A verdade também penetrou no peito do cavaleiro de negro, que cavalgava inclinado sobre o pescoço do animal, ao atravessar o tapete de ardósia quebradiça.
Depressa amanheceria, mas não queria descansar. O corpo nunca mais poderia descansar. Necessitava de outra espécie de repouso; pesava-lhe a alma. Era a primeira vez, desde há muitos anos, desde que julgara extirpá-la do peito, que a sentia palpitar unida ao coração.
E agora sentia a necessidade imperiosa de a fazer reviver, de a salvar da sua agonia.
Havia fracassado; havia sido ferido. Era uma derrota que lhe abria os olhos de uma maneira dolorosa. Uma mulher qualquer, e, contudo, uma extraordinária mulher, havia-lhe dado uma dura lição.
E remoendo a sua derrota, passou diante dos seus olhos, em selvática e dolorosa pantomima, todo o seu passado. Rostos de mulher cruzaram-lhe o pensamento, passaram-lhe diante dos olhos injetados de sangue, febricitantes; mulheres que choravam e nenhuma o acusava.
Apareceu também o rosto de um frade e ouviu as suas palavras. Havia tido razão. O diabo havia-o abandonado, sentia-o porque a sua alma agora mostrava-se livre dentro do seu peito, livre do jugo infernal que a havia possuído.
Mas não ia em busca da morte; queria arrepender-se, mostrar o seu arrependimento. Procurar um refúgio.
Um rosto doce e juvenil apareceu diante dele. Era o de uma rapariga que ainda não havia atingido os vinte anos, de cabelos negros, lisos, de olhar doce e lábios como rosas.
Não era uma vítima sua. Não a havia enganado; afastara-se dela atraído por outra mulher que depois abandonara; mas a rapariga tinha-se salvado.
— Grace...
As paredes da quebrada repetiram o nome que, inconsciente, o homem havia pronunciado com a mesma intensidade que um moribundo inicia uma oração.
Grace não tinha motivos para o odiar. E, contudo, ele amara-a e ela havia-lhe correspondido. Devia-se à sua sorte que não se tivesse convertido numa vítima mais do seu impetuoso e insaciável amor.
— Grace...
A recordação da cândida rapariga animou-o. Inclusivamente as feridas deixaram de lhe doer. A febre que o consumia desapareceu do seu corpo. Animou o cavalo a atravessar a quebrada, a abandonar a ardósia quebradiça para pisar novamente a doce salva.
Num riacho lavou-se e penteou-se com os dedos depois de os humedecer. Montou novamente lançando-se a galope, animado por uma nova e maravilhosa intenção.
Dentro dele o «diabo negro» havia morrido. Roger Novack ressurgiu para viver junto de uma maravilhosa mulher que havia deixado só numa cabana, no sopé do monte, afastada da civilização.
Recomeçaria uma vida nova... Uma vida maravilhosa, recta.
Amanhecia quando transpôs a fronteira entre o Kansas e o Colorado. A nova terra pareceu-lhe como uma maravilhosa promessa.
De súbito, quando ao longe distinguiu a cabana e ao pressenti-la tão abandonada, teve um doloroso pressentimento. Grace vivia muito só, há muito tempo que não a via. Talvez lhe tivesse acontecido alguma desgraça, talvez tivesse casado, talvez...
Lançou «Quick» a galope. Suspirou quando viu numa pequena cerca uma vaca leiteira da qual Grace extraia o seu alimento. No curral as galinhas despertavam pousadas ainda no poleiro e «Lion», o cão-lobo, ladrou farejando-o.
De um anexo ao edifício que fazia as vezes de celeiro, surgiu a figura inolvidável de Grace. Havia mudado muito em pouco tempo, parecia mais mulher, embora não tivesse deixado de ser a mesma encantadora rapariga.
Não correu ao seu encontro. Entrou em casa rapidamente e, quando Roger desmontou e se aproximou da porta, apareceu a rapariga armada com uma velha espingarda de dois canos.
— Quieto!
— Grace. Não me conheces?
Os olhos da rapariga estudaram-no e, de súbito, inopinadamente, iluminaram-se.
—Roger!
Roger aproximou-se satisfeito, abrindo os braços.
— Quieto! — gritou a rapariga fazendo um gesto com a espingarda.
— Que tens, Grace? Será verdade que te esqueceste de mim?
— Nunca poderei esquecer-me de ti, Roger.
— Amas-me?
— Creio que sempre te amarei... por desgraça minha.
— Então...
— Mas não te aproximes!
— Que tens, divina criatura? Não me vês ferido?... Mas não te importes porque as feridas do coração são mais dolorosas.
— Voltaste a lutar.
— Compreenderás quando me permitires abraçar-te e dizer-te quanto te amo... como foram tristes e escuras as noites sem ti.
— Se te deixo aproximar e abraçar-me, estou perdida, Roger. A tua fama chegou até mim. Clara no Texas, Lettice no Novo México, Mary no... Não, Roger!
— Venho arrependido, lacerado; com a alma em sangue.
Deu um passo na direção da rapariga e esta apertou a arma com mais força.
— Amo-te, Roger — disse firmemente —, mas não hesitarei em disparar contra ti.
— Talvez seja melhor assim, Grace; já nada me pode deter...
A vista nublou-se à rapariga que sentiu enormes desejos de largar a arma e correr a abraçar o homem que estava na sua frente. Mas tinha uma grande coragem, a mesma que não a havia abandonado na sua existência solitária na montanha, cuidando da terra que seus pais lhe haviam legado ao morrer. Apertou a arma com mais força.
O homem deu outro passo e então, sem sentir, o dedo cerrou-se em torno de um dos gatilhos. Roger deixou de avançar e levou a mão direita ao estômago, enquanto a esquerda ficou imóvel, pendente ao lado do corpo. Olhou assombrado para a rapariga que, muito pálida, continuava diante dele. Sorriu.
— Grace...
Voltou a avançar. Grace apertou o segundo gatilho e desta vez Roger deteve-se como se o impacto do chumbo ardente tivesse sido capaz de o conter. Os seus olhos abriram-se desmesuradamente; a boca perdeu o sorriso, mas começou a recuperá-lo lentamente enquanto caia por terra.
Então Grace soltou a arma e deixou-se cair de joelhos para abraçar o cadáver, chorando. Do horizonte longínquo surgiu o disco vermelho do sol tingindo de púrpura o céu imenso e humedecendo de sangue a terra do Colorado.
FIM
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