quarta-feira, 19 de junho de 2019

BUF089.05 Hipoteca falhada

—Aí vêm, Hugh! Malditos sejam!... De boa vontade os correria a tiros.
—Não sejas impulsivo, Rusty. Tu não sabes o que são estas coisas. Nada conseguiremos tomando-o pelo pior. Deixa-os chegar e... Depois veremos! Talvez não nos tragam tão más intenções como tu julgas.
— Como não? Pouco conheces esse biltre do Kendall. Pelo que ele é, apostaria eu o meu lugar na equipa. Por nada deste mundo eu trabalharia às ordens desse tipo.
Hugh Hallowan não respondeu. Manteve a vista fixa na estrada que, ramificando-se da principal, dava acesso ao alpendre do «Quatro Ventos». Por ela avançava a trote curto das suas montadas um grupo de cavaleiros.
Hugh não tardou em reconhecer o que vinha à frente. Tratava-se de Edmund Kendall, seguido de outro homem de meia idade, cuja jaqueta ostentava uma estrela dourada. Ao seu lado, cavalgava outro indivíduo com sobrecasaca negra e levando debaixo do braço uma pasta. Hugh calculou que se tratava do notário de Valley Smoky. Os outros cinco cavaleiros denunciavam facilmente a sua condição, de vaqueiros.


Os quinze homens que compunham a equipa do «Quatro Ventos» permaneciam no alpendre fazendo círculos e falando uns com os outros animadamente. Em todos os rostos se adivinhavam esgares de franca hostilidade. Tinha chegado a hora que todos temiam, a de abandonar o rancho onde tinham convivido anos e anos, sob mútua camaradagem.
Wanda Kollings não se tinha tornado visível toda a manhã. Certamente devia estar no seu escritório, contando angustiadamente os minutos que faltavam para que tudo se perdesse sem remissão. E o momento fatal estava chegando.
O grupo dos cavaleiros 'distava já uns trinta metros do: pátio da fazenda. Os cavaleiros irrompiam atropeladamente pelo grande largo. Estacaram o trote das suas cavalgaduras, enquanto quinze pares de olhos os contemplavam com mostras de incontível cólera.
Desmontaram em silêncio. Imediatamente, Kendall, o xerife e o homem da sobrecasaca adiantaram-se até à entrada do edifício, seguidos de perto pelos cinco vaqueiros. Estes, como que por acaso, levavam as mãos perigosamente junto dos coldres das suas pistolas.
As conversas em voz baixa cessaram imediatamente. O ambiente pareceu carregar-se de uma atmosfera hostil, no meio de um silêncio mais inquietante ainda.
Cornel Johnson deu vários passos em frente, interpondo-se na direção que seguia o grupo visitante. Os olhinhos do velho pistoleiro luziam estranhamente, como possuídos de intensa febre. Levava o polegar da mão esquerda metido entre o cinto e a calça, enquanto a sua direita se apoiava na usada coronha do «Colt». E aquele gesto ameaçador era muito digno de ser tido em conta. O revólver de Cornel Johnson estava considerado como um dos mais velozes do Novo México.
— O que é que vocês procuram aqui? — perguntou o velho capataz. Em seguida, antes que os outros pudessem responder, acrescentou: — No meu país, as pessoas costumam saudar quando chegam a um sítio onde também há pessoas. Mas nunca vi nem aos cavalos nem aos burros dar a mais pequena amostra de urbanidade.
As palavras do velho, pronunciadas com mais raiva do que humorismo, arrancaram gestos zombeteiros aos vaqueiros do «Quatro Ventos». E na verdade a coisa era para ser tomada como zombaria, se não fosse o seu lado dramático. Ver a insignificante figura de Cornel atalhando o passo aos oito homens, chamando-lhes burros ao mesmo tempo, era para fazer rir uma múmia.
Ao xerife foi a quem pareceu fazerem mais efeito as palavras do Cornel. Adiantou-se um passo, inchando o peito para que melhor se visse a estrela que simbolizava a sua autoridade. Com voz grave, disse:
—Não tomo em consideração as suas palavras, Cornel, pois compreendo perfeitamente o seu estado de ânimo. Mas não volte a falar mais nesses termos, porque me verei obrigado a proceder contra os meus desejos. —Fez uma pausa, como se quisesse convencer-se do efeito que as suas palavras tinham produzido entre as ouvintes. Depois encarou novamente com Cornel: — Viemos cumprir um penoso dever, um acto de carácter jurídico que eu, contra minha vontade, me vejo obrigado a presenciar. Onde está «miss» Wanda Kollings, dona atual desta fazenda?
Cornel esteve a ponto de responder uma barbaridade. Mas conteve-se. Radlle Goring, xerife de Valley Smoky, não era má pessoa. Toda a gente o sabia. E via-se claramente que dava aquele passo bem contra sua vontade.
Intentando ganhar um tempo, inútil, uns segundos que de nada serviriam senão para encolerizar os visitantes, o capataz respondeu à pergunta do xerife perguntando por sua vez:
—Porque não veio o senhor Carmichaell, o juiz? Parece-me que a sua presença é imprescindível em casos desta natureza.
Raddle Goring não se desesperou. Moveu a cabeça pacientemente, como se compreendesse muitas coisas.
— O senhor Carmichael está doente, Cornel. Não queiras prolongar um assunto que não tem remédio. Eu represento a minha autoridade e a sua. Pela última vez, onde está a dona desta fazenda?
— Aqui estou, xerife.
Todos os olhares convergiram para a porta da casa. Ali estava Wanda Kollings, coberto o seu belo rosto de uma palidez quase cadavérica. Eram evidentes os esforços que a jovem fazia para se mostrar serena.
Cornel Johnson, compreendendo que não ganhava nada com a sua atitude hostil, afastou-se um pouco para a direita, deixando passagem livre à sua jovem patroa.
A rapariga avançou ao encontro daqueles homens com passo firme. Os seus olhos castanhos percorreram um por um os rostos de todos eles, sentindo que no seu coração aumentava extraordinariamente o ódio que professava por Edmund Kendall. Este apresentou um aspeto imponente, vestido com estudada elegância, como se se dirigisse a uma festa organizada em sua honra.
O xerife tomou a palavra, maldizendo interiormente o cargo que representava e que lhe proporcionava a ocasião de intervir num assunto tão pouco do seu agrado.
— «Miss» Kollings, em representação do juiz de Valley Smoky, vejo-me obrigado a...
—Não são precisos os formalismos — atalhou Wanda, com os dentes cerrados. — Sei de sobra ao que vêm. Rogo-lhes que terminem o mais depressa possível.
Raddle Goring suspirou, como se lhe tirassem um grande peso da cima e fez um gesto ao homem da sobrecasaca.
Yale Hayes — rosto afilado, cabelos negros, nariz aquilino e olhos de furão — tinha um aspeto, altamente repulsivo. A sua negra vestimenta assentava-lhe como uma luva, acentuando mais a sua magreza. À simples vista qualquer o teria confundido com um empregado de uma agência funerária. Mas Yale, apesar do seu desagradável aspeto, era o notário de Valley Smoky. E agora encontrava-se como peixe na água, ante a perspetiva de intervir num assunto relativo à sua profissão.
Demonstrando uma calma capaz de fazer perder a paciência a um cadáver, a sinistra personagem meteu a mão esquerda no bolso interior da negra sobrecasaca e sacou de uns óculos. Ao pô-los, o seu aspeto tornou-se muito mais repulsivo. Em seguida tirou um documento da pasta e dispôs-se a lê-lo.
—Não é necessário ler` nada, senhor Hayes — disse Wanda. — Tenho um duplicado desse documento no meu escritório, e conheço-o de cor.
— Como queira, «miss» Kollings — respondeu o homem enlutado, olhando a jovem através dos seus óculos. — A data que este documento estipula caduca às doze horas do dia de hoje. Possui o dinheiro para cancelar a dívida?
Todos os presentes estavam suspensos da resposta e sabiam de antemão qual ia ser. Apenas duas pessoas sorriam naquele momento, como se ambas dominassem plenamente a situação.
Nos lábios de Edmund Kendall bailava um sorriso cínico. O seu rosto expressava a mesma satisfação do gato que acaba de comer o pintassilgo. Nada nem ninguém seria capaz de salvar a crítica situação de Wanda, e ele considerava-se já o senhor do «Quatro Ventos.
A outra pessoa que sorria era Hugh Haluwan, mas de maneira diferente. As suas feições duras e angulosas apresentavam um trejeito burlão. Se Kendall pudesse saber que o último trunfo, a última vaza estava na sua mão...!
Wanda ia a abrir a boca para responder à pergunta do notário, quando ocorreu algo que fez convergir ta dos os olhares para um só ponto.
— Um momento!
Era Hugh quem tinha falado. Avançava a passos lentos em direção ao lugar onde se estava desenrolando a desagradável cena. Wanda não chegou a pronunciar palavra, vendo aproximar-se Hugh. Este, como se a única pessoa que despertasse o seu interesse fosse Yale Hayes, encarou com ele:
—Permite-me uma pergunta?
O notário mediu o jovem com a vista, como se se tratasse de um bicho raro. Indubitavelmente estava tão admirado como o resto dos presentes pela intromissão de Hugh.
— Pergunte o que quiser, jovem, mas há-de ser rápido. Não viemos aqui para perder tempo.
Antes de fadar, Hugh percorreu, com os seus olhos de falcão os rostos de Wanda, Cornel Johnson, o do xerife e finalmente, o de Kendall. Este sentiu um arrepio de frio na medula ao captar o brilho que despediam os olhos negríssimos do forasteiro. E recordou a tareia recebida no seu próprio escritório das mãos daquele tipo, facto de que não deu conhecimento ao xerife para que o seu orgulho e amor-próprio não ficassem ofendidos diante de todo o pessoal dos dois ranchos.
Por fim, Hugh dirigiu-se novamente ao notário, que parecia inquieto ao ver e impressão que causava a personalidade daquele homem entre os demais. A voz do jovem soou no meio de um silêncio impressionante.
—Queria perguntar-lhe, senhor notário, se é legal que alguém empreste a «miss» Kollings o dinheiro de que necessita para satisfazer a dívida. Parece-me ter ouvido antes que o prazo finaliza às doze horas do dia de hoje. Neste momento, são doze menos vinte.
— Tem razão, jovem — respondeu Hayes, consultando o seu relógio. — Faltam vinte minutos... E quanto à sua pergunta, devo responder-lhe afirmativamente. Se dentro destes minutos a senhora conseguir ter o dinheiro, tudo ficará regularizado e ela continuará a ser dona absoluta desta fazenda.
O homem calou-se em seguida, reinando o mesmo silêncio de antes. Até as respirações pareciam suspensas. A atenção geral estava presa à conversa que os dois homens sustinham. O notário tinha metido a mão novamente na pasta e tirava dela o mesmo documento que guardara minutos antes. Deitou-lhe uma olhadela rápida, dizendo em seguida:
—A quantia exata eleva-se a vinte mil trezentos e quarenta dólares e sessenta e cinco cêntimos. Tudo o que passa de vinte mil é produto de juros. Assim o estipula o contrato.
Naquele momento, interveio Kendall. Não era cobarde, embora a presença de Hugh o sobressaltasse; além disso sabia-se amparado pela Lei. Decidiu, pois, forçar a situação quanto lhe fosse possível. Tocou no ombro do notário, dizendo com voz autoritária:
—Não julga que está dando demasiadas explicações a esse homem, senhor Hayes? Peço-lhe que se abstenha de falar mais deste assunto com pessoas totalmente alheias a ele.
—Nada se perde com isso. Até porque é a minha obrigação — alegou o homem da sobrecasaca, sem se preocupar com aquele parecer.
Hugh dirigiu ao seu inimigo um olhar capaz de espantar um búfalo, mas aquele aguentou-o de frente, quase em ar de desafio.
— Faltam ainda dez minutos, Sr. Kendall — disse o rapaz com voz estranhamente tranquila.
O sorriso cínico acentuou-se nos lábios do rancheiro.
—E depois? Acaso pensa emprestar esses vinte mil dólares a «miss» Kollings?
Fleumaticamente, como se naquele momento acabasse de resolver uma terrível dúvida, Hugh bateu na testa. Estava certo de que a sua pessoa atraía todos os olhares, e dispôs-se a dar o golpe final.
— O senhor sugeriu-me uma ideia. Ou melhor, distinto senhor Kendall, as suas palavras de consolação acabam de decidir-me. Vou emprestar esse dinheiro à minha patroa. Aqui está.
Ante a admiração geral, Hugh levou a mão ao peito e tirou um embrulho que trazia entre a camisa e a carne. Avançou um passo e entregou-o a Wanda, cujos olhos ficaram de um tamanho que faziam pensar nas rodas de um carro. Com mão trémula agarrou no que o outro lhe entregava e começou a desembrulhar os papéis. O conteúdo do pacote ficou a descoberto. Um enorme atado de notas de todos os tamanhos, embora as que mais abundassem fossem as de mil.
—Aqui há mais do que a quantia, patroa — prosseguiu o jovem. — Esse molho de vil moeda contém trinta mil dólares. Pague o que exigem e guarde o resto. Faremos um novo documento relativo à hipoteca e como a si lhe convier. Pagar-me-á quando puder.
O assombro que refletiram os rostos dos presentes não se pode descrever. Talvez o menos assombrado fosse Yale Hayes. Desde o momento em que Hugh se lhe aproximara para lhe perguntar todas aquelas coisas, começou a suspeitar de alguma coisa.
O rosto de Edmund Kendall tinha-se transformado com a velocidade do relâmpago. Agora estava pálido, mais de raiva do que de surpresa... O «Quatro Vem-tos», a fazenda sonhada por ele havia muitos anos, escapava-se-lhe das mãos irremissivelmente. E o pior de tudo, por culpa do seu mais acérrimo inimigo. De onde diabo tinha conseguido o vagabundo semelhante quantia? Seria o produto de uru roubo? Sim, não podia ser outra coisa. A mente acanalhada do rancheiro não concebia outra solução para o insólito facto.
Vendo que Wanda permanecia tão assombrada que não era capaz ide se controlar, Hugh contou rapidamente a maior parte das notas e entregou-as ao notário. Depois tirou do bolso um punhado de miúdos e contou sessenta e cinco cêntimos, que também entregou ao homem dia sobrecasaca negra.
—Conte-as, amigo — disse o rapaz zombeteiramente; — mas, entretanto, dê-me a escritura da hipoteca, por favor.
O homem acabou de contar o dinheiro, assentindo satisfeito com a cabeça. Em seguida entregou a escritura. O jovem deitou-lhe uma vista de olhos e mostrou-a a Wanda.
— Reconhece essa assinatura como pertencente a seu pai?
A rapariga pareceu sair do seu marasmo. Contemplou o documento e afirmou:
— Sim, não há dúvida. É legal...
— Então, para o diabo com tanto papel vergonhoso! — exclamou Hugh, reduzindo o documento a pequenos fragmentos e atirando-os fora com todo o escrúpulo.
Entretanto, no grupo dos vaqueiros pertencentes ao «Quatro Ventos» um homem estava passando pela prova mais amarga da sua tranquila existência. Tratava-se de Rusty Fremor. O bom do grandalhão lembrava-se perfeitamente da conversa havida com Hugh Hallowan, poucos dias depois da sua chegada ao rancho. Hugh tinha-lhe dito: «Sou um evadido do presídio, Rusty. A Justiça de vários Estados procura-me para rodear o meu pescoço com uma boa corda de cânhamo. Incendiei ranchos, matei seres indefesos... Bem, não quero continuar a enumerar delitos, porque acabarias por ficar horrorizado» ... E agora, a imaginação de Rusty enchia-se daquelas recordações angustiosas.
Aos seus ouvidos pareciam ressoar as palavras de Hugh, o tom lúgubre que empregou para lhe contar «o terrível segredo da sua vida». Os olhos do vaqueiro estavam fixos, como que hipnotizados, nas notas que Hugh entregava ao notário. E Rusty compreendeu que estavam manchadas de sangue. De sangue inocente. Juraria até ter visto que aquele dinheiro, gotejava um líquido vermelho...
Fez um violento esforço e procurou serenar-se, sem chegar a consegui-lo plenamente. Podia um homem honrado, como ele era, permitir a injustiça que estava presenciando? Mas, não... Ele não podia denunciar Hugh, a quem tinha chegado a professar extraordinário afeto. Hugh era bom, embora o seu passado fosse uma cadeia de delitos sangrentos...
Teria bastado uma palavra sua para desmoronar tudo. O xerife deteria o rapaz e entregá-lo-ia depois às autoridades que reclamaram a sua cabeça. Rusty Fremor, o melhor rapaz de toda a equipa, não era capaz de atraiçoar a confiança que nele tinha depositado um homem com a personalidade do forasteiro. Afastou-se uns passos do grupo, por um lado satisfeito, porque a sua patroa tinha solucionado a sua terrível situação, mas amargurado ao mesmo tempo ao saber que isso tinha sido' possível graças à ajuda de um delinquente perigosíssimo.
Hugh, depois de os pequenos fragmentos de papel terem revoluteado no ar, voltou-se novamente para o notário.
— Tem alguma, coisa a alegar no que respeita à solução desta. operação comercial?
O notário encolheu os ombros.
— Absolutamente nada, jovem. O pagamento da dívida efetuou-se com todos os requisitos que a Lei exige.
—Então, se não tem inconveniente, peça-lhe que se digne fazer um documento em que conste que o seu cliente, o senhor Kendall, recebeu o dinheiro por seu intermédio.
Kendall sentiu a raiva e o ódio que se albergavam na sua alma contra a forasteiro aumentavam a passos agigantados, ameaçando estalar em tormenta. E não sabendo como agir para deitar tudo a perder ou, pelo menos, tentá-lo, deitou mão ao único recurso que tinha ao seu alcance. Adiantou-se um passo, com os olhos brilhantes pela raiva e os lábios trementes.
— Xerife — disse falando entre dentes — portes-to pela forma como foi levado a cabo este assunto. Eu não posso aceitar esse dinheiro sem antes averiguar a sua procedência. A si, Raddle, como autoridade, incumbe-lhe pôr a clara as minhas dúvidas sobre este assunto.
As palavras do fazendeiro produziram um murmúrio de surdos comentários. Até os seus próprios vaqueiros compreenderam que se tinha excedido ao dizer aquilo, uma vez que estava acusando veladamente Hugh de ter conseguido o dinheiro por meios ilícitos. Algumas mãos moveram-se instintivamente para os revólveres. As palavras do rancheiro podiam muito bem trazer consigo uma zaragata grossa.
Hugh não modificou a sua expressão, zombeteira. Acusou o efeito, que lhe produziu o dito pelo rancheiro com urnas faiscazinhas luminosas que os seus olhos negros despediram. Esperou, pois, que o xerife respondesse, já que era a ele a quem Kendall se dirigia.
O representante da autoridade moveu a cabeça dubitativamente, dando a entender sem palavras que as manifestações de Kendall eram do seu mais completo desagrado.
— Senhor Kendall — replicou finalmente Radle Goring — parece-me que não mediu bem o alcance exato das suas palavras. O senhor via já esta fazenda em seu poder e saiu-lhe o tiro pela culatra. Compreendo que isto seja motivo para um homem como o senhor se sentir furioso, mas nunca para que fale como acaba de o fazer. Este homem pode exigir-lhe, judicialmente, uma satisfação. E quanto ao que se refere a mim, só posso dizer que este rapaz não cometeu nenhum acto delituoso desde a sua chegada a Valley Smoky. O resto não me importa absolutamente nada.
—Isso é que é falar, xerife! — exclamou Hugh, dando-lhe pancadas no ombro, como se de um velho amigo se tratasse. — Tornou-se-me o senhor mais simpático do que à primeira vista parece. Agora, com sua licença, vou trocar umas palavrinhas amistosas com o senhor Kendall.
—Não tem nada que falar comigo!
— Acha que não, hem? — disse Hugh, indo para ele. — O senhor disse que desejava conhecer a procedência do dinheiro que emprestei a «miss» Kallings. Pois bem, é o produto de um assalto a um Banco do Arizona. Para isso estrangulei na própria bilheteira o «caixa», anavalhei dois ou três empregados mais e em seguida larguei fogo ao edifício. Chega-lhe esta explicação? Ou agrada-lhe mais esta...
Disparou o seu punho direito, como uma bala ao queixo do rancheiro, que mediu o solo com toda a sua estatura. Levantou-se, deitando lume pelos olhos e fez menção de levar a mão ao revólver. Este movimento foi imitado, pelos cinco homens que o acompanhavam. Mas tanto ele como os outros deixaram as mãos a uns centímetros das suas armas. Cornel Johnson tinha puxado do seu velho «Colt» com um gesto, rapidíssimo e cobria com ele os impulsivos.
—Levantem as mãos à altura das vossas cabeças! Ao primeiro que tentar arrancar o «agulheiro», estoiro-o!
A ameaça surtiu, efeito. Edmund Kendall e os seus cinco guarda-costas retiraram as mãos das coronhas das suas armas como se estivessem em brasa. O xerife interpôs-se.
— Guarde o revólver, Cornel. Asseguro-lhe que se algum tentar mover um dedo novamente, meto-o na prisão uma semana. — Depois voltou-se para Kendall e para os seus homens. — Já podem ir-se embora. Este assunto está terminado. O senhor, Kendall, queria uma explicação, não é assim? Pois já lha deram. Foi o menos que merecia por ter chamado ladrão a este homem, embora o tenha feito encobertamente. Quanto ao dinheiro já lho entregará o senhor Hayes. Eu fico aqui para o vigiar enquanto escreve o documento exigido legalmente por este jovem.
Kendall não respondeu. Com o cérebro cheio de ideias assassinas, dirigiu-se ao seu cavalo, em cuja sela montou lentamente. Os cinco vaqueiros que formavam a sua escolta olharam-se entre si, encolhendo os ombros. Eles nada podiam fazer...
Pouco depois, a meia dúzia de cavaleiros perdia-se na curva do caminho em direção ao «Círculo de Prata».
—E o senhor fica, xerife? — perguntou Hugh. —Julguei que queria acompanhar esses indivíduos.
—Engana-se, rapazinho. Eu venho a acompanhar o senhor Yale Hayes. Quando ele termine a sua tarefa aqui, dar-lhe-ei escolta até ao povoado. É o meu dever. E agora, «miss» Kollings, agradecia que nos permitisse entrar no seu escritório. Assim acabaremos mais depressa.
Sem pronunciar palavra, Wanda encaminhou-se até à entrada do edifício. Seguiram-na Hugh, Cornel, o xerife e Yale Hayes. Então, como postos de comum acordo, os vaqueiros sacaram os seus revólveres e começaram a disparar para o ar, tomados da mais viva satisfação. Somente Tony Legrand e Lombell Dimtry, embora procurassem acompanhar, não pareciam achar-se muito contentes. A sua euforia era, a todas as luzes, forçada, pelas circunstâncias.

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