terça-feira, 1 de março de 2016

PAS590. Um dia salvarás a filha do teu inimigo

Anoitecia e Tiger Jack decidiu retirar-se para descansar. Viera desde Ausburn na diligência e estava cansado da viagem.
Henderson e Brand acompanharam-no até à casa onde se hospedara. De repente, quando passavam perto do «Silver Hall», chamou-lhes a atenção um grupo de curiosos parados junto da porta.
Abriram caminho até se colocarem na primeira fila. O que Tiger viu então fez-lhe ferver o sangue nas veias.
Uma rapariga, nova e bonita, de cabelo louro e encaracolado, grandes olhos azuis e figura esbelta e harmoniosa, lutava para se soltar das mãos de um indivíduo corpulento e bem vestido, que pretendia arrastá-la à força para dentro do «saloon». Colérica e envergonhada ao mesmo tempo, a rapariga protestava:
— Deixe-me, deixe-me de uma vez!
-- Não, pequena. Disse-te que entres e tens de entrar. Trata-se de tomar qualquer coisa comigo. Queres desfeitear-me?
O indivíduo estava bêbedo, indubitavelmente. De contrário, jamais se teria atrevido a proceder daquela forma com uma mulher. Mas houve uma coisa que indignou ainda mais Tiger Jack.
Vinte homens presenciavam a cena; vinte homens viam ofender uma rapariga e todos pareciam achar muito divertido o espetáculo, que sublinhavam com gracejos e gargalhadas.
Sem se poder conter, deu um passo em frente. Henderson segurou-o por um braço:
— Calma, rapaz! Que vai fazer? ´
— Pôr fim a esta vergonha.
— Conhece a rapariga? — perguntou-lhe Henderson, sem perder a serenidade.
— Não.
— Então, siga o seu caminho. Não vê o que fazem os outros? Pois imite-os. O homem chama-se Jerry Porter e tem mais mortos do que anos.
Mas Jack já não o escutava. Soltara-se-lhe das mãos e avançava com firme resolução ao encontro do chamado Jerry.
Lisonjeado pelos risos e aplausos dos espectadores, o mais novo dos Porter estava prestes a conseguir o que pretendia.
A jovem não conseguia fugir-lhe das mãos e em poucos minutos seria obrigada a entrar no «saloon».
Não queria, evidentemente, fazer-lhe mal; apenas obrigá-la a beber na sua companhia e divertir-se com a sua vergonha e o seu rubor. De súbito, reparou que um indivíduo corpulento lhe impedia a passagem, enquanto lhe ordenava:
— Deixa essa rapariga, Jerry.
Porter ficou a olhar para ele, surpreendido. Incomodava-o que aquele desconhecido o tratasse pelo seu nome próprio; mais ainda, que se metesse no que não lhe dizia respeito, mas, sobretudo, o tom de autoridade que empregava. Replicou bruscamente:
— Tira-te do caminho ou...
-- Já te disse que a largues.
— E eu farei o que me parecer.
Jack não se incomodou a falar mais. As suas duas mãos caíram sobre os ombros do mais novo dos Porter.
Sem esforço aparente, mas empregando uma força irresistível, obrigou-o a afastar-se uns passos da jovem. Os dois homens ficaram frente a frente.
Nos olhos de Jerry brilhava uma cólera homicida. Tão furioso estava, que por um segundo não pensou sequer nos revólveres. Queria castigar a ofensa sofrida com as suas próprias mãos.
-- Toma, imbecil!
Atirou o punho direito contra a cara de Jack. Um rápido, golpe de cintura do seu adversário fez que o soco se perdesse no vácuo.
Tiger replicou de forma semelhante, e Jerry sentiu uma pancada violenta, que o fez cambalear até ir bater na ombreira da porta.
Recompôs-se imediatamente e pretendeu tirar o revólver que trazia à cintura. Não o conseguiu.
O seu adversário segurou-lhe o braço direito e torceu--lho com tal violência que não só o revólver lhe fugiu dos dedos, como também ele próprio rolou pelo solo e foi parar a uns passos de distância.
Quando conseguiu pôr-se em pé, viu Tiger Jack com um sorriso de desprezo no rosto e um revólver em cada mão. Em tom desabrido, advertiu-o:
— Não faças tolices, Jerry. Vai-te embora imediatamente ou terei de te meter uma bala na cabeça.
O mais novo dos Porter fitou-o um instante em silêncio. Depois, aceitou com ar provocante a derrota:
— Está bem, amigo. Desta vez, ganhaste. Da próxima não te darei tantas vantagens. Creio que a tua vida não será muito longa.
— Também tu não chegarás a velho se voltares a cruzar-te no meu caminho.
Jerry Porter afastou-se sem virar a cabeça. No grupo de curiosos havia surpresa e comentários de muito diversa índole. Jack virou-se para eles:
— Se algum de vocês tem alguma coisa a objetar, está a tempo de o fazer.
Todos guardaram silêncio. A rapariga começara a andar, confusa e envergonhada pelo sucedido, em direção oposta à que tomara Jerry. Jack ia a segui-la, quando Henderson lhe falou em voz baixa:
— Endoideceu? Por que se meteu com um Porter? Não sabe que acabarão por o matar?
— Já viu que posso ser eu quem o mate a ele.
-- Isso foi o que me pareceu pior. Depois de enfrentar um Porter, devia matá-lo. Ofendê-lo e deixá-lo vivo é pior que pisar descalço uma serpente venenosa.
Jack encolheu os ombros. Abandonou os amigos e correu atrás da rapariga. Quando chegou junto dela, disse-lhe:
— Quer que a acompanhe aonde vai, para impedir que se metam consigo?
— Encantada, senhor. Perdoe não lhe ter agradecido a sua atitude, mas estava tão envergonhada...
Tinha uma voz suave e cristalina. Jack não pôde evitar um ligeiro estremecimento. Vista com maior calma, era ainda mais bonita do que ao princípio lhe parecera.
Mas não era apenas uma beleza. Os seus olhos azuis, límpidos, tinham uma expressão ingénua.
Instintivamente, Jack adivinhou que era por completo diferente de quantas mulheres vira nas suas andanças pelo Oeste. Eta uma mulher digna, capaz de tornar feliz qualquer homem de bem.
— Vivo num rancho a dez milhas de Virgínia City. Tive de vir à cidade fazer algumas compras. Jimmy ficou no carro e eu tive a pouca sorte de encontrar aquele indivíduo... Se não fosse o senhor...
Jack quis tirar toda a importância à sua intervenção. Chegaram, a pé, ao ponto em que Jimmy esperava a jovem.
Jimmy era um homem de certa idade, de aspeto aberto e franco. Sobressaltou-se um pouco ao ver a rapariga em companhia de um desconhecido. A jovem sossegou-o. Depois disse-lhe:
— Prepara o carro para nos irmos embora.
Enquanto Jimmy cumpria a ordem, a jovem despediu-se do seu inesperado salvador:
— Se algum dia quiser visitar-nos, o meu pai terá prazer em o conhecer. Sou Jane Austin e...
O rosto de Tiger Jack sofreu urna súbita mutação. Com voz surda, inquiriu:
— Então o seu pai chama-se...
— Moses Austin. Mas por que faz essa cara? Depois de hesitar um segundo, Jack respondeu com toda a clareza:
— Se soubesse que era sua filha, não teria intervindo. Agora lamento-o, mas já é tarde...
— Por que diz isso? — perguntou surpreendida e sobressaltada Jane.
— Porque o seu pai, Moses Austin, fez que enforcassem o meu, há quinze anos. Jurei não descansar enquanto o não vingar. Diga-lhe isto. E diga-lhe também que Tiger Jack jamais faltou a nenhum dos seus juramentos.

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