Os quatro homens, levando cada um pequeno saco às costas, saíram do armazém apontando os seus revólveres para o interior do estabelecimento.
Montaram os seus cavalos e partiram a galope, no momento exato em que, do armazém, saía uma figura ridícula, com um revólver na mão disparando desesperadamente e com fraca pontaria contra os que fugiam...
As centenas e centenas de forasteiros que, naqueles dias, chegavam continuamente a Medicine Lodge, contemplaram a cena com indiferença.
Ninguém se preocupava com o que sucedia aos outros.
Todos tinham um pensamento fixo, uma obsessão que se impunha a qualquer sentimento de solidariedade ou de indignação perante o roubo... e o crime.
Tinham de chegar à fronteira antes da data indicada.
Para isso, alguns cavalgavam há mais de seis dias mal dando descanso às montadas e, consequentemente, mal repousando os seus maltratados corpos.
Todavia, dois jovens altos, com os rostos curtidos pelo sol e pelo vento, aproximaram-se daquele homem baixo, completamente calvo e com um bigode farto, perguntando-lhe:
— Roubaram-no, amigo?
O comerciante voltou-se e olhou-os com simpatia. Era a primeira frase amável que ouvia desde que se anunciara que a fronteira ia ser aberta e começaram a entrar na cidade forasteiros de todos as espécies...
— Levaram mais de quinhentos dólares em comestíveis!... Os bandidos querem ir bem fornecidos de viveres para o Território Índio, sem gastar um centavo... Se lhes volto a pôr a vista em cimal...
Os dois jovens sorriram.
— Será difícil encontrá-los, amigo...!
E não se enganavam.
Eram milhares e milhares as pessoas que, abandonando a sua terra, se dirigiam para a fronteira.
Vinham de Arkansas, Colorado, Iowa, Texas, Minnesota... E em todas as cidades próximas da fronteira aconteciam coisas parecidas.
Em Ashland, Wellington, Meade... foram muitos aqueles que carregaram as carroças ou encheram os alforges das suas montadas com víveres, picaretas, pás, machados... oferecendo como única moeda de curso legal, para pagamento, o chumbo das suas armas...
Os aventureiros de todo o mundo tinham marcado encontro na fronteira e não havia força humana capaz de deter aquela avalancha dominada pela excitação da aventura naquele território desconhecido e pela ambição de enriquecer quanto antes.
— Creio que podemos parar para bebermos um trago!...
— Não podemos, Tyler. Temos de chegar à fronteira antes que os soldados disparem as suas espingardas para o ar...
O chamado Tyler olhou para o seu companheiro e, encolhendo os ombros, exclamou:
— Continuemos, pois...
Aquilo parecia um rio humano.
Montada em cavalos, subida nas carroças, carros e toda a espécie de veículos; a pé ou arrastando atrás de si um pequeno burro carregado até não poder mais com tudo o que considerava necessário para a sua nova vida, aquela gente não tinha um momento de hesitação na sua rota para o desconhecido.
Tyler e Len chegaram à fronteira ao anoitecer e contemplaram fascinados o espetáculo que se oferecia aos seus olhos.
Uma fila interminável de aventureiros preparava-se para passar a noite naquele terreno deserto, longe de qualquer cidade.
Havia mulheres com crianças, de mãos duras e rostos enrugados; jovens vestidas com trajes de vaqueiro, cuja única propriedade era o cavalo que as levaria para a sua nova terra; homens de rosto indescritível e de idade indeterminada...
Toda aquela enorme multidão se estendia por larga faixa de terra, de milhares de milhas de longitude...
Desde Englewood até Chepata passando por Kiowa, Caldwell... e todas as povoações próximas da fronteira, o rio humano descia até ao limite marcado pelo governo da União onde os soldados montavam guarda e lutavam para conter os mais impacientes.
Na mente de todos estava gravada uma data: doze de Abril de 1889.
As doze horas em ponto daquele dia, os soldados dariam o sinal e, com este sonho, a legião de aventureiros de todas as nacionalidades preparou-se para passar a última noite de espera.
Todas as conversas giravam em torno do novo dia e do que os esperava quando o sol abrisse caminho através da escuridão e brilhasse com força...
Tyler e Len tiraram as selas aos cavalos e estenderam as mantas no chão, descansando a cabeça na sela de montar.
Próximo de eles, uma rapariga fez a mesma operação.
Estava só no meio daquela barafunda humana e não dava o menor sinal de perturbação.
Tyler contemplou os preparativos em silêncio, admirando a esbelta figura da rapariga e a beleza do seu rosto.
O cabelo negro e ondulado estava recolhido dentro de um chapéu de aba larga.
Não aparentava mais de vinte anos e a descontração dos seus movimentos e decisão que se via nos seus grandes olhos negros chamaram a atenção de Tyler...
—Já tem a sua terra escolhida?... — perguntou quando a rapariga se deitou, contemplando o firmamento.
Esta voltou-se surpreendida para Tyler e pareceu estudá-lo com o olhar antes de responder.
— Creio que quase todos os que aqui estamos o fizemos já, não é assim?
Tyler sorriu ante aquela resposta.
— Não procurava saber onde está situada... — disse. — Mas admiro-me de a ver só nesta estranha aventura... Não tem nenhum parente... ou amigo que a defenda ?...
— Se lhe interessa saber, dir-lhe-ei que não tenho ninguém... Estou só e, por isso mesmo, aprendi a cuidar de mim mesma. E agora agradecia-lhe que me deixasse dormir. O dia de amanhã será muito duro...
As palavras da rapariga, delicadas mas frias deixaram Tyler sem ânimo para continuar a insistir.
Olhou para ela furioso, quando a seu lado soou uma risada de Len.
— Deu-te o que merecias por seres curioso, Tyler!... — exclamou.
— Vai para o inferno!... — resmungou o amigo.
O tom da sua voz fez sorrir a rapariga.
Minutos mais tarde esta voltou a olhar para o lugar onde estavam os dois amigos e contemplou, interessada, o rosto agradável e sereno de Tyler enquanto este dormia.
Pouco a pouco foi adormecendo no meio do silêncio que reinava em toda a fronteira.
A noite ia adiantada e o bulício anterior havia dado lugar à serenidade, quando Tyler e Len acordaram sobressaltados ao ouvir o relincho dos seus cavalos...
A lua iluminava a cena e viram quatro sombras que procuravam arrastar atrás delas os três cavalos carregados com as provisões que Tyler, Len e a rapariga levavam para a sua aventura.
Ao vê-los, puseram-se em pé de um salto.
— Querem que os ajudemos?... — perguntou Len ironicamente.
Os quatro ladrões pararam ao ouvir a sua voz.
— Larguem esses cavalos!... — ordenou Tyler.
— Oiçam, rapazes... — respondeu um daqueles homens. — Só nos interessam os víveres e os animais... Não temos qualquer interesse em lhes tirar também a vida mas, se...
— Não levarão mais que chumbo, se não obedecem com rapidez! — interrompeu Tyler.
Mas aqueles homens estavam decididos a levar o que tinham em seu poder.
Como única resposta as suas mãos desceram com rapidez aos coldres.
Não haviam contado, porém, com o inimigo que tinham pela frente.
As armas de Tyler e Len vomitaram chumbo antes que qualquer deles pudesse «sacar».
Enquanto os ladrões caíam por terra e o seu sangue se misturava com a areia vermelha, os dois amigos aproximaram-se dos cavalos.
O ruído dos tiros despertou vários aventureiros que olharam com indiferença para os cadáveres.
Os seus olhos cravaram-se nos dois jovens e, após alguns segundos, desinteressaram-se completamente do que havia sucedido à sua volta.
A rapariga estava levantada quando se aproximaram levando os animais à rédea e olhava grata e admirada para eles.
— Aqui tem a sua montada... Como vê, ainda necessita da ajuda de estranhos!... — disse Tyler, com ironia.
Len, sorrindo, deitou-se no chão, vendo como o amigo se afastava da rapariga.
Olhou para ela e notou, pela sua expressão, que ia dizer qualquer coisa. Mas depois, fazendo um gesto de desgosto, guardou silêncio enquanto acariciava o animal...
Mal havia nascido a manhã quando toda aquela multidão quebrou o silêncio com os gritos, risos e pragas.
Como se faltassem cinco minutos para a hora marcada em vez de várias horas, que lhes pareceriam intermináveis, uma atividade febril apoderou-se de toda a fronteira.
Guardavam-se rapidamente os utensílios; obrigavam--se as crianças a subir aos carros; engatavam-se os cavalos e os homens subiam à. boleia empunhando as rédeas com impaciência.
Tiveram, porém, de lutar contra o desejo de penetrar quanto antes na terra prometida.
Ninguém podia atravessar a fronteira e penetrar no território índio antes de soarem os tiros que anunciariam a partida.
E assim, aqueles milhares de aventureiros tiveram de aguentar durante horas a inclemência do sol que caia desapiedadamente sobre eles.
Não tinham nem um palmo de terra onde houvesse sombra. A fronteira, a planura que se estendia prometedora diante deles, era completamente deserta...
— Lamento ter-me portado ontem tão mal… — disse a rapariga para Tyler na manhã seguinte enquanto preparavam os seus cavalos. — Fui... uma estúpida...
— Todos cometemos erros... menina...
— Polly Leeds... — disse a rapariga, sorrindo. — Acha que os índios ficarão tranquilos ao ver que invadimos o seu território?...
— Se não estão contentes terão de concordar, pelo menos aparentemente — disse Len. — Nas «Reservas» serão bem tratados pelo governo...
— As vezes duvido das razões que nos empurram para este território...
— Refere-se ao acantonamento dos peles-vermelhas? — perguntou Tyler. — Se assim é, estamos de acordo. Toda esta terra que nos é oferecida agora pertence-lhes. Empurrámo-los à força desde a Geórgia e não deixámos de os perseguir até se meterem nesta terra estéril e deserta que o governo lhes designou. Realmente, a colonização do Oeste exige sacrifícios somente a estes seres indefesos...
— Este calor é insuportável!... — exclamou Polly. — Daria qualquer coisa por alguns sorvos de águal...
— Não existe esse liquido em algumas milhas em redor... Estamos numa zona deserta, talvez mais para lá da linha divisória, naquelas pastagens que se veem ao longe, exista algum rio que nos ajude a matar a sede... — respondeu Len.
Realmente o sol era escaldante e a força dos seus raios queimava a pele.
Mas toda aquela gente suportava com estoicismo as inclemências, esperando, ansiosa, o sinal da partida.
Este chegou, finalmente.
Os soldados engatilharam as espingardas do regulamento e dirigiram os canos para o céu...
Naquele momento o nervosismo apoderou-se de todos os presentes.
Os cavalos escarvavam contagiados pela agitação dos seus donos, golpeando a terra dura com os cascos. Os cavaleiros solitários mantinham-se inclinados sobre os pescoços das suas montadas, enquanto os condutores dos carros tinham o braço levantado, segurando firmemente o cabo do chicote.
Os que tinham relógio não afastavam os olhos dos ponteiros, enquanto as mãos se lhes crispavam sobre as rédeas. Chegou, por fim, a hora marcada e os soldados apertaram os gatilhos das suas armas.
Nuvenzitas de fumo levaram-se lentamente... Mas o ruído dos tiros foi amortecido pelo de milhares de cascos que, naquele mesmo momento, começaram a bater na terra freneticamente...