terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

PAS583. O cachimbo da paz

A caravana, agora escoltada pelos Federais, prosseguia na sua caminhada para Santo António, onde contavam chegar dentro de quatro dias.
Haviam passado já dois dias, depois do violento combate, e embora se continuassem a observar colunas de fumo, os índios não haviam voltado a atacar.
Os colonos tinham tido bastantes baixas. O trágico balanço fora de trinta e cinco mortos e quarenta e oito feridos, estes felizmente sem gravidade.
Dos Federais, tinham morrido doze e ficado feridos oito, um dos quais em perigo de vida.
As baixas por parte dos índios eram muito maiores. No combate que se travara naquela manhã memorável, mais de metade dos guerreiros peles-vermelhas tinha sido abatida. Quanto ao número de feridos, nada se sabia, mas supunha-se ser muito elevado.
Talvez por essa razão, não se aventurassem a outro ataque. No entanto, a vigilância não era descurada e á noite os carros eram formados em círculo e as sentinelas rendidas de duas em duas horas, para não adormecerem,
Ao terceiro dia de viagem, a caravana fez alto a uma ordem do 'capitão. Uma nuvem de poeira ia aumentando, à medida que se aproximava.
Olhando através do seu potente binóculo, O'Bannion exclamou:
— Três cavaleiros índios encaminham-se para cá e trazem uma bandeira branca. Que diz a isto, Darrow?

— Confesso que não sei, comandante. O melhor será aguardarmos.
Os índios foram-se aproximando e pararam as montadas a cerca de cem metros de distância.
O que vinha à frente levantou o braço direito com a palma da mão voltada para a frente em sinal de paz. O'Bannion respondeu de modo idêntico.
Voltando-se para o sargento Cush, ordenou:
— Tome conta dos homens, sargento. E prepare-se para entrar em Acão, em caso de necessidade. Frank! Quer vir comigo? Você tem mais prática do que eu no trato com estes selvagens. Por minha vontade, mandava já fuzilá-los.
— Tenha calma, comandante. Estes vêm em paz. Vamos ver quais são as suas intenções. Mitchelil! Vem connosco e coloca-te do outro lado do comandante.
Os três esporearam as montadas, enquanto na sua retaguarda ouviam o som característico do movimento da alavanca das «Winchester», ao ser-lhes introduzidas balas nas câmaras.
Em caso de traição por parte dos índios, estes seriam varridos, sem dó nem piedade, por um furacão de ferro e fogo.
Nesse momento, Frank reconhecera um dos índios. O que estava em posição mais avançada era Pequeno Chacal.
Este, por sua vez, também reconheceu o rapaz que em luta leal, dias antes, tão generosamente lhe poupara a vida. Darrow identificou-o a O'Bannion:
— O que está à frente é Pequeno Chacal, filho de Nuvem Vermelha e certamente que assumiu as funções do pai.
Chegando à distância de cinco metros, os três pararam. 'Pequeno 'Chacal falou no seu inglês arrevesado:
— Nuvem Vermelha morrer em luta. Eu ser Pequeno Chacal e ser novo chefe de peles-vermelhas.
— Já sabemos isso — retorquiu O'Bannion. — Que querem agora?
— Pequeno Chacal ver brancos serem leais e querer fumar cachimbo de paz. Nunca mais guerreiros vermelhos voltar lutar com «rostos pálidos».
Voltando-se para Frank, O'Bannion perguntou:
— Que acha que devo fazer?
— Comandante, tem agora uma grande oportunidade de terminar esta maldita luta. Se fumarmos o cachimbo da paz, todos poderão atravessar o território índio sem perigo, pois não serão atacados.
O'Bannion mostrava-se hesitante, temendo uma cilada. Perguntou:
— Isto não será um truque para outra traição?
— Oiça, comandante. O melhor é não discutirmos isto em frente destes tipos. Vamos até à caravana e lá combinaremos tudo, de acordo com todos.
— Acho bem — respondeu o capitão.
Voltando-se para o jovem chefe índio, o rapaz disse-lhe:
— Vocês vão esperar aqui, enquanto nós vamos estudar a vossa proposta.
— Pequeno Chacal esperar aqui, resposta do chefe «rosto pálido» — respondeu o índio.
Enquanto os três cavaleiros índios permaneciam no mesmo local, os três brancos regressaram à caravana, onde eram aguardados por todos com ansiedade.
Ninguém sabia o que se estava passando e todos estavam a postos, pensando num novo ataque. Assim, os três iram-se rodeados de gente que os crivava ide perguntas.
Frank pediu silêncio e depois de o ter conseguido perguntou a O'Bannion:.
— Comandante! Estou à espera de ouvir a sua opinião.
Voltando-se para todos, O'Banion falou:
— O chefe índio vem pedir para fumarmos o cachimbo da paz. Eu pela minha parte não concordo, pois afigura-se-me que se trata de um truque para nos atacarem à traição.
Frank Darrow falou logo o seguir:
— O seu ponto de vista está errado, comandante. Eu conheço sobejamente os costumes dos índios e posso garantir que se 'não trata de uma traição. Os peles-vermelhas sofreram uma derrota que os deixou aniquilados e Pequeno Chacal quer paz. É a maior oportunidade que tem para conseguir que o território índio deixe de ser um pesadelo para os colonos.
— Suponha que é realmente uma traição... — insistiu o capitão.
— Temos ide nos arriscar, comandante — retorquiu o rapaz. — Se deixar fugir esta oportunidade, será responsável pelo que possa suceder a futuras caravanas de colonos. Lembre-se do que lhe digo eu, em frente de testemunhas. O senhor será o responsável.
 — Mas, porque razão hão-de os colonos atravessar este maldito território índio, caramba? — vociferou O'Bannion.
— Por favor, comandante, não voltemos à discussão do outro dia. Se os colonos atravessarem o território índio, na sua caminhada heroica para o Oeste selvagem, é porque o trajeto fica dessa forma diminuído em cerca de um terço. O senhor sabe isso muito bem. Mas basta de discussões inúteis. 'Comandante, está ou não disposto a fumar o cachimbo da paz? Não podemos fazer esperar indefinidamente o chefe índio.
O'Bannion estava entre a espada e a parede. Se por um lado lhe desagradava confraternizar com os índios, com receio de uma traição, por outro, também lhe desagradava ser tomado como responsável por futuras lutas que se viessem a travar entre colonos e aqueles selvagens. Depois ide 'pensar um pouco resolveu-se finalmente.
Encheu o peito de ar e encarando duramente Darrow exclamou:
— Pois bem, seja feito o que você quer. Porém, desde já pode ficar ciente de que o responsabilizarei pelo que possa vir a suceder.
Frank sorriu aliviado. Com voz alegre exclamou:
— Obrigado, comandante. Vejo que quando é necessário tomar uma decisão, não hesita em optar pela mais acertada. Pode contar com a 'gratidão de todos os 'futuros colonos e destes que chegarão finalmente a Santo António, sem voltarem a ser incomodados pelos índios. Se me .dá licença, vou avisar Pequeno Chacal.
— Vá e não demore — pediu o comandante O'Bannion.
O rapaz, esporeando o cavalo, lançou-se na direção do local onde aguardavam Pequeno Chacal e os seus sequazes.
Poucos minutos depois, enquanto os índios partiam, ele regressava à caravana.
Quando passou por Cush, disse-lhe para regressar com os Federais. Já não era necessário continuarem de prevenção.
A cerimónia fora marcada para quando o sol estivesse a pino e seria levada a efeito sob uma árvore secular, sagrada, que distava cerca de quinhentos metros do local onde haviam parado.
A ela somente deviam assistir o feiticeiro, que acenderia o cachimbo, Pequeno Chacal e seus dois lugares--tenentes, Frank Darrow, Mitchell e o capitão O'Bannion.
Este ordenou a Cush que estivesse atento e entrasse em ação logo que verificasse qualquer anormalidade.
O sargento a tudo dissera que sim, mas conhecedor dos costumes índios não ligara importância a nada e fora deitar-se debaixo de um dos carros, onde desfrutava uma magnífica soneca.
Dera ordem a um soldado para o acordar quando a cerimónia acabasse.
Esta só terminou passadas duas horas.
O cachimbo da paz andara de boca em boca, enquanto o feiticeiro pronunciava palavras ininteligíveis e se movia em grotesca dança.
Era a primeira vez que O'Bannion tomava parte numa cerimónia daquelas e mostrava-o. O seu olhar não desfitava o que se estava passando e tudo observava com atenção, no intuito de, nas longas noites de Inverno, contar a transcendente cena a seus netos...
Depois de fumado o cachimbo da paz, procedeu-se à cerimónia de enterrar o machado de guerra.
O feiticeiro continuava na sua dança convulsiva e a certa altura ajoelhou-se em frente de Pequeno Chacal com a mão direita estendida. O jovem chefe entregou-lhe um velho e artístico machado que devia ter vindo dos seus antepassados. O feiticeiro levantou-se de um salto e, com gritos guturais, golpeou o vácuo diversas vezes.
Instintivamente O'Bannion levou a mão ao revólver, pensando tratar-se de uma agressão, mas um gesto de Frank deteve-o.
Como que movido por uma mola, o feiticeiro deu um salto e caiu de joelhos em frente do capitão, com a mão esquerda estendida.
O'Bannion não sabia que fazer, pois nunca assistira a tal cerimónia, o que não sucedia com Darrow, que num rápido movimento desfez um embrulho que levava e lhe depositava nas mãos um revólver, indicando-lhe, com um gesto, que o entregasse ao feiticeiro. O aturdido capitão assim fez.
Logo que agarrou no revólver, o feiticeiro levantou-se de um salto e a dança continuou terminando ao serem depositados numa cova previamente aberta para o efeito, os dois instrumentos de guerra. Depois, deitando-se no chão, caiu em transe.
Nessa altura, Pequeno Chacal levantou-se e O'Bannion, resolvido agora a imitar em tudo o jovem chefe, fez a mesma coisa.
Aproximaram-se ambos da cova e o capitão compreendeu o que se ia passar. Com as mãos, apanharam terra do chão e taparam-na. Estava assim concluído o tratado de paz. Pequeno Chacal desenrolou a vistosa manta que o envolvia e de um saquito retirou uma substância desconhecida que lançou na fogueira, produzindo grande fumarada branca. Depois, com a manta, tapou e destapou a fogueira sucessivamente, provocando os sinais de fumo que tanto haviam preocupado colonos e Federais.
Como que obedecendo a um sinal, nas colinas próximas diversas colunas de fumo idênticas foram aparecendo, ao mesmo tempo que uma grande gritaria se escutava. Os índios estavam a celebrar o tratado de paz.
A cerimónia terminara e depois de cerimoniosa despedida como o momento exigia, cada um partiu para seu lado.
Chegados à caravana, O'Bannion dirigindo-se a Frank Darrow disse-lhe:
— Darrow! Quer dar-me um aperto de mão?
— Com todo o gosto, comandante.
Os dois homens trocaram o cumprimento efusivamente. O capitão continuou:
— Falo alto, para que todos oiçam. Apresento as minhas desculpas publicamente ao mais extraordinário homem que conheço. Frank Darrow, aceita as desculpas que lhe são apresentadas por um honrado capitão dos Federais?
— Por Deus, comandante, eu...
— Responda, Darrow. Sim ou não?
— Aceito as suas desculpas, capitão O'Bannion — respondeu o rapaz. — Mas quero também pedir-lhe desculpa de um dia lhe ter chamado cobarde. Retiro tudo o que disse, capitão O'Bannion. Gostaria de saber se também aceita as minhas desculpas.
— Com certeza, Darrow. Ao mesmo tempo estou satisfeito por lhe ter demonstrado que não sou nem nunca fui um cobarde. Às vezes, devido ao excesso de precauções, para poupar a vida dos meus homens, as minhas intenções são mal interpretadas. Está desculpado, Frank Darrow.
Uma salva de palmas e vários tiros disparados para o ar acolheram as palavras leais de O'Bannion.
A caravana retomou a marcha e naquele dia foram seguidos durante muito tempo pelos peles-vermelhas que lhes acenavam em sinal de amizade.
Ao anoitecer, atravessaram um rio que marcava a fronteira do território índio.
Podiam finalmente respirar aliviados. A partir dessa altura, podiam ter a certeza cem por cento de que não voltariam a ser atacados pelos índios.
Dois dias depois, Santo António estava à vista. Em muitos rostos de homens e de mulheres apareceram lágrimas de comoção. Muitos lábios se moveram em frementes preces de agradecimento ao Criador.
Para todos eles, uma nova vida ia começar.

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