segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

KNS049.11 E após o combate final o som de mil violinos

O sol começava a aparecer no horizonte, e no mesmo instante Ken ouviu o galope de cavalos.
Com um seco movimento, meteu uma bala na câmara da espingarda e olhou pela janela. Um grupo dê cavaleiros aproximava-se com os primeiros raios de sol. Ken aguardou que se detivessem em frente da cabana, sem mover um só músculo e reconheceu à cabeça do grupo a figura de Melvin Patton. Acompanhavam-no pelo menos uns dez homens, entre os quais reconheceu alguns pistoleiros. De fora chegou o eco da voz de Patton, mal-humorado.
— Eh, Went! Estás a dormir.
Ken assomou lentamente, mostrando a boca da sua espingarda.
— Chamava, Patton?
O fazendeiro levantou-se sobre os estribos do seu cavalo, e um silêncio espesso contagiou de nervosismo os companheiros do rancheiro.
— Que significa isto?
— Dê ordem aos seus homens que deponham as armas, Melvin Patton. Isto é o fim.
— Está louco? Julga que vou obedecer-lhe?
— Não lhe resta outro remédio. Percy Craig confessou tudo e a sua declaração servirá para lhe pôr a corda ao pescoço.
— Primeiro terão de apanhar-me.
— Está apanhado, Patton. Não complique mais a situação.
Os pistoleiros tinham recuperado a serenidade, embora olhando em volta, temendo ver
aparecer os que logicamente deviam apoiar a suicida ação do Juiz.
— Com quantos homens conta para dar ordens, Adams? — perguntou Patton.
— Com a força da lei, Patton.
Este soltou uma gargalhada.
— Definitivamente, você é estúpido.
Os seus homens fizeram coro. Clem Yorkers deixou ouvir a sua voz:
— Onde quer que lhe meta a bala, chefe?
— A meio do coração!
Ken levantou o rifle e disparou. Yorkers punha horizontal o seu revólver, mas a bala partiu-lhe o braço, lançando-o abaixo do cavalo.
Outro dos cavaleiros, pretendendo aproveitar aquela distração do Juiz, sacou o seu «Colt» e disparou. A bala embateu na esquina do caixilho arrancando a madeira. Ken voltou a espingarda naquela direção e a bala entrou na cabeça do foragido, que tombou sobre o pescoço do cavalo, antes de cair no chão.
No movimento seguinte Ken reforçou a tranca da porta e correu novamente para a janela. Fê-lo a tempo, porque uma saraivada de balas mordeu a dura madeira.
Fora, os pistoleiros de Patton, correram em diversas direções à ordem do seu patrão, procurando esconderijo por causa do chumbo que vinha da cabana. O jovem disparou repetidas vezes, abatendo vários inimigos que corriam a descoberto.
Alguns caíram rolando entre nuvens de pó, e os outros refugiaram-se nos seus esconderijos, concentrando o fogo contra a janela. Mas a batalha era muito desigual, e cercada a pequena edificação, era presa fácil para o numeroso grupo de atacantes.
Ken replicava como podia ao ataque dos foragidos, mas sabia que os seus esforços eram infrutíferos, a não ser que as forças que Eva tinha ido buscar chegassem a tempo. A luta parou por momento e a voz de Patton ouviu-se claramente.
— Preste atenção, Adams. Damos-lhe uma oportunidade de morrer como homem. Saia com as ramas na mão e tente abrir caminho a tiro. De outra forma queimá-lo-emos vivo. Temos archotes incendiários e as madeiras da ['abana estão secas.
Ken não respondeu nada sobre a proposta.
— Ouviu-me, Juiz?
— Perfeitamente, Patton.
— E qual é a sua resposta?
— Venha você buscar-me.
— Você assim quis!
Ken não ouviu mais disparos. O silêncio que se seguiu era infinitamente mais sinistro que o estrondo dos tiros de minutos antes. O rosto maltratado, estava sulcado de manchas e sangue seco, e os seus olhos tinham o brilho de um suicida. As suas mãos estavam nervosas e apertavam a coronha da arma até os dedos se tornarem brancos.
No alto, algo começou a crepitar, e Ken compreendeu que muito em breve havia de fazer parte daquela pira funerária. O fumo chegou imediatamente ao seu olfato, e o ruído das chamas queimando algumas partes da tosca construção foi mais audível. Salvo isso, silêncio absoluto.
Ken imaginava Patton e os seus homens colocados diante da porta e das duas janelas, aguardando que aparecesse para o derrubar com uma bala. Humedeceu os ressequidos lábios.
O coração foi, de repente, o motor ruidoso cujos latidos repercutiam em toda a cabana. Pensou em Eva, na sua vida na capital e no mundo que estava prestes a deixar. Rezou. Fechou os olhos e abriu bruscamente a culatra do rifle. Depois carregou-o até tê-lo cheio de balas e aproximou-se da porta.
Começou a sorrir. Era o sorriso dos heróis. E naquele momento julgou ouvir o galope de cavalos. Iluminado por aquela esperança, tirou a tranca que fechava a porta e abriu-a. Por sorte, o fumo ocultava a maior parte dos seus movimentos, e uma nuvem azulada envolveu-o.
O galope dos cavalos tornava-se mais sonoro e com um grito selvagem começou a disparar. Clem Yorkers torceu-se no chão, alcançado em cheio por uma bala. A confusão tornou-se espantosa, alarmando os pistoleiros que não contavam com tão inesperado golpe.
Sem deixar de apertar com força a espingarda, saltou a cortina de fumo e continuou a disparar.
Um, dois três... Keller foi um dos que se torceu, mordendo o pó quando tentava subir para um dos cavalos.
Patton voltou-se e disparou como uma fera, sedento de sangue. Ken apertou o gatilho de novo. Da luta continuava a depender a sua vida. E o rosto de Melvin Patton, tornou-se de repente, numa pasta de sangue que destoava com o belo amanhecer.
Raul Aceves, à frente de um grupo de cavaleiros entrou de rompante, disparando em todas as direções à caça dos pistoleiros, como se fosse uma caçada a coelhos. O mexicano, ao vê-lo, dirigiu para ele o seu cavalo saltando para o chão com ele em andamento.
— Graças a Deus que o vejo, Ken!
Outro cavaleiro saltou em terra, entre um ruído de vestidos.
— Ken, meu amor! Era Eva.
As suaves mãos tiraram-lhe e o rifle, e os dourados braços rodearam-lhe o pescoço. Uns lábios beijaram os seus, um corpo estremeceu contra o seu peito, e umas pestanas fizeram-lhe cócegas no seu rosto. Longe, muito longe, a luta extinguia-se. Mil violinos tocavam um hino de amor nos seus ouvidos. 


F I M

domingo, 12 de janeiro de 2020

KNS049.10 Regresso à cabana armadilha

A porta estalou ao bater dos nós dos dedos e Ken saltou da cama, com um «Colt» empunhando instintivamente. O visitante noturno voltou a bater e o jovem aproximou-se da porta sem ruído, com os pés descalços.
— Quem é?
— Senhor Adams?
Sem abrir disse que sim.
— Quem chama?
— Trago uma nota da senhorita Fraser.
Ken franziu o rosto, desconfiado. — De Eva. Puxou o percutor e abriu a porta.
Abriu-a suavemente apontando o revólver diretamente ao estômago do desconhecido.
— Não é preciso tanta precaução, Juiz. Trata-se somente desta nota. Vou-me embora imediatamente.
Ken pegou no papel e examinou o rosto do mensageiro à escassa luz do corredor. Leu a nota num relance.
— Ela está na cabana?
— Sim, senhor. Pediu-me que a acompanhasse e depois mandou-me aqui.
— Que faz lá? Porque não veio consigo?
— Não me explicou. Parecia muito excitada, depois de encontrar algo e não me permitiu que a aconselhasse. Que podia fazer? Vim a toda a pressa e agora regressarei rebentando o cavalo, se é que você não vem. Não me agrada a ideia de que esteja ali só a estas horas.
— Eu acompanho-o — decidiu Ken.
Fechou a porta e vestiu-se. Levou poucos minutos a enfiar as roupas. Ao sair mantinha as mãos próximo das armas desconfiado de uma cilada. Na rua estava o cavalo do mensageiro, e Ken teve de tirar o seu da cavalariça do hotel. Minutos depois, ambos cavalgavam, em silêncio, para Este de Tombstone.
Levaram quase meia hora a encontrar a cabana. Pouco antes de vislumbrar a massa escura da cabana, Ken parou o seu cavalo.
— É verdade que está ali, amigo?
— Oiça, que é que está a pensar?
— Que talvez seja uma cilada demasiado ingénua.
O indivíduo ia para dizer alguma coisa, mas o jovem atuou com tanta rapidez, que o outro não pôde defender-se do súbito ataque. Saltou com agilidade por cima do cavalo, caindo em cima do pistoleiro. As suas mãos aferraram-se à garganta do bandido apertando com força.
Os dois caíram no chão golpeando-se e lutando em silêncio. Os dedos de Ken estavam cravados na garganta do seu inimigo, e este torcia-se, tornava-se roxo. Ken soltou por instantes a sua presa e aplicou-lhe um murro nos queixos que soou como uma castanha ao estalar.
O foragido soltou um gemido e os seus dentes rangeram. O jovem voltou a bater, com raiva, até ter a certeza de que o seu inimigo tinha uma dose de soporífero para largo tempo. Levantou-se cambaleante, e afastou os cabelos que lhe caíam para a testa suada. Depois, acariciou o pescoço do seu alazão e trocou o seu chapéu pelo do pistoleiro. Montou e empreendeu a marcha para a cabana. Aproximou-se despreocupado, sem ocultar a sua presença, consciente de que algum rifle o estaria espreitando na escuridão.
Tinha os músculos tensos, dispostos a saltar do cavalo ao menor sinal de perigo. Ouviu o ruído da culatra de uma «Winchester» a introduzir a bala na câmara.
— És tu, Dick? — perguntou Went, da escuridão. Ken guiou o cavalo até ao lugar de onde tinha vindo a voz.
— Sim. Desmontou.
O ex-xerife saiu do seu esconderijo.
— Onde diabo está o Juiz? Não o trouxeste?
— Não quis vir. Estás só?
— Rod está por aí... — Went, de repente, suspeitou: — Eh, que voz?
Ken sacou o seu revólver.
— Põe as mãos para cima, Went. Estás preso.
O ex-xerife soltou uma maldição.
— Duro com ele, Rod, é o Juiz! Bang.
A primeira bala de Went arrancou o chapéu da cabeça de Ken antes que este tivesse tempo de pôr-se a salvo do cobarde ataque. Do outro lado da cabana soou o ladrar áspero de um rifle.
Ken escondeu-se do outro lado, rebolando pelo chão, enquanto que a bala que lhe era destinada só apanhava o ar. Mesmo do chão, de bruços, Ken disparou. Primeiro, contra Went, que, por estar mais próximo, era o mais perigoso.
A bala penetrou-lhe pela testa, lançando-o para trás, no mesmo instante em que o dedo ia a apertar o gatilho. A última contração nervosa produzida pela morte fez com que a espingarda de Went se disparasse, mas a queda desviou a trajetória da bala.
Uma chuva de terra salpicou o rosto de Ken, que voltou a rolar para iludir os disparos de Red. Este fazia fogo com louca velocidade, raivosamente, sem fazer pontaria, confiando que a grande quantidade de balas acertasse no seu inimigo, mais que a precisão dos tiros.
Ken, rolando, protegeu-se atrás de umas árvores, e voltou a montar o percutor. Mas sem deitar de fora a cabeça, pois as balas de Red formavam uma cortina de fogo mortal. De repente, Red deixou de disparar e o jovem levantou cautelosamente a cabeça. E então ouviu a voz triunfante de Red, caminhando ao seu encontro.
— Sai daí Juiz, ou seco as lágrimas à tua pequena com uma bala.
— Não faças caso, Ken — gritou Eva.
No mesmo instante, Ken ouviu um golpe e um gemido.
— Assim aprenderás, encanto, e o teu noivo saberá obedecer-me.
O jovem soltou uma exclamação de raiva e apertou com ânsia o revólver.
— Vou contar até três, Juiz. Saia antes de ouvir o último, ou não verá cor vida a sua pequena.
Ken largou o revólver e levantou-se, esperando a cada instante ouvir o tiro que lhe acabasse com a vida. Vê-lo causou em Red um feliz entusiasmo. Ken rangeu os dentes.
— Agora, Juiz, porte-se corno um homenzinho! ...
— Que vais fazer? Deves estar louco.
— De entusiasmo, sim. Sabe o que me pagará o chefe pela sua cabeça?
— Não Lenho a mínima curiosidade, rapaz, mas sei o que ganharás com isso, uma boa gravata de cânhamo.
Red soltou uma gargalhada.
— Não está em condições de fanfarronar. Tenho-o bem na mão e, se isso fosse pouco tinha a sua noiva que originou toda esta embrulhada. Patton sentir-se-á feliz por os saber nas suas mãos.
Ken, com as mãos no ar, espreitava uma oportunidade para entrar em ação com perigo da sua vida. Mas Red não se descuidava, e o rifle apontava direito ao peito do seu rival. Eva, próximo do pistoleiro, estava caída, dorida pelos golpes sofridos.
— Será melhor que te entregues, rapaz. Não te esqueças que sou Juiz, e não é o mesmo que matar um índio.
— Torna-se mais divertido, Juiz. Mas, não vai suplicar-me a sua vida? Não me prive desse prazer, raios!
— Que tu sejas um cão ladrão, não quer dizer que todos os homens sejam iguais.
Bang. O rápido tiro de Red roçou o queixo de Ken, e este sentiu o calor da bala abrasar-lhe o pescoço. Mas nem sequer estremeceu.
— Um tipo sem nervos, eh?
— Deixe essa mulher, pois já me tem a mim — pediu acremente, Ken.
— Vá, comece a suplicar!...
O jovem avançou um passo.
— Estás jogando a vida rapaz.
— Nesse caso, será melhor que lhe pregue um tiro. Vai conseguir assustar-me. ~
Levantou a espingarda e à pálida luz do amanhecer, Ken viu a morte no cano do rifle. Eva moveu-se no chão! Foi um gesto desesperado, nascido do seu fervoroso amor. Os pequenos pés golpearam as pernas de Red fazendo-o perder o equilíbrio. Este soltou uma maldição, desperdiçando a bala que já saía da espingarda. Furioso, voltou a «Winchester» contra a jovem e Ken saltou como uma lebre.
Em dois saltos caiu sobre Red, e as suas mãos apertaram o pescoço do pistoleiro. Foi uma luta brutal, de vida ou de morte. O rifle caiu no chão e Ken deu um pontapé no peito do pistoleiro que soltou um gemido. Depois rolaram pela erva, enquanto Eva escondia o rosto e soluçava desesperadamente.
Entre ambos os homens trocaram-se violentos golpes que soavam sonoramente na quietude do plácido amanhecer. Ken, de repente, encontrou-se debaixo de Red, e as mãos deste estrangulavam-no, cujos dedos se afundavam na sua garganta. O rapaz sentiu que os seus ouvidos começavam a zumbir e que a cabeça lhe começava a estalar. O ar faltava-lhe nos pulmões, e contraiu-se como um felino.
O duplo pontapé no ventre de Red lançou este pelo ar, como uma bola. O Ken, esfregando o pescoço, levantou-se, com os sentidos quase perdidos. Mas, continuou a lutar, compreendendo que uma simples vacilação equivalia à sua morte e à de Eva.
Caiu sobre Red, espancando-o ferozmente. A mandíbula do foragido estalou, mas nem por isso deteve o seu implacável castigo. Um murro no estômago do seu inimigo fez com que ele se dobrasse, e, um novo golpe no queixo, deixou este numa pasta de sangue. Respirando a custo, Ken afastou-se do corpo do seu rival, tragicamente retorcido no solo. Notava que o chão parecia faltar-lhe debaixo dos seus pés.
Os braços femininos acolheram-no ternamente, e os lábios vermelhos de Eva, tornaram-se num bálsamo para as suas feridas. Demorou vários minutos a recompor-se, e quando por fim pôde valer-se a si próprio, limpou o sangue dos lábios.
Guardando os revólveres, Ken olhou para a j ovem. Esta tinha lágrimas nos olhos, mas teve ânimo para brincar. -- Sempre tenho de estar a salvar-te a vida. Abraçou-o ternamente.
— Não devemos separar-nos. Depois verificou que Went estava morto e Red sem sentidos.
— Regressemos a Tombstone, Eva.
Ela informou-o:
— Segundo disseram Went e os outros, o chefe deve passar por aqui.
— O chefe?
— Melvin Patton. Devem ter algum plano combinado porque tinham concordado reunir--se aqui.
O jovem humedeceu os lábios e nos olhos assomou uma sombra de ansiedade. Eva adivinhou os seus pensamentos.
— Não, Ken! É uma loucura. Agarrou-a pelos ombros e fez com que ela o olhasse. — Temos de acabar com esta quadrilha, querida. É preciso! Entendes-me? Só quando acabarmos tudo isto poderemos estar tranquilos para nos dedicarmos um ao outro inteiramente.
— Matam-te!
— Tenho a pele dura. Tu vais montar a cavalo e voltarás a Tombstone para pedir reforços. Eu os aguardarei aqui.
— Mas Patton virá antes!
— Porque hás de pensar sempre o pior? Encaminhou-a suavemente, mas com firmeza para o cavalo.
— Sê valente, Eva.
Ajudou-a a montar o animal e em seguida deu uma palmada neste que se lançou a galope. Em poucos minutos o cavalo perdeu-se de vista. Ken ao ver-se só, começou a preparar o cenário para a última batalha, e o primeiro que fez foi esconder o cadáver de Wint e o corpo de Red.
Em seguida, montou no seu alazão e foi buscar o corpo do pistoleiro que o tinha levado até ali, mediante o engano da nota escrita por Eva.
O corpo do pistoleiro continuava no lugar onde o tinha deixado. Ocupou-se dele e levou-o também para a cabana que

sábado, 11 de janeiro de 2020

KNS049.09 Rapto e carta traiçoeira

O criado voltou ao seu trabalho do bote e Eva subiu as escadas do alpendre. Do interior do estabelecimento saía o som do piano, muito maltratado, tentando levar o compasso a uns improvisados cantores.
— Uma noite movimentada, eh, pequena?
Eva levantou a vista, abafando um grito. Ray Went estava na sua frente, com o rosto suado e o cabelo em desalinho, e os olhos que pareciam querer saltar das órbitas. Na mão tinha um revólver que tremia ao compasso da sua agitada respiração.
— Você também estava com os assassinos?
— Exato. Mas fui mais esperto.
— Ou mais cobarde...
Zás! A bofetada fez a cabeça da rapariga ir para trás, fazendo-lhe saltar o sangue pelos lábios.
— Tu és a causadora disto tudo — rugiu, com ódio.
Eva olhou em volta, procurando a salvação em alguém, mas a rua estava deserta e no «saloon» havia demasiado bulício para que ouvissem os seus gritos.
— Vais matar-me?
Went olhou para as suas costas: o «saloon». E pensou que um tiro ali poderia ser perigoso.
— Vens comigo.
— Um rapto? — Aquilo deu uma ideia ao ex-xerife. — Foi uma acertada lembrança, pequena. Começa já a andar.
— Para onde?
— Conheço um sítio em que me prestarás um bom serviço.
O seu rosto contraiu-se num sorriso deveras sinistro. Went arranjou um par de cavalos e obrigou Eva a subir para um. Depois saltou para o outro e lançou ambos num desenfreado galope que os afastou em poucos minutos da cidade.
Pelo caminho, Eva verificou que o ex-xerife a levava para a cabana de Joe, onde tinha encontrado as cartas de Percy Craig. Não pronunciou uma só palavra em todo o trajeto, embora tentasse encontrar alguma oportunidade de escapar. Mas Went devia esperar algo nesse sentido e vigiava-a atentamente, não permitindo afastar-se mais do que a conta. Quando chegaram à cabana, um par de sombras saíram-lhe ao caminho, apontando os rifles. Went deteve a sua montada e Eva fez o mesmo.
— Onde estão os rapazes, Ray? — perguntou um dos pistoleiros.
— No inferno, imagino.
Tomou o braço da rapariga e empurrou-a para junto dos outros bandidos.
— Aqui está a culpada.
— Culpada? Será que morreram?
— Matou-os o juiz, mas estavam os dois juntinhos.
— E para que a trouxeste? Não podias tê-la morto lá?
O outro deu um estalo com a língua.
— Não imaginas o que podemos fazer com ela? Foi uma boa ideia trazê-la, Went. Mas conta-nos, o que se passou com o juiz?
O ex-xerife tossiu.
— Bom, não tivemos sorte.
— Isso quer dizer que ele está vivo ainda?
— Exatamente.
— Maldito seja. Quando o chefe souber que lhe desobedecemos e para mais que não conseguimos nada positivo, esfola-nos vivos.
— Esquece o chefe agora, Red.
— Não posso fazê-lo, maldito sejas. Isto foi uma ideia tua, Went. Disseste que se lhe levássemos a notícia da sua morte nos cobriria de ouro, e já viste o que conseguimos: fazer-nos credores de uma boa ração de chumbo.
— Queres calar-te de uma vez, Red? Ou terei de partir-te os dentes. Não vês que tenho aqui esta pomba? Para que julgas que eu a trouxe. Para vo-la oferecer?
O companheiro de Red deu-lhe uma cotovelada.
— Deixa de protestar contra a mulher e escutemos o Ray. Talvez tenha alguma coisa importante para nos dizer.
— Claro que sim! Mas entremos na cabana.
Assim o fizeram e Went fechou a porta com um pontapé, encostando-se nela.
— Pois como esse porco do Juiz não está morto, faremos vi-lo aqui e acabaremos com ele, como um porco que é.
Eva revoltou-se ao ouvir aquilo, mas o miserável fê-la sentar-se com um brutal empurrão.
— Não te mexas, encanto, ou sentirás as minhas mãos.
Red coçou o queixo.
— Vomita o que seja, Went. Ardo em desejos de o pôr em prática, antes que o chefe apareça por aqui e saiba do sucedido. Lembra-te que disse que viria ao amanhecer para organizar ele próprio o ataque a Tombstone.
— Deixa de pensar no chefe de uma vez! —gritou Went. — Vocês vão ver a minha ideia. — E depois mais calmo: — Esta boneca escreverá uma mensagem ao seu noivo, um de vós irá levá-la e o pássaro meter-se-á na boca do lobo.
— Se lhe dissermos que está em nosso poder, virá com uma legião de cavaleiros e...
— Sou mais esperto do que isso, rapaz. Ela dirá que venha aqui, porque encontrou novas provas contra o chefe. Lembra-te de que foi aqui que encontraram as cartas de Percy Craig. Os miseráveis olharam-se com interesse.
— Não soa mal de todo, isso.
Eva mexeu-se na cadeira.
— Não escreverei essa nota! Went cuspiu nas mãos. — Bem, querida. Terei de convencer-te.
Estendeu as mãos e agarrou-a pelos cabelos, puxando-os. Eva gritou e a outra mão esbofeteou-a repetidas vezes. A jovem gritava e chorava de dor, caindo no chão com os cabelos e o vestido em desalinho. As enormes botas do ex-xerife aproximaram-se do rosto da jovem, que repousava no chão, e a voz crispada replicou:
— Escreves?
Eva compreendeu que nada conseguia com uma negativa prolongada, salvo uma brutal tareia. Sacudiu a cabeça dizendo que sim. Os dois companheiros de Went levantaram-na com rudeza, sentando-a na cadeira em frente da mesa. Puseram-lhe um papel na frente, e uma tosca caneta foi-lhe colocada entre os dedos.
— Escreve! — gritou Went.
Lentamente, Eva foi escrevendo sobre o, papel, enquanto as lágrimas lhe corriam em abundância pelo rosto. Quando terminou, Went arrancou-lhe o papel e leu.
— Uma terna missiva, rapazes. Ora oiçam:

«Querido Ken
«Vem o mais depressa possível à cabana do Joe. Encontrei novas provas que nos interessa.
«Espero-te,
Eva.»

— Que lhes parece? — riu Went.
— Perfeito, se serve para atrair aqui esse fulano.
— Virá, não tenhas a menor dúvida.
Pegou no papel e entregou-o ao companheiro de Red.
— Leva-o a Tombstone e entrega-o pessoalmente ao juiz. E atenção aos erros, rapaz. Lembra-te que esse tipo é perigoso.
O aludido guardou o papel e saiu com um grunhido.
— Lembrar-me-ei do teu conselho... Mas estejam com o olho no ponto de mira.
Quando saiu, Went voltou-se para Eva.
— Temos uma hora à nossa frente.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

KNS049.08 O primeiro beijo sob uma chuva de balas

As esporas tilintaram na escuridão e Went soltou uma praga.
— Tira-as, imbecil, ou enforcar-nos-ão a todos!
O aludido resmungou e abaixou-se para tirar as esporas. Os três homens estavam encostados a uma das fachadas da rua principal, próximo do «saloon» de Mabel, e deslizaram sem se mostrarem, procurando chegar ao hotel onde sabiam encontrar-se Ken Adams.
Uns momentos depois, os três homens continuaram a avançar, examinando o terreno com todas as precauções, antes de darem um passo que fosse. De vez em quando escondiam-se na sombra, quando ouviam passos de algum noctívago. Por fim encontraram-se diante do hotel e detiveram para ultimar os detalhes.
— Só matando-o, voltaremos a ter a confiança do chefe — manifestou Went.
— Não creio que isso seja difícil — disse o das esporas.
— Não?! Digo-te que é um diabo, e se pensas o contrário, ver-te-ás com a cabeça cheia de chumbo.
— Tenho vontade de vê-lo na minha frente para partir-lhe os ossos.
Ray Went deu uma cotovelada ao que falava, fazendo-o calar. Alguém se aproximava com passos pesados pelo alpendre do lado oposto. Os três homens seguiram aquela sombra, que avançava sem ocultar-se, e depois viram como atravessava a rua dirigindo-se em linha recta ao hotel. Agora, os seus passos abafavam-se no pó da calçada, mas a sua figura tornou-se mais visível. Quando já estava próximo da porta a luz iluminou-lhe o rosto.
— É ele! — murmurou Went. — Uma boa ocasião para condenar o juiz — brincou fanfarrão. — O diabo o pôs no nosso caminho.
A mão do ex-xerife começou a curvar-se sobre o seu «Colt» e os outros imitaram-no. Só então escutaram outros passos apressados. Uma figura cintilante cruzava a rua com graciosos movimentos.
— Ken! — chamou a rapariga.
Went, do seu canto, mordeu as palavras:
— É Eva Fraser... É trabalho completo!
O juiz voltou-se ao escutar a chamada, oferecendo o peito ao assassino.
Estes viram até os botões da camisa que o jovem trazia, dada a curta distância que os separava. Eva reuniu-se ao juiz.
— Que se passa, pequena? — perguntou o jovem magistrado.
A sua voz grave e bem timbrada chegou clara até aos ouvidos dos pistoleiros.
— Queria... queria... falar consigo — disse Eva, com a respiração agitada e estremecendo debaixo da intensidade do olhar masculino.
— Já o estás fazendo — e sorriu. — Que grave assunto vens confiar-me?
— Eu... não obtive ainda o seu perdão.
— Perdão? — riu. — De que falas, Eva?
— Não me portei bem e disse grosserias e...
— Esquece-o. Estás perdoada por completo, se é que em alguma coisa me ofendeste.
Eva sacudiu os doirados cabelos.
— Não era assim que esperava ser perdoada, Ken.
— Não?! Como o querias?
Eva tinha as faces incendiadas pelo rubor, mas decidiu-se. Pôs-se em bicos de pés, lançou os braços ao pescoço masculino e abraçou-o. Ao mesmo tempo, seus lábios encontraram os de Ken que os beijaram com ânsia e frenesim. Foi um beijo longo que surpreendeu o rapaz.
Depois, pouco a pouco, perturbado pelo corpo feminino, cingiu também os seus braços em volta do corpo da jovem, enlaçando-a. Era como a melhor aventura da sua vida. Nos ouvidos parecia sentir o zumbido de mil violinos.
— Eva... — murmurou, quando conseguiu respirar.
— Ken, amo-te.
Era uma declaração tão espontânea que merecia outro beijo. Went, no seu canto, disse:
— É agora a ocasião.
Na excitação levantou a voz mais do que devia. E os violinos que Ken ouvia, calaram-se de repente. Atuou com rapidez pressentindo a violência, e arrojou a jovem para o lado. Esta caiu no chão com um gemido, entre um restolhar de saias.
Ken agachou-se, e na sua mão apareceu um «Colt». Começou a disparar com raiva para o lugar donde pressentia que vinha o perigo.
Went e os seus companheiros fizeram fogo por sua vez, mas Ken já não estava no lugar para onde eles dirigiam o fogo. Em troca, as balas do jovem alcançaram os seus inimigos. O primeiro a ser atingido foi o que tinha fanfarronado, como um castigo. A bala entrou--lhe por debaixo do queixo e destroçou-lhe a cabeça.
O seu companheiro sentiu a brasa da morte no peito, por onde lhe saia a vida. Went foi o único que saiu ileso. O próprio medo o salvou das balas de Ken. Agachado, começou a recuar com ansiedade.
Ken deixou de premir o gatilho ao ver que os revólveres dos seus inimigos se tinham calado definitivamente. Moveu-se um pouco no chão e ao verificar que não disparavam, correu para o lugar onde tinha caído Eva.
— Estás bem, pequena? — murmurou, sem esquecer ainda o sabor dos lábios dela.
— Oh, Ken...
Pegou-lhe nos braços, levantando-a. Ao estampido dos tiros tinham saído pessoas do hotel que, ao reconhecer o juiz, acudiram pressurosos.
— Feriram-no, senhor Adams?
— Não tiveram essa sorte.
— E a senhorita, está bem?
— Encontra-se bem, obrigado. Necessita só de um pouco de «whisky» para reanimar.
— Não é necessário, Ken. Estou bem.
Um criado vinha a correr da esquina onde estavam estendidos os pistoleiros.
— Matou-os com um só tiro a cada um, senhor Juiz.
A notícia não o deixou muito feliz, mas contribuiu para que a sua fama aumentasse. Eva olhou-o nos olhos.
— Será preferível que regresse ao «saloon», Ken.
— Não deves voltar ali. Pelo menos, se é verdade o que disseste.
— É sim; mas não devemos estar juntos.
— Aquele não é o lugar mais adequado...
— Mabel sabe cuidar de mim. Ela foi a autora de tudo isto... É muito boa e viverei com ela, sem sair do «saloon».
— Escuta, querida... Sou um homem que gosta de proteger a mulher que ama e...
— A teu lado não tenho agora muita proteção. Lembra-te do que acaba de suceder.
Ken compreendeu as razões da jovem.
— Acompanho-te.
— Não é preciso, e estás cansado. Precisas de descansar para estares amanhã na posse das tuas forças.
— Sempre queres levar a tua avante. Pelo menos quero que alguém te acompanhe. —Chamou um criado e disse-lhe: — Acompanha a senhorita até ao «saloon» de Mabel... e defende-a, se preciso for.
Afastaram-se depois para se despedirem de novo. Ken entrou no hotel e imediatamente subiu ao seu quarto, sem fazer caso das pessoas que conversavam sobre o caso dos tiros.
Entretanto Eva, acompanhada pelo criado dirigia-se para o «saloon». Recordava as palavras de Ken e, sobretudo, as suas carícias interrompidas pelos tiros. Como já estavam próximos da casa de Mabel, Eva disse:
— Pode regressar, se o deseja. Estou em casa.
— Muito obrigado, menina... e descanse.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

KNS049.07. Duas mulheres apaixonadas

Ao passar em frente do «saloon de Mabel decidiu entrar, impulsionado por uma súbita atração. As notas que o piano lançava eram atrativas, e tinham o som próprio para dor mir. Empurrou os batentes e entrou. O «saloon» não estava muito concorrido dados os acontecimentos, mas sim animada.
O que tocava o piano, acompanhava o compasso com todo o corpo, pretendendo que «artista» que se encontrava no palco encontrasse por sua vez o ritmo da música. Encostou-se ao balcão e um criado aproximou-se com uma garrafa.
Tinham sido vários os que o haviam reconhecido, dedicando-se a comentários com os vizinhos. Bebia, quando sentiu a presença de alguém muito próximo de si.
Olhou para o espelho viu Eva. Vestia inteiramente de azul, e o decote era mais discreto do que o que tinha na diligência. Estava muito pintada, mas mesmo assim a cor não era exagerada.
— Julgava-o noutro lugar, Ken.
— E eu a ti. Não temes exibir-te em público?
— Tombstone não tem nem um só amigo de Patton.
— Mas hão de vir.
— Penso da mesma maneira, mas desta vez não me vou embora.
— Porquê?
— Pelo menos só.
Ken interessou-se pelo «whisky».
— Perdoa. Tenho pena.
Bebeu de um trago e procurou uma moeda no bolso.
— A casa paga, Ken. Não se incomode.
— Está bem. Obrigado.
Ia a voltar-se quando a mão feminina lhe agarrou o braço.
— Não tem nada a dizer-me?
 Abanou a cabeça.
— Descansa, Eva. Bem o precisas.
Voltou-lhe as costas e afastou-se na direção da porta. No olhar da rapariga havia uma expressão que não sabia dominar. Mabel aproximou-se dela ainda os batentes não tinham parado da passagem de Ken.
— Não tiveste êxito?
A jovem voltou-se, triste.
— E sem dúvida, amo-o, Mabel.
A dona do «saloon» concordou.
— Eu sei — disse com voz triste.
Eva adivinhou.
— Mabel! — agarrou-a pelos braços, olhando-a fixamente no fundo dos olhos. —Tu também o amas?
Mabel desviou os olhos.
— Que coisas dizes, rapariga.
— Sim! Tu ama-lo!
A formosa mulher fechou os olhos e sacudiu a cabeça.
— Só pode ser para ti.
Eva levou Mabel para o interior do edifício, longe do olhar dos homens. Uma vez num pequeno salão, a jovem insistiu:
— Porque não me disseste antes?
— Estas coisas é melhor tê-las guardadas São... penosas.
— Penoso amar um homem como Ken?
— Não ser correspondida, Eva. Eu não posso pensar nessas coisas. Na minha idade. — Suspirou. — Mas tu és jovem e bonita. Não deixes que saia da tua vida. É a tua grande oportunidade.
Eva torceu as mãos.
— Está tão distante! ...
— Quem sabe se o tens mais próximo dl que imaginas.
— Não é possível. Bem viste a pressa com que se foi embora.
— Ken é tímido.
— Não pode esquecer que é juiz e eu... uma mulher com quem não pode estar seguro.
— Porque dizes isso? Nunca cometeste nenhuma loucura.
— Mas vivo no ambiente de um «saloon» e os homens como Ken, não o esquecem nunca
— Não te dês por vencida antes de luta, Eva. Vai ter com ele e fala-lhe.
— Agora?
— Sim, imediatamente. Não guardes par amanhã, pois pode ser tarde demais.
E dizendo isto, Mabel empurrou-a para a saída do «saloon», ao mesmo tempo que lhe punha pelas costas um xale de cor escura. E assim, envolta nele, Eva saiu para a rua, ao encontro de Ken.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

KNS049.06 Um alcaide na prisão

Eva apontou a cabana que ficava à vista do grupo, ao entrar no bosque próximo do rio, nos arredores de Tombstone.
— É este o lugar.
Ken examinou detalhadamente a tosca construção e ouviu o que a jovem informava:
— Construiu-a Joe e pensava que nela iniciaríamos a nossa vida em comum. Está fechada, mas sei onde está a chave.
Desmontou agilmente e Ken imitou-a, assim como Aceves. O resto dos cavaleiros, a um sinal do seu chefe, permaneceram a cavalo e dispersaram--se, examinando os arredores. Eva aproximou-se lentamente da cabana e procurou entre as pedras da entrada até dar com a chave. Abriu a cabana e a porta cedeu com um ranger. Ela entrou, decidida, perfeitamente orientada na escuridão, e abriu uma das janelas, permitindo que o sol inundasse a reduzida cabana.
Estava construída com solidez, e dentro havia tudo o que precisava um jovem par que se ama. Ao fundo havia um quarto de dormir cuja cama estava coberta com urna colcha índia de cores vivas.
Eva olhou em volta, com um estremeci mento de emoção. Era evidente que os pensamentos a assaltavam, fazendo-lhe recorda momentos passados ao lado de Joe Patton.
— Se Joe guardava alguma coisa, deve ter escolhido este lugar. Frequentemente vinha aqui e passava muitas horas só... Tinha um carácter um pouco... — calou-se, mordendo os lábios.
O silêncio era denso, e só chegava até eles o ruído de algum cavalo dando voltas à ca bana. Ken respirou ruidosamente.
— Não tens ideia do lugar exato?...
Ela não respondeu, mas começou a abrir gavetas. Nem Ken nem Aceves cometeram o atrevimento de revistar um lugar que devia guardar para a jovem dolorosas recordações. Ambos pensaram que fazer o contrário seria uma profanação.
Numa das gavetas da cómoda, as mãos femininas detiveram-se ao tocar uma caixa metálica. Ambos os homens se aproximaram e ela abriu-a. Uns papéis estavam cuidadosamente dobrados no fundo.
As mãos de Eva agarraram neles cuidadosamente e Ken soltou um suspiro. Ali estava o que procuravam.
Cartas de Percy Craig. Cartas dirigidas a Melvin Patton, e que sem dúvida, Joe as tinha encontrado em casa de seu tio e as tinha tirado.
Lentamente, Eva passou-as a Ken e este leu-as rapidamente, passando com velocidade os olhos pelas linhas escritas. Nelas, Craig dava uma série de detalhes a respeito das suas atividades do outro lado da fronteira.
O próprio Craig dava informações a respeito da situação de diversos ranchos, número de vaqueiros de cada um deles, possibilidades de roubo e número de rezes que poderiam obter em cada assalto. Eram informações completas, que colocavam em volta do pescoço do alcaide uma corda de cânhamo. Aceves, que tinha estado lendo aquelas cartas por cima do ombro de Ken, exclamou:
— Diabos, isso era mais do que podíamos esperar!
— Obrigado, Eva. Prestaste-nos uma grande ajuda.
— Fique com elas, Ken. Sei que estão em boas mãos e que você saberá castigar os assassinos de Joe.
— Fá-lo-ei. Prometo-te.
A Aceves brilharam-lhe os olhos.
— Hoje foi um dia de sorte para você, Ken!
O jovem olhou para Eva.
— Sim... Creio que sim.
A jovem estava pálida e parecia nervosa, como se a visita à cabana a tivesse afetado profundamente. Ken aproximou-se da formosa rapariga e acariciou-lhe as mãos frias.
— Sei o que significa isto para ti, Eva, e por isso te agradeço muito mais o que fizeste. Perdoa-me ter-te despertado estas recordações em ti, mas tudo é em benefício de quantos têm sido prejudicados por Melvin Patton.
Eva estremeceu àquela carícia.
— Sim, Ken... Tenha cuidado, Ken... Não... Não quero que lhe suceda o mesmo que a Joe.
— Ainda te recordas dele, não é verdade? Há homens que têm a sorte de reinar nos pensamentos de uma mulher toda uma eternidade — fechou os olhos, dominando-se. — Regressemos a Tombstone.
A notícia do assalto à diligência, não surpreendeu Tombstone tanto como a notícia de que os seus dois únicos viajantes se tinham salvo.
— São uns verdadeiros demónios! — diziam as pessoas. — Não parecem vulneráveis.
Não estavam na cidade nem o alcaide nem o xerife, nem muito menos Melvin Patton. Muito rápido, toda a gente soube que o Juiz tinha chegado da capital e decretado guerra
sem quartel contra os que até então tinham sido os amos de Tombstone, e os comentários não podiam ser mais excitados nem mais apaixonados.
Não faltou quem chegasse a propor ao Juiz uma batida que acabasse para sempre com os ranchos de Patton e de Craig, incluindo os seus donos e as suas equipas. Mas Ken era Juiz e desejava actuar com a máxima legalidade.
Caía a tarde quando Ken foi mudar de roupa, abandonando definitivamente as roupas da cidade por outras menos elegantes, mas mais eficazes na hora de luta naquelas terras. Com umas calças azuis e a camisa preta, que lhe cingia os músculos, parecia uma bela estátua que as mulheres não se cansavam de admirar.
Mabel foi ao hotel, que se tinha convertido em quartel general. Ken, ao atendê-la, ficou pensativo ao escutar dos lábios da dona do «saloon»:
— Que fez a Eva? Nunca a vi tão alterada, nem mesmo quando estava com Joe Patton.
Ken, pegando-lhe no braço, levou-a para um canto do amplo salão onde as pessoas não os pudessem ouvir.
— Que quer dizer isso de Joe?
— Ela não o amava demasiado, mas pensava que devia organizar a sua vida. Em troca, agora sim, está enamorada.
— De quem?
Mabel olhou-o com estranheza.
— Decididamente, você é um ingénuo.
Aceves chamava-o e Mabel esgueirou-se naquela confusão.
— Podemos reunir um bom grupo, Ken. Com eles estou seguro de que nem Patton nem os seus homens nos poderão fazer frente.
— Tudo se fará a seu tempo, Raul. Só tenho provas contra Craig... e ele será o primeiro a cair. Patton virá depois.
— As cartas eram dirigidas ao rancheiro.
— Sim, mas nenhuma delas faz alusão a Patton.
Aceves moveu a cabeça fatigado.
— Você é um poço de legalidades, Ken, nesta terra não se podem aplicar.
— Aplicam-se enquanto eu aqui estiver.
O mexicano suspirou.
— De acordo, Juiz. Quando saímos?
— Agora mesmo.
Colocou o cinturão, e as pessoas que aguardavam no «hall» do hotel seguiram-no. Havia quase uma dúzia de cavaleiros dispostos a tudo, e raivosos pela possibilidade de uma boa luta.
Os que se tinham unido ao grupo de Aceves não o tinham feito senão impulsionados por ressentimentos pessoais contra o alcaide. Ken sabia-o e não se importava servir-se deles, enquanto pudesse ter mão neles, claro.
Fora, estavam os cavalos. Atrás dele saíram todos, e uns minutos depois cavalgavam em direção da saída de Tombstone. A cavalgada fez-se em silêncio, só quebrada pelo eco dos cascos dos cavalos.
As últimas horas do entardecer tinham reflexos sinistros. Quando se detiveram diante do edifício principal, Ken viu vários homens empunhando espingardas, protegidos por diversos acidentes do terreno. Todos se observavam com atenção, tensos como arcos de flechas prontos a disparar, mas temendo qualquer deles iniciar a batalha.
Na porta do edifício, erguia-se a figura de Percy Craig, aparentemente desarmado. Ken manobrou a sua montada até aproximar-se do alcaide.
— Alegro-me vê-lo de novo, Juiz — disse Craig, com voz que pretendia ser serena.
Ken inclinou-se sobre o cavalo.
— Esteve quase a ponto de não me tornar a ver, Craig. Foi uma bonita cilada.
— A que se refere?
— Sabe muito a que me refiro e tem o coração batendo demasiado no peito. Lastima que os rapazes de Patton não cumprissem bem o serviço.
— Continuo a não compreendê-lo, Juiz.
— Sim? — e encolheu os ombros: — Será melhor que leia isto.
Estendeu um papel que Craig leu com dificuldade à luz que vinha do interior. Quando terminou a leitura, o papel escapou-se-lhe das mãos.
— É uma ordem de prisão contra você, Percy Craig.
— De que me acusa? Você não tem autoridade para...
— Abra bem os ouvidos, Craig. Posso falar-lhe de umas cartas que você escreveu. O destinatário era Melvin Patton, lembra-se?
Craig estremeceu ao ouvir aquelas palavras. O silêncio era espesso e agonizante. Os homens do alcaide escutavam atentos e impressionados e com receio do que ouviam. A voz metálica de Ken continuou:
— Entregue-se, Craig. Não tem outra solução. Será julgado com toda a legalidade, pois terminaram as suas atividades criminosas.
Um dos guarda-costas de Craig disse:
— Dê uma ordem, chefe, e eles irão para o inferno.
Aceves voltou-se na sela e os seus homens levaram as mãos às armas.
— Só complicará mais as coisas, Craig. Dê-se por vencido.
O alcaide desceu as escadas lentamente. Minutos mais tarde, sem necessidade de disparar um tiro, o grupo armado regressou a Tombstone. A primeira partida estava ganha.
*
Ken bateu com os dedos nas cartas.
— Reconhece a sua letra, eh, Craig?
— Não me prenda, Ken. Vi-me sempre obrigado a colaborar com Patton. Fui uma vítima dele, e não pode acusar-me de uma coisa que fiz contra vontade. — Suplicava e torcia as mãos. — Ponha-me à parte disto.
— Não é possível.
— Você é cruel e desapiedado.
— Sou justo, Craig. Cometeu um crime. Por sua culpa morreram muitos homens e eu próprio estive quase a ser vítima da sua cilada. Por sorte, adivinhei as suas intenções e dei-lhe corda suficiente para que se enforcasse. O alcaide estremeceu ante a alusão da corda.
— Peça o que quiser, Ken. Diga você a cifra e eu lha darei. Tenho muito dinheiro e posso empregá-lo como quiser. A você interessa-lhe Melvin Patton e a mim a liberdade. Eu irei para o México e nunca mais saberá de mim. Eu...
— Cale-se!
— Dar-lhe-ei...
— Cale a boca ou fecho-lha a murros.
Ken deu um murro na secretária que fez Craig saltar da cadeira. Encontravam-se no gabinete do xerife, e Keller não tinha aparecido ainda. Lá fora, de guarda, estava Aceves e os seus homens.
— Preciso de uma confissão completa de todas as suas atividades, Craig. Aqui tem papel e caneta. Escreva-a e assine e deixe a justiça seguir o seu curso. Não tem outra solução.
O alcaide baixou a cabeça e compreendeu que tudo estava perdido para ele. O rapaz levantou-se.
— Aproveite o tempo e não tente nenhuma artimanha. Estamos lá fora vigiando e ao menor movimento suspeito, dispararemos.
Ken saiu para a rua, onde Aceves e alguns voluntários estavam de guarda.
— Averiguou onde estão as minhas reses? — perguntou o mexicano.
— Não lhe perguntei, Raul, mas pode estar seguro de que se encontram no rancho de Patton.
— Elas é possível que sim, mas...
— Que quer dizer?
— Mandei um par de rapazes deitar uma olhadela por lã e encontraram aquilo deserto.
— Fugiram?
Sem se desconsertar, o Juiz perguntou:
— Parece que sim. Souberam, pelos vistos, o que se passou no rancho Craig e trataram de se afastar o mais possível.
— Abandonando tudo? Voltarão.
— Parece muito seguro.
— Sim.
— E até alegre. Sabe o que se passará se essa gente assoma o nariz? Tombstone será um inferno.
— Para converter-se no paraíso. Tenho desejos de limpar esta terra de todos os indesejáveis. Fizeram um cigarro e acenderam-no. A amarela chama do fósforo, Raul contemplou as feições de Ken.
102 —
— Você é um homem obstinado, Ken. Qualquer que não o conheça, julgará que a alcunha de «Juiz Tumba» lhe assenta bem, mas não passa de uma ironia. Você não gosta do seu ofício.
— Como o sabe?
— Notei. Atua apenas impulsionado pelo seu sentido do dever.
O jovem moveu a cabeça.
— É algo parecido. Mas sinto a responsabilidade, penso nas pessoas honradas que confiam em mim como freio para os desalmados que violentam os seus lares, e continuo. Embora tenha ganas de abandonar tudo e ir viver em contacto com a natureza.
— Só?
O rapaz estremeceu. Subitamente, recordou Eva.
— Sim.
Voltou a cabeça. Percy Craig terminava a sua confissão. Deitou fora o cigarro e pisou-o com a ponta da bota e entrou no gabinete. O que tinha sido até àquele momento o alcaide, levantou-se.
— Terminei.
O magistrado acabava de perder a sua categoria oficial. Ken apontou o corredor das celas.
— Você primeiro, Craig.
E não havia ironia. Percy Craig, visivelmente abatido, avançou pelo corredor. Ia expiar os seus erros.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

KNS049.05 Emboscada falhada

Melvin Patton abriu a boca, e naquele momento a porta do salão abriu-se, dando passagem a um Percy Craig excitado e suado.
— Esteve no meu rancho! — exclamou.
O rancheiro apertou uma mão na outra e olhou os homens ali reunidos. Craig apresentava umas feições de púrpura; o xerife Keller estava encostado a uma das paredes, com os polegares no cinto; Clem Yorkers, passeava pela boca, uma bola de tabaco, enquanto o seu olhar pálido parecia sem vida; e o ex-xerife Ray Went mordia os lábios.
— Todos com lamentações e nenhum decidido a partir-lhe a cara — gritou Patton.
Craig balbuciou:
— Adivinhou o lugar por onde introduzi-mos as reses no Arizona — tragou a saliva e acrescentou: — Ele e o maldito rancheiro mexicano, com um grupo de peões, entraram no meu rancho pelo rio, seguindo as marcas das vacas roubadas.
— Não seja imbecil, Craig. Não há tais marcas.
O alcaide estremeceu.
— Quis dizer que iam por bom caminho e que...
— Não há provas, Craig — cortou seco, Patton. — Meta isto na cabeça: não há provas, a não ser que você lhas dê.
Craig estremeceu de novo.
— Como pode dizer isso? O meu pescoço também está em jogo.
— Alegro-me que se lembre. Todos temos o nosso pescoço ameaçado, e talvez seja você o que possui maior responsabilidade. Cuide de tudo e, sobretudo, cuide da sua língua. — Um silêncio espesso reinou na sala. As finas botas de Patton gemeram ao mover-se em direção do armário, de onde tirou uma garrafa de «whisky» e um copo. Bebeu sem sequer convidar os demais, e voltando-se, acrescentou — Disse-lhes muitas vezes: há que matar esse intrometido Juiz.
— Quem tem de o fazer? — Era Yorkers quem tinha falado, deixando a sua tarefa de mascar o tabaco. — Há alguém que tenha alguma ideia?
Ninguém respondeu e Patton cabeceou.
— Já o imaginava. Tenho sempre de ser eu a pensar em tudo.
— Você é o chefe — lembrou Keller.
— Bem. Tenho uma ideia que dará resultado... se vocês tiverem unhas para a cumprir.
Went disse:
— Conte connosco.
— Cala o bico, imbecil. Têm ainda o atrevimento de falar?
O ex-xerife torceu o nariz, mas calou-se, enquanto o seu olhar se incendiava.
— Você vai visitar o nosso Juiz, Craig. Visitá-lo-á esta mesma tarde e contar-lhe-á umas quantas coisas de mim.
O alcaide esticou o pescoço.
— Quê...?
— Ouviu muito bem. Dir-lhe-á que sou um foragido, por exemplo — e mostrou os dentes amarelos. — E também...
Avançou dois passos e os demais imitaram--no, indo ao seu encontro. Patton não teve necessidade de levantar a voz para instruir os seus homens.
***
Ken meteu a mão no bolso e fez tilintar algumas moedas. Levava a chave do seu quarto na mão, e a cabeça repleta de reflexões.
— Juiz...
Voltou-se, no corredor debilmente iluminado do hotel, e a sua mão introduziu-se no sovaco esquerdo. Era Percy Craig, que aparecia de uma esquina do corredor.
— Chamou-me, alcaide?
A primeira autoridade de Tombstone aproximou-se.
— Queria falar-lhe, Juiz.
— Venha ao meu quarto.
Olhou para todos os lados, certificando-se de que não havia ninguém emboscado, e abriu a porta do quarto. Craig entrou, torcendo as mãos, com nervosismo.
— Sou todo ouvidos, Craig.
— Trata-se da sua visita ao meu rancho, esta manhã.
— Sim?!
— Portei-me... incorretamente, eu sei. Mas tinha medo.
— Medo?
— De Melvin Patton, sim.
— Por fim oiço esse nome numa acusação direta.
— Não posso acusá-lo de nada, porque nada sei, Juiz. Mas estou convencido de que é ele o cérebro que dirige os roubos.
— Não pode dar-me melhores provas?
— Não — e sacudiu a cabeça. — Não as tenho... mas sei como pode obtê-las.
Ken tirou a levita e ficou em mangas de camisa. O seu revólver sovaqueiro avultava denunciador, no lado esquerdo do peito.
— Um pouco de «whisky», alcaide?
Craig sacudiu a cabeça.
— Cair-me-á bem.
Beberam ambos e Craig limpou os lábios.
-- Na capital, pode encontrar dados concretos para encarcerar Patton por toda a vida.
— Quais?
— Patton é um antigo foragido.
— Como o sabe?
— Tenho confidentes. Ouvi uns rumores e... Vá à capital e encontrará. Há cartazes com o seu nome... mas desaparecidos desta região. Ele encarregou-se de limpar o seu nome durante os anos em que viveu aqui. Alguém que fosse audaz e se apresentasse na capital e levasse a cabo uma profunda investigação, poderia trazer uma acusação que ninguém se atreveria a deitar abaixo. Mas têm de ser provas de categoria. Patton tem ao seu serviço advogados capazes de enredar o melhor magistrado.
— Como se chamava Patton?
— Carl North. Foi um grande foragido e pistoleiro. É acusado de vários crimes.
— Se o sabia, porque não atuou antes?
— Já disse: tenho medo, e esta manhã não os tratei como devia... porque sabia que estava alguém a vigiar-me.
— No seu rancho?
— Você não conhece Melvin Patton. Tem espiões em todos os ranchos da comarca, que se encarregam de o manter informado. Sabia que me vigiavam e... Por favor, não complique mais isto. Se ele sabe, mata-me.
Torcia as mãos e parecia a ponto de chorar de terror. Acrescentou ainda:
— Estou aqui porque considero que é meu dever ajudá-lo, mas...
Ken voltou a servir «whisky».
— De acordo, Craig. Se a pista que me diz, for boa, Patton cairá nas nossas mãos.
— Desejo-o com toda a minha alma.
Era uma expressão de sincero desejo.
— Os antecedentes de Carl North devem constar no Palácio da Justiça de Phoenix. Eu tratarei de tudo...
— Pensa ir?
— Imediatamente. Amanhã mesmo partirei na diligência.
— Tenha cuidado. Poderiam matá-lo. Se Patton suspeita da razão da sua partida, não se deterá até acabar consigo.
— Enganá-lo-ei, levando toda a bagagem. Far-lhe-ei julgar que vou definitivamente e ele sentir-se-á tão aliviado que não tentará nada contra mim.
— Talvez seja uma boa ideia.
— Pois é.
— Quantos dias estará fora?
— O tempo necessário para encontrar esses detalhes. Mas então, gostaria que tivesse preparada uma força armada disposta a entrar em ação. Se Patton, foi de verdade um pistoleiro, não quererá morrer na forca.
— Estará tudo preparado, descanse.
Ken deu-lhe uma palmada nas costas.
— Obrigado pela sua ajuda, Craig.
— A sua disposição... e na verdade Tombstone ficará em dívida consigo.
Quando o alcaide saiu, Ken murmurou:
— Pobre imbecil!
***
A notícia da partida do juiz tinha corrido em Tombstone como um rastilho de pólvora. Mabel foi a última a despedir-se dele.
— Que o fez decidir-se?
— Uma súbita inspiração.
— Alegro-me. Longe, estará seguro.
— Se é que me deixam chegar ao meu destino.
Estreitou aquela fina mão que ela lhe estendia e fez uma leve vénia. Um criado tinha levado a sua bagagem à diligência, e na «Casa da Posta» encontrava-se um numeroso grupo de curiosos. O cocheiro, ao vê-lo, saudou-o com um grunhido.
— Esta sua viagem é um mau negócio para a Companhia.
Quando os outros passageiros souberam que vinha, anularam as passagens. Ken sorriu com naturalidade.
— Assustei-os?
— Você, não, Juiz. Mas há outros que podem assustar com maior motivo. Se está pronto sairemos já, embora ainda não esteja na hora. Não irá mais ninguém connosco, estou certo. — Ao fechar a porta da diligência, o cocheiro acrescentou ainda: — Não seria melhor ir a cavalo, Juiz? Ofereço-lhe um, se se decidir a fazer a viagem por sua conta.
— Isto é um serviço público, não?
E assinalava com o indicador a diligência.
— É claro que sim, mas a sua presença converteu-a em propriedade particular. Não sabia?
A porta foi fechada e os curiosos afastaram-se à voz do cocheiro.
— Bem, rapazes; podem ir para vossas casas e contar que viram um cadáver sobre duas rodas.
— Têm um raro sentido de humor por aqui, não é verdade?
A voz pastosa e grave fez Ken voltar-se. Era Eva, que estava esplêndida no seu vestido escarlate, mostrando um decote bastante generoso.
—Dois para a morte, pelos vistos — disse Ken. — Não tem medo?
— A morte é minha velha amiga. Devia apresentar-se aqui — e as suas unhas verem-lhas acariciavam o pescoço—mas chegou atrasada. Surpreendido?
— Que faz aqui?
— Tento chegar a qualquer lado.
— Precisamente hoje?
— Devemos dar-lhes trabalho, não crê? Ambos estamos marcados e eles estão decididos a matarem-nos. Porque não morrer juntos, se juntos nos fizemos credores da última pena?
Ken sentou-se em frente da formosa e enigmática rapariga. O seu corpo mostrava vitalidade, e ela regozijava-se com o olhar masculino. Dir-se-ia que se tinha preparado para o casamento, mas naquele caso tratava-se das núpcias da morte.
— És uma rapariga estranha. Queres viver e falas da morte. Tu brincas com ela. Pareces chamá-la e vens com um vestido de festa.
— Gosta do vestido?
— Não.
A resposta de Ken foi dura, mas desviou o olhar. O cocheiro lançou uns quantos gritos e fez estalar o chicote. A parelha de cavalos lançou-se a galope e fez a diligência dar um enorme solavanco. Uma nuvem de pó envolveu o veículo, e atrás dele, Tombstone foi desaparecendo. Eva não foi capaz de estar calada muito tempo.
— Parece preocupado, Juiz. Acaso pensa no que nos espera?
— Será melhor que mantenhas a boca fechada; não quero que apanhes poeira.
— É a mesma coisa morrer asfixiada ou com uma bala no coração.
Momentaneamente, Ken não respondeu, mas ao cabo de uns momentos perguntou:
— Para onde vais, Eva?
— Para a capital. Em Tombstone não me sentia muito segura, mas lamento não ter escolhido um dia melhor para viajar.
— Podias ter anulado o teu bilhete, como fizeram os outros viajantes.
— Não tenho medo, e de todas as maneiras a sua companhia não é desagradável. Se não fosse você pensar nos pistoleiros que nos vão cortar o caminho, isto poderia tornar-se num romance.
— Não gosto das tuas brincadeiras, Eva.
— Com toda a sua rudeza, não tem os nervos muito certos, Juiz. Confesse que tem medo...
— Não tenho medo... Se o tivesse, não estaria aqui.
— Quer dizer que sabe ao que se expõe?
— Para falar com sinceridade, sei que tentam assassinar-me... e que não chegaremos a Phoenix.
Eva estremeceu, como se uma corrente gelada tivesse passado por ela.
— Não o compreendo.
A sua voz tinha-se apagado até ao murmúrio, que ficava abafada pelo ruído da diligência. Ken olhava para o exterior, vendo a pradaria imensa que se estendia perante eles sem nenhum obstáculo apreciável e debaixo dum sol radioso que dava à paisagem um colorido alegre.
— Não me compreendeste em nenhum momento, Eva — disse ele, como censurando-a embora sem a olhar. — Vi que estavas inocente e salvei-te da armadilha que te tinham armado; e não encontrei colaboração da tua parte, Eva, e sim só palavras que não gosto.
As faces femininas coraram perante aquelas palavras. Uma estranha perturbação fê-la vacilar.
— Você é um homem estranho.
— Porquê? Porque não sou um rufião ao serviço de Patton? Porque a minha honra não está visível? Porque não pretendi nada em troca por salvar-te a vida? — Fez um gesto desdenhoso. — Vejo que em Tombstone a honra tem muito pouca cotação.
Cruzou as pernas e acomodou-se melhor no assento.
— Patton e os seus homens são uns miseráveis, e a população de Tombstone são uns cobardes, e tu... — encolheu os ombros. — Não vale a pena pensar o que és na realidade. Mas elegeste mau companheiro para a viagem, se pensavas que ias ter um romance excitante.
Ela ergueu-se furiosa por aquelas palavras, mas um solavanco brusco fê-la cair nos braços de Ken, que a segurou a pouca distância do seu peito, aspirando o perfume feminino que vinha do profundo decote. Os lábios vermelhos ficaram a uns milímetros, mas o jovem não cedeu à tentação. Ela exclamou:
— Odeio-o!
Ken colocou-a suavemente no assento fronteira, sem sequer roçar os lábios que tremiam furiosos.
— Podes ficar na primeira estação de muda que passarmos, se não gostas da minha companhia. Estás aqui de livre vontade.
A partir daquele momento o silêncio só era interrompido pelo ranger da carruagem e pelos gritos do cocheiro incitando os cavalos. O tempo foi passando lento. O calor fazia-se sentir dentro do veículo, cujas persianas estavam fechadas numa tentativa vã de impedir a entrada do pó.
De repente, ao sair de uma curva, deu-se o ataque. Foi tão súbito que Eva saltou do assento ao primeiro disparo, que atravessou a carruagem, embatendo na janela oposta. Soou outro disparo seguido logo de vários.
Ken lançou-se ao chão da diligência e nas suas mãos apareceram dois revólveres, que começaram a disparar através dos vidros partidos da janela.
Na boleia, o ajudante do cocheiro disparou contra o grupo de cavaleiros que cavalgavam próximo da diligência, mas uma bala alcançou-o no peito, fazendo-o cair. Num repente, Ken assomou à janela, disparou e o assassino do infeliz condutor caiu com a cabeça perfurada.
Por seu lado, Eva também tinha entrado em ação. De uma mala de mão tirou um par de «Colts» calibre 39, com os quais se pôs a disparar sem medo através da janela do seu lado. Entretanto, os cavalos corriam espavoridos, aterrorizados pelo zumbido das balas.
Os assaltantes eram seis e disparavam com fúria contra a diligência, tentando crivar os seus ocupantes, mas a madeira da carruagem era grossa e protegia-os. O cocheiro pretendeu apoderar-se do rifle do seu ajudante, mas uma bala destroçou-lhe o pescoço lançando-o abaixo da diligência.
Os cavalos, sem direção alguma, galopavam loucamente pelo meio daquelas rochas, passando obstáculos milagrosamente e girando instintivamente no último segundo, antes que as rodas caíssem no vazio ou chocassem contra o estreito desfiladeiro.
Ken, dentro do veículo, fazia fogo sempre que tinha um cavaleiro na linha de tiro, e Eva pelo seu lado, procedia de igual modo. Essa era a razão por que os pistoleiros se mantinham ao longe, num ângulo que os protegia das balas do jovem par.
Um dos pistoleiros galopando junto aos cavalos, saltou sobre o primeiro, apoderando-se das rédeas para dominar pouco a pouco os enlouquecidos animais, e outros dois saltaram para cima da diligência, pela parte posterior, e passaram para o tecto. Ken ouviu-os e, furioso, disparou contra o tecto, mas não alcançou nenhum deles. Estes por sua vez fizeram fogo repetidas vezes, convertendo o interior da diligência num inferno de balas, que milagrosamente não apanhou nenhum dos viajantes.
Eva, encolhida sobre o assento deixou de disparar para carregar os seus revólveres e ocupada naquela tarefa viu assomar pelo lado a cabeça e a mão de um dos assaltantes que se inclinava de cima do tecto. Gritou loucamente:
— Cuidado, Juiz! ...
Ken voltou-se como um raio, disparando, e a cabeça do pistoleiro esfumou-se debaixo de uma cortina de sangue. Depois caiu no caminho devido ao solavanco do veículo. Ken chegou-se para a jovem instintivamente, e abraçou-a pelos ombros. Eva soluçava pelo susto e pela emoção de ver aquele rosto brutalmente destroçado.
— Vamos, não chores, isto não é nada.
Os disparos dos assaltantes iam diminuindo e o jovem olhou pela janela e verificou que os pistoleiros iniciavam a retirada. Só então reparou na razão dessa retirada. Os cavalos dirigiam-se em linha recta para um precipício que havia a uma centena de metros mais adiante. Guardou os revólveres e pegou num braço de Eva.
— Temos de saltar daqui ou ficaremos feitos em pedaços ao despenharmo-nos no precipício.
A jovem tinha perdido o sangue frio e tremia.
— Eu...
— Vamos, há que ter coragem. Matamo-nos ao cair a esta velocidade. É a única possibilidade de vida que temos, Eva põe-te de pé, depressa.
Os cavalos lançavam-se cegamente para o abismo, como se este tivesse um magnetismo especial que os atraísse. A jovem obedeceu e Ken abriu a portinhola. Com a velocidade a porta foi bater contra o corpo do veículo. O vento agitava as roupas femininas, embaraçando ambos nelas e dificultando-lhe os movimentos.
Ken pegou a jovem nos braços e lançou-se. A bofetada de ar fê-los perder o alento e abraçados, caíram no solo, rebolando. O golpe foi brutal, mas o jovem protegeu a sua companheira com o seu corpo, evitando que esta fosse muito maltratada.
Um segundo depois, ouviu-se um relincho agonizante: os cavalos precipitaram-se no abismo. Uma chuva de pedras rolou pela encosta e quando a diligência e os cavalos chegaram ao fim do precipício, ficou numa pasta de sangue, que as pedras foram cobrindo piedosamente, com o seu alude protetor.
No chão, rodeados ainda por uma nuvem de pó, Ken sacudiu a cabeça tratando de preparar-se para o próximo ataque dos bandidos. Doía-lhe todo o corpo da queda, mas mesmo assim empunhava os revólveres. Eva olhava-o com uma nova expressão, e nos seus olhos havia uma doçura inquietante para ele.
Mas Ken não teve necessidade de usar as armas. De repente um tiroteio furioso dispersou os três pistoleiros sobreviventes, obrigando-os a um galope cobarde para fugir do inesperado ataque. O grupo de cavaleiros deixou-os para se dirigirem ao abismo onde se tinha despenhado a diligência. Mas o que ia à frente descobriu os jovens e parou o seu cavalo.
— Graças a Deus! — exclamou Aceves, saltando do cavalo e indo ao encontro de Ken.
Este levantava-se e ajudava Eva também.
— Um pouco tarde, Raul — comentou. —Julguei que tinha escolhido mal os meus amigos.
— Por favor, Ken! — protestou o rancheiro mexicano. — Foi um azar. Imaginava onde podia dar-se o assalto e adiantei-me com os rapazes para estar melhor preparado, mas neste lado das rochas perdemo-nos, e... Quando ouvimos os primeiros disparos, estremeceu-me o coração! Por sorte...
Ken sacudia a roupa.
— Acredito, Raul. Não é preciso que me dê mais justificações. Podem os seus rapazes laçar um par de cavalos pertencente aos pistoleiros mortos, para nós montarmos? Quero seguir esses foragidos.
Aceves deu uma ordem, e no mesmo instante, três dos seus peões lançaram-se na tarefa. Entretanto, Ken apresentou Eva a Aceves. Depois este retirou-se para ajudar os seus homens e quando Eva e Ken ficaram sós, a jovem disse:
— Fui sempre uma estúpida, e só agora reparo. Você é um cavalheiro e... alegro-me muito em o conhecer.
O jovem passou a mão pelo peito, embaraçado.
— Tu és também uma boa pequena... mas com mau génio — e riu.
Eva corou e num instante uma corrente de simpatia os uniu.
— Estou outra vez em dívida consigo —reconheceu Eva — e... não fui correta. Você precisava da minha ajuda em Tombstone e eu não lhe prestei essa ajuda.
— Sabes alguma coisa de Melvin Patton?
— O que muitas pessoas sabem: que é o cérebro do bando, que rouba gado no México e o passa para o Arizona.
— Provas?
— Não as tenho, mas sim de Craig.
— Do alcaide?
— O seu rancho é utilizado como lugar de trânsito para as reses. Averiguou-o Joe Patton... e por isso morreu.
— Que fazia Joe?
— Era sobrinho de Melvin. Tinha vindo há uns meses e vivia no rancho do tio. Conheceu-me e queria casar comigo. Quando as nossas relações foram avançando, confessou-me que Patton se dedicava a tráfego indigno. Falou com o seu tio, pedindo-lhe que abandonasse aquelas atividades, e só conseguiu ameaças. Depois descobriu que o xerife Went e o alcaide eram também cúmplices e procurou provas contra eles. Encontrou algo contra Craig... e mataram-no cobardemente.
— Depois quiseram converter-te a ti como sua assassina para mascarar tudo? Sim; e teria sido enforcada se não fosse você.
— Deixemos isso. Que foi que Joe encontrou?
— Não mo disse.
— Como dizes que há provas, se as ignoras?
— Existem, estou certa. Joe encontrou-as e deve tê-las escondido em algum sítio.
— Onde?
— Tenho uma certa ideia. Eu posso levá-lo onde julgo que estão e se não me engano, terá nas suas mãos toda a quadrilha.
— Porque não me falaste disto no teu julgamento?
Ela baixou a cabeça.
— Ainda não me fiava em você. Julgava que só procurava... um benefício particular.
Ken apertou os dentes.
— Perdão. Fui uma estúpida. Os cavaleiros de Aceves regressavam com dois cavalos laçados.
— Podemos seguir esses bandidos quando quiser, Ken.
Ambos montaram os respetivos cavalos e o jovem vacilou:
— Será melhor que os deixemos seguir. Temos algo mais importante que fazer.
Aceves não objetou nada, e dispôs-se a encabeçar a expedição de regresso. Eva olhava furtivamente para Ken, que de olhos semicerrados refletia. Havia algo em Eva que a fazia vacilar. Alguma coisa que se referia exclusivamente aos seus sentimentos íntimos, embora não estivesse disposta a demonstrar a sua inclinação. Atrás do grupo armado, uma coluna de pó elevava-se como pano de fundo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

KNS049.04 A pista do gado roubado

Antes do julgamento, tinha chamado o xerife interino ao seu gabinete.
— Quem o nomeou para este cargo, Keller?
O aludido era um tipo alto, de aspeto duro e olhar frio como a lâmina de um punhal. Uma cicatriz sulcava o seu queixo do lado esquerdo e a «estrela» de cinco pontas brilhava na sua jaqueta de pele de antílope.
— O alcaide, naturalmente. É a única pessoa autorizada para isso.
— Prestou juramento?
— Claro.
— Conhece as suas obrigações?
— E os meus direitos, sim.
Havia uma implícita entoação na sua resposta. Ken não deixou de captar aquele detalhe e fixou o seu olhar nas pupilas do novo xerife.
— Antes de começar os seus deveres, quero que me oiça por um instante, Keller.
— Escutá-lo-ei com prazer, mas... não temos muito tempo. O julgamento é dentro de cinco minutos e devo levar a acusada para a sala.
— Há tempo de sobra — abriu a gaveta e tirou um dos revólveres que tinha pertencido a Went.
Mecanicamente abriu-o, verificou que o tambor estava cheio de balas e guardou-o na funda sovaqueira sem preocupar-se com o olhar de Keller.
— O seu antecessor do cargo, Kay Went, preferiu passar-se para o lado contrário da lei... e a verdade é que não foi muito afortunado. Outros, cúmplices dele sem dúvida, e de outra pessoa cujo nome sei e talvez você também, tentaram assassinar-me. Uns e outros não se saíram muito bem... Quer isto dizer, Keller, que o meu olhar é muito comprido e os meus movimentos muito rápidos; que desconfio de toda a gente; que estou disposto a implantar a lei em Tombstone; e que todo aquele que se oponha a isso encontrará uma corda, ou um bocado de chumbo...
— É uma alusão pessoal, Juiz? — perguntou o outro, secamente.
— É... um inocente comentário, em vistas das circunstâncias. Ah, já me esquecia; quem não está comigo, está contra mim. É uma última recomendação; quando um acusado vai a um julgamento presidido por mim, se tem de morrer, que o façam com uma corda ao pescoço, e não de outra forma.
— Terminou?
— Isto é tudo.
O julgamento decorreu sem grandes complicações. O momento, no final, era de nervosismo. A assistência aguardava as palavras de Ken Adams, enquanto Eva Fraser se mantinha de pé, esplêndida dentro do seu maltratando vestido, aguardando o veredicto. Ken estalou os dedos.
— Sou homem de poucas palavras. A defesa demonstrou que Eva Fraser não pôde matar Joe Patton porque o disparo foi feito de maior distância que a que permitiam as exíguas dimensões do quarto onde sucedeu o crime; também ficou claramente demonstrado que alguém corria pelo corredor dos reservados quando se ouviu o tiro; que o revólver que encontrou nas mãos de Eva não lhe pertencia nem era da vítima; que ambos iam casar, pelo que não havia motivo para a morte de Patton, e um sem fim de pequenos detalhes circunstanciais que vocês ouviram. O veredicto do júri foi «Inocente», e eu declaro livre a acusada Eva Fraser, restituindo-lhe todos os seus direitos de cidadã. Está encerrada a sessão.
O busto feminino estava alterado pela respiração agitada, produzida pela emoção do momento. Quando Ken bateu na mesa com o martelo de madeira, elevou-se na sala um murmúrio de vozes. Mas Adams não se retirou logo. O seu olhar estava cravado em Keller, e este estremeceu debaixo do impacto abrasador. Com secos movimentos libertou os punhos de Eva, bruscamente voltou-se, dirigindo-se para a saída. O alcaide também foi dos primeiros a sair, e o resto dos espectadores encaminhou-se para a rua fazendo comentários.
Os olhos de Ken e Eva encontraram-se durante uns segundos, até que o jovem desviou o olhar, entrando no seu gabinete, onde despiu a toga. Urna vez ali, serviu-se de um copo de «whisky», e então bateram à porta.
— Entre.
Era Eva, ainda malvestida com aquele vestido que mostrava as marcas da sua tragédia. O dourado sol da manhã iluminava a sua silhueta projetando-a no interior do gabinete. Os seus cabelos loiros caiam-lhe pelos redondos ombros, e os lábios tremiam-lhe levemente.
— Porque fez isto? — perguntou ela por fim.
Ken pôs o copo em cima da mesa.
— Não posso estar toda a vida a repeti-lo. Que é que quer de mim? Vamos, diga. Estou acostumada a ouvi-lo... e livrou-me da forca por isso.
Ken ergueu toda a sua estatura e o seu olhar era tão duro como o aço.
— Vai-te embora, Eva. Não quero saber nada de ti. Produz-me nojo a tua maneira de falar.
Ela semicerrou os olhos.
— Não o entendo, Juiz.
— Vai-te ou ponho-te lá fora.
Sacudindo uma melena dourada, Eva saiu sem se incomodar a fechar a porta, e Ken continuou a olhá-la até que a perdeu de vista ao voltar a esquina. Só então o jovem pegou o copo e ingeriu de um trago o seu conteúdo. Sentia nojo por Tombstone e tudo que encerrava os seus limites. Mas não podia deixá-la até que tivesse cumprido a sua missão.
Ken almoçava no «Saloon Fronteiriço». O seu rosto estava sulcado de rugas de preocupação. A notícia do singular julgamento tinha corrido por Tombstone, e as pessoas, ao vê-lo, comentavam a sua audácia. Mabel, olhava-o preocupada.
— É possível que tenha apetite?
Levantou-se.
— Não se senta, Mabel?
Ajudou-a a sentar-se, e Ken respondeu à primeira pergunta.
— Falta-me muito pouco, essa é a verdade.
— As pessoas comentam a sua valentia, Ken. Há numerosas apostas feitas.
O jovem levantou as sobrancelhas.
— Sobre a minha pessoa?
— Concretamente, sobre os dias que lhe restam de vida... As apostas não são muito benéficas para você: os mais otimistas dão-lhe três dias de vida, mas a maioria aposta em que não verá o entardecer de hoje.
— Não é muito animadora a sua conversa, Mabel.
— Lamento-o, mas com isto quero pedir-lhe que tenha cuidado.
Ken olhou em volta. No balcão, três clientes olhavam-no furtivamente, sem dúvida deleitando-se a contemplar um homem «marcado». Era grande o sentido mórbido daquela gente.
— Quem me vai matar?
— Ainda o pergunta?
— Não tenho mais que suspeitas. Julga que um Juiz pode actuar sem provas?
— Nesta terra não são precisas provas, Ken. Quando um homem tem uma conta pendente, praza-a com as armas na mão.
— Não é o meu sistema.
— Não; mas teve de o empregar e empregá-lo-á mais vezes ainda, senão quer ter um lugar de honra no nosso cemitério.
Ken colocou a colher de lado.
— Conseguiu estragar-me o almoço.
Ela estava formosa e tinha uma expressão estranha nos olhos. Dir-se-ia que sentia por ele uma inclinação, mas que a sua consciência a obrigava a conter-se.
— Lamento-o, mas eles vão matá-lo. Melvin Patton?
— Ele, não; é muito esperto para comprometer-se. Mas sim os seus pistoleiros. Tem muitos e um ou outro acabará consigo, se não se mostra inteligente.
— E que devo fazer para ser considerado inteligente?
— Ir-se embora. Dentro de uma hora sai uma diligência de Tombstone com destino à capital. A missão para o qual veio, acaba de ser cumprida; nada tem de fazer aqui.
— Teoricamente, sim, mas você sabe que isso não é verdade. Há um xerife foragido ao qual é preciso deitar a mão e fazê-lo castigar pelo seu crime; e existe um tráfego ilegal de gado roubado de um lado e doutro da fronteira.
— Não é sua a missão de perseguir delinquentes, mas sim julgá-los. Deve regressar à. capital e aguardar que o chamem de novo para fazer justiça.
— Isso não o farão nunca. Precisamente aproveitam a minha partida para ficarem tranquilos e atuarem com toda a liberdade.
— Não pense nisso e não ligue ao caso. Ainda tem de preparar a bagagem e tomar lugar na diligência.
Ken acariciou o queixo.
— Porquê tanto interesse?
Ela cruzou os dedos e baixou a vista.
— Não é preciso responder a isso, Ken. Por favor, vá-se embora de Tombstone antes que seja demasiado tarde.
— Não creio que o faça — disse levantando-se. — Há uma coisa que se chama sentido do dever, e que me retém aqui.
Mabel olhou-o sem mover-se. Os seus olhos brilhavam com sentimentos que pretendia ocultar e os seus lábios projetaram-se para a frente, como se o fosse beijar.
— Louco, teimoso — foi o que disse.
Ken afastou-se com os olhos fixos na porta. Só na rua conseguiu acalmar-se. Não podia evitar que o olhar de Mabel o inquietasse. Adivinhava naquela mulher uma capacidade amorosa sem limites e pressentia que ela, de algum modo, tentava evitar cometer os mesmos erros que tinham marcado a sua vida.
Mabel tinha um passado, que nem a sua forma de vestir nem os seus modos pretendia encobrir, mas naquele momento tentava que tudo isso esquecesse. Era bonita, embora carecendo de juventude. Estava no período crítico em que a mulher floresce pela última vez antes de chegar à velhice, e ela não podia evitar pensar nele como a sua última oportunidade.
O Sol estava no zénite. As ruas de Tombstone encontravam-se vazias, e não voltariam a ter movimento até que o Sol voltasse a declinar. Com passos lentos dirigiu-se para o seu gabinete. Dentro de uma hora sairia a diligência para a capital, mas ele não a tomaria. Precisava averiguar o que se ocultavam detrás dos factos misteriosos que se davam na cidade. Dobrou a esquina e foi quando viu o grupo de cavaleiros. Estavam diante do escritório do xerife e pareciam muito interessados com o que se estava a passar lá dentro.
Notou que eram mexicanos, e debaixo do sol ardente os grandes chapéus projetavam grandes zonas de sombra no chão. Apressou o passo, antevendo que alguma razão especial existia para que os homens do outro lado da fronteira a tivessem cruzado para ver o xerife de Tombstone.
Quando estava próximo, os cavaleiros olharam-no, seguindo-o com os olhos. Não fazendo caso deles, entrou no escritório. Diante do xerife Keller encontrava-se um mexicano alto e espigado, inteiramente vestido de negro, com cinturão e cartucheira guarnecida a prata e enormes esporas feitas de moedas de ouro mexicanas.
Encontrava-se de costas, mas mesmo assim Ken notou que esse jovem era atlético, pois os seus músculos notavam-se debaixo de sua apertada jaqueta.
— Estou certo de que os ladrões de gado passaram para esta parte do Arizona — afirmava com cadenciada entoação, que demonstrava irritação e cólera.
Keller respirou fundo.
— Olhe, amigo, aqui não sabemos nada disso. De modo que será melhor voltar à sua terra e deixe de cruzar a fronteira às boas. Em Tombstone não há ladrões de gado... e não tenho vontade de o repetir.
— No entanto, tenho provas que...
— Basta! — gritou Keller. — A minha paciência esgotou-se. Largue-me.
— 61
O mexicano ergueu o tronco, como um felino pronto a saltar e naquele momento Ken saiu da imobilidade dando a conhecer a sua presença.
— Um momento, amigo. Temo que eu tenha algo que dizer.
O mexicano girou sobre os calcanhares, com um tilintar de esporas. Os seus lábios escuros relampeavam e o negríssimo bigode parecia um traço de carvão sobre o lábio. Era jovem, efetivamente, e parecia decidido a tudo.
— Não creio que seja muito cortês com os nossos vizinhos, xerife Keller — disse o jovem, olhando de alto a baixo os dois homens.
O representante da lei grunhiu algo, e depois elevou a voz.
— Este homem está a acusar-nos de ladrões de gado.
— Eu não disse tal coisa — protestou o mexicano.
— Eu ouvi parte das suas palavras, senhor...
— Raul Aceves.
— Eu sou o Juiz Ken Adams. Que pode dizer-me desses ladrões de gado?
Aceves olhou-o durante um instante com firmeza, como perguntando a si próprio se o jovem seria pessoa honrada. Pouco a pouco afrouxou os músculos.
— Roubaram-me mil reses.
— Quando? Esta noite.
— Onde tem o seu rancho?
— Nas margens do rio S. Pedro, junto ao outro lado da fronteira. Estávamos todos a dormir, quando uns dez ladrões assaltaram o rancho, matando as duas sentinelas. Quando quisemos organizar a defesa, estávamos sob a vigilância de vários pistoleiros, enquanto os seus companheiros levavam o gado para aqui.
— Como sabe que foi esta a direção?
— As marcas de mil reses não podem ser apagadas senão pela chuva ou por um furacão. Nenhuma destas coisas aconteceu nestas últimas horas.
Ken olhou para Keller.
— Tem alguma notícia sobre isto?
— Não, com mil diabos! Já o disse várias vezes. Foram ladrões mexicanos que quiseram despistar os seus perseguidores, dando uma volta para de novo se internar em terras mexicanas.
— Como o sabe?
O xerife soltou um palavrão.
— Demónios! Suponho que seja assim!
— Você é um xerife com muita imaginação, Keller. É capaz de adivinhar qualquer coisa que não viu.
As faces do representante da lei tornaram--se púrpuras.
— Tenho experiência — gritou.
Aceves estendeu a mão a Ken.
— Se você é honrado como suponho, Juiz, deve prestar-me ajuda. Não é a primeira vez que me roubaram, mas quero que seja a última. Nas ocasiões que os ladrões visitaram o meu rancho vinham de Tombstone, e para aqui trouxeram as minhas reses. É uma proposta formal que estou a fazer.
Ken compreendeu que aquele homem estava dizendo a verdade e concordou.
— Acredito-o, Aceves. E vou tomar medidas para que não volte a acontecer. Quer levar-me a esse ponto onde estão essas marcas? Gostaria de segui-las.
— Com todo o prazer, Juiz. Venha connosco.
No gabinete, Keller ficou cravando as unhas na palma da mão. Momentos depois, da janela do seu gabinete, viu o grupo de cavaleiros pôr-se em marcha, com Aceves e o Juiz à frente. Em voz alta amaldiçoou o intrometido Juiz Ken Adams, que estava tornando as coisas mais difíceis.
— Não pode continuar a viver... — decidiu, mordendo as palavras. Depois saiu do gabinete com passo apressado.
Os cavaleiros detiveram-se diante de uma ampla facha de terreno, com cortes de marcas de gado.
— Veja, Juiz. Este é o rasto do meu gado. Como vê, segue em direção ao norte.
Era verdade. As reses tinham sido dirigidas até às terras do Arizona, cuja divisória acabavam de cruzar por outro lugar.
— Imagino que as terão seguido.
— Exato.
— E aonde conduzem? Isso será uma pista?
— Não é, amigo. Os ladrões são espertos.
— E?...
— Levá-lo-ei lá, e assim evitarei explicações.
Manejou as rédeas do seu soberbo cavalo e lançou-o a trote largo. Ken seguiu-o, e atrás deles continuaram os cinco peões que acompanhavam o seu amo. Muito em breve Ken compreendeu o sentido das palavras de Aceves. As marcas perdiam-se totalmente num terreno rochoso.
— Compreende agora, Juiz?
— Está bem claro. Não há nem uma só marca das suas reses nesta zona?
— Impossível. Procurámos toda a manhã, mas não foi possível encontrar o menor rasto.
— Mas tem de terminar nalgum lugar esta parte rochosa.
— Sim; no rio S. Pedro e em outros sectores, mas em nenhum voltamos a encontrar marcas recentes de reses…
— Está... certo?
— É o meu gado que procuro, Juiz, e tenho verdadeiro interesse em encontrá-lo.
— Queria ver se não havia possibilidade de errar. Bem; se é assim, só fica uma solução, a não ser que as suas vacas tivessem asas.
— Não tinham, palavra.
— Vejamos então o lugar onde as rochas se unem com o rio.
Foram até lá a toda a velocidade, e na margem detiveram-se. O rio S. Pedro nascia ali perto, atrás de uns pequenos montes mexicanos; cruzava a fronteira para atravessar metade do Arizona e desaguava no rio Gila Naquele lugar as suas águas eram claras e mansas, mas escassas. Ken olhou para a outra margem.
— Não pense nisso — disse Aceves, adivinhando os seus pensamentos. Tão-pouco há sinais das minhas reses.
Em silêncio, Ken meteu o seu cavalo m água e fê-lo avançar a favor da corrente em direção do Arizona.
—Eh! Que faz?
Aceves foi atrás dele, e os peões seguiram o patrão.
— Aqui há um mistério que temos de desvendar. Quer seguir-me?
— Mesmo até ao inferno, se ali estiverem as minhas vacas!
Chapinhando na água pouco profunda, foram avançando sem pronunciar palavra. Os olhos de todos estavam fixos em ambas a margens, procurando algum sinal identifica dor que lhes desse uma pista. Mil reses não podiam ser ocultadas tão facilmente, e paradeiro não podia estar longe. Tinham caminhado quase durante uma hora, quando, de repente, de um grupo de árvores, saiu a voz áspera de uma sentinela.
— Eh, vocês! Que procuram aqui?
Ken puxou as rédeas do seu cavalo e deteve-o, sendo imitado pelos demais. Os seus penetrantes olhos examinaram os arbustos, e pelo reflexo do sol viu brilhar nas águas o cano de uma espingarda.
— Represento a lei! — disse. — E quem é você?
Aceves e os seus homens tinham as mãos próximo das armas, pensando que tinham encontrado os ladrões de gado. O desconhecido que lhes tinha dado voz de alto vacilou, e começou a gaguejar ao falar de novo:
— Quem quer que sejam, devem saber que se encontram em propriedade particular e que não podem entrar nela sem autorização do dono. Têm-na?
Ken manobrou o cavalo e Aceves aconselhou:
— Não o faça. Podem disparar contra você.
O vigilante gritou:
— Quieto!
Mas Ken não obedeceu e continuou avançando, oferecendo o peito, impassível.
— Sou o juiz Ken Adams. Quem é o seu patrão?
Tinha chegado à outra margem, descobrindo o homem que lhe tinha dado voz de parar. Era um tipo corpulento, barbudo e com os olhos escondidos debaixo de centenas de rugas produzidas pelo sol e pela água. O rifle que sustinha apontava diretamente ao centro do coração do jovem.
— Estas terras são de Percy Craig.
Ken enrugou o sobrolho.
— O alcaide de Tombstone?
— Você deve ser o novo juiz chegado da capital, não?
— Exatamente.
— Deveria conhecer a lei que proíbe, cruzar a fronteira, e depois entrar em terreno particular sem autorização do seu dono. Nunca ouviu falar disso?
O vigilante tinha uma expressão dura.
— O que me lembro é algo relativo a ladrões de gado e às suas atividades do outro lado da fronteira, no México, de onde passam para o Arizona manadas de reses que aqui marcam com outro ferro.
O silêncio que se seguiu era de gelo.
— Que quer dar a entender, Juiz?
— Creio que as minhas palavras são claras como as águas que acariciam as patas do meu cavalo. Vamos, afaste esse rifle. Já durou demasiado esta estúpida conversa.
Os olhos escuros de Ken fulminaram o vigilante, que pouco a pouco se sentiu dominado pelo magnetismo do administrador da lei, obedecendo à sua ordem. Ken fez subir o cavalo e uma vez em cima, fez sinal aos outros para se aproximarem.
— Isto é urna violação de propriedade, Juiz — disse o do rifle.
O jovem não se preocupou em responder e olhou em volta.
— Marcas de reses — apontou Aceves e lançou o cavalo pela suave ladeira que conduzia ao rio, uns metros mais abaixo.
Ken olhou para o lugar assinalado pelo mexicano e depois para o homem que os tinha detido. Este encolheu os ombros.
— É o bebedouro do rancho Craig — disse entre dentes.
Aceves, voltava já, excitado.
— Encontrámo-la, Juiz.
— É o lugar onde bebem as manadas de Craig.
O excitado mexicano ficou de boca aberta, estupefacto.
— Oiça... começou.
— É o que acaba de dizer-me este indivíduo — informou Ken. — Não inventei nada.
Aceves lançou o seu cavalo contra a sentinela.
— Maldito! Eu te farei soltar a língua...!
O alazão do mexicano atropelou o tipo da espingarda, que caiu todo ao comprido, mas do chão apontou o rifle metendo o dedo no guarda-mato para apertar o gatilho. O movimento de Ken foi infinitamente rápido e na sua mão apareceu o «Colt» sovaqueiro, disparando quase sem apontar.
A espingarda saltou das mãos do homem, e em seguida Ken advertiu:
— Quieto, Aceves! Não gosto desse procedimento!
O mexicano ficou imóvel, tenso, disposto a desobedecer à ordem, mas ao notar o brilho perigoso do olhar de Ken, relaxou os músculos.
— De acordo, Juiz, deixei-me levar pelos nervos.
O jovem volteou o «Colt» e carregou a bala gasta, guardando-o em seguida.
— Será melhor não perdermos a serenidade — opinou. — Eh, tu — acrescentou, dirigindo-se à sentinela, caída, que apertava a mão ferida pelo balázio. — Conduz-nos ao rancho. Queremos ver Craig.
Este levantou-se, infinitamente aborrecido, ainda que só na aparência; montou o seu cavalo, que se encontrava perto e, depois, a trote, atravessaram diferentes pastos até divisarem o edifício do rancho. Ao deterem-se em frente dele, vários peões olharam-no com curiosidade. Na porta, apareceu Percy Craig, atraído sem dúvida pelo ruído que faziam os cascos de tantos cavalos. Ao ver o patrão, o sentinela explicou, rapidamente:
— Estava vigiando quando estes homens chegaram pelo leito do rio, vindos do lado do México, e entraram nas terras do rancho. Dei-lhes voz de alto, mas não me obedeceram e dispararam, desarmando-me. Depois obrigaram-me a conduzi-los até aqui. Lamento, patrão, mas não pude fazer nada. O alcaide olhou um por um os cavaleiros, deixando para o fim Ken. — Isto é um delito, Juiz.
— O seu vaqueiro não soube explicar as coisas, Craig. Viemos do México, é verdade, seguindo as marcas de mil reses pertencentes ao senhor Aceves, a quem lhas roubaram ontem à noite. Caminhando pelo rio não pudemos observar onde começavam os limites do seu rancho. Em todo o caso, as marcas conduzem até ele.
— Que quer dar a entender?
O vigilante avisou:
— Viram as marcas no bebedouro e imaginaram que eram as das vacas deste mexicano!
— Mande calar o seu vaqueiro, Craig.
— Cumpre o seu dever, informando-me.
— E qual é a sua resposta?
— Uma só! Desapareça. Não consinto que entrem no meu rancho sem minha autorização. A sua visita... não é grata.
— Você sabe que posso ordenar uma rusga ao seu rancho, alcaide, e que posso fazer a mesma coisa em todos ranchos de Tombstone. Se nada tem a ocultar, não oponha dificuldades... ou pensarei outra coisa.
— Que é que pode pensar, Juiz?
— Simplesmente, que o seu rancho está situado tão estrategicamente, que é possível passarem as manadas do México sem que as reses deixem uma só marca da sua passagem. Primeiro, existe uma zona rochosa onde as patas dos animais não marcam; depois, um rio, e por fim o bebedouro do seu rancho. Tudo isso dá que pensar, não crê?
— Não me dá cuidado!
— De verdade? — Ken moveu a cabeça, infinitamente seguro. — Você tem muito medo, Craig, demasiado para a sua segurança. Você teme que eu averigue demasiadas coisas e, na verdade é o que eu vou conseguindo a pouco e pouco. Disse-lhe, não há muito tempo, que lhe convinha demonstrar-me a sua inocência... e não fez caso do meu conselho. Agora dou-lhe outro: Apresse-se a lavar as mãos!
Puxou as rédeas do seu cavalo e pô-lo em movimento, voltando a garupa.
Aceves, depois de um instante de vacilação, imitou-o.
— Oiça, Juiz; vamos deixar isto assim? A: minhas reses estão neste rancho!
Ken sacudiu a cabeça.
— Demasiado tarde, amigo. Esta gente muito esperta e souberam fazer as coisas, ma descanse que havemos de descobrir tudo.
A segurança do Juiz acalmou o mexicano.
— Não sei porque tenho confiança em você, Ken. Permite-me que o trate assim?
— Porque não, Raul — e sorriu. — Mas estou demasiado só nesta luta. Importa-se de me dar urna ajuda, quando lha pedir?
— Você manda! Estou às suas ordens!
No rancho, Craig gritava como um louco.