sexta-feira, 20 de março de 2015

PAS444. Armadilha para cavalos selvagens

Os dois ginetes galopavam rápidos por entre a erva, tendo-se afastado tanto que já não se via rasto da enorme manada que avançava atrás deles.
Gail, um pouca adiante, não podia deixar de cavalgar, temendo o instante em que Lex se pusesse ao seu lado, e desejando ao mesmo tempo a sua presença.
Compreendia que depois do que esteve quase a acontecer junto ao Missouri, a situação entre eles precisava dum esclarecimento. As faces ardiam-lhe ao recordar aquela cena, mas o pior era que sentia-se desfalecer só de pensar que se pudesse ver apertada entre os vigorosos braços dele, e invadia-a um estremecimento esquisito.
Se não teve artes nem valor para chegar a uma conclusão sobre a natureza dos seus sentimentos, ao enfrentar-se agora com a necessidade de fazê-lo, experimentou uma súbita sensação de segurança tal, que não permitia a menor indecisão. Amava-o!
Um momento antes tinha a convicção absoluta de que nada podia perturbá-la tão profundamente como o descobrimento de que se tinha enamorado, mas no segundo seguinte esqueceu por completo o facto tão transcendente.
Sem saber quando nem onde tinha saído, descobriu uma fileira de cavaleiros selvagens que galopavam rudemente para eles, tão próximos que pareciam ter-se materializado de repente na planície, brotando dela mesmo, pois não havia o menor acidente onde pudessem ter-se ocultado até então.
Lançando um grito, deteve o seu cavalo tão bruscamente, que o animal levantou as patas dianteiras.
— Os índios! — gritou, voltando-se angustiada para a seu companheiro.
— Estranhava já que estivéssemos a ir para eles tão decididamente — riu Lex chegando ao pé dela. — Em que ia pensando para não os ver até agora?
— Mas ... mas ...! — estava muito assustada e tremia como um animal do bosque colhido por uma armadilha.
— São amigos — tranquilizou-a o jovem agarrando a mão que ela lhe estendia, como que implorando a sua ajuda.
— Es ... Está certo? –
--- Já lho disse—riu divertido com a expressão dela.
— E ... e eles sabem-no também?
Agora Lex dobrou-se sacudido pelo riso, parque a jovem estava deveras graciosa, entre incrédula e esperançada, com os olhos redondos muito abertos.
Os índios estavam já ali, e com um cálido apertão que deu na mão dela, sorrindo-lhe tranquilizadoramente, Harley avançou ao encontro do chefe pele-vermelha com o braço estendido e a palma da mão para a frente como um velho sinal de paz.
Gail olhou admirada para a figura do índio e para a fila de pele-vermelhas às suas costas, achando a cena impressionante e cheia de colorido. Os seus corpos apareciam muito mais vestidos e menos pintados do que esperava. Tinham só as cabeças rapadas de feroz especto e as plumas que a ligeira brisa agitava, correspondiam à ideia que tinha formado dos índios.
O jovem era um guerreiro novo e forte, de aspeto formoso. Tinha a cara afilada, de pómulos salientes, testa ampla e nariz de papagaio, vestia umas calças muito cingidas e uma espécie de caçadora, toda de pele de gamo com grandes costuras nas costas, adornando com grande número de contas e pedras. A sua figura erguida, rosto curtido de olhar de águia, davam-lhe um aspeto majestoso.
A rapariga pôde contemplar os cavaleiros índios a seu prazer, pois Lhes esteve falando bastante tempo com o chefe. Havia uma indubitável amizade entre aqueles homens de raça diferente e, já completamente tranquilizada, disfrutou admirando de tão próximo aqueles cavaleiros de bronze nos quais parecia ter sido plantada toda a brava e selvática paisagem daqueles pastos selvagens.
Por fim, o jovem voltou para seu lado, olhando-a sorridente.
— Muito assustada? — perguntou.
— Já não. Parece uni-lo muito boa amizade com o índio.
— Com efeito. É «Agulha Negra», o irmão mais velho de «Gamo Saltarin».
— Que interessante!
— Aí tem o subchefe dos Chippewas, que sucederá a seu pai quando este morrer. É uma grande personagem nestas terras.
— Como nos receberá?
— Conhece já a presença da manada, e precisamente veio perguntar-me quais são os vossos propósitos.
— E disse-lho?
— Naturalmente.
— Que achou ele?
— É muito reservado. Avisará seu pai 'da nossa próxima visita, mas não fará a mais leve manifestação até que o Conselho decida. Não 'obstante não penso que surjam dificuldades.
— Que Deus o queira! Espanta-me a ideia de que possa converter-se num inimigo nosso.
— Má coisa seria essa, mas não deve preocupar-se. Já verá como tudo se arranja pacificamente.
— Pergunto a mim mesmo que teria sido de nós se não contássemos com a sua ajuda.
-- Quem o sabe? Mas seguramente teriam podido desembaraçar-se apesar de tudo.
— Que esperam agora?
Efetivamente os guerreiros Chippewa não se tinham movido, firmes sobre os seus peludos poldros, como moldados em bronze.
— Estão-nos esperando.
— Como?
— Têm cercada uma manada de cavalos selvagens num vale próximo. O meu companheiro Tecumseh está com eles e já tem tudo preparado, pois há três dias que estão lá encurralados. Pedi--lhes para que esperem por si para ver se quer assistir ao final da caçada.
— Se quero! — soltou Gail naquele momento com os olhos reluzentes de excitação e entusiasmo.
— Então vamos.
Picando as esporas dirigiram-se para os pele-vermelhas reunindo-se com «Agulha Negra», que olhou gravemente a rapariga.
— O meu irmão «Halcon Blanco» soube es-colher muito bem — disse o pele-vermelha em imperfeito mas fluído inglês. — Ela é formosa como o amanhecer na planície.
Gail corou até à raiz dos cabelos. Que teria dito Lex a seu amigo íntimo? Sentiu viva irritação ao imaginá-lo, mas decidiu ocultá-lo até que tivesse ocasião de fazê-lo pagar muito caro aquilo que dissera. Acaso pensava tê-la rendida e esperando que abrisse os braços para atirar-se neles? Já o ensinaria!
Os três juntos, seguidos pelos guerreiros galoparam para umas pequenas elevações que pareciam ter emergido da pradaria quando se aproximava delas.
Quando estavam já ao pé das pequenas colinas, o chefe índio, gritou algo no seu idioma ao que Lex confirmou em silêncio.
Os ginetes índios desviaram-se então para a esquerda, enquanto Gail e Harley iniciavam a su-bida pela encosta do monte. ,
A ladeira era muito suave, de modo, que ganharam facilmente altura, donde dominavam um vale, no fundo do qual brilhava como prata fundida a água quieta duma pequena lagoa, e na parte mais afastada crescia um bosquezinho de olmeiros a partir da orla, para encostar-se pela encosta duma daquelas lombas que formavam um grande monte.
— Ali estão! — gritou de repente Lex.
Gail seguiu a direção do seu olhar descobrindo uma longínqua nuvem de poeira na qual se distinguia uma manada de cavalos de grandes crinas e pescoços eretos, que se aproximavam a todo o galope do fundo do vale como uma inundação.
A rapariga gritou debilmente deleitando-se na contemplação dos animais.
Velozmente foi aumentando o som dos cascos, que acabou convertendo-se em surdo trovão quando a manada passou em frente dos jovens.
Lex aproximou-se da rapariga agarrando-a pelo cotovelo e assinalando com o braço estendido.
— Olhe — gritou. — Aquele cavalo que vai à frente e que dirige os outros, parece inquieto e galopa com a cabeça alta, vigilante e desconfiado. Decerto cheirou a armadilha e não se deixará cair nela.
— Pensam encurralá-los contra o bosque? — perguntou Gail não vendo nenhuma outra possibilidade de cerco, pois que os montes eram baixos, redondos e de suaves ladeiras, pelo que supunha não haver qualquer barreira para os cercar.
— Não, nada disso.
— Então?
— Fixe no que lhe parece urna linha contínua de arbustos entre o bosquezinho e o lago. Vê-o?
— Sim. Há como que um amplo corte no meio.
— Exatamente. Vejo que tem boa vista. Bem; trata-se duma cerca dissimulada e se os cavalos chegam a entrar nesse sítio estarão presos.
— Oh!... Mas ... Que lástima!...
 — Não se compadeça deles muito depressa. Esse cavalo que dirige a manada é um magnífico exemplar e parece demasiado esperto para cair na armadilha.
— Vão para ali!... Aproximam-se muito depressa!
Altos corno estavam podiam vê-lo bem.
O cavalo selvagem estirou-se depressa, lançando-se diretamente para a brecha da armadilha, quando numa fuga repentina, porque os índios tinham começado com os seus gritos ao mesmo tempo que disparavam para o ar para acabar de assustar os cavalos, mas quando já parecia que eles se metiam no curral, o cavalo selvagem desviou-se bruscamente e passando como um raio entre as primeiras e espaçadas árvores, saiu de novo para o prado atravessando uma clareira, e seguiu o arvoredo que ascendia pela colina, levando atrás dele toda a manada, um pouco para o lado direito, dos Chippewas, burlados por aquela estranha manobra.
Gail deu-se conta de que os belos animais tinham conseguido escapar, e pôs-se a dar gritos de contentamento.
— Bem! — sorriu Harley. — Todas as suas sim-patias estavam com eles, hem?
— Oh, foi maravilhoso! —assentiu ela, preciosa na sua excitação, chamejando os olhos e com as faces avermelhadas.
— Certamente que Tecumseb e «Agulha Negra» pensam de modo muito diferente —resmun-gou o jovem levemente bricalhão ao imaginar a quantidade de impropérios que naquele momento estaria dizendo o seu amigo. — Acabam de perder três dias de intenso tra-balho.
— Oh! Não pensei ... Sinto-o.
— Porquê? Não influi nada no resultado e é muito livre de expressar os seus pensamentos que não prejudicam ninguém.
Ela sorriu.
— Sou um pouco tonta, não é verdade?
— Acho-a adorável.
Gail desviou apressadamente o olhar.
— Acontece-lhes isto com frequência? — perguntou precipitadamente, sentindo o medo de algo desconhecido.
— Afortunadamente não. Tecumseb deve estar agora tirando os cabelos porque devia ter laçado esse animal antes de ter empurrado a manada para o curral. Mas não importa. Agarrá-los-emos doutra vez.
— Devemos regressar — disse depois. — Seus pais devem estar intranquilos pela nossa ausência.
Gail alegrou-se então de ter as faces ardentes, pois aquelas palavras lhe fizeram recordar a breve conversa que teve com sua mãe quando alcançaram a grande galera onde viajava.
— Vamo-nos afastar um pouco, mamã tinha--lhe dito. — Não fiques em cuidado.
— Mas filha, é perigoso! — sobressaltou-se ela. —Estamos em terra de índios e ...
— Não te preocupes — riu confiadamente. — Acompanha-me o senhor Harley.
-- Bom, mas ...
—Com ele vou segura, mamã. É um homem extraordinário. Sabia-lo?
A senhora Duncan olhou-a surpreendida porque até então não tinha advertido que a sua filha tivesse uma grande opinião dos homens e de algum em particular.
—Se tu o dizes ... —concedeu.
— Sabes outra coisa?— tinha juntado ela, audaz.
—Ao que parece hoje é o dia em que vais destapar a tua caixa de surpresas. Vejamos o que é.
— Falo sério.
— Muito bem, querida. Nesse caso pôr-me-ei também séria. De que se trata?
— Penso que casarei com ele.
A dama deu um suspiro e olhou para a sua filha com a boca aberta.
— O quê?
Mas ela tinha picado as esporas afastando-se enquanto agitava a mão direita como despedida, escoltada por Lex, que se tinha mantido discretamente afastado, bem alheio a tudo o que estavam falando.
— Não esperas pelo seu, amigo? — perguntou nervosamente Gail, tratando de ocultar-lhe a sua perturbação.
Ele soltou uma gargalhada.
— Seria capaz de arrancar-me o couro cabeludo se permitisse agora que você o visse. Depois de três dias construindo o curral e galopando atrás dos cavalos, não deve estar muito apresentável.
— Voltemos então — sorriu a rapariga novamente audaz, numa daquelas súbitas flutuações que agora a acometiam. —O seu cabelo está muito bom e bonito e seria uma lástima que o privassem dele.
Dito aquilo, atrevida e galantemente, perdeu algo do calor que a tinha animado a dizê-lo, e partiu velozmente, fugindo dele o do seu próprio atrevimento, que em ocasiões a fazia desejar provocá-lo como o faria uma mulher, para imediatamente envergonhar-se disso.
E Lex foi atrás dela, tão indeciso e aturdido como um colegial.

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