terça-feira, 20 de setembro de 2016

BUF101. CAP II. Os dois amigos fazem uma excursão

Durante quinze dias, Chester esperou em vão que a caravana regressasse à pousada, sem haver conseguido atravessar o deserto.
— Deixa-os em paz, homem! — respondeu Patt, quando o amigo lhe comunicou os seus receios. — Porque te preocupas tanto com eles?
— Tu não te fixaste bem naquela caravana, não é verdade, Patt? De contrário, estarias tão intrigado como eu.
-- Que tem de particular?
— Em primeiro lugar aquele cavalo que ia atrás do último carro. Reparaste no seu equipamento?
— Não...
— E passaste tu toda a guerra na cavalaria sulista? A tua cabeça não tem arranjo, Patt. Se fosses um pouco observador, não teria deixado de te impressionar o facto de aquele animal trazer arreios e tudo o mais igual ao dos nossos cavalos durante a guerra.
— Isso não quer dizer nada, Chester. Bem sabes que há muitos soldados por aqui, chegados depois da debandada. Nós próprios...
— Já sei, Patt, já sei — interrompeu Chester, impaciente. — Mas nenhum se lembrou de vir com quatro carros e uma mulher tão formosa como a que vimos. Digo-te que há alguma coisa estranha em tudo isto e parece-me que vou entreter-me um pouco a investigar.
— Que poderás fazer, se nem sequer sabes para onde se dirigiram?
— Mas suspeito. De que não atravessaram, o deserto, não há a menor dúvida. Falei com os condutores duma caravana que veio de Lincoln, no Novo México, quatro dias depois de eles aqui passarem, e disseram-me que não encontraram ninguém.
— Podem ter seguido outro caminho.
— Tu sabes que isso é impossível, Patt. Ninguém pode afastar-se das estacas que marcam as direções, porque pereceriam irremissivelmente nesse deserto.
— Bom, tu dirás o que há a fazer. Se pensas que há alguma coisa que mereça a pena averiguar, mãos à obra, mas, por favor, Chester, não me faças magicar mais, porque me dá tonturas e até me dói a cabeça.
— Se te dói toda, compadeço-me muito de ti.
— Porquê?
— Pelo tamanho dela.
— És muito engraçado — respondeu Patt, enfadado.
— Vamos, Patt, não te zangues — disse Chester, sorrindo. — Sabes o que penso?
— Julgas que sou adivinho? Desembucha de uma vez, a ver se nos movimentamos um pouco. Eu sou um homem de ação e isso de ter de pensar faz-me mal.
— Pois amanhã, cedo, vamos explorar um pouco, a ver se damos com eles.
— Para onde iremos?
— Para o Norte. Suponho que chegaram ao limite do deserto para despistar, mas dali seguiram para o Norte até alcançarem o terreno em litígio.
Patt olhou o amigo, de boca aberta.
— Supões que estarão ali? — E, perante o gesto afirmativo de Chester, tornou: — Mas, e Os índios?
--Quatro carros podem passar desapercebidos.
Patt soltou uma risada.
— Em face do que se avizinha, a estas horas os índios devem ter vigias em cada montículo, esperando a invasão. Não quatro carros, mas nem sequer uma ratazana poderá penetrar no seu território sem que eles deem por isso.
— Bem sei, mas não se meterão com a caravana enquanto não estejam seguros do que vai acontecer. Estão em muito boas relações connosco e não lhes convém arvorar o facho da guerra só porque quatro carros penetraram no seu terreno. Conheço Maxwell, o Delegado do Governo para a sua concessão, e sei que não admitirá o menor ato de força. — Quantas pessoas calculas tu que seguiam naqueles carros?
— Não sei, mas com certeza mais que as que vimos, a julgar pelo fogo cerrado com que receberam os assaltantes. Creio que disparavam cinco ou seis pessoas, pelo menos. Essa é outra coisa que me desperta a curiosidade. Porque se ocultavam tanto? E sobre tudo isso, há aquela mulher...
— Ela não te terá dado volta ao miolo, Chester?
— Não digas tolices. Simplesmente, gostaria de saber a razão por que vieram. Ela é demasiado bonita para vir para estas paragens e a única mulher branca existente em muitas milhas em redor. Tem de haver um poderoso motivo que a trouxe para aqui.
— Enfim, tu dirás o que havemos de fazer. Já sabes que me tens à tua disposição para quantas loucuras te passem pela cabeça.
Chester pagou a despesa que haviam feito encostados ao alto balcão de madeira de pinho e saíram da pousada.
Fazia uma noite maravilhosa e os dois amigos começaram a passear ao clarão da lua cheia. Aos seus ouvidos chegava o rumor de vozes e canções, vindas das janelas abertas da pousada.
— Acho que será melhor irmos dormir, Patt. Partiremos amanhã muito cedo.
Subiram ao quarto que ambos ocupavam. Dali a poucos minutos Patt roncava estrepitosamente, completamente alheado do mundo, enquanto Chester se remexia inquieto na cama, sem conseguir conciliar o sono, fazendo a si próprio a mesma pergunta, uma e outra vez: onde estaria a caravana? E porque se escondiam as pessoas que seguiam nela? Principalmente, porque os acompanhava aquela lindíssima rapariga?
Como muito bem dissera Patt, pululavam por ali numerosos ex-soldados do derrotado exército sulista, e mais gente chegava constantemente, ansiosa por irromper no território índio, isto é, homens solitários sem outros haveres que os seus cavalos e os seus revólveres, mas nenhum deles levava uma mulher branca.
Que iria fazer ali uma mulher que podia permitir-se o luxo de equipar quatro carros? Quem seguia neles e que papel representava a jovem em tudo aquilo?
O mais absoluto mistério envolvia todas aquelas perguntas.
Recordava o profundo respeito com que o barbudo condutor havia tratado a jovem e o acento meridional da voz dela, que fazia pensar ser do Sul. Que motivo a teria constrangido e empreender tão longa e penosa jornada?
Meditando em tudo isto adormeceu, e parecia--lhe que havia uns escassos cinco minutos que fechara os olhos quando Patt o despertou:
— Levanta-te, preguiçoso! Está amanhecendo e temos de ir andando.
Chester saltou da cama. Alguns minutos depois saíam da cavalariça com os seus cavalos selados. Montaram e empreenderam o caminho a bom passo, à luz indecisa do 'amanhecer, em direção ao território dos índios.
O sol ainda se não erguera, e a fresca aragem subtil e penetrante que fazia mover o mar de erva da pradaria, obrigava-os a abotoar as blusas de pele de anta.
Ao trote dos cavalos, foram deixando para trás milhas e mais milhas. O sol levantou-se e começou a aquecer cada vez mais, com uma intensidade que fazia prever outro dia torriscante.
Teriam percorrido umas quinze milhas, quando o panorama principiou a mudar de aspeto. Agora, a pradaria era salpicada de grupos de árvores, que cada vez se tornavam mais frequentes, até se converterem num confuso emaranhado que lhes tolhia a marcha.
De vez em quando deparava-se-lhes um profundo barranco que tinham de circundar, o que os obrigava a fazer vistosas exibições de equitação para o atravessar.
Saíram dentre um verdadeiro bosque de castanheiros, nogueiras e eucaliptos, e encontraram--se numa planície que atravessaram a trote largo até que se lhes deparou uma parede vertical que lhes vedava a passagem.
Mais para além, estendia-se um extenso vale, salpicado de árvores, onde as paredes subiam em suave declive pela vertente oposta. O lado onde eles se encontravam tinha as paredes cortadas a pique e não apresentavam o menor ponto franqueável, pelo menos até onde a vista alcançava.
— Aqui começa o território dos índios — disse Chester.
— Não sei. Vamos subir o vale a ver se encontramos alguma abertura por onde se possa passar.
Seguiram junto à parede e apenas haviam percorrido meia milha quando Patt deteve o cavalo para se erguer nos estribos.
— Que Se passa, Patt?
— Não sei, mas iria jurar que vi qualquer coisa mover-se por entre aquelas árvores isoladas no extremo do bosque que acabamos de abandonar.
Chester olhou com atenção.
— Não vejo nada... -- disse. — Estás seguro de que não tiveste uma miragem?
— Não sei... — murmurou o corpulento Patt. — Não posso afirmar... Olha, Chester!
Dentre o arvoredo surgiu um cavalo que corria à desfilada para as paredes do vale. Galopava como uma exalação e não tardaria a cruzar-se com eles, veloz como o raio.
Ouviam já o rápido e cadenciado matraquear dos cascos no solo. Havia qualquer coisa de estranho na veloz corrida daquele cavalo e também nos movimentos descontrolados e nervosos do cavaleiro para o refrear.
— Chester, aquele cavalo tomou o freio nos dentes. O cavaleiro não consegue dominá-lo... Cuidado! Afasta-te ou vai cair-te em cima!
O cavalo passou a poucos metros deles e Chester soltou uma exclamação de assombro ao ver quem era a pessoa que o montava. Era a rapariga da caravana! O seu cabelo flutuava ao vento como uma bandeira de ouro.
— É ela, não há dúvida — murmurou.
O cavalo prosseguiu na sua carreira desenfreada, galopando obliquamente à beira do precipício, com uma direção que levava irremissivelmente a despenhar-se no abismo. Voava desvairado para a morte e a rapariga era impotente para, o conter.
O jovem não teve um segundo de hesitação. Fincou as esporas nas ilhargas do cavalo e partiu disparado atrás do outro, num desesperado esforço para livrar da morte a sua preciosa carga.
A distância entre ambos encurtava-se rapidamente, mas com maior rapidez ainda se aproximavam do abismo. Chester calculou que não chegaria a tempo e com infinita ansiedade fustigou o seu cavalo repetidas vezes. O animal deu de si quanto pôde, realizando um magnífico esforço. Mais que galopar, parecia voar de modo que em poucos segundos Chester estava colado à garupa do outro cavalo.
Logo se encontrou à altura da rapariga que se voltou para ele. No seu belo rosto lia-se o terror e ansiedade, perante a morte para a qual avançava a passos rápidos. No entanto, mesmo assim, os seus lábios entreabriram-se num débil sorriso ao perceber o que Chester tentava fazer.
— Não tenha medo! — gritou ele. — Incline--se para mim. Isso mesmo.
Por espaço de uns segundos, cavalgaram a par. O abismo estava apenas a uns escassos metros de distância deles, com as suas fauces medonhas escancaradas.
Chester enlaçou a jovem pela cintura com o braço direito.
— Agora! — gritou. E, puxando-a fortemente, arrancou-a da sela já no último segundo.
O cavalo da rapariga precipitou-se pela, escarpa, soltando um relincho de impotente desespero, enquanto ele, com o corpo da jovem vigorosamente enlaçado pela cintura, desviava trabalhosamente o cavalo com a mão esquerda.
Passou tão perto do precipício, que a jovem ficou uns instantes com a respiração suspensa. Depois, Chester fez a montada voltar a garupa, ao mesmo tempo que a refreava.
Fora tudo tão rápido que Patt continuava a contemplá-los de boca aberta, a um quarto de milha de distância, quando Chester depôs a jovem suavemente no chão. Em seguida, desceu ele do cavalo e postou-se em frente dela.
O rosto da rapariga denotava ainda a mais viva emoção pelo terrível perigo que correra, mas os seus olhos já não refletiam medo.
— Obrigada, senhor... — murmurou, olhando sorridente o seu providencial salvador.
— Chester. Chester Bruce.
— Muito agradecida. Pelo visto, a sua missão nesta terra é livrar-me de apuros.
O rapaz sorriu.
— O seu cavalo tomou o freio, hem? — disse ele, desnecessariamente.
— Não sei como aconteceu isto. Todos os dias saía com ele e nunca me sucedeu nenhum percalço.
Chester não deixava de a olhar, embevecido na sua beleza. A jovem envergava o traje de amazona, que lhe fazia realçar as formas harmoniosas. O cabelo caía-lhe sobre os ombros como uma chuva de ouro, emoldurando-lhe o lindo rosto, onde se abriam aqueles grandes, olhos azuis como o belo céu da Carolina do Sul.
Patt chegou junto deles.
— Apresento-lhe o meu amigo Patt — disse Chester, para quebrar o embaraçoso silêncio que se estabelecera.
— Encantada, senhor Patt.
A sua delicada mão afundou-se na áspera manápula do gigante, que se ruborizou intensamente, baixando os olhos.
— Nós... temos muito prazer em tornar a vê-la — murmurou.
Fez-se outro silêncio que Chester interrompeu para inquirir:
— A sua casa fica muito longe?
O sobressalto da jovem não passou desapercebido ao rapaz.
— Eh...? Como? — balbuciou. — Para que quer sabê-lo? Chester estranhou bastante o tom de desafio que notou na voz dela, e mais uma vez se perguntou em mente que mistério envolveria a presença da jovem por aquelas paragens.
— Oh! Não se assuste! Queria simplesmente acompanhá-la.
— Não... não... se incomode. Fica muito perto e posso bem ir só.
— Não tem medo dos índios? — perguntou Patt.
— Não. E não se preocupem comigo. Muito agradecida, senhores.
Estendeu a mão a Chester que a tomou maquinalmente nas suas, pensando que não devia deixá-la seguir sozinha. Depois, as palavras saíram-lhe atropeladamente da boca, e até lhe pareceu que não era ele mas sim outra pessoa quem falava.
— Escute, menina. Não sei onde fica a sua casa, mas notei que não lhe interessa que se saiba onde está localizada. Tenho a impressão de que a menina não está em situação agradável, mas rogo-lhe que tenha confiança em mim. Fiz a guerra no Sul, sabe? — nunca o jovem soube explicar porque disse aquilo. — E ainda não me rendi. Ninguém saberá nada por mim nem pelo meu amigo.
Ela perscrutou-o com o olhar. Os olhos de Chester, francos e leais, não se desviavam dos dela. Depois, a rapariga sorriu.
— Está bem — concedeu. — Pode acompanhar-me.
O jovem montou o seu cavalo e ajudou-a a subir para a garupa. Assim, empreenderam a jornada, seguidos de Patt.
A rapariga ia indicando o caminho, e, guiados por ela, desceram ao vale por uma estreita senda que formava uma espécie de cornija na parte vertical. Ao fundo, encontraram um espesso bosque de faias e nogueiras.
Sem vacilar, ela guiou-os por entre o arvoredo até que se encontraram numa espaçosa clareira aberta no meio do bosque.
Mas não foi isto que fez Chester soltar unia exclamação de assombro, mas sim o espetáculo que os seus olhos contemplavam.

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