contado a verdade a meu pai, Roy... disse ela em voz baixa, quando o silêncio começava a tornar-se insustentável.
Ele parou subitamente.
— Eu contei-lhe a verdade.
— Tu...
— Impedi que esse Coe te agarrasse e voltaria a lazer o mesmo, se fosse preciso. Mas não sei o que há no fundo deste assunto.
Ela levantou vivamente a cabeça.
— Que estás a imaginar?... — perguntou, com os olhos fulgurantes e a voz alterada.
-- Que havia eu de imaginar, e porquê?
— Porque... — Ela pareceu hesitar, e bruscamente mudou de tom.— Herbert Coe tem andado a perseguir-me e, despeitado, jurou que eu havia de ser dele, custasse o que custasse. Toda a gente o sabe, menos meu pai. Não quero que ele o saiba porque então enfrentar-se-ia com esse assassino, e morreria às mãos dele.
Cresciam árvores à beira do caminho. Roy encostou-se a uma delas, enrolando um cigarro. Por instantes a chama do fósforo iluminou as suas feições corretas e enérgicas.
— Sinto dececioná-la... — disse ele resolutamente, desejando acabar de uma vez com aquele equívoco. — Não sabia que essa mulher, Gabor, tivesse alguma espécie de relações com Herbert Coe. Conhecia-a de muito antes. Houve mesmo uma altura em que estive apaixonado por ela.
Arabella baixou a cabeça.
— É muito bonita... — murmurou.
— Sim, é.
Houve um longo silêncio.
— Mas já nada significa para mim... — continuou Roy, embora não soubesse porque dizia aquilo. — Há um ano pedi-lhe que se casasse comigo, e não quis. Não lhe agradava a ideia de se converter em pioneira. Não era o que é agora, mas pelos vistos já tinha inclinação para sê-lo. Só agora o compreendo.
— Porquê... então?... — perguntou a rapariga, com um fio de voz, sem ousar completar a pergunta.
Elihu tinha-nos feito beber Jerez para festejar o compromisso de Ally e de Frank... e depois, no Fox Case, brindámos mais do que a conta. Eu estava embriagado.
O silêncio prolongou-se mais.
— Será melhor voltarmos... — disse Roy, por fim.
Voltaram para o barracão onde se realizava o baile, sem trocarem uma só palavra mais. Arabella afastou-se do seu companheiro logo que chegaram, e daí por diante evitou olhar para ele.
Roy pensou então que não fizera qualquer promessa a Tyler, e foi-se embora.
terça-feira, 18 de outubro de 2016
KNS074. CAP VII. A cantora de voz rouca e pastosa
— Com todos os diabos! Esses sim, é que eram tempos difíceis! Digo-lhe que...
O som de duas detonações quase simultâneas cortou a acalorada narração do barbeiro, que durante um momento ficou com a tesoura no ar e no momento seguinte correu para a porta, a ver o que tinha acontecido.
Roy olhou-se ao espelho e, vendo que só faltava acertar as patilhas, coisa que ele mesmo podia fazer com a navalha, pôs-se em pé e libertou-se da toalha que tinha sobre os ombros e em volta do pescoço.
— Quanto lhe devo?... — perguntou, dirigindo-se para a porta e tirando umas moedas do bolso.
O barbeiro voltou para ele a sua cara magra, de olhos salientes e compridos bigodes, mas não pareceu tê-lo ouvido.
— Frank Slate acaba de matar Joe, um dos mais temidos pistoleiros de Herbert Coe... — exclamou ele, vibrante de excitação.
Roy pegou na mão do homem, pondo sobre ela as moedas que acabara de tirar do bolso, e no mesmo instante ouviu um brado agudo.
Pulou como um raio, e antes de ver sequer o que estava a acontecer, correu para «Dark» e empunhou a espingarda, arrancando-a bruscamente do coldre da sela.
Calculando a distância a que haviam soado os tiros e o brado, era evidente que, se os seus amigos precisavam da sua ajuda imediata, não podia prestá-la com os revólveres. Por isso, antes de mais nada, tinha ido buscar a arma que permitiria a sua imediata e eficaz intervenção.
Já com a espingarda em punho, olhou ao longo da rua e a primeira coisa que viu foi o vulto enorme de Nick, que naquele momento dobrava uma esquina e se encobria com ela numa atitude suspeita.
Com efeito, logo a seguir viu-o empunhar o revólver e, espreitando com precaução, apontá-lo para Frank Slate, que naquele momento atravessava a rua levando Allice Nason pelo braço.
Roy levou a espingarda à cara e fez fogo sem a menor hesitação.
Apoiado como estava à parede, Nick pareceu incrustar-se nela ao receber o choque da bala da espingarda. Deixou pender o braço armado e olhou para o sítio de onde tinham feito fogo.
A vista começava a enevoar-se-lhe rapidamente, mas mesmo assim reconheceu o homem da espingarda.
— Maldi I...
Caiu de joelhos, parecendo-lhe que estava a anoitecer rapidamente. E com a chegada da escuridão notou a presença de qualquer coisa enorme, monstruosa, que parecia latejar muito perto. Sentia um ardor interno, como se uma brasa ardente estivesse a queimar-lhe as entranhas, mas embora a dor fosse intensa não podia comparar-se com a angústia, o medo espantoso de alguma coisa desconhecida, horrível, que ele não podia ver mas cuja presença sentia com espantosa nitidez. E essa coisa arrastava-o, empurrava-o para um abismo sem fundo. Gritou desesperadamente, apavoradamente, no instante em que dava o mergulho na imensidão. Ninguém ouviu aquele grito. O corpo enorme de Nick caiu de bruços, sem outro som além do baque surdo sobre as tábuas sujas do passeio.
Roy avançava pelo meio da rua, com a espingarda pronta para fazer fogo, ao mesmo tempo que Frank, que se havia separado da noiva, e Jay, tomavam posições para prevenir e repelir qualquer nova agressão possível.
A rua ficara completamente deserta, mas assim mesmo era difícil prever e anular um ataque traiçoeiro, visto que a proximidade da noite punha sombras em todas as esquinas e em todos os portais.
No entanto não pareceu que qualquer perigo ameaçasse os três companheiros, que se reuniram sem que surgissem novas complicações.
Ally correu de novo para junto de Frank, segurando-o por um braço.
— Venham a minha casa...— pediu, olhando angustiada para um e para outro lado da rua. — Ali estarão a salvo.
— É melhor... — concordou Slate. — Pelo menos enquanto não soubermos se Beasley ou algum outro da quadrilha de Coe andam por aqui.
Os seus dois companheiros não fizeram qualquer objeção e seguiram sem deixar de vigiar em volta.
— Boa limpeza, rapazes... — disse Elihu Nason que, atraído pelos tiros, aparecera à porta do armazém. — Onde está o resto da rapaziada do «Shoe»?
— Devem chegar de um momento para o outro... —respondeu Frank. — Ninguém tem pressa de vir antes do anoitecer, e se nós nos antecipámos foi porque Roy queria cortar o cabelo e este tamanhão insistia em que precisava de comprar não sei o quê.
— Ficarei contente quando os vir. Se os homens de Coe chegam antes, as coisas podem pôr-se feias.
— É melhor não ficarmos aqui... — disse Roy. — Se houver luta...
— Não os deixo sair... — atalhou Alice, decidida. Jantam aqui, e não admito desculpas.
— Bem, eu acho... — começou a dizer Jay, a quem o programa não parecia entusiasmar.
Alice, que ao lado dele parecia uma frágil bonequita, fulminou-o com o olhar.
— Já disse que não admito desculpas.
O rapagão encolheu-se, resignado.
— Pobre de nós, Roy... — lamentou-se ele, com um brilho de riso nos olhos cinzentos. — Vamos afogar-nos em suspiros.
Frank dardejou-lhe um olhar assassino e depois voltou-se para o pai da noiva.
— Não tenho grande coisa para oferecer a sua filha, Elihu... — disse ele, serenamente — ...mas amo-a e ela está disposta a cometer a loucura de casar comigo. Quer confiar-ma?
A larga face do gordo ferrador pareceu partir-se ao meio, num vasto sorriso.
— Sempre sonhei em tornar-me ganadeiro algum dia, rapaz... — declarou ele. — 0 mau é que não entendo grande coisa desse negócio, e não tinha um filho que me ajudasse na aventura. Por isso disse a Ally que se apressasse em agarrar um vaqueiro simpático, que pudesse transformar os meus sonhos em realidade e a mesmo tempo me desse os mais bonitos do mundo.
— Pai !... — protestou a jovem, muito corada.
Mas Elihu não fez caso dela e esfregou alegremente as mãos.
— É preciso festejar isto... — disse.— Em certa ocasião, há quinze anos, consegui umas garrafas de «Jerez» e guardei-as. São sete. Uma para o noivado, e vamos bebê-la agora. Outra para o casamento, e as restantes para festejar o nascimento de cada um dos meus netos. Já ficas a saber, Frank. Terão de ser cinco, pelo menos. Não se pode estragar nenhuma dessas preciosas garrafas.
— Farei o possível para o satisfazer... — disse Frank.
— Oh!... — exclamou Ally. E fugiu dali, vermelha até à raiz dos cabelos, perseguida pelo riso alegre dos quatro homens.
O som de duas detonações quase simultâneas cortou a acalorada narração do barbeiro, que durante um momento ficou com a tesoura no ar e no momento seguinte correu para a porta, a ver o que tinha acontecido.
Roy olhou-se ao espelho e, vendo que só faltava acertar as patilhas, coisa que ele mesmo podia fazer com a navalha, pôs-se em pé e libertou-se da toalha que tinha sobre os ombros e em volta do pescoço.
— Quanto lhe devo?... — perguntou, dirigindo-se para a porta e tirando umas moedas do bolso.
O barbeiro voltou para ele a sua cara magra, de olhos salientes e compridos bigodes, mas não pareceu tê-lo ouvido.
— Frank Slate acaba de matar Joe, um dos mais temidos pistoleiros de Herbert Coe... — exclamou ele, vibrante de excitação.
Roy pegou na mão do homem, pondo sobre ela as moedas que acabara de tirar do bolso, e no mesmo instante ouviu um brado agudo.
Pulou como um raio, e antes de ver sequer o que estava a acontecer, correu para «Dark» e empunhou a espingarda, arrancando-a bruscamente do coldre da sela.
Calculando a distância a que haviam soado os tiros e o brado, era evidente que, se os seus amigos precisavam da sua ajuda imediata, não podia prestá-la com os revólveres. Por isso, antes de mais nada, tinha ido buscar a arma que permitiria a sua imediata e eficaz intervenção.
Já com a espingarda em punho, olhou ao longo da rua e a primeira coisa que viu foi o vulto enorme de Nick, que naquele momento dobrava uma esquina e se encobria com ela numa atitude suspeita.
Com efeito, logo a seguir viu-o empunhar o revólver e, espreitando com precaução, apontá-lo para Frank Slate, que naquele momento atravessava a rua levando Allice Nason pelo braço.
Roy levou a espingarda à cara e fez fogo sem a menor hesitação.
Apoiado como estava à parede, Nick pareceu incrustar-se nela ao receber o choque da bala da espingarda. Deixou pender o braço armado e olhou para o sítio de onde tinham feito fogo.
A vista começava a enevoar-se-lhe rapidamente, mas mesmo assim reconheceu o homem da espingarda.
— Maldi I...
Caiu de joelhos, parecendo-lhe que estava a anoitecer rapidamente. E com a chegada da escuridão notou a presença de qualquer coisa enorme, monstruosa, que parecia latejar muito perto. Sentia um ardor interno, como se uma brasa ardente estivesse a queimar-lhe as entranhas, mas embora a dor fosse intensa não podia comparar-se com a angústia, o medo espantoso de alguma coisa desconhecida, horrível, que ele não podia ver mas cuja presença sentia com espantosa nitidez. E essa coisa arrastava-o, empurrava-o para um abismo sem fundo. Gritou desesperadamente, apavoradamente, no instante em que dava o mergulho na imensidão. Ninguém ouviu aquele grito. O corpo enorme de Nick caiu de bruços, sem outro som além do baque surdo sobre as tábuas sujas do passeio.
Roy avançava pelo meio da rua, com a espingarda pronta para fazer fogo, ao mesmo tempo que Frank, que se havia separado da noiva, e Jay, tomavam posições para prevenir e repelir qualquer nova agressão possível.
A rua ficara completamente deserta, mas assim mesmo era difícil prever e anular um ataque traiçoeiro, visto que a proximidade da noite punha sombras em todas as esquinas e em todos os portais.
No entanto não pareceu que qualquer perigo ameaçasse os três companheiros, que se reuniram sem que surgissem novas complicações.
Ally correu de novo para junto de Frank, segurando-o por um braço.
— Venham a minha casa...— pediu, olhando angustiada para um e para outro lado da rua. — Ali estarão a salvo.
— É melhor... — concordou Slate. — Pelo menos enquanto não soubermos se Beasley ou algum outro da quadrilha de Coe andam por aqui.
Os seus dois companheiros não fizeram qualquer objeção e seguiram sem deixar de vigiar em volta.
— Boa limpeza, rapazes... — disse Elihu Nason que, atraído pelos tiros, aparecera à porta do armazém. — Onde está o resto da rapaziada do «Shoe»?
— Devem chegar de um momento para o outro... —respondeu Frank. — Ninguém tem pressa de vir antes do anoitecer, e se nós nos antecipámos foi porque Roy queria cortar o cabelo e este tamanhão insistia em que precisava de comprar não sei o quê.
— Ficarei contente quando os vir. Se os homens de Coe chegam antes, as coisas podem pôr-se feias.
— É melhor não ficarmos aqui... — disse Roy. — Se houver luta...
— Não os deixo sair... — atalhou Alice, decidida. Jantam aqui, e não admito desculpas.
— Bem, eu acho... — começou a dizer Jay, a quem o programa não parecia entusiasmar.
Alice, que ao lado dele parecia uma frágil bonequita, fulminou-o com o olhar.
— Já disse que não admito desculpas.
O rapagão encolheu-se, resignado.
— Pobre de nós, Roy... — lamentou-se ele, com um brilho de riso nos olhos cinzentos. — Vamos afogar-nos em suspiros.
Frank dardejou-lhe um olhar assassino e depois voltou-se para o pai da noiva.
— Não tenho grande coisa para oferecer a sua filha, Elihu... — disse ele, serenamente — ...mas amo-a e ela está disposta a cometer a loucura de casar comigo. Quer confiar-ma?
A larga face do gordo ferrador pareceu partir-se ao meio, num vasto sorriso.
— Sempre sonhei em tornar-me ganadeiro algum dia, rapaz... — declarou ele. — 0 mau é que não entendo grande coisa desse negócio, e não tinha um filho que me ajudasse na aventura. Por isso disse a Ally que se apressasse em agarrar um vaqueiro simpático, que pudesse transformar os meus sonhos em realidade e a mesmo tempo me desse os mais bonitos do mundo.
— Pai !... — protestou a jovem, muito corada.
Mas Elihu não fez caso dela e esfregou alegremente as mãos.
— É preciso festejar isto... — disse.— Em certa ocasião, há quinze anos, consegui umas garrafas de «Jerez» e guardei-as. São sete. Uma para o noivado, e vamos bebê-la agora. Outra para o casamento, e as restantes para festejar o nascimento de cada um dos meus netos. Já ficas a saber, Frank. Terão de ser cinco, pelo menos. Não se pode estragar nenhuma dessas preciosas garrafas.
— Farei o possível para o satisfazer... — disse Frank.
— Oh!... — exclamou Ally. E fugiu dali, vermelha até à raiz dos cabelos, perseguida pelo riso alegre dos quatro homens.
*
Os dois amigos abriram caminho entre a numerosa clientela do «Fox Case», tratando de chegar até ao balcão.
Jay, pela sua estatura, sobressaia entre todos os que os rodeavam, e Tap Roberts que, com alguns dos outros rapazes, se encontravam no extremo do balcão, perto do estrado onde a pianola e um par de músicos faziam um ruído ensurdecedor, levantou o braço, agitando o chapéu para chamar-lhes a atenção.
Como o capataz era também de uma estatura acima do comum, conseguiu facilmente ser visto pelos dois amigos.
— Está ali o velho urso... — disse Tyler. — Vamos aturá-lo um pouco mais?
— Voto a favor... — respondeu Roy. — Parece que quer convidar-nos, e tem um bom lugar. Talvez isso o torne suportável durante um bocado, apesar de ser o chefe.
Tinham de gritar para se entenderem, e Tyler desistiu, por isso, de fazer qualquer outro comentário. Dirigiram-se para onde estavam os companheiros.
— Onde está Frank?... — perguntou o capataz, berrando, quando chegaram junto dele.
— O infeliz está arrumado... — respondeu Jay, alegremente. — Vai casar-se.
— Como? Agora?... — exclamou Tap, com uma expressão de assombro.
— Homem, não! Teriam que me consultar primeiro, porque fui eu quem arranjou tudo.
O «barman» trouxe dois copos limpos, que o capataz pedira, assim que tinha avistado os dois rapazes, e encheu-os.
— Anda, bebe... — disse Tap ao jovial rapagão. — Não sei porque te dou atenção, quando falas. Quando se vê um tipo tão grande, espera-se que seja um bocado mais sério.
Donovan pegou no copo que Tap também lhe oferecia e olhou-o por momentos, pensativo.
— Não sei... — murmurou. — Depois do «Jerez» isto é um bocado explosivo...
Tyler bebeu o seu «whisky» de um trago.
— Vamos, companheiro, nada de te encolheres, agora. É preciso alegrarmo-nos.
— Não me parece que o precises... — volveu Roy, bebendo também.
— É verdade que Frank vai casar?... — perguntou o capataz.
— Completamente verdade.
— Com a filha do Elihu?
— Ah, também sabias?
— Bom, não era segredo para ninguém, que ele gostava dela. O que não se sabia era que pensasse pedi-la em casamento. É um tipo tão reservado! Isso merece um brinde, rapazes. É uma ótima pequena, e bonita a valer.
Roy não teria querido beber mais, mas não podia negar-se a brindar pela felicidade do amigo.
Alguém propôs em seguida um novo brinde, com os desejos gerais de que a linda e morena Kate Enders acabasse por corresponder ao fiel amor de Tyler. A sugestão foi feita alegremente e meio a brincar, mas Donovan também não pôde negar-se. Apreciava demais aquele esplêndido companheiro, para que não o desejasse de todo o coração.
Então, de súbito, fez-se silêncio, e uma voz pastosa e um tanto rouca, mas muito melodiosa, começou a cantar uma canção de amor.
Roy já estava embriagado nessa altura, porque o «Jerez» e o «whisky» misturados, tinham feito o seu efeito, mas assim mesmo, notou os olhares extasiados dos homens, quando a cançonetista lhes sorria, e lembrou-se de que, noutros tempos, esse espetáculo tivera o condão de o irritar.
A mulher que cantava trajava um vestido branco e verde, curto e de corpete muito justo e decotado. Os olhos masculinos não perderam esse pormenor, e os de Roy não fizeram exceção. Notou também o brilho do vestido, como refletia a luz, e pensou vagamente que seria de seda. Ele sempre tinha gostado de vestidos de seda.
A voz cantou três canções, três baladas sentimentais, e quando acabou os espectadores aplaudiram com entusiasmo, pedindo mais ainda. Mas ela não os satisfez. Tyler fazia tão grande barulho, aplaudindo e uivando como um lobo, que atraiu a atenção da mulher. Os seus olhos enormes, que Donovan sabia serem verdes, embora não estivesse agora bastante perto para lhes distinguir a cor, viram-no.
O barulho era ensurdecedor e impedia que se ouvisse fosse o que fosse, mas a expressão da mulher e o movimento dos seus lábios permitiram compreender que ela tinha soltado uma exclamação, e Roy adivinhou que ela murmurava o seu nome.
No momento seguinte a cançonetista tinha saltado do estrado e abria caminho entre os homens, sorrindo para um lado e para o outro, mas sem aceitar qualquer dos convites que lhe eram dirigidos.
— Vamos!... — berrou Tyler.— Ela vem para aqui! Não há dúvida de que eu a impressionei!
Estendendo os braços abriu caminho entre os assistentes, para a mulher passar.
— Obrigada... — disse-lhe ela, envolvendo-o num sorriso deslumbrante. E passou ao lado de Tyler, lançando-se nos braços de Donovan.
— Roy, que alegria ver-te !... — exclamou. — Já tinha perdido as esperanças de saber de ti... — e, levantando--se nos bicos dos pés, beijou-o na boca.
Os que contiveram o alento ao presenciar tão efusivo cumprimento tiveram de respirar para não morrerem sufocados antes que ela acabasse.
— Temos muito que falar, Roy! Acompanha-me ao hotel, queres? Já acabei o trabalho aqui, e podemos ir imediatamente, é só mudar de vestido.
Roy sorriu um tanto estupidamente. Estava bastante tonto, naquela altura, e a sua maior preocupação era não perder o equilíbrio.
Ela pegou-lhe na mão e levou-o, sem esperar o assentimento dele, deixando para trás o formidável coro de assobios com que os vaqueiros, entre gargalhadas, saudavam o espantado Tyler.
— E tem a gente amigos para isto !... — filosofou o alegre rapagão.
Sem saber bem como tinha chegado até ali, Roy encontrou-se no pequeno camarim da cançonetista. Ela, fechando a porta depois de ambos entrarem, apertou-se felinamente contra ele, acariciando-o ao de leve com as pontas dos dedos.
— Roy!... — suspirou, voltando a beijá-lo.
Ele tentou desprender-se, mas viu-se ainda mais envolvido pelos braços dela e sentiu o seu perfume , quente, que o perturbava.
Um momento depois, ela afastou-se, rindo, e voltou--lhe as costas.
— Anda, desabotoa-me o vestido... — ouviu-a ele dizer.
Ele obedeceu, desajeitado, o que fez com que ela se risse novamente, julgando-o perturbado.
— Perdeste o costume, Roy?... — perguntou, maliciosamente.
Mas ele mal ouviu o que ela dizia. Estava demasiadamente embriagado para perceber o que ouvia, e lutava consigo mesmo para tentar compreender onde estava e quem era aquela mulher.
Chamava-se Gabro... sim, sabia isso... Mas porque motivo estava ali?
Olhou para ela, tentando fixar os olhos, e viu que despira o seu vestido verde. Estava tão bonita como sempre... — pensou.
— Que fazes tu aqui, Roy?
— Trabalho no rancho «Shoe»... — disse ele, em voz pastosa, tentando coordenar as suas ideias.
— Mas, Roy... — exclamou ela. — Que disparates te acontecem?
Ele não respondeu. Não sabia que dizer. Porque motivo pensaria aquela mulher que era um disparate trabalhar no rancho «Shoe»?
— Quem é ela?... perguntou Gabor, começando a abotoar o vestido que envergara em substituição do verde.
— Ela?
— Vamos, Roy, não tentes enganar-me. Alguma razão há para que o magnífico Roy Donovan, o centauro, o herói dos «rodeos», o homem que, para onde quer que vá, tem sempre o melhor cavalo, o revólver mais certeiro '4, mais bela mulher, se converta num vaqueiro vulgar, a trabalhar num rancho qualquer. E a razão só pode ser uma, a de sempre... Saias!
Roy não a entendeu. Não estava em condições de entender tantas palavras, ditas tão rapidamente. Por outro lado sentia-se tranquilo. Tinha uma vaga ideia de que não devia estar ali, mas não se lembrava porquê, nem onde devia estar.
— Vamos... — disse Gabor. — Estaremos melhor no hotel.
Tomou-o pelo braço e fê-lo sair, falando e rindo alegremente.
Roy mantinha-se em pé com dificuldade, sem outra ideia senão a de não cair.
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
KNS074. CAP VI. Um revólver apontado às costas
Os homens mantiveram-se em silêncio, sem se atreverem a qualquer protesto ou comentário que pudesse atrair sobre eles a cólera assassina do chefe.
Herbert Coe, que passeava de um lado para o outro como uma fera enjaulada, voltou para o grupo a cara tumefacta.
— Maldição... — rosnou ele, em voz rouca e falando com dificuldade. — Esse forasteiro será o próprio diabo?
— Abatemos-lhe o cavalo e parecia que o tínhamos liquidado, quando de repente o tipo começou a disparar. Com o primeiro tiro já tinha derrubado Cliff, e no instante seguinte arrumou Jack. Caramba, chefe! Digo-lhe que nunca vi ninguém despachar com tanta facilidade uns rapazes tão rijos como aqueles! Eu escapei por milagre!
Coe olhou para o homem que tinha falado e este agitou-se, inquieto, perguntando a si mesmo porque raio não teria mordido a língua antes de falar sem que lhe fizessem perguntas.
— Foi então por milagre, hem?... — disse Coe, mordendo as palavras.— Imbecil! Deitaste a correr quando a coisa se pôs feia. Maldito cobarde! Dessa maneira salvaste a suja pele!
— E que podia eu fazer?
— Não tinhas também um revólver?
— Cliff e Jack também os tinham, e já vê de que lhes serviu isso.
— Assustaste-te, não foi, Giles?
— Não o nego... — respondeu o homem. — Esse tipo é um diabo a disparar e estava a pé firme, meio escondido pela erva, ao passo que eu estava a descoberto e os movimentos do meu cavalo impediam-me de apontar. Todas as vantagens eram dele.
— E o medo fez-te ver tudo isso num segundo?
O homem ficou rígido e a sua face escureceu.
— Você também o encontrou e não me parece que tenha feito melhor... disse ele, entredentes.
Herbert estremeceu como se tivesse levado uma bofetada e aproximou-se ameaçadoramente do cúmplice.
— Era a ele que devia ter dado o tiro, chefe...— disse o homem, pálido e visivelmente atemorizado, recuando um passo. — Dar-mo a mim, não prova nada.
Coe fez uma careta de desprezo, mas desistiu dos seus propósitos e recomeçou a passear, afastando uma cadeira com um pontapé.
— Um golpe tão fácil... — ruminou, encolerizando--se mais por momentos.— Falhámos o caso do «Shoe», e agora este. Praticamente já começou o «rodeo» e todos os vaqueiros estão a levar o gado para o vale. Se não conseguirmos arranjar umas centenas de bezerros antes de começarem a marcá-los, este ano vai ser um desastre. Não se esqueçam de que vendi todos os que tínhamos, precisamente para que os outros ganadeiros não pudessem acusar-me de ter vitelos a mais.
Ninguém falou, e Herbert Coe pareceu acalmar-se um tanto.
— Bem, vai ser preciso estudar um bom golpe e não falhar, desta vez. Saiam, agora. Tu não, Joe. Quero falar contigo.
As três dúzias de homens ali reunidos abandonaram o compartimento, ficando apenas Herbert Coe e o pequeno pistoleiro com cara de fuinha.
Durante alguns minutos Coe continuou a caminhar de um lado para o outro, enquanto Joe o olhava de soslaio, com alguma inquietação. Por fim Coe parou, olhando para o cúmplice.
— Mata-o!... — disse ele de súbito, surdamente.
Não levantou a voz, mas a ordem tinha sido dada com tão explosiva violência que o pequeno pistoleiro se sobressaltou.
— Queria fazê-lo eu mesmo... — disse Coe — ...mas não posso ir assim à povoação, para que todos me vejam, e também não posso esperar. Esse porco já nos causou bastantes prejuízos.
— Seja como for, jurei pela pele desse tipo, chefe... — disse Joe, torvamente.— Não poderá escapar-se.
— Ele vai com certeza à povoação, esta tarde. Espera-o lá e liquida-o. A pancada que ele te deu na boca justifica largamente que o procures.
— Não me esqueci... — rosnou o pistoleiro, entredentes, irritado por lhe lembrarem a humilhação sofrida.— Ninguém pode fazer-me isso, a mim, e continuar vivo.
— Terás cem dólares extra se acabares com ele.
Mas lembra-te bem... Não basta que lhe fures a pele. Quero que o mates.
— Pode poupar os cem dólares, chefe. Não preciso que me dê nada por isso. É um assunto meu.
— Não importa. Serão teus se o converteres em picado.
— Como quiser. O dinheiro calha sempre bem, e bem sabe que eu não sou dos que lhe façam cara.
— Melhor será, que alguém te acompanhe. O tipo é perigoso.
— Não vou lutar com ele, mas sim matá-lo... volveu o bandido, com um brilho assassino nos olhos negros.
— Mesmo assim...
— Porque não fazemos outra coisa? Nick também tem uma conta em aberto com esse tipo, e quer resolver o caso a murros. Posso deixá-lo fazer isso, antes de o desafiar.
Herbert não pareceu ver qualquer vantagem naquele modo de fazer as coisas.
— Nick é forte como um urso... — disse — ...mas não sabe lutar. Não se aguenta em frente de Donovan.
— Mas não será fácil derrubá-lo, e esse maldito terá de bater duro para consegui-lo; quando acabar há-de ter as mãos partidas ou inchadas, e então eu desafio-o. Dessa maneira, por muito rápido que seja, não poderá ser mais rápido do que eu.
Herbert fez uma careta que queria que fosse de satisfação, mas doía-lhe tanto a cara inchada que soltou um grunhido.
— Isso está bem pensado, Joe... — concordou. — Dá-te muita vantagem e ninguém verá a manobra.
— O mau seria que Nick o liquidasse... — continuou o pistoleiro, pensativo.
Herbert soltou uma exclamação de desprezo.
— Não tem a menor possibilidade disso. Já to disse... — impacientou-se. — Esse maldito é um verdadeiro demónio com os punhos.
— Fazemos assim, então?
— Sim. Podes animar Nick dizendo-lhe que há cinquenta dólares para ele, se liquidar o forasteiro.
— Mas...
Coe interrompeu-o com um gesto.
— O que eu quero é que ele aguente o mais que puder. Quanto mais esse homem tiver que lhe bater, mais cansado ficará.
— De acordo, chefe. Direi isso a Nick.
— De todos os modos convém que mais alguém os acompanhe. Talvez não possam apanhá-lo só, e poderiam surgir dificuldades.
— Beasley?
— Não, esse não. Preciso dele.
— Bem.
— Agora vai-te e avisa que não me incomodem. Não quero ver ninguém.
— Maldição... — rosnou ele, em voz rouca e falando com dificuldade. — Esse forasteiro será o próprio diabo?
— Abatemos-lhe o cavalo e parecia que o tínhamos liquidado, quando de repente o tipo começou a disparar. Com o primeiro tiro já tinha derrubado Cliff, e no instante seguinte arrumou Jack. Caramba, chefe! Digo-lhe que nunca vi ninguém despachar com tanta facilidade uns rapazes tão rijos como aqueles! Eu escapei por milagre!
Coe olhou para o homem que tinha falado e este agitou-se, inquieto, perguntando a si mesmo porque raio não teria mordido a língua antes de falar sem que lhe fizessem perguntas.
— Foi então por milagre, hem?... — disse Coe, mordendo as palavras.— Imbecil! Deitaste a correr quando a coisa se pôs feia. Maldito cobarde! Dessa maneira salvaste a suja pele!
— E que podia eu fazer?
— Não tinhas também um revólver?
— Cliff e Jack também os tinham, e já vê de que lhes serviu isso.
— Assustaste-te, não foi, Giles?
— Não o nego... — respondeu o homem. — Esse tipo é um diabo a disparar e estava a pé firme, meio escondido pela erva, ao passo que eu estava a descoberto e os movimentos do meu cavalo impediam-me de apontar. Todas as vantagens eram dele.
— E o medo fez-te ver tudo isso num segundo?
O homem ficou rígido e a sua face escureceu.
— Você também o encontrou e não me parece que tenha feito melhor... disse ele, entredentes.
Herbert estremeceu como se tivesse levado uma bofetada e aproximou-se ameaçadoramente do cúmplice.
— Era a ele que devia ter dado o tiro, chefe...— disse o homem, pálido e visivelmente atemorizado, recuando um passo. — Dar-mo a mim, não prova nada.
Coe fez uma careta de desprezo, mas desistiu dos seus propósitos e recomeçou a passear, afastando uma cadeira com um pontapé.
— Um golpe tão fácil... — ruminou, encolerizando--se mais por momentos.— Falhámos o caso do «Shoe», e agora este. Praticamente já começou o «rodeo» e todos os vaqueiros estão a levar o gado para o vale. Se não conseguirmos arranjar umas centenas de bezerros antes de começarem a marcá-los, este ano vai ser um desastre. Não se esqueçam de que vendi todos os que tínhamos, precisamente para que os outros ganadeiros não pudessem acusar-me de ter vitelos a mais.
Ninguém falou, e Herbert Coe pareceu acalmar-se um tanto.
— Bem, vai ser preciso estudar um bom golpe e não falhar, desta vez. Saiam, agora. Tu não, Joe. Quero falar contigo.
As três dúzias de homens ali reunidos abandonaram o compartimento, ficando apenas Herbert Coe e o pequeno pistoleiro com cara de fuinha.
Durante alguns minutos Coe continuou a caminhar de um lado para o outro, enquanto Joe o olhava de soslaio, com alguma inquietação. Por fim Coe parou, olhando para o cúmplice.
— Mata-o!... — disse ele de súbito, surdamente.
Não levantou a voz, mas a ordem tinha sido dada com tão explosiva violência que o pequeno pistoleiro se sobressaltou.
— Queria fazê-lo eu mesmo... — disse Coe — ...mas não posso ir assim à povoação, para que todos me vejam, e também não posso esperar. Esse porco já nos causou bastantes prejuízos.
— Seja como for, jurei pela pele desse tipo, chefe... — disse Joe, torvamente.— Não poderá escapar-se.
— Ele vai com certeza à povoação, esta tarde. Espera-o lá e liquida-o. A pancada que ele te deu na boca justifica largamente que o procures.
— Não me esqueci... — rosnou o pistoleiro, entredentes, irritado por lhe lembrarem a humilhação sofrida.— Ninguém pode fazer-me isso, a mim, e continuar vivo.
— Terás cem dólares extra se acabares com ele.
Mas lembra-te bem... Não basta que lhe fures a pele. Quero que o mates.
— Pode poupar os cem dólares, chefe. Não preciso que me dê nada por isso. É um assunto meu.
— Não importa. Serão teus se o converteres em picado.
— Como quiser. O dinheiro calha sempre bem, e bem sabe que eu não sou dos que lhe façam cara.
— Melhor será, que alguém te acompanhe. O tipo é perigoso.
— Não vou lutar com ele, mas sim matá-lo... volveu o bandido, com um brilho assassino nos olhos negros.
— Mesmo assim...
— Porque não fazemos outra coisa? Nick também tem uma conta em aberto com esse tipo, e quer resolver o caso a murros. Posso deixá-lo fazer isso, antes de o desafiar.
Herbert não pareceu ver qualquer vantagem naquele modo de fazer as coisas.
— Nick é forte como um urso... — disse — ...mas não sabe lutar. Não se aguenta em frente de Donovan.
— Mas não será fácil derrubá-lo, e esse maldito terá de bater duro para consegui-lo; quando acabar há-de ter as mãos partidas ou inchadas, e então eu desafio-o. Dessa maneira, por muito rápido que seja, não poderá ser mais rápido do que eu.
Herbert fez uma careta que queria que fosse de satisfação, mas doía-lhe tanto a cara inchada que soltou um grunhido.
— Isso está bem pensado, Joe... — concordou. — Dá-te muita vantagem e ninguém verá a manobra.
— O mau seria que Nick o liquidasse... — continuou o pistoleiro, pensativo.
Herbert soltou uma exclamação de desprezo.
— Não tem a menor possibilidade disso. Já to disse... — impacientou-se. — Esse maldito é um verdadeiro demónio com os punhos.
— Fazemos assim, então?
— Sim. Podes animar Nick dizendo-lhe que há cinquenta dólares para ele, se liquidar o forasteiro.
— Mas...
Coe interrompeu-o com um gesto.
— O que eu quero é que ele aguente o mais que puder. Quanto mais esse homem tiver que lhe bater, mais cansado ficará.
— De acordo, chefe. Direi isso a Nick.
— De todos os modos convém que mais alguém os acompanhe. Talvez não possam apanhá-lo só, e poderiam surgir dificuldades.
— Beasley?
— Não, esse não. Preciso dele.
— Bem.
— Agora vai-te e avisa que não me incomodem. Não quero ver ninguém.
*
— Há ali um barbeiro... — disse Roy. — Vou lá, preciso de cortar o cabelo. Onde nos encontramos, depois?
Jay soltou uma gargalhada.
— No armazém de Elihu... — disse ele, com um ar inocente. — Preciso de comprar uma camisa e mais umas coisas.
Havia tão exagerada inocência na sua expressão, que Donovan não duvidou de que ele estivesse a fazer alguma das suas incorrigíveis travessuras de criança grande. Como o dardo não lhe era dirigido daquela vez, olhou para Frank Slate, que cavalgava ao lado deles. Mas era difícil ler alguma coisa na face morena e bonita do vaqueiro.
Frank notou a observação de que era alvo, nada dissimulada, e sorriu levemente.
— Não faças caso dele... — disse, no tom frio e repousado que lhe era habitual. — Iremos ao hotel„ para ver se conseguimos, ao menos, um quarto para os três, e depois esperamos-te no «Fox Case».
— Eh, devagar!... — protestou Jay, quando paravam em frente da barbearia. — Eu preciso de comprar uma camisa.
— Podes comprá-la sozinho, não?
— Não, não posso. Se vou lá sozinho, Alice faz-me perguntas que eu fico tonto, e em vez de trazer uma camisa trago uma vassoura, ou coisa parecida. Por outro lado quero pedir-lhe que me reserve uma dança para *o baile de amanhã, e ela não o fará enquanto não souber quais são as danças que tu preferes.
Frank inclinou-se sobre o arção da sela e olhou para o amigo, com um ar de dúvida.
— Há momentos em que eu pergunto a mim mesmo se não estarás mal da cabeça... — disse, muito calmo. — E qualquer dia vou sair das dúvidas, vendo o que é que tens lá dentro.
Jay soltou uma gargalhada, ante a ameaça do amigo.
— Tenho um amor desesperado... — declarou ele, com uma expressão trágica. — Tu bem o sabes, pobre, de mim.
— Vai para o diabo!
— Mas eu, ao menos, reconheço nobremente o meu estado e não ando a disfarçar como tu... — continuou, o alegre rapaz.
— Isto está a pôr-se interessante... — comentou Roy, ajeitando-se mais comodamente sobre a sela.,— E quem' é a tua paixão? Conheço-a?
— Claro que sim... — respondeu Jay, imediatamente. A filha de Enders! Imagina! A herdeira de um dos mais ricos ganadeiros da região! Eu sou assim, não gosto das coisas fáceis.
— E ela?
O loiro rapagão encolheu os ombros fortíssimos.
— Ela bem o sabe, mas faz-me sofrer. Ora! Eu também sei que se trata de um sonho irrealizável, e por isso aceito as coisas tão filosoficamente quanto posso.
Ria-se de si mesmo, e Donovan admirou-o por isso. Se realmente estava apaixonado pela jovem, não devia ser-lhe fácil manter a sua aparência jovial, reconhecendo ao mesmo tempo que tinha de renunciar às suas mais queridas ilusões.
— Mas nós não estávamos a falar de mim. Falavamos deste tímido pateta...— continuou o loiro vaqueiro. A filha de Elihu mostra um flagrante interesse por ele... e o tolo foge dela como do diabo. No domingo passado tive de ameaçá-lo com um pau para que ele a fosse buscar para dançar, e agora vou levá-lo à presença dela, ainda que tenha de o amarrar de pés e mãos.
— Estás a aborrecer-me com as tuas manias casamenteiras, garanto-te que...
— Não garantas nada. Estás perdidinho por essa rapariga, e todos esses grunhidos não são mais do que uma cortina de fumo com que não enganas ninguém.
— Fantasias tuas.
— Está bem, são fantasias... — disse Tyler, divertido. -- Nesse caso não deves ter inconveniente em me acompanhar ao armazém.
Frank estava apanhado e, compreendendo isso, encolheu resignadamente os ombros.
— Como quiseres... — disse ele. — Vamos.
Roy viu-os afastar-se e, sorrindo, desmontou e entrou na barbearia.
O armazém dos Nason não era longe. Os dois vaqueiros pararam à porta, prenderam os cavalos à barra e entraram no estabelecimento.
Ally estava por detrás do balcão, a atender uma senhora gorda e idosa, mas nem por isso deixou de notar a entrada dos dois rapazes e um relâmpago de alegria brilhou nos seus belos olhos, ao mesmo tempo que os envolvia num deslumbrante sorriso.
— Olá, rapazes !... — exclamou ela, quando por fim se viu livre da cliente. — Vêm pôr a povoação em alvoroço?
— O que queríamos pôr em alvoroço era o teu cora-ção... — replicou Jay, prontamente. E acrescentou, pérfido : —Este amigo, pelo menos, suspira por isso.
Não era fácil, no entanto, alterar a fria calma de Frank, que se limitou a sorrir levemente.
Ally dirigiu-lhe um olhar luminoso.
— Isso é verdade, Frank?
— Podes duvidar?
— Como hei-de saber? És tão fechado como um índio.
Frank sorriu abertamente, o que suavizou a dureza das suas feições.
—Jay veio para comprar uma camisa, acho eu... — disse ele, depois de se ter certificado de que o amigo se afastara e não podia ouvi-lo.— Mas eu vim só com uma ideia... Podes reservar-me uma dança no baile de amanhã?
— Sim... — murmurou ela, baixando os olhos para que ele não visse como brilhavam.
— Mais do que uma?
— Sim... — repetiu ela, do mesmo modo.
Jay tinha-se afastado discretamente e parecia concentrado na observação de umas botas que eram flagrantemente pequenas demais para ele. No entanto não estava tão distraído como pretendia fazer crer, porque notou a entrada de duas clientes no mesmo instante em que elas transpuseram o limiar.
— Bem, acho que posso passar sem essa camisa... — disse ele em voz alta, para chamar a atenção do amigo e de Ally.
Frank não se surpreendeu com a brusca mudança de ideias do seu hercúleo companheiro, porque desde o princípio que sabia tratar-se -Cinicamente de um pretexto para o levar ao armazém.
— Até amanhã... — disse ele, encaminhando-se para a saída.
Jay foi atrás dele, assobiando alegremente, e ao passar junto das duas mulheres que acabavam de entrar, fez-lhes um profundo cumprimento.
— Bem, companheiro... — disse ele a Frank, alcançando-o no passeio. — Acho que chegou a altura de ir beber um trago. Ganhei-o bem, parece-me...
— Eu convido... — assentiu Slate.
Tyler não deixou fugir a oportunidade.
— Que festejamos? — perguntou, esfregando alegremente as mãos. — Deu-te o «sim»?
— Eu é que te vou dar com uma coisa na cabeça, se não acabas com essas brincadeiras.
— Está bem, cara de tijolo. Guarda tudo para ti. Não preciso das tuas confidências para nada.
— Se estás zangado suponho que já não queres aceitar o meu convite, não é assim?... — troçou Frank.
— O diabo que te leve!... — apressou-se Jay a replicar. — Pelo contrário, em desagravo vais ter que duplicar o oferecimento.
Rindo, atravessaram a rua e dirigiram-se para o «saloon» em frente. Chegavam ao passeio quando se abriram os dois batentes do estabelecimento, para dar passagem ao pequeno Joe e ao gigantesco Nick.
Os dois grupos imobilizaram-se no mesmo instante. As pessoas que passavam pelas imediações pararam também ao notar a atitude agressiva dos quatro homens. Conhecendo a rivalidade existente entre eles, foram muitos os transeuntes que se apressaram a afastar-se prudentemente.
Começava a noitecer, e no interior das casas, bem coma nos estabelecimentos, acendiam-se as luzes.
— Hum!... — resmungou Joe, em tom de ameaça. — O homem forte e o galo de briga do «Shoe». Onde deixaram a nova aquisição?
— Não precisas correr... — respondeu Jay, prontamente. — Ainda se demora um bocado, de maneira que podes fugir sem pressas.
A cara magra do pistoleiro contraiu-se numa expressão de raiva.
— A tua avó enganou-te, quando te disse que eras engraçado... — resmungou.
— Tu não tiveste avó, pois não?... — perguntou Jay inocentemente.
Joe olhou-o com desconfiança. Mas ainda não o conhecia bem.
— Porque dizes isso?... — perguntou.
Tyler olhou-o de alto a baixo, descaradamente e baixando muito a cabeça.
— É porque as avós aumentam tudo, segundo dizem, e a ti ninguém te aumentou nem sequer um bocadinho!...
O pistoleiro empalideceu e levou ostensivamente a mão direita à coronha do revólver.
— Maldito imbecil!... — guinchou. — Diz outra como, essa e mato-te!
— Tira a mão daí, Joe, ou é possível que sejas tu a apanhar uma indigestão de chumbo... — avisou a voz fria e lenta de Slate.
O pequeno pistoleiro voltou-se para ele, como se tivesse sido picado.
— Deveras, Frank?... — disse ele, entredentes. — Já me tinham dito que nos últimos tempos tens andado muito brigão.
— Sim?
— Pelo visto queres deslumbrar a pequena do Elihu, mostrando-lhe como és valente. Olha, ali a tens à porta do armazém. Achas bem que eu fuja agora, a guinchar de medo? Com certeza que isso a faria cair nos teus braços. Ou já lá esteve?
A intenção do pistoleiro era, sem dúvida, a de perturbar Slate. Mas enganou-se completamente.
— Empunha o revólver, Joe. Vou matar-te... — disse Frank, em voz gelada.
No olhar do moreno vaqueiro havia qualquer coisa que fez com que Joe se agitasse, inquieto, buscando melhor posição.
— Ao que parece deu-te com força... — tentou ele ainda bazofiar, embora a sua voz tivesse enrouquecido subitamente.
— Dentro de três segundos arranco-te a língua, Joe. Empunha o revólver, e fá-lo com rapidez!
Os dois homens tinham-se curvado ligeiramente, e cada um deles vigiava, atento, os movimentos uni do outro. As suas mãos tensas, abertas como garras de aves de rapina, aproximavam-se das coronhas das armas, quase a roçá-las.
Foi Joe o primeiro a entrar em ação. O revólver pareceu saltar-lhe da mão, expelindo um jato de lume perfeitamente visível na meia penumbra do calmo entardecer.
Mas uma fração de segundo antes, o corpo do pequeno pistoleiro começara a girar para um lado, em consequência do choque de uma bala no lado esquerdo do peito. Deu uns passos incertos até se agarrar a um dos postes do alpendre.
Ficou assim, de costas para Frank, que o vigiava atentamente, de arma pronta. Um momento depois deixava cair o revólver e começava a resvalar, encolhendo-se como um boneco de trapos, até cair de costas na poeira da rua.
— Frank!
O rapaz voltou-se vivamente, e Ally, que chegava em corrida, lançou-se-lhe nos braços a soluçar.
Slate meteu o revólver no coldre e acariciou a loira cabeça que se escondera no seu ombro.
— Não chores, pequena... — murmurou. — Não me aconteceu nada.
— Oh, Frank ! Tive medo... que tu...
Slate afastou-a suavemente de si e olhou-a, sorrindo. Mas como ela mantinha a cabeça e os olhos baixos, tomou-lhe o queixo nos dedos e fê-la levantar a linda face molhada de lágrimas.
— Estão todos a ver-nos... — sussurrou. — Agora, se eu disser que és a minha noiva, não poderás negá-lo.
Ally levantou então os olhos para ele, muito abertos, fitando-o.
— Frank !... — suspirou.
— Quando nos casamos?
—Frank!... — exclamou ela, em tom mais alto.
— Não podes dizer-me que não... — disse ele, sorrindo.
Com um grito de alegria, a jovem lançou-lhe os braços ao pescoço e, sem se preocupar com quem pudesse vê-los, ergueu-se nos bicos dos pés e beijou-o nos lábios.
Jay atirou com o chapéu ao ar, ao mesmo tempo que soltava um brado selvagem e iniciava um sapateado, esquecendo-se do gigantesco Nick a quem tinha estado a vigiar até àquele momento. Nick aproveitou o descuido para seguir rua abaixo até à primeira esquina, onde se abrigou empunhando o revólver.
Estava agora a coberto e, estando os dois vaqueiros do «Shoe» distraídos, poderia acabar com o mais perigoso deles antes que dessem por isso. Depois se ocuparia de Tyler. Este não era um «virtuose» do «Colt», e não o receava.
Espreitou com cuidado, erguendo a arma, e viu que efetivamente ninguém pensava nele. Levando a noiva pelo braço, Frank Slate atravessava novamente a rua para conduzi-la ao armazém, enquanto Jay Tyler se baixava para apanhar o seu chapéu.
Com um suspiro rouco, Nick apontou para as largas costas do homem que matara Joe. Não era rápido, mas atirava bem, e a pouco mais de vinte metros de distância não podia falhar o alvo.
Jay soltou uma gargalhada.
— No armazém de Elihu... — disse ele, com um ar inocente. — Preciso de comprar uma camisa e mais umas coisas.
Havia tão exagerada inocência na sua expressão, que Donovan não duvidou de que ele estivesse a fazer alguma das suas incorrigíveis travessuras de criança grande. Como o dardo não lhe era dirigido daquela vez, olhou para Frank Slate, que cavalgava ao lado deles. Mas era difícil ler alguma coisa na face morena e bonita do vaqueiro.
Frank notou a observação de que era alvo, nada dissimulada, e sorriu levemente.
— Não faças caso dele... — disse, no tom frio e repousado que lhe era habitual. — Iremos ao hotel„ para ver se conseguimos, ao menos, um quarto para os três, e depois esperamos-te no «Fox Case».
— Eh, devagar!... — protestou Jay, quando paravam em frente da barbearia. — Eu preciso de comprar uma camisa.
— Podes comprá-la sozinho, não?
— Não, não posso. Se vou lá sozinho, Alice faz-me perguntas que eu fico tonto, e em vez de trazer uma camisa trago uma vassoura, ou coisa parecida. Por outro lado quero pedir-lhe que me reserve uma dança para *o baile de amanhã, e ela não o fará enquanto não souber quais são as danças que tu preferes.
Frank inclinou-se sobre o arção da sela e olhou para o amigo, com um ar de dúvida.
— Há momentos em que eu pergunto a mim mesmo se não estarás mal da cabeça... — disse, muito calmo. — E qualquer dia vou sair das dúvidas, vendo o que é que tens lá dentro.
Jay soltou uma gargalhada, ante a ameaça do amigo.
— Tenho um amor desesperado... — declarou ele, com uma expressão trágica. — Tu bem o sabes, pobre, de mim.
— Vai para o diabo!
— Mas eu, ao menos, reconheço nobremente o meu estado e não ando a disfarçar como tu... — continuou, o alegre rapaz.
— Isto está a pôr-se interessante... — comentou Roy, ajeitando-se mais comodamente sobre a sela.,— E quem' é a tua paixão? Conheço-a?
— Claro que sim... — respondeu Jay, imediatamente. A filha de Enders! Imagina! A herdeira de um dos mais ricos ganadeiros da região! Eu sou assim, não gosto das coisas fáceis.
— E ela?
O loiro rapagão encolheu os ombros fortíssimos.
— Ela bem o sabe, mas faz-me sofrer. Ora! Eu também sei que se trata de um sonho irrealizável, e por isso aceito as coisas tão filosoficamente quanto posso.
Ria-se de si mesmo, e Donovan admirou-o por isso. Se realmente estava apaixonado pela jovem, não devia ser-lhe fácil manter a sua aparência jovial, reconhecendo ao mesmo tempo que tinha de renunciar às suas mais queridas ilusões.
— Mas nós não estávamos a falar de mim. Falavamos deste tímido pateta...— continuou o loiro vaqueiro. A filha de Elihu mostra um flagrante interesse por ele... e o tolo foge dela como do diabo. No domingo passado tive de ameaçá-lo com um pau para que ele a fosse buscar para dançar, e agora vou levá-lo à presença dela, ainda que tenha de o amarrar de pés e mãos.
— Estás a aborrecer-me com as tuas manias casamenteiras, garanto-te que...
— Não garantas nada. Estás perdidinho por essa rapariga, e todos esses grunhidos não são mais do que uma cortina de fumo com que não enganas ninguém.
— Fantasias tuas.
— Está bem, são fantasias... — disse Tyler, divertido. -- Nesse caso não deves ter inconveniente em me acompanhar ao armazém.
Frank estava apanhado e, compreendendo isso, encolheu resignadamente os ombros.
— Como quiseres... — disse ele. — Vamos.
Roy viu-os afastar-se e, sorrindo, desmontou e entrou na barbearia.
O armazém dos Nason não era longe. Os dois vaqueiros pararam à porta, prenderam os cavalos à barra e entraram no estabelecimento.
Ally estava por detrás do balcão, a atender uma senhora gorda e idosa, mas nem por isso deixou de notar a entrada dos dois rapazes e um relâmpago de alegria brilhou nos seus belos olhos, ao mesmo tempo que os envolvia num deslumbrante sorriso.
— Olá, rapazes !... — exclamou ela, quando por fim se viu livre da cliente. — Vêm pôr a povoação em alvoroço?
— O que queríamos pôr em alvoroço era o teu cora-ção... — replicou Jay, prontamente. E acrescentou, pérfido : —Este amigo, pelo menos, suspira por isso.
Não era fácil, no entanto, alterar a fria calma de Frank, que se limitou a sorrir levemente.
Ally dirigiu-lhe um olhar luminoso.
— Isso é verdade, Frank?
— Podes duvidar?
— Como hei-de saber? És tão fechado como um índio.
Frank sorriu abertamente, o que suavizou a dureza das suas feições.
—Jay veio para comprar uma camisa, acho eu... — disse ele, depois de se ter certificado de que o amigo se afastara e não podia ouvi-lo.— Mas eu vim só com uma ideia... Podes reservar-me uma dança no baile de amanhã?
— Sim... — murmurou ela, baixando os olhos para que ele não visse como brilhavam.
— Mais do que uma?
— Sim... — repetiu ela, do mesmo modo.
Jay tinha-se afastado discretamente e parecia concentrado na observação de umas botas que eram flagrantemente pequenas demais para ele. No entanto não estava tão distraído como pretendia fazer crer, porque notou a entrada de duas clientes no mesmo instante em que elas transpuseram o limiar.
— Bem, acho que posso passar sem essa camisa... — disse ele em voz alta, para chamar a atenção do amigo e de Ally.
Frank não se surpreendeu com a brusca mudança de ideias do seu hercúleo companheiro, porque desde o princípio que sabia tratar-se -Cinicamente de um pretexto para o levar ao armazém.
— Até amanhã... — disse ele, encaminhando-se para a saída.
Jay foi atrás dele, assobiando alegremente, e ao passar junto das duas mulheres que acabavam de entrar, fez-lhes um profundo cumprimento.
— Bem, companheiro... — disse ele a Frank, alcançando-o no passeio. — Acho que chegou a altura de ir beber um trago. Ganhei-o bem, parece-me...
— Eu convido... — assentiu Slate.
Tyler não deixou fugir a oportunidade.
— Que festejamos? — perguntou, esfregando alegremente as mãos. — Deu-te o «sim»?
— Eu é que te vou dar com uma coisa na cabeça, se não acabas com essas brincadeiras.
— Está bem, cara de tijolo. Guarda tudo para ti. Não preciso das tuas confidências para nada.
— Se estás zangado suponho que já não queres aceitar o meu convite, não é assim?... — troçou Frank.
— O diabo que te leve!... — apressou-se Jay a replicar. — Pelo contrário, em desagravo vais ter que duplicar o oferecimento.
Rindo, atravessaram a rua e dirigiram-se para o «saloon» em frente. Chegavam ao passeio quando se abriram os dois batentes do estabelecimento, para dar passagem ao pequeno Joe e ao gigantesco Nick.
Os dois grupos imobilizaram-se no mesmo instante. As pessoas que passavam pelas imediações pararam também ao notar a atitude agressiva dos quatro homens. Conhecendo a rivalidade existente entre eles, foram muitos os transeuntes que se apressaram a afastar-se prudentemente.
Começava a noitecer, e no interior das casas, bem coma nos estabelecimentos, acendiam-se as luzes.
— Hum!... — resmungou Joe, em tom de ameaça. — O homem forte e o galo de briga do «Shoe». Onde deixaram a nova aquisição?
— Não precisas correr... — respondeu Jay, prontamente. — Ainda se demora um bocado, de maneira que podes fugir sem pressas.
A cara magra do pistoleiro contraiu-se numa expressão de raiva.
— A tua avó enganou-te, quando te disse que eras engraçado... — resmungou.
— Tu não tiveste avó, pois não?... — perguntou Jay inocentemente.
Joe olhou-o com desconfiança. Mas ainda não o conhecia bem.
— Porque dizes isso?... — perguntou.
Tyler olhou-o de alto a baixo, descaradamente e baixando muito a cabeça.
— É porque as avós aumentam tudo, segundo dizem, e a ti ninguém te aumentou nem sequer um bocadinho!...
O pistoleiro empalideceu e levou ostensivamente a mão direita à coronha do revólver.
— Maldito imbecil!... — guinchou. — Diz outra como, essa e mato-te!
— Tira a mão daí, Joe, ou é possível que sejas tu a apanhar uma indigestão de chumbo... — avisou a voz fria e lenta de Slate.
O pequeno pistoleiro voltou-se para ele, como se tivesse sido picado.
— Deveras, Frank?... — disse ele, entredentes. — Já me tinham dito que nos últimos tempos tens andado muito brigão.
— Sim?
— Pelo visto queres deslumbrar a pequena do Elihu, mostrando-lhe como és valente. Olha, ali a tens à porta do armazém. Achas bem que eu fuja agora, a guinchar de medo? Com certeza que isso a faria cair nos teus braços. Ou já lá esteve?
A intenção do pistoleiro era, sem dúvida, a de perturbar Slate. Mas enganou-se completamente.
— Empunha o revólver, Joe. Vou matar-te... — disse Frank, em voz gelada.
No olhar do moreno vaqueiro havia qualquer coisa que fez com que Joe se agitasse, inquieto, buscando melhor posição.
— Ao que parece deu-te com força... — tentou ele ainda bazofiar, embora a sua voz tivesse enrouquecido subitamente.
— Dentro de três segundos arranco-te a língua, Joe. Empunha o revólver, e fá-lo com rapidez!
Os dois homens tinham-se curvado ligeiramente, e cada um deles vigiava, atento, os movimentos uni do outro. As suas mãos tensas, abertas como garras de aves de rapina, aproximavam-se das coronhas das armas, quase a roçá-las.
Foi Joe o primeiro a entrar em ação. O revólver pareceu saltar-lhe da mão, expelindo um jato de lume perfeitamente visível na meia penumbra do calmo entardecer.
Mas uma fração de segundo antes, o corpo do pequeno pistoleiro começara a girar para um lado, em consequência do choque de uma bala no lado esquerdo do peito. Deu uns passos incertos até se agarrar a um dos postes do alpendre.
Ficou assim, de costas para Frank, que o vigiava atentamente, de arma pronta. Um momento depois deixava cair o revólver e começava a resvalar, encolhendo-se como um boneco de trapos, até cair de costas na poeira da rua.
— Frank!
O rapaz voltou-se vivamente, e Ally, que chegava em corrida, lançou-se-lhe nos braços a soluçar.
Slate meteu o revólver no coldre e acariciou a loira cabeça que se escondera no seu ombro.
— Não chores, pequena... — murmurou. — Não me aconteceu nada.
— Oh, Frank ! Tive medo... que tu...
Slate afastou-a suavemente de si e olhou-a, sorrindo. Mas como ela mantinha a cabeça e os olhos baixos, tomou-lhe o queixo nos dedos e fê-la levantar a linda face molhada de lágrimas.
— Estão todos a ver-nos... — sussurrou. — Agora, se eu disser que és a minha noiva, não poderás negá-lo.
Ally levantou então os olhos para ele, muito abertos, fitando-o.
— Frank !... — suspirou.
— Quando nos casamos?
—Frank!... — exclamou ela, em tom mais alto.
— Não podes dizer-me que não... — disse ele, sorrindo.
Com um grito de alegria, a jovem lançou-lhe os braços ao pescoço e, sem se preocupar com quem pudesse vê-los, ergueu-se nos bicos dos pés e beijou-o nos lábios.
Jay atirou com o chapéu ao ar, ao mesmo tempo que soltava um brado selvagem e iniciava um sapateado, esquecendo-se do gigantesco Nick a quem tinha estado a vigiar até àquele momento. Nick aproveitou o descuido para seguir rua abaixo até à primeira esquina, onde se abrigou empunhando o revólver.
Estava agora a coberto e, estando os dois vaqueiros do «Shoe» distraídos, poderia acabar com o mais perigoso deles antes que dessem por isso. Depois se ocuparia de Tyler. Este não era um «virtuose» do «Colt», e não o receava.
Espreitou com cuidado, erguendo a arma, e viu que efetivamente ninguém pensava nele. Levando a noiva pelo braço, Frank Slate atravessava novamente a rua para conduzi-la ao armazém, enquanto Jay Tyler se baixava para apanhar o seu chapéu.
Com um suspiro rouco, Nick apontou para as largas costas do homem que matara Joe. Não era rápido, mas atirava bem, e a pouco mais de vinte metros de distância não podia falhar o alvo.
domingo, 16 de outubro de 2016
KNS074. CAP V: O sacrifício do cavalo domado
Trabalhando agora como domador de cavalos, com mais dez dólares por mês e muito menos que fazer, Roy ocupou-se conscienciosamente da preparação do' alazão e da égua, deixando que o rosilho se restabelecesse do ferimento da pata. No sábado pela manhã foi buscar o alazão, já muito domesticado, para dar um longo passeio.
Afastou-se umas dez milhas na direção das montanhas, levando o cavalo a trote na intenção de poupar-lhe as forças para uma boa galopada durante o caminho de volta, e estava exatamente a pensar em fazer galopar o animal quando, ao passar em frente de uma estreita garganta que desembocava perto das nascentes do Canadian River, ouviu, a distância, mas perfeitamente nítidos, ecos de detonações.
Donovan, que não sentia a aversão de muitos vaqueiros pelo uso da espingarda, nunca saía sem levar a sua. Parando o alazão, empunhou a arma e verificou que estava carregada e em perfeito estado de funcionamento. Então fez com que o animal se internasse pela garganta, de onde continuava a vir o som de tiros frequentes.
Avançando a trote largo foi ouvindo cada vez mais próximo o tiroteio. Quase a seguir, pela abertura de urna das paredes de rocha, que alargava o desfiladeiro Para a esquerda, mais além do que Roy podia ver do sítio onde estava, distinguiu movimento.
Dois cavaleiros conduziam umas quantas cabeças de gado, enquanto outros quatro, rodeando uns penhascos, disparavam contra alguém que respondia aos tiros, tão furiosa como inutilmente.
As dúvidas de Roy, sobre o que estava a acontecer, foram de muito curta duração. Era evidente que se tratava de um assalto de ladrões de gado, e enquanto o grupo maior travava tiroteio com o vaqueiro, ou o par de vaqueiros, que vigiava os animais, os outros levavam as reses.
Fazendo parar o alazão, levou a espingarda à cara e, apontando cuidadosamente, fez fogo.
A distância era cerca de quinhentos metros e o alvo movia-se constantemente, de maneira que Roy não esperava acertar à primeira tentativa. Mas esquecera-se inexplicavelmente de que não montava «Dark» mas sim um animal meio domado, que não estava habituado aos tiros. O cavalo recordou-lhe imediatamente, encabritando-se, espantado, ao mesmo tempo que relinchava de pavor.
Durante os instantes seguintes, Roy não pôde ocupar-se de outra coisa senão de manter-se sobre a sela, tarefa que não era fácil, porque largara as rédeas para empunhar a espingarda e agora, não querendo abandonar a arma, só podia agarrar-se com uma das mãos ao arção da sela.
Roy não soube quanto tempo durou aquilo nem o que aconteceu entretanto, mas de súbito o animal foi--se abaixo, caindo pesadamente, e ele só teve tempo para desprender os pés dos estribos e saltar de lado, evitando que o corpo do alazão lhe caísse sobre a perna.
Não ouvira os tiros nem notara a aproximação dos bandidos, porque a sua luta com o alazão o impedira de ver o que se passava à sua volta, mas isso não o impediu de compreender que se encontrava numa situação quase desesperada. Tendo perdido a espingarda, na queda, empunhou um dos «Colts» mesmo antes de levantar a cabeça para ver o que o ameaçava.
Um cavaleiro vinha sobre ele, e no mesmo instante em que o viu, distinguiu o fumo branco que surgia do revólver do homem, e ouviu a detonação juntamente com o zumbido da bala. Instintivamente, levantou a arma que empunhava e fez fogo.
Empurrado pela bala, o bandido caiu para trás e rolou no chão por momentos, até ficar imóvel.
Mas Donovan nem olhou para ele. Levantara-se de um salto e disparou sobre outro cavaleiro. O homem desviou habilmente o cavalo e fê-lo encabritar-se, para se encobrir, ao mesmo tempo que se debruçava para alvejar o vaqueiro. Este, porém, antecipou-se e meteu--lhe urna bala entre os olhos.
Um pouco mais longe, um terceiro bandido, assustado pelo rápido fim dos seus companheiros, deteve o seu cavalo e obrigou-o rudemente a dar meia volta, fugindo e disparando uma chuva de balas, ao acaso, para proteger a sua fuga.
Roy atirou-se ao chão e fez fogo sobre o fugitivo, mas perdera uns instantes preciosos e o bandido afastava-se com a rapidez de um raio, de maneira que não pôde atingi-lo. Donovan tinha visto a morte muito de perto e es-t.a.va, além disso, furioso pela perda do alazão. Endireitando-se, procurou febrilmente a espingarda.
Todavia levou algum tempo a dar com ela. A erva, alta e espessa, não deixava ver o chão, e foi preciso afastá-la com as mãos até que, finalmente, descobriu a espingarda. Mas nessa altura já o resto dos bandidos havia desaparecido, esgueirando-se sem dúvida pela abertura da muralha.
Roy aproximou-se então do alazão e viu que ainda respirava, embora atingido por uma bala que devia ter perfurado os pulmões, a julgar pela espuma sanguinolenta que lhe manchava o freio. Nada podia fazer para o salvar.
Não tinha tremido a mão do vaqueiro, ao disparar sobre os bandidos para defender a sua vida, mas tremia-lhe agora, ao disparar o tiro de misericórdia na cabeça do pobre animal.
Viu então dois homens que apareciam de entre as rochas em torno das quais os assaltantes tinham galopado pouco antes, disparando. Traziam os cavalos à rédea e dispunham-se a montar, possivelmente para se aproximarem dele. Roy observou-os por um momento e foi depois examinar o homem sobre quem disparara o seu primeiro tiro de revólver.
O bandido tinha uma ferida no peito, com mau aspeto, mas embora inconsciente respirava ainda. Na queda perdera o revólver, que não se via perto dele, de maneira que não representava perigo mesmo que recuperasse os sentidos e tivesse forças suficientes para tentar alguma coisa. Deixando-o, Roy foi observar o outro, mas este oferecia ainda menos perigo porque estava morto. Os dois cavaleiros aproximavam-se. Ray esperou-os, guardando o revólver no coldre.
Eram dois rapazes, um dos quais levava um lenço ensanguentado em volta do antebraço direito. Pararam perto de Roy.
— Chamo-me Pythias Lecky, e este é o meu companheiro Alain Sewell... — disse o vaqueiro ileso, um tipo magro, de pernas compridas. — Chegaste no momento próprio, camarada, e estamos-te muito gratos,
— Vocês teriam feito o mesmo por mim. O meu nome é Donovan, Royal Donovan, mas os amigos chamam-me Roy.
— O texano do «Shoe»! Ouvimos falar em ti, companheiro. Dave e Jed, os filhos do patrão, contaram--nos como domaste a égua. Muito prazer em conhecer-te.
Os dois vaqueiros desmontaram e apertaram vigorosamente a mão de Roy.
— Vocês trabalham para «Mr.» Enders?
— Sim.
— Um tipo simpático, segundo me pareceu.
— Quando não lhe roubam gado... — sorriu o rapaz ferido. — Porque não nos acompanhas ao rancho? Ele deve com certeza querer agradecer-te, porque lhe salvaste uma boa porção de reses.
— Qualquer dia passarei por lá, mas agora preciso voltar ao «Shoe». Tenho de contar a «Mr.» Marvin como perdi o alazão. Vocês também não devem demorar-se. Essa ferida precisa ser tratada, Alain, e há ai um tipo mal ferido.
— Como quiseres. Ver-nos-emos esta tarde em Wagon Mounds, não?... — perguntou Pyt.
— Com certeza. Mas agora façam o favor de me trazer o cavalo de um desses tipos que eu desmontei, porque não gostaria de voltar a pé.
— É para já.
Os dois rapazes montaram e Pyt não tardou a reaparecer, trazendo os cavalos dos dois bandidos abatidos. Roy escolheu um tordilho de boa estampa, trocando pela sua a sela que ele trazia. Minutos depois despedia-se dos seus novos amigos e voltava pelo caminho do rancho de Marvin.
Não ia muito contrariado pela maneira como se haviam desenrolado os acontecimentos. Escapara ileso de uma situação difícil e, embora tivesse perdido o alazão, levava um cavalo quase tão bom como ele e tinha a certeza de que Enders enviaria o outro cavalo e as selas, de modo que o balanço final seria favorável por larga margem.
Mergulhado nas suas reflexões alcançou o vale do Canadian River, e quase imediatamente avistou os dois cavaleiros que seguiam a todo o galope ao longo da margem.
Os cavalos eram ótimos e quem os montava tirava deles o máximo partido, no que parecia ser uma renhida competição. Roy deteve o tordilho e observou os cavaleiros.
Estavam a cerca de meia milha de distância, e com a velocidade que traziam, não tardariam a passar diante dele. Mal fixara a sua atenção, Roy fez duas descobertas sensacionais. O animal que corria na frente era sem sombra de dúvida, a égua meio domada, e quem a montava não podia ser outra pessoa senão Arabella Marvin.
O vaqueiro soltou uma praga. Era loucura fazer galopar daquela maneira um animal ainda meio sei» vagem.
Todavia, Roy não teve muito tempo para refletir sobre a temerária inconsciência de algumas mulheres, porque reparou então no outro cavalo, que vinha uns trinta metros atrás e que não só mantinha a distância mas ia ganhando terreno pouco a pouco, apesar da endiabrada velocidade da égua. Apenas o tinha visto uma vez, mas era inconfundível. Não podia haver outro zaino como aquele, naquelas terras. Era, sem dúvida possível, o mesmo que ele vira, constantemente contido pelo seu cavaleiro, no mesmo dia em que havia conhecido os Marvin. Era o cavalo de um dos bandidos que fugiam, perseguidos pelos vaqueiros do «Shoe».
Sem perder tempo em mais averiguações, Donovan lançou o tordilho a galope, para intercepta o caminho dos que se aproximavam.
Meio minuto depois estava quase ao lado de Arabella, que lhe gritava qualquer coisa ininteligível.
— Corra, não seja doido !... — ouviu por fim, claramente. É Herbert Coe!
Roy já tinha começado a suspeitar disso, mas o facto não o perturbou em nada. Não conhecia o tal Coe, e decerto o nome dele não bastava para assustá-lo. Era preciso muito mais, para conseguir isso.
Compreendeu então que Arabella estava a esforçar-se para deter a égua, coisa que de nenhum modo lhe convinha.
— Siga... — gritou, fazendo avançar o tordilho junto dela.— Não páre !
Não era fácil dominar a égua ainda meio selvagem, e a jovem continuou a galopar sem todavia cessar os seus esforços. Roy fixou então a sua atenção no ganadeiro-bandido, que vinha muito perto e acabava de deter a montada.
Era um homem novo, que não devia ter mais de trinta anos, moreno, de grandes e ardentes olhos negros e magnificamente constituído.
— Olá!... — exclamou Coe, observando detidamente o homem que se atrevia a cortar-lhe o caminho.— Você deve ser esse forasteiro que anda por aí a fazer coisas.
— Acertou... — respondeu Roy, numa voz lenta onde havia um som frio e metálico.— E você é esse ganadeiro que é ao mesmo tempo pistoleiro e ladrão de gado.
Coe riu-se tranquilamente, sem parecer incomodado com a descrição pouco amável de que era objeto.
— Dois dos meus homens estão desejosos de voltar a cumprimentá-lo... — disse.
Arabella chegou junto deles antes que Donovan pudesse responder, e parou a égua, que se agitava.
— Vá-se embora e deixe-nos em paz, CoeI... — gritou ela, excitada. -- Já basta que...
Não pôde continuar, porque a égua encabritou-se e quase se lançou sobre o tordilho que Roy montava.
— Por favor, «miss» Marvin... — exclamou Roy, dominando o cavalo que também começava a mostrar-se inquieto. — Siga para o rancho. A sua presença aqui não é precisamente uma ajuda.
Tinha-se distraído por um momento, e tanto bastou para que se visse em frente de um revólver que lhe apontava diretamente à cabeça.
Com um sorriso tranquilo, Coe fez avançar o zaino.
— Solte o cinturão e deixe-o cair... — ordenou.
Surpreendido de maneira tão estúpida, Roy não teve outro remédio senão obedecer.
— Agora a espingarda!... — continuou o outro.
— Qual é a ideia?
— Não se preocupe com isso, agora.
Roy puxou a coronha da arma até fazê-la sair do coldre, e depois deixou-a cair no chão.
Coe tinha-se aproximado mais e fitava o texano, com uma expressão de troça.
— Teria gostado de ver se você é tão bom com os punhos como afirma Nick, mas veremos isso noutra ocasião. Agora prefiro ocupar-me de «miss» Marvin. Vamos, Arabella, anda cá. É muito boa, essa tua égua, e já estou cansado de correr atrás de ti. De maneira que, se tentares fugir outra vez, furo a pele deste rapaz. Não queres ter a morte dele a pesar-te na consciência, pois não?
— Que sabe você de consciência?
— Lembra-te de que estamos a falar da tua.
— O meu pai há-de matá-lo por isto... — murmurou Arabella, com os dentes cerrados.
— Cada coisa a seu tempo... — respondeu Coe, sorrindo, sem que a ameaça parecesse incomodá-lo. Vamos, aproxima-te!
A jovem obedeceu, mas de súbito fustigou a égua que saltou para a frente como um gamo, lançando-se sobre o zaino.
O ataque foi extraordinariamente rápido, mas Coe era, muito hábil ou esperava qualquer coisa no género, porque no mesmo instante fez afastar-se o zaino, com a graça fácil de um passo de dança, evitando o choque ao mesmo tempo que soltava uma gargalhada.
O movimento, porém, tinha-o colocado quase ao lado de Roy, e este, sem pensar duas vezes, atirou-se sobre ele, de cabeça.
Coe viu o movimento e voltou-se vivamente, brandindo o revólver que empunhava ainda, mas Donovan estava já em cima dele e empurrava-o com o seu peso e a força do impulso que tomara.
O empurrão fizera com que Herbert perdesse o equilíbrio, e com o braço esquerdo aprisionado pelo corpo do seu adversário, sentindo que caia, largou o revólver para se agarrar instintivamente ao arção da sela.
O zaino agitou-se, deslocando-se de lado, e os dois homens, numa posição insustentável, descaiam para o chão, sem que nada pudessem fazer para o evitar.
Entretanto Arabella lutava para dominar a égua, novamente encabritada. A grande estatura do cavalo e o facto de caírem de cabeça, fez com que os dois homens se esquecessem de tudo o que não fosse amortecer a queda, e rolaram pela relva, desfeito o abraço que os unia.
Ergueram-se no mesmo instante, olhando-se, na expectativa.
— Parece que, no fim de contas, sempre tenho que ver do que és capaz com os punhos... — grunhiu Herbert.
— Não há dúvida de que vai ter ocasião para isso... — assentiu Roy, avançando lentamente para ele.
Ao aproximar-se do seu inimigo, Donovan pareceu diminuir, por efeitos da comparação. Embora tivesse cerca de um metro e oitenta de altura e os ombros bastante largos, Coe era ainda mais alto e mais largo do que ele, embora tão bem proporcionado que isso mal se notava, não estando bastante perto para estabelecer as diferenças.
Não estavam separados por mais do que um par de metros, quando o ganadeiro se pôs em guarda adiantando o pé e o braço esquerdo.
Arabella não pensou, nem por um instante, em escapar. Em vez disso desmontou e, levando a égua até onde Roy deixara cair a espingarda e os revólveres, apanhou o cinturão com os «Colt» e voltou a montar, atravessando-o sobre a sela e empunhando uma das armas, para intervir em caso de necessidade.
Coe notou a manobra e franziu o sobrolho, mas nada podia fazer para evitá-la. A primeira tarefa a levar a cabo era desfazer-se daquele endiabrado vaqueiro que o surpreendera e lhe parecia um mau inimigo, porque adotava a sua mesma guarda, protegendo o peito e o estômago com o braço direito. Era evidente que conhecia as regras do pugilismo, o que era estranho e pouco tranquilizador.
Resolvido a acabar rapidamente, lançou-se sobre o vaqueiro, que o esquivou com um brusco salto de lado, e seguindo-o disparou o punho esquerdo, mas encontrou apenas o ar.
Furioso, perseguiu Donovan, que esquivava sem cessar. Herbert lançou um golpe da esquerda, que roçou a orelha de Roy, e mal teve tempo para se furtar à fulminante resposta, que lhe acertou de raspão num olho, produzindo uma forte escoriação.
Cheio de raiva, com a evidente intenção de acabar com a luta logo de princípio, Coe atacou de novo e atirou os dois punhos contra o estômago de Roy. Houve um ruido surdo, mas era apenas o choque dos punhos no antebraço do vaqueiro, que parara o golpe.
Roy esquivou-se de novo, sem que um só golpe do seu adversário lhe tocasse o corpo.
— Maldito bailarino!... — rosnou Herbert Coe, desesperado. — Para de uma vez, e combate como um homem!
— Fá-lo-ia... — respondeu Roy, sorrindo tranquilamente — ...se tu fosses um homem. Mas não és mais do que uma pele cheia de vento. E uma pele de coiote, ainda por cima.
Coe fez-se vermelho e, cego de cólera, baixou a cabeça, lançando-se ao ataque mais uma vez.
Arabella esquecera-se de que tinha um revólver na mão, empolgada por aquela luta como nunca vira outra. O pugilismo era quase completamente desconhecido no sudoeste, por aquela época. De súbito a jovem levou a mão à garganta, sufocando um grito.
Desta vez Roy não cedeu terreno. Firmou-se nos pés e, quando o adversário chegou ao seu alcance, disparou pela primeira, vez o seu punho direito, alcançando-o na maçã de Adão. O golpe teve um som surdo, como o que faria um pássaro morto ao cair sobre uma tábua. Os dois braços de Coe penderam e o seu corpo tombou pesadamente.
Donovan recuou, para evitar alguma traição, e esperou.
— Mas... que faz? Acabe com ele agora! Não deixe levantar-se!... — bradou a voz excitada da rapariga.
Roy continuou a observar o adversário, sem se descuidar.
— «Miss» Marvin não gosta da violência, lembre-se disso... — disse ele, num tom de leve ironia. — Trate de convencer esse homem a ser bom rapazinho e a ir para casa em paz.
A égua, como sentindo a excitação da rapariga, agitava-se, inquieta.
— Oh! Não seja estúpido!... — gritou Arabella, desorientada. — Ninguém foi capaz de vencer esse homem e se você não aproveita a sorte que teve ao derrubá-lo não poderá esquivar-se por muito tempo mais. E nessa altura Coe esmaga-o, parte-lhe os ossos!
Roy não respondeu. Para quê? Que ela continuasse a pensar que aquele soco tinha sido dado por acaso era uma coisa que ele não podia impedir falando, Herbert Coe estava já a levantar-se. Observou-o com atenção.
O suor empapava a camisa do homem, e o tecido, pegado à carne, deixava ver uma espécie de almofada de gordura, por cima do cinto, movendo-se agitadamente. Coe era sem dúvida muito forte, mas não estava em perfeita forma e havia evidente fraqueza nos músculos que deviam proteger-lhe o estômago.
O bandido levantou-se devagar, vigiando o seu in migo, sem compreender como era que ele não tinha, aproveitado aquele breve fora-de-combate para o liquidar definitivamente. Começava a temer que houvesse naquilo alguma astúcia.
Em pé, tossiu para aclarar a garganta dorida, e de súbito lançou-se num brusco e enfurecido ataque, convencido de que só um golpe de sorte permitiria que Roy o derrubasse.
Atirou-se contra Roy, brandindo os punhos com tremendo ímpeto, mas ele esquivou-os ou opôs-lhes a sua guarda cerrada.
Passado um minuto Coe deteve-se, arquejante, encharcado em suor e com a cara vermelha pela ira e pelo esforço.
— Para de uma vez, maldito bailarino!... — rosnou.
A sua voz parecia estrangulada, entrecortada pelo ofegar violento. Donovan, de súbito, simulou uma hesitação, como se não soubesse que decisão tomar.
Coe saltou, aproveitando o aparente desconcerto do adversário, e com um grito rouco ergueu o punho e descarregou-o como um martelo na direção da cabeça de Donovan. E então este, longe de se afastar, disparou um direto ao estômago do bandido.
Soltando uma espécie de rugido abafado, Herbert dobrou-se ao meio, e a sua mão, perdida a força, foi cair sobre o ombro de Donovan. Um soco da esquerda acertou-lhe outra vez na garganta, e logo, de novo, a direita de Donovan lhe martelou o estômago.
Coe agarrou-se desesperadamente ao vaqueiro e ambos rolaram pelo chão, mas Donovan libertou-se quase imediatamente e, levantando-se de um salto, afastou--se, pouco disposto a deixar-se apanhar num corpo-a-corpo onde a considerável diferença de peso seria favorável ao bandido.
Herbert levantou-se também lenta e dificilmente
— Hei-de matar-te por isto... — rouquejou, com um esforço tremendo.
— Estás pronto!... — replicou, tranquilamente Roy —E agora vou dar-te uma lição que há-de ficar-te na memória.
E deu-lha. Deliberadamente, conscienciosamente martelou-o com golpes precisos, dolorosos e espetaculares, mas não decisivos. Até que, cansado e enjoado, pôs fim à luta com um soco da esquerda, ao estômago, e outro da direita, à garganta.
Coe abateu-se pesadamente, como um tronco decepado.
Enxugando o suor com a manga da camisa e sacudindo a cabeça para tirar da testa os cabelos ei desalinho, ofegante, com um olho quase fechado e uma larga escoriação no maxilar do mesmo lado, Roy voltou-se para a rapariga que, muito pálida, o olhava, com os olhos muito abertos, parecendo prestes a saltar-lhe das órbitas.
E nesse momento, com profunda vergonha, a jovem compreendeu que os seus instintos eram, naquele momento, puramente primitivos. Tinha recuado milhares de anos no tempo, tornando ao estado da fêmea que, olha ansiosa e fascinada para o macho triunfante, que lutou por ela e a conquistou em feroz combate.
Uma onda de sangue lhe subiu à cara. Baixou os olhos, sentindo que desejava que a terra a engolisse.
Por sorte para ela, Roy não tinha a vista muito clara naquele momento, porque uma gota de suor entrara no seu olho são, enchendo-lho de lágrimas.
O vaqueiro apanhou o chapéu e a espingarda, aproximando-se depois da égua para recolher o cinturão.
— Quer devolver-mo?... — disse ele, estendendo a mão para o revólver que ela ainda empunhava.
— Oh !... — exclamou ela. E, incapaz de acrescentar qualquer outra palavra, entregou-lhe a arma que ele deixou cair no coldre, encaminhando-se depois para o tordilho que se afastara um tanto.
Tendo afivelado o cinturão, Roy repôs a espingarda no coldre da sela, colocou o chapéu sobre a coronha da espingarda e, apanhando o cantil, bebeu um longo trago de água e entornou o resto por cima da sua cabeça. Então, montou, cansado.
— Creio, «miss» Marvin... — disse — ... que são horas de voltar para casa.
sábado, 15 de outubro de 2016
KNS074. CAP IV. A arte de domar uma égua selvagem
Já antes de chegar ao rancho, escoltando os dois carros, Roy reparou que reinava ali grande animação. Ao parar diante da casa viu um grande número de vaqueiros ociosos. Sem se ocupar deles, desmontou de um salto e encaminhou-se para o carro, a fim de ajudar Arabella a descer. Com grande surpresa sua, viu que ela o esperara e aceitava a sua mão.
— Obrigada... — disse ela, com um deslumbrante sorriso e olhando-o de tal modo que ele sentiu o coração começar a bater de maneira diferente.
Ficou tão aturdido que teve um sobressalto ao ouvir a voz de Marvin, que se aproximara para receber os recém-chegados.
— Olá, Eli! Como está, Ally? Estávamos à vossa espera. Entrem.
Donovan apressou-se a apanhar os embrulhos que estavam dentro do carro, e com eles entrou no amplo e fresco vestíbulo da casa, ouvindo vozes provenientes de um dos compartimentos cujas portas se abriam para ali.
— Estão cá os Enders... — estava Marvin a dizer.— Organizámos uma pequena festa, para vermos como Roy levanta a poeira no curral.
— Roy domará a égua. Vais ver... — disse Arabella, em voz firme e clara.
Marvin voltou-se para o vaqueiro, que parara sem saber o que fazer com os embrulhos.
— Você ouviu, rapaz... — disse o ganadeiro, divertido.— Terá que se aguentar na sela, seja como for, para honrar esta confiança... um tanto recente.
Donovan soltou uma gargalhada, sentindo-se sereno e confiante.
— Hei-de aguentar-me... — declarou. — Não posso deixar mal a menina.
O ganadeiro riu também.
— Pouco tardará que se veja isso. Largue esses embrulhos onde puder, e venha para que eu o apresente aos nossos amigos.
Roy aproximou-se de uma pequena mesa, deixando sobre ela o que levava, e encaminhou-se depois para onde o ganadeiro o esperava, junto a uma porta por onde tinham passado os outros e de onde vinham vozes alegres de mulheres e vozes mais graves, de homens.
— Aqui está o herói... — anunciou Marvin, levando Roy na sua frente.
Um tanto perturbado, apesar de não ser tímido, nem nada que se parecesse com isso, Roy fitou as caras que se voltavam para ele, vendo algumas que lhe eram completamente desconhecidas.
Havia um homem corpulento, já de idade madura, de expressão franca e simpática, cujo aspeto revelava o ganadeiro e que devia ser o chefe da família Enders, a que Marvin já se referira; duas senhoras não muito jovens, a mais nova e bonita das quais devia ser a mãe de Arabella, porque a semelhança era flagrante; uma rapariga morena e muito bonita e dois rapazes altos e magros, também morenos e bem-parecidos.
— Bem, rapaz. Tinha bastante curiosidade por travar conhecimento consigo... — disse o homem com aspeto de ganadeiro. — Ao que ouvi, você propõe-se fazer grandes proezas.
Notando a expectativa de todos, Roy recorreu à sua alegre maneira de se mostrar fanfarrão, para sair da dificuldade.
— Sou texano, senhor... — respondeu, sorrindo. — E já se sabe que, onde estiver um texano, tem de fazer mais e melhor do que qualquer outro.
O homem riu alegremente.
— Acredito-o... — disse ele, bem disposto. — Pelo menos não há quem se atreva a ser mais simpaticamente gabarola do que um texano. Posso apostar em como a égua o deita ao chão, meu rapaz?
— O senhor é hóspede do meu patrão, e não gostaria de ganhar o seu dinheiro.
Enders voltou-se a rir.
— Que atencioso! Pois aqui somos todos multo simples, Donovan, e não é preciso andar com tantas considerações. Ou isso será um modo de disfarçar o medo?
Roy encolheu os ombros.
— Ando mal de fundos nesta altura...— disse —mas tenho uma Padget trabalhada à mão e com adornos de prata, que me custou trezentos e cinquenta dólares. Quer vê-la?
— Decerto! Já me falaram nela, e gostaria de a ver.
— Pois está ali fora, no portal.
O rancheiro saiu, seguido por todos os outros, e Roy foi atrás deles.
Um dos jovens desconhecidos estava junto de Arabella e falava-lhe animadamente. O texano olhou-o com ressentimento.
Era um rapaz bem constituído e de aspeto simpático. Parecia muito entusiasmado com a jovem, e ela não lhe fazia mau acolhimento.
«O inferno, Roy! Que esperavas?...», disse o vaqueiro consigo mesmo. «A guerra acabou com tudo quanto tinhas, família e bens, e agora não passas de um vaqueiro que não tem onde cair morto. Farás bem em não te esquecer disso, e em não olhar muito para cima. Porque raio não te vais embora daqui, enquanto é tempo?».
Mas chegou ao portal e viu como os homens rodeavam o seu cavalo, admirando a sela e o animal.
— Caramba, rapaz! Onde conseguiu tudo isto?
— Domando cavalos bravos... — respondeu o jovem, sorrindo, embora a resposta fosse em grande parte verdadeira.
A sua afirmação, embora feita em tom de gracejo causou certa impressão.
— Não tenho muita certeza de que isso seja verdade... — resmungou Enders. ---- E pelo sim e pelo não prefiro não apostar consigo. De qualquer modo estou disposto a comprar-lhe o cavalo e os arreios. Qual é o seu preço?
-- Nenhum. Não tenho nada à venda.
— Setecentos dólares por tudo. Creio que é uma boa oferta.
— Não é má, realmente, embora já mas tenham feito melhores. Mas é inútil insistir.
— Você estava disposta a apostá-los...
— A sela, unicamente. Sobre «Dark» não aceito apostas nem o vendo, embora me ofereça por ele toda a sua fortuna.
— Grandes palavras, essas.
— Que exprimem um facto bem simples. O cavalo é meu e não quero desfazer-me dele.
O cavalo parecia inquieto ante a curiosidade de que era alvo. Relinchou, sacudindo a cabeça, e olhou para o dono, como a pedir-lhe auxílio.
Roy aproximou-se dele, afagando-lhe o pescoço.
— Se mo permitem, vou tirar-lhe a sela... — disse. Usá-la-ei para montar a égua. Estou habituado a ela, e além disso terei a certeza de que não vai rasgar-se a cilha, ou partir-se um estribo.
Como ninguém fizesse objeções, Roy afastou-se em direção às cavalariças, levando «Dark» pela rédea.
Ao lado de Dave Enclers, o mais velho dos filhos do ganadeiro vizinho e amigo — embora sem pensar sequer na companhia dele— Arabella seguiu com os olhos o novo vaqueiro.
Tinha-o acusado de fanfarrão, e de facto ele alardeava alegremente as suas habilidades, mas não dissera uma palavra a respeito da sua luta contra os dois pistoleiros de Herbert Coe. Falaria nisso, quando estivesse com os seus companheiros? Sem motivo algum que justificasse a sua certeza, Arabella sabia que ele não faria qualquer comentário sobra o que, se tinha passado. E ela? Devia calar-se também? Dizê-lo seria provocar perguntas e tornar necessárias explicações, e se o pai chegasse a saber das afirmações de Coe; de que a faria sua custasse o que custasse, não era possível prever as consequências. Por outro lado a notícia, daquela luta circularia prontamente...
— Arbell!
A jovem olhou, sobressaltada, para o rapaz que se inclinava para ela.
— Iria jurar que não ouviste uma só palavra que eu te disse... — lamentou-se o jovem Enders.
Arabella não soube que dizer, porque realmente nem notara que ele estivesse a falar-lhe.
— Receio bem que assim seja, Dave... — sorriu ela, em desagravo. — Que dizias?
— Não tem importância... — murmurou ele, mal-humorado.
— Desculpa, estava distraída... — Mas não insistiu em averiguar o que ele tinha dito. Na verdade não tinha qualquer interesse em saber o que era.
— Tenho umas quantas garrafas de cerveja metidas no poço, Eli, e já devem estar bastante frescas... dizia naquele momento Daniel Marvin. — Há «whisky», também, e refrescos para as senhoras. Que lhes parece se nos sentarmos aqui mesmo, no portal? Está--se menos mal, e sem grande calor.
Entretanto os vaqueiros tinham dispensado um ruidoso acolhimento a Roy.
— Amigo, já te julgava em El Paso, pelo menos, de volta ao teu bem amado Texas... — bradou o formidável mocetão loiro que já de manhã gracejara com Roy e que este sabia agora chamar-se Jay Tyler.— Mas, ao que parece, preferiste evitar o incómodo da viagem, e antes queres que a égua te mande para lá, pelos ares.
Sem lhe prestar atenção, Roy desafivelou a cilha de «Dark» e, levantando a pesada sela, lançou-a para Jay, numa formidável demonstração de força.
— Segura aí, tamanhão... — disse — e guarda-a até eu voltar.
Mas o vaqueiro apanhou a «Padget» no ar e pô-la debaixo do braço, com surpreendente facilidade, rindo às gargalhadas.
— Está bem, rapaz. Não é preciso que te apresses... — replicou.
Roy riu-se também e levou «Dark» para a cavalariça, onde se ocupou em escová-lo, dando-lhe água e comida antes de voltar a reunir-se aos camaradas. Quando voltou viu que Jay, Frank e um par de outros rapazes estavam a selar a égua. Os outros tinham-se içado para a vedação, junto da qual havia uma galera sem toldo, certamente para que servisse de tribuna aos donos do rancho e aos seus convidados. Os mexicanos também tinham aproximado dois carros mais leves, e juntamente com as suas famílias contemplavam os preparativos, palrando excitadamente.
— Estás pronto, Roy? — perguntou o corpulento capataz, indo ao encontro dos vaqueiros.
— Já estenderam os colchões no chão?... — perguntou Roy por sua vez, alegremente.
Tap Roberts soltou uma gargalhada.
— Lembra-te de que és o tal tipo que nasceu em cima de um cavalo... — respondeu.
— O pior é que já estou crescidote e com ânsias de independência. Pode ser que a consiga hoje. Talvez o cavalo vá para um lado e eu para outro.
— Pois mais te vale guardares para outra ocasião as ideias separatistas. Agarra-te à sela e não a largues, se não queres quebrar os ossos. Vou avisar o patrão.
Enquanto o capataz se afastava em direção à casa, Donovan saltou para o lado de dentro do curral, aproximando-se dos companheiros que seguravam a égua. Esta, com os músculos tensos e palpitantes sob a pelagem que brilhava ao sol, tinha os olhos vendados, mas mesmo assim era difícil mantê-la quieta.
— Quando a montares vai explodir... disse Frank, com um sorriso. — Isto é como um cartucho de dinamite.
— Não te preocupes... — disse Tyler, animador. — Quando largar este veneno, vou buscar uma boa manta para apanhar os bocados do cavaleiro.
Ouviram os risos alegres das raparigas, e, olhando para a galera, Donovan viu-as subir, ajudadas pelos jovens Enders.
— Pronto, rapaz! — bradou pouco depois o vozeirão de Roberts.— Pode começar o baile.
— Adeus, companheiro... — disse Jay Tyler a rir. — Tenho pena de que estivesses tão pouco tempo connosco.
A sua voz alegre era um pouco arquejante, porque estava a segurar a cabeça da égua e os seus poderosos músculos distinguiam-se sob o tecido da camisa, no esforço de manter quieto o fogoso animal.
— Apostei por ti, Roy— disse Frank.— Aguenta firme!
Donovan montou, firmando-se bem nos estribos.
Frank olhou-o, e a um gesto dele...
— Larguem I... — gritou, puxando rapidamente a venda que tapava os olhos do animal.
Deslumbrada, aturdida, assustada, a égua manteve--se imóvel por um instante, erguida a bela cabeça, tensa e brilhante ao sol ainda alto, enquanto os quatro vaqueiros corriam a pôr-se a salvo.
Foi só um instante, mas permitiu que todos os espectadores pudessem observar o soberbo conjunto formado pelo animal e pelo cavaleiro.
Arabella, já muito interessada por aquele rapaz alegre e valente, que tão de súbito surgira na sua vida, sentiu-se impressionada pela espetaculosidade do momento.
Roy tinha magnífica figura, com as calças escuras metidas em finas botas texanas de onde se destacavam as brilhantes esporas de prata, cingida a cintura estreita pelo cinturão de onde só pendia a faca de caça, sobressaindo o tronco forte sob a camisa clara. Tinha o chapéu na mão esquerda, e os seus cabelos escuros, revoltos e ondulados, brilhavam em reflexos acobreados.
Mas a quieta plasticidade da figura equestre durou apenas um instante. Subitamente o belo animal selvagem ergueu-se no ar, num salto inverosímil, e com o dorso arqueado, as pernas hirtas, a cabeça baixa, começou a debater-se, saltando para a frente e para os lados, enquanto do chão se levantavam nuvens de poeira.
Violentamente sacudido por aqueles movimentos incontroláveis e inesperados, que pareciam querer desconjuntar-lhe as articulações, Roy, sem nada poder fazer para o evitar, viu como a sua montada se lançava sobre Tyler, o mais atrasado dos vaqueiros que corriam para a alta cerca do curral.
Estava quase em cima do rapagão, e parecia iminente o choque; ouviu mesmo os gritos assustados das mulheres, quando Jay saltou de lado, com uma agilidade incrível para a sua corpulência, e tirando o chapéu bateu com ele na cabeça da égua, bradando um alegre desafio.
Roy não viu como Jay se içava para a cerca, assobiado pelos ruidosos companheiros, porque já os saltos da endiabrada égua se sucediam em velocidade vertiginosa, e ele estava demasiadamente ocupado em manter-se sobre a sela.
Doíam-lhe os rins, o pescoço, o peito.., e parecia-lhe que estava completamente desconjuntado. Essa sensação tornou-se mais aguda quando o animal estacou subitamente, como que espantado de sentir ainda sobre o dorso o peso do cavaleiro.
Sobrepondo-se ao seu aturdimento, sabendo que devia aproveitar aquela curta trégua para assustar o animal e dominá-lo, Roy estendeu as pernas e roçou as esporas ao longo do corpo da égua, para a assustar sem a ferir, desde o poderoso peito até aos flancos arquejantes.
O animal soltou um relincho selvagem e encabritou-se, erguendo-se sobre as patas traseiras e lançando-se logo num salto inverosímil, para depois cair sobre as patas da frente, como se fosse mergulhar no terreno.
Roy tinha domado muitos cavalos selvagens, ganhara vários prémios em «rodeos» e havia sido derrubado muitas vezes, mas nunca daquela maneira.
Embora, no momento em que a égua tocou novamente no terreno, tivesse inclinado muito o corpo para trás, a violência do golpe e a inclinarão enorme da montada lançaram-no para diante, sem poder agarrar--se fosse ao que fosse ou fazer qualquer coisa para o evitar. Caiu sobre o pescoço suado do animal quando este se ergueu novamente, dando-lhe uma pancada violenta e projetando-o de costas.
Caiu em cheio no chão, braços e pernas abertos, na cambalhota mais aparatosa e ridícula que dera em toda a sua vida.
No primeiro instante, Donovan teve a ingressão de que o mundo desabara em cima dele, mas miando o universo deixou de girar como um pião, compreendeu que estava estendido no terreno, como um sapo amachucado. Endireitou-se penosamente, até ficar sentado, sentindo-se o homem mais maltratado do mundo.
Quando se dissipou completamente a névoa dos seus olhos, viu que a endiabrada égua se tinha afastado e o olhava com uma curiosidade desconfiada. Depois olhou para a vedação e viu um círculo de caras expectantes e alarmadas. Então, com plena consciência da figura que fazia, teve um ataque de riso tão violento que lhe vieram as lágrimas aos olhos e sentiu o corpo doer-lhe dos pés à cabeça.
— Bem, companheiro. Pregaste-nos um susto.
Viu diante dele, vagamente, o vulto esbelto de Frank Slate, e sem qualquer motivo riu ainda mais.
Um momento depois sentiu que o agarravam pelas axilas e o levantavam com pasmosa facilidade.
— Não tem nada partido, mas a pancada acabou por dar-lhe volta ao juízo... — ouviu ele comentar a voz de Jay, tão forte e próxima que ameaçava ensurdecê-lo.
— Pouco falta para pensares que a égua me fez cair... — exclamou, lutando para conter o riso.
— Ah, não !... — replicou Tyler, trocista, falando ainda mais alto para que todos pudessem ouvi-lo. Estiveste só a ensaiar uma nova maneira de desmontar.
— Com certeza! Tinha de deixar descansar o pobre animal.
A descomunal fanfarronada provocou uma explosão de riso entre os rapazes, que acabaram por assobiá-lo com força e longamente.
Roy apanhou o chapéu e cumprimentou com o maior descaramento, como se em lugar de assobios estivesse a receber aplausos.
Estava moído e sentia-se como se não tivesse um osso inteiro, mas manteve-se direito e risonho, como se nada se houvesse passado.
— Vamos, infelizes acólitos... -- disse ele, com ares de grandeza, aos dois vaqueiros que tinham acudido para o ajudar. — Apanhem-me esse pobre bicho, que vou acabar a lição do dia.
— Muito bem... — troçou Jay, sempre alegre.— Vá-mos lá a ver se és capaz de cair de cabeça e ficar teso como um pau. Desse modo teríamos uma curiosidade para mostrar aos visitantes, embora fosse bom arranjar um letreiro a dizer que se trata de um tipo morto e não de mais um cato nascido aqui.
Mas Roy não voltou a deixar-se desmontar, e por fim a égua, coberta de espuma, arquejante e assustada, deu-se por vencida e trotou em volta do curral, seguindo obedientemente as indicações do cavaleiro.
Ao desmontar, cambaleando e tendo a sensação de que as pernas se lhe tinham transformado em dois pedaços de cortiça, Roy sofreu a avalanche do entusiasmo dos companheiros e deu por si a cavalgar outra vez, agora aos ombros dos vaqueiros delirantes. Ao chegar à cerca atiraram-no para o outro lado, sobre os ombros de outro grupo que ali o esperava e o passeou em triunfo.
Quando, por fim, conseguiu libertar-se deles, correu para o rio e mergulhou na água. Depois foi meter-se na cama sem sequer se lembrar de que não tinha jantado. Já não podia mais.
— Obrigada... — disse ela, com um deslumbrante sorriso e olhando-o de tal modo que ele sentiu o coração começar a bater de maneira diferente.
Ficou tão aturdido que teve um sobressalto ao ouvir a voz de Marvin, que se aproximara para receber os recém-chegados.
— Olá, Eli! Como está, Ally? Estávamos à vossa espera. Entrem.
Donovan apressou-se a apanhar os embrulhos que estavam dentro do carro, e com eles entrou no amplo e fresco vestíbulo da casa, ouvindo vozes provenientes de um dos compartimentos cujas portas se abriam para ali.
— Estão cá os Enders... — estava Marvin a dizer.— Organizámos uma pequena festa, para vermos como Roy levanta a poeira no curral.
— Roy domará a égua. Vais ver... — disse Arabella, em voz firme e clara.
Marvin voltou-se para o vaqueiro, que parara sem saber o que fazer com os embrulhos.
— Você ouviu, rapaz... — disse o ganadeiro, divertido.— Terá que se aguentar na sela, seja como for, para honrar esta confiança... um tanto recente.
Donovan soltou uma gargalhada, sentindo-se sereno e confiante.
— Hei-de aguentar-me... — declarou. — Não posso deixar mal a menina.
O ganadeiro riu também.
— Pouco tardará que se veja isso. Largue esses embrulhos onde puder, e venha para que eu o apresente aos nossos amigos.
Roy aproximou-se de uma pequena mesa, deixando sobre ela o que levava, e encaminhou-se depois para onde o ganadeiro o esperava, junto a uma porta por onde tinham passado os outros e de onde vinham vozes alegres de mulheres e vozes mais graves, de homens.
— Aqui está o herói... — anunciou Marvin, levando Roy na sua frente.
Um tanto perturbado, apesar de não ser tímido, nem nada que se parecesse com isso, Roy fitou as caras que se voltavam para ele, vendo algumas que lhe eram completamente desconhecidas.
Havia um homem corpulento, já de idade madura, de expressão franca e simpática, cujo aspeto revelava o ganadeiro e que devia ser o chefe da família Enders, a que Marvin já se referira; duas senhoras não muito jovens, a mais nova e bonita das quais devia ser a mãe de Arabella, porque a semelhança era flagrante; uma rapariga morena e muito bonita e dois rapazes altos e magros, também morenos e bem-parecidos.
— Bem, rapaz. Tinha bastante curiosidade por travar conhecimento consigo... — disse o homem com aspeto de ganadeiro. — Ao que ouvi, você propõe-se fazer grandes proezas.
Notando a expectativa de todos, Roy recorreu à sua alegre maneira de se mostrar fanfarrão, para sair da dificuldade.
— Sou texano, senhor... — respondeu, sorrindo. — E já se sabe que, onde estiver um texano, tem de fazer mais e melhor do que qualquer outro.
O homem riu alegremente.
— Acredito-o... — disse ele, bem disposto. — Pelo menos não há quem se atreva a ser mais simpaticamente gabarola do que um texano. Posso apostar em como a égua o deita ao chão, meu rapaz?
— O senhor é hóspede do meu patrão, e não gostaria de ganhar o seu dinheiro.
Enders voltou-se a rir.
— Que atencioso! Pois aqui somos todos multo simples, Donovan, e não é preciso andar com tantas considerações. Ou isso será um modo de disfarçar o medo?
Roy encolheu os ombros.
— Ando mal de fundos nesta altura...— disse —mas tenho uma Padget trabalhada à mão e com adornos de prata, que me custou trezentos e cinquenta dólares. Quer vê-la?
— Decerto! Já me falaram nela, e gostaria de a ver.
— Pois está ali fora, no portal.
O rancheiro saiu, seguido por todos os outros, e Roy foi atrás deles.
Um dos jovens desconhecidos estava junto de Arabella e falava-lhe animadamente. O texano olhou-o com ressentimento.
Era um rapaz bem constituído e de aspeto simpático. Parecia muito entusiasmado com a jovem, e ela não lhe fazia mau acolhimento.
«O inferno, Roy! Que esperavas?...», disse o vaqueiro consigo mesmo. «A guerra acabou com tudo quanto tinhas, família e bens, e agora não passas de um vaqueiro que não tem onde cair morto. Farás bem em não te esquecer disso, e em não olhar muito para cima. Porque raio não te vais embora daqui, enquanto é tempo?».
Mas chegou ao portal e viu como os homens rodeavam o seu cavalo, admirando a sela e o animal.
— Caramba, rapaz! Onde conseguiu tudo isto?
— Domando cavalos bravos... — respondeu o jovem, sorrindo, embora a resposta fosse em grande parte verdadeira.
A sua afirmação, embora feita em tom de gracejo causou certa impressão.
— Não tenho muita certeza de que isso seja verdade... — resmungou Enders. ---- E pelo sim e pelo não prefiro não apostar consigo. De qualquer modo estou disposto a comprar-lhe o cavalo e os arreios. Qual é o seu preço?
-- Nenhum. Não tenho nada à venda.
— Setecentos dólares por tudo. Creio que é uma boa oferta.
— Não é má, realmente, embora já mas tenham feito melhores. Mas é inútil insistir.
— Você estava disposta a apostá-los...
— A sela, unicamente. Sobre «Dark» não aceito apostas nem o vendo, embora me ofereça por ele toda a sua fortuna.
— Grandes palavras, essas.
— Que exprimem um facto bem simples. O cavalo é meu e não quero desfazer-me dele.
O cavalo parecia inquieto ante a curiosidade de que era alvo. Relinchou, sacudindo a cabeça, e olhou para o dono, como a pedir-lhe auxílio.
Roy aproximou-se dele, afagando-lhe o pescoço.
— Se mo permitem, vou tirar-lhe a sela... — disse. Usá-la-ei para montar a égua. Estou habituado a ela, e além disso terei a certeza de que não vai rasgar-se a cilha, ou partir-se um estribo.
Como ninguém fizesse objeções, Roy afastou-se em direção às cavalariças, levando «Dark» pela rédea.
Ao lado de Dave Enclers, o mais velho dos filhos do ganadeiro vizinho e amigo — embora sem pensar sequer na companhia dele— Arabella seguiu com os olhos o novo vaqueiro.
Tinha-o acusado de fanfarrão, e de facto ele alardeava alegremente as suas habilidades, mas não dissera uma palavra a respeito da sua luta contra os dois pistoleiros de Herbert Coe. Falaria nisso, quando estivesse com os seus companheiros? Sem motivo algum que justificasse a sua certeza, Arabella sabia que ele não faria qualquer comentário sobra o que, se tinha passado. E ela? Devia calar-se também? Dizê-lo seria provocar perguntas e tornar necessárias explicações, e se o pai chegasse a saber das afirmações de Coe; de que a faria sua custasse o que custasse, não era possível prever as consequências. Por outro lado a notícia, daquela luta circularia prontamente...
— Arbell!
A jovem olhou, sobressaltada, para o rapaz que se inclinava para ela.
— Iria jurar que não ouviste uma só palavra que eu te disse... — lamentou-se o jovem Enders.
Arabella não soube que dizer, porque realmente nem notara que ele estivesse a falar-lhe.
— Receio bem que assim seja, Dave... — sorriu ela, em desagravo. — Que dizias?
— Não tem importância... — murmurou ele, mal-humorado.
— Desculpa, estava distraída... — Mas não insistiu em averiguar o que ele tinha dito. Na verdade não tinha qualquer interesse em saber o que era.
— Tenho umas quantas garrafas de cerveja metidas no poço, Eli, e já devem estar bastante frescas... dizia naquele momento Daniel Marvin. — Há «whisky», também, e refrescos para as senhoras. Que lhes parece se nos sentarmos aqui mesmo, no portal? Está--se menos mal, e sem grande calor.
Entretanto os vaqueiros tinham dispensado um ruidoso acolhimento a Roy.
— Amigo, já te julgava em El Paso, pelo menos, de volta ao teu bem amado Texas... — bradou o formidável mocetão loiro que já de manhã gracejara com Roy e que este sabia agora chamar-se Jay Tyler.— Mas, ao que parece, preferiste evitar o incómodo da viagem, e antes queres que a égua te mande para lá, pelos ares.
Sem lhe prestar atenção, Roy desafivelou a cilha de «Dark» e, levantando a pesada sela, lançou-a para Jay, numa formidável demonstração de força.
— Segura aí, tamanhão... — disse — e guarda-a até eu voltar.
Mas o vaqueiro apanhou a «Padget» no ar e pô-la debaixo do braço, com surpreendente facilidade, rindo às gargalhadas.
— Está bem, rapaz. Não é preciso que te apresses... — replicou.
Roy riu-se também e levou «Dark» para a cavalariça, onde se ocupou em escová-lo, dando-lhe água e comida antes de voltar a reunir-se aos camaradas. Quando voltou viu que Jay, Frank e um par de outros rapazes estavam a selar a égua. Os outros tinham-se içado para a vedação, junto da qual havia uma galera sem toldo, certamente para que servisse de tribuna aos donos do rancho e aos seus convidados. Os mexicanos também tinham aproximado dois carros mais leves, e juntamente com as suas famílias contemplavam os preparativos, palrando excitadamente.
— Estás pronto, Roy? — perguntou o corpulento capataz, indo ao encontro dos vaqueiros.
— Já estenderam os colchões no chão?... — perguntou Roy por sua vez, alegremente.
Tap Roberts soltou uma gargalhada.
— Lembra-te de que és o tal tipo que nasceu em cima de um cavalo... — respondeu.
— O pior é que já estou crescidote e com ânsias de independência. Pode ser que a consiga hoje. Talvez o cavalo vá para um lado e eu para outro.
— Pois mais te vale guardares para outra ocasião as ideias separatistas. Agarra-te à sela e não a largues, se não queres quebrar os ossos. Vou avisar o patrão.
Enquanto o capataz se afastava em direção à casa, Donovan saltou para o lado de dentro do curral, aproximando-se dos companheiros que seguravam a égua. Esta, com os músculos tensos e palpitantes sob a pelagem que brilhava ao sol, tinha os olhos vendados, mas mesmo assim era difícil mantê-la quieta.
— Quando a montares vai explodir... disse Frank, com um sorriso. — Isto é como um cartucho de dinamite.
— Não te preocupes... — disse Tyler, animador. — Quando largar este veneno, vou buscar uma boa manta para apanhar os bocados do cavaleiro.
Ouviram os risos alegres das raparigas, e, olhando para a galera, Donovan viu-as subir, ajudadas pelos jovens Enders.
— Pronto, rapaz! — bradou pouco depois o vozeirão de Roberts.— Pode começar o baile.
— Adeus, companheiro... — disse Jay Tyler a rir. — Tenho pena de que estivesses tão pouco tempo connosco.
A sua voz alegre era um pouco arquejante, porque estava a segurar a cabeça da égua e os seus poderosos músculos distinguiam-se sob o tecido da camisa, no esforço de manter quieto o fogoso animal.
— Apostei por ti, Roy— disse Frank.— Aguenta firme!
Donovan montou, firmando-se bem nos estribos.
Frank olhou-o, e a um gesto dele...
— Larguem I... — gritou, puxando rapidamente a venda que tapava os olhos do animal.
Deslumbrada, aturdida, assustada, a égua manteve--se imóvel por um instante, erguida a bela cabeça, tensa e brilhante ao sol ainda alto, enquanto os quatro vaqueiros corriam a pôr-se a salvo.
Foi só um instante, mas permitiu que todos os espectadores pudessem observar o soberbo conjunto formado pelo animal e pelo cavaleiro.
Arabella, já muito interessada por aquele rapaz alegre e valente, que tão de súbito surgira na sua vida, sentiu-se impressionada pela espetaculosidade do momento.
Roy tinha magnífica figura, com as calças escuras metidas em finas botas texanas de onde se destacavam as brilhantes esporas de prata, cingida a cintura estreita pelo cinturão de onde só pendia a faca de caça, sobressaindo o tronco forte sob a camisa clara. Tinha o chapéu na mão esquerda, e os seus cabelos escuros, revoltos e ondulados, brilhavam em reflexos acobreados.
Mas a quieta plasticidade da figura equestre durou apenas um instante. Subitamente o belo animal selvagem ergueu-se no ar, num salto inverosímil, e com o dorso arqueado, as pernas hirtas, a cabeça baixa, começou a debater-se, saltando para a frente e para os lados, enquanto do chão se levantavam nuvens de poeira.
Violentamente sacudido por aqueles movimentos incontroláveis e inesperados, que pareciam querer desconjuntar-lhe as articulações, Roy, sem nada poder fazer para o evitar, viu como a sua montada se lançava sobre Tyler, o mais atrasado dos vaqueiros que corriam para a alta cerca do curral.
Estava quase em cima do rapagão, e parecia iminente o choque; ouviu mesmo os gritos assustados das mulheres, quando Jay saltou de lado, com uma agilidade incrível para a sua corpulência, e tirando o chapéu bateu com ele na cabeça da égua, bradando um alegre desafio.
Roy não viu como Jay se içava para a cerca, assobiado pelos ruidosos companheiros, porque já os saltos da endiabrada égua se sucediam em velocidade vertiginosa, e ele estava demasiadamente ocupado em manter-se sobre a sela.
Doíam-lhe os rins, o pescoço, o peito.., e parecia-lhe que estava completamente desconjuntado. Essa sensação tornou-se mais aguda quando o animal estacou subitamente, como que espantado de sentir ainda sobre o dorso o peso do cavaleiro.
Sobrepondo-se ao seu aturdimento, sabendo que devia aproveitar aquela curta trégua para assustar o animal e dominá-lo, Roy estendeu as pernas e roçou as esporas ao longo do corpo da égua, para a assustar sem a ferir, desde o poderoso peito até aos flancos arquejantes.
O animal soltou um relincho selvagem e encabritou-se, erguendo-se sobre as patas traseiras e lançando-se logo num salto inverosímil, para depois cair sobre as patas da frente, como se fosse mergulhar no terreno.
Roy tinha domado muitos cavalos selvagens, ganhara vários prémios em «rodeos» e havia sido derrubado muitas vezes, mas nunca daquela maneira.
Embora, no momento em que a égua tocou novamente no terreno, tivesse inclinado muito o corpo para trás, a violência do golpe e a inclinarão enorme da montada lançaram-no para diante, sem poder agarrar--se fosse ao que fosse ou fazer qualquer coisa para o evitar. Caiu sobre o pescoço suado do animal quando este se ergueu novamente, dando-lhe uma pancada violenta e projetando-o de costas.
Caiu em cheio no chão, braços e pernas abertos, na cambalhota mais aparatosa e ridícula que dera em toda a sua vida.
No primeiro instante, Donovan teve a ingressão de que o mundo desabara em cima dele, mas miando o universo deixou de girar como um pião, compreendeu que estava estendido no terreno, como um sapo amachucado. Endireitou-se penosamente, até ficar sentado, sentindo-se o homem mais maltratado do mundo.
Quando se dissipou completamente a névoa dos seus olhos, viu que a endiabrada égua se tinha afastado e o olhava com uma curiosidade desconfiada. Depois olhou para a vedação e viu um círculo de caras expectantes e alarmadas. Então, com plena consciência da figura que fazia, teve um ataque de riso tão violento que lhe vieram as lágrimas aos olhos e sentiu o corpo doer-lhe dos pés à cabeça.
— Bem, companheiro. Pregaste-nos um susto.
Viu diante dele, vagamente, o vulto esbelto de Frank Slate, e sem qualquer motivo riu ainda mais.
Um momento depois sentiu que o agarravam pelas axilas e o levantavam com pasmosa facilidade.
— Não tem nada partido, mas a pancada acabou por dar-lhe volta ao juízo... — ouviu ele comentar a voz de Jay, tão forte e próxima que ameaçava ensurdecê-lo.
— Pouco falta para pensares que a égua me fez cair... — exclamou, lutando para conter o riso.
— Ah, não !... — replicou Tyler, trocista, falando ainda mais alto para que todos pudessem ouvi-lo. Estiveste só a ensaiar uma nova maneira de desmontar.
— Com certeza! Tinha de deixar descansar o pobre animal.
A descomunal fanfarronada provocou uma explosão de riso entre os rapazes, que acabaram por assobiá-lo com força e longamente.
Roy apanhou o chapéu e cumprimentou com o maior descaramento, como se em lugar de assobios estivesse a receber aplausos.
Estava moído e sentia-se como se não tivesse um osso inteiro, mas manteve-se direito e risonho, como se nada se houvesse passado.
— Vamos, infelizes acólitos... -- disse ele, com ares de grandeza, aos dois vaqueiros que tinham acudido para o ajudar. — Apanhem-me esse pobre bicho, que vou acabar a lição do dia.
— Muito bem... — troçou Jay, sempre alegre.— Vá-mos lá a ver se és capaz de cair de cabeça e ficar teso como um pau. Desse modo teríamos uma curiosidade para mostrar aos visitantes, embora fosse bom arranjar um letreiro a dizer que se trata de um tipo morto e não de mais um cato nascido aqui.
Mas Roy não voltou a deixar-se desmontar, e por fim a égua, coberta de espuma, arquejante e assustada, deu-se por vencida e trotou em volta do curral, seguindo obedientemente as indicações do cavaleiro.
Ao desmontar, cambaleando e tendo a sensação de que as pernas se lhe tinham transformado em dois pedaços de cortiça, Roy sofreu a avalanche do entusiasmo dos companheiros e deu por si a cavalgar outra vez, agora aos ombros dos vaqueiros delirantes. Ao chegar à cerca atiraram-no para o outro lado, sobre os ombros de outro grupo que ali o esperava e o passeou em triunfo.
Quando, por fim, conseguiu libertar-se deles, correu para o rio e mergulhou na água. Depois foi meter-se na cama sem sequer se lembrar de que não tinha jantado. Já não podia mais.
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