sábado, 31 de março de 2018

POL157. Ódio e Chumbo

 
(Coleção Pólvora, nº 157)
 
 

Um jovem branco, criado entre os «navajos», encontrou os pais, membros de uma comunidade mórmon, mortos à ordem do chefe da comunidade a quem se recusaram pagar um tributo injusto. Iniciou aí uma luta de libertação que envolveu os índios com quem se misturara e alguns membros da comunidade fartos do poderio do execrável condutor que chegou a raptar a sua adorada Agar para lhe infligir sofrimento.

Este livro de Kent Wilson é muito diferente de outras novelas do Oeste especialmente pela envolvente da comunidade mórmon. Será por isso integralmente disponibilizado neste blog.

POL156. Dois punhos e um revólver

(Coleção Pólvora, nº 156). Capa e texto indisponíveis

quarta-feira, 21 de março de 2018

BIS160.99 (Epílogo) Jornada para a Califórnia

Hal abandonou Prescou antes do sol começar a tingir o horizonte de vermelho, anunciando o novo dia. Deu uma palmada no pescoço do cavalo que adquirira na noite anterior na povoação, fazendo-o galopar para a fogueira cujo esplendor avermelhado se avistava a meio quilómetro do lugar onde se encontrava.
Destapou a cafeteira colocada sobre as brasas, cheirando com deleite o aromático café. Voltou-se ao ouvir uma restolhada atrás de uma espessa mata de macelas. E ficou mudo de assombro ao ver avançar para ele Nora e Diana Norton.
— Que significa isto? — inquiriu, ainda não refeito da sua surpresa.
— Significa que decidimos ir para a Califórnia —respondeu Nora, com um sorriso radiante. —É claro que pensámos que talvez tu queiras servir-nos de guia.
A verdade abriu passagem no cérebro do jovem. Voltou-se para Diana, interrogando-a com o olhar.
— Presenciámos tudo o que aconteceu depois de teres saldo do hotel — disse esta. — Se tivesses matado Butte, Nora não teria outro remédio senão casar-se contigo ou esperar que surgisse outro homem na sua vida. E se as coisas tivessem acontecido ao contrário... Bom, creio que jamais teria consentido que Nora desposasse o homem que havia matado aquele a quem devemos tantos favores. Compreendi tudo de repente.
Calou-se, voltando-se discretamente para tomar conta da cafeteira que fumegava sobre as brasas ao ver que jovem abraçava Nora e a beijava nos lábios.

terça-feira, 20 de março de 2018

BIS160.07 Reencontros com o noivo e com o bandido das montanhas

Conduziu-as para o melhor hotel de Prescou e alugou um aposento para as duas.
— Bem — disse — creio que chegou a hora de nos separar-nos.
—Pensas partir imediatamente para a Califórnia? — inquiriu Nora, com mal disfarçada ansiedade.
— Não. Passarei a noite em Prescou. Procurarei um sítio a meu gosto para passar a noite. Estes hotéis de luxo têm as camas demasiado fofas. E não podem apresentar-se assim diante de Butte. Mandarei vir uma rapariga do armazém com umas quantas roupas. Ainda me resta algum dinheiro e pagá-las-ei adiantadamente. Não mo agradeçam porque não merece a pena.
Diana pousou a sua mão sobre o antebraço do jovem.
— És um grande rapaz, Hal — disse, tratando-o por tu pela primeira vez. — Não sei o que seria de nós sem ti. Recordar-te-emos sempre.
— Fiz-vos passar um mau bocado desnecessariamente — respondeu. — Butte não se haveria negado a entregar os vinte mil dólares. Mas não lhe entreguei a mensagem. Estava a chicotear um vaqueiro quando eu cheguei. Aquilo fez-me ferver o sangue nas veias. Rasguei a carta e dei-lhe uma sova. Em seguida, voltei disposto a tirá-las de ali de qualquer forma.
— Porque o fizeste, Hal? — inquiriu Diana sem se alterar.
—Responda-me primeiro a uma pergunta. Como pôde chegar a prometer Nora a esse energúmeno? É o indivíduo ideal para não fazer feliz uma mulher como ela.
— É um vaidoso. Reconheço-o. Eu tenho a culpa de tudo. Esteve em Santa Fé, no ano passado, por questões de negócios. E enamorou-se de Nora. Minha filha aceitou aquele noivado coagida por mim. Estávamos então à beira da ruína e quis assegurar-lhe o futuro. Há coisa de dois meses recebemos uma carta sua. O trabalho do rancho impedia-o de ir buscar-nos, como era seu desejo, e devíamos vir nós para Prescou o mais depressa possível. O casamento celebrar-se-ia uns dias depois da nossa chegada. O tempo preciso para que Nora preparasse o seu
vestido de noiva e tudo o mais.
— Bom. Agora sinto-me mais contente do que antes, pelo facto de ter procedido como procedi. Parece-me que Butte não tem nada de humano, a não ser a forma exterior. Não quis que Nora lhe ficasse a dever qualquer favor antes de passar a fazer parte das coisas que adornam o seu grande rancho.
Diana estreitou entre as mãos a destra do jovem, olhando-o com expressão diferente da que utilizara até então.
— Talvez tenham sido desnecessários os riscos corridos para nos evadirmos dos domínios de Hayden —disse. — Mas a luta que travaste com os «apaches» e outras coisas mais perdurarão na minha mente sempre que me lembre de ti.
O jovem voltou-se para Nora e acariciou-lhe a face com a ponta dos dedos.
— Só te desejo uma coisa, Nora — disse. — Que sejas tão feliz como mereces.
Abandonou o aposento ao dar-se conta de que a rapariga estava prestes a rebentar em soluços.
Desceu para a rua e começou a atravessá-la em direção ao Armazém Geral, situado no passeio fronteiro ao hotel.
Deteve-se no meio da poeirenta rua ao ouvir uma voz que à sua retaguarda o interpelava.
—Um momento, forasteiro — disse-lhe a voz, arrastando as palavras. — A última vez que esteve aqui esqueceu-se de algo. E estive à espera da sua chegada para lho entregar.
Hal Cargan fez meia volta e encontrou-se com Geat Butte.
—E o que foi, bicharoco? Deixei algum soco por dar?
O rosto do rancheiro congestionou-se.
— Deixou uma onça de chumbo nos meus revólveres. E vou entregar-lha. Ninguém pode bater em Geat Butte impunemente.
— Coragem, gordo.
Abriu as pernas e arqueou o corpo, cravando as suas pupilas nas do seu antagonista.
Nenhum dos dois reparou no cavaleiro que acabava de penetrar na rua principal pelo seu extremo oeste, encaminhando os passos do seu cavalo na direção do jovem.
— Um momento, Butte — falou o cavaleiro, detendo--se a poucos metros de Hal. — Este homem pertence-me.
O jovem pôs-se tenso ao ouvir a voz de David Hayden.
— David Hayden — sussurrou o rancheiro, fitando-o com êxtase. — O rei das montanhas.
— Obrigado pelo apodo de <rei>, Butte. O meu amigo Cargan teria dito o bandido das montanhas.
— Naturalmente — sorriu Hal. — Gosto de chamar as coisas pelo seu nome.
— Este homem insultou-me — disse o rancheiro, recobrando parte do seu aprumo. — E quero fazer-lhe morder o pó...
— Há muito tempo que existe uma conta pendente entre os dois — interrompeu-o o foragido. — Terá de conformar-se em assistir ao seu enterro. Mas há-de morrer às minhas mãos.
— Bem — acrescentou, voltando-se para o jovem. — Devo reconhecer que não te avaliei como merecias. Pensei que dez homens seriam o suficiente para cortar-te a passagem. Por isso, não quis ter o incómodo de dirigir pessoalmente a perseguição. Podes verificar que vim só.
— Isso é tudo o que tens a dizer? — perguntou-lhe Hal, com espantoso sangue-frio.
— Parece-me que sim.
-- Nesse caso, vamos ao que interessa.
Ambos os homens se estudaram brevemente antes de entrarem em ação. Hayden foi o primeiro a lançar as mãos aos seus <Colts>, tirando as armas para fora dos coldres com fantástica velocidade.
Mas Hal foi uma fração de segundo mais rápido. Os disparos do foragido tiveram lugar no preciso momento em que a bala disparada pelo único revólver que Hal sacara lhe atravessava o coração. A contração provocada pela dor desviou a sua pontaria, e os projéteis passaram inofensivos a vários milímetros da cabeça de Cargan.
O chefe dos bandidos girou levemente sobre a sua perna direita e tombou sobre o pó da rua. Hal voltou-se lentamente para o rancheiro, ao mesmo tempo que lia a admiração nos rostos dos circunstantes.
David Hayden era considerado como o homem mais rápido no manejo das armas em todo o Sudoeste dos Estados. E Hal havia-o vencido pela segunda e última vez num desafio cara a cara.
O rosto de Butte estava pálido como o de um cadáver. Um suor frio banhava a sua fronte e havia uma luzinha de pânico nas suas pupilas.
— Quando quiser, Butte — disse calmamente. — Estou preparado.
— Bom... eu... — tartamudeou. — Reconheço que não me portei bem. Perdi as estribeiras e... Bom, creio que o nosso, assunto se resolve com facilidade. Não... não acha?
Hal esboçou um ténue sorriso de ironia. Geat Butte, no fundo, era um cobarde. Voltou-lhe as costas, penetrando no armazém a fim de encomendar os vestidos para as duas mulheres.

segunda-feira, 19 de março de 2018

BIS160.06 Fuga à povoação de bandidos

Hal deteve a marcha da sua montada e voltou-se para «Corvo» para lhe dizer:
— Vou sentir saudades da sua agradável companhia, «Corvo», mas não é necessário que siga para diante. Conheço perfeitamente o caminho daqui para Prescou. As ordens de Hayden são essas.
— Lembro-me muito bem das ordens de Hayden — respondeu o foragido de mau humor. — Quando estará de regresso?
— Não antes de amanhã ao meio-dia. Se não surgirem contratempos, chegarei a Prescou ao entardecer.
— Se Butte não o entretiver muito pode regressar esta mesma noite.
— Nem falar nisso é bom, compadre. Esta noite passá-la-ei na borga em qualquer «saloon». E não me meterei a caminho antes do amanhecer.
Encostou as esporas aos flancos do animal e afastou-se sem dar tempo ao foragido de descarregar o seu mau humor. Como havia previsto, chegou a Prescou quando o sol estava a ponto de se esconder.
Seduziu-o a fachada do «Saloon Arizona» e penetrou no seu interior, àquelas horas abarrotado de frequentadores. Pediu um uísque e bebeu-o em pequenos sorvos, olhando distraidamente para o quarteto de raparigas de vestes muito reduzidas, que dançavam sobre meia dúzia de tábuas com pretensões a palco.
Uma jovem de formas sinuosas e rosto excessivamente maquilhado sentou-se ao balcão, junto dele, sorrindo-lhe com ar provocante.
—Forasteiro?
— Claro.
—Da Virgínia, não?
— Como o adivinhaste?
— Estive ali uma longa temporada. Gosto do modo peculiar como os virginianos falam. São a minha fraqueza.
— Tenho a impressão de que tu deves ser um poço de fraquezas.
A mulher envolveu-o num olhar furioso.
— Não te zangues comigo, rapariga. Bebe o que quiseres à minha saúde e, em seguida, esquece-te de que eu existo. Isso em troca de uma breve informação. Onde fica o rancho de Geat Butte?
— Se pensas trabalhar com ele será melhor dares um tiro na cabeça.
— Não te preocupes. Contratou-me para lhe matar as pulgas. As boas e as más.
Saiu para a rua, encaminhando-se para o lugar onde havia deixado ficar o seu cavalo. Em seguida, a todo o galope, dirigiu-se para o local onde a rapariga lhe dissera ficar o «Cruz-D-30». Antes que o sol houvesse acabado de declinar, alcançou as construções do rancho. Dois dormitórios para os vaqueiros, vários barracões destinados a servir de estábulos e um enorme edifício para o dono.
Transpôs a entrada de um amplo pátio e desmontou defronte da porta do edifício principal. Subiu os degraus de mármore da escadaria e tirou a mensagem lacrada do bolso da camisa. Ia para bater na porta com os nós dos dedos, mas conteve o gesto ao ouvir uma voz interpelar alguém em tom irado. Soou de súbito o ruído de uma chicotada, seguido de um grito de dor. Abandonou a escadaria impelido pela curiosidade.
A voz áspera voltou a soar. Respondeu-lhe uma outra com manifesta timidez antes que soassem três chicotadas quase seguidas. Hal não captou mais do que palavras soltas. O suficiente para saber que havia um homem que estava a ser castigado duramente com um látego, só porque se havia enganado no trabalho que lhe fora encomendado.
Deu a volta à casa, olhando com expressão turva para a cena que se oferecia à sua vista. Um homem, vestido com as clássicas roupas de vaqueiro, permanecia de costas voltadas para um grande sicómoro que se erguia junto à fachada posterior do edifício, olhando com expressão assustada para um energúmeno que empunhava um látego e se encontrava diante dele.
A fina tira de couro havia rasgado a sua camisa de flanela em vários pontos, deixando a descoberto os sulcos sanguinolentos produzidos na sua pele. O látego assobiou no ar quando foi projetado para trás a fim de tomar impulso para ser de novo descarregado sobre o vaqueiro.
Cargan enlaçou a mão direita na ponta do látego e arrancou-o da mão do outro com um brusco esticão. O homem voltou-se, pousando em Hal os seus olhos enraivecidos.
— Quem é você e o que pretende ao agir assim? --interpelou-o.
O jovem estudou rapidamente o seu interlocutor antes de replicar. Rondaria os quarenta anos, embora parecesse ter mais uns dez devido à calvície e à profusão de cãs nos seus escassos cabelos. As bolsas formadas debaixo das pálpebras denunciavam a sua tendência para o alcoolismo. A boca, de lábios grossos, denotava crueldade. E no seu modo de olhar adivinhava-se o homem grosseiro, habituado a julgar-se superior aos demais pelo simples facto de possuir uma sólida fortuna. A roupa que vestia era de boa qualidade, mas não sobressaía no quadrado e um tanto disforme corpo que cobria.
— Você é Geat Butte? —perguntou por sua vez.
— Sou Geat Butte. A que se deve a sua presença aqui?
— Responder-lhe-ei por partes — disse fria e lentamente. — Começou por perguntar quem eu era. O meu nome é Hal; Hal Cargan. Nunca ouviu falar de mim?
--É a primeira vez que oiço pronunciar o seu nome.
—Não há dúvida de que no meio de tanta desgraça ainda tenho um pouco de sorte. Não gostaria que o meu nome fosse pronunciado com frequência por bocas tão porcas como a sua. Havia feito uma ideia muito diferente da sua pessoa. Mas você não passa de um orgulhoso e estúpido energúmeno.
— Está-me a insultar.
— Pense o que quiser. Não deixo de dormir por causa disso.
— Devolva-me o látego.
— Não penso fazê-lo.
— Será melhor para si que não me faça perder a paciência.
— Não sabia que a tinha. E a propósito: ainda não respondi ao resto das suas perguntas. Ora elas foram, se não me engano, o que eu pretendia ao arrebatar-lhe o látego e a que se deve a minha presença aqui. Creio que foi isso o que você disse. Pois bem; arrebatei-lhe o látego para evitar uma selvajaria. O látego emprega-se para castigar um cão vadio; nunca para humilhar um homem. Há a dignidade e todos os demais atributos do ser humano. E não podem espezinhar-se pelo simples facto de esse ser humano ter a desgraça de se encontrar sob as suas ordens.
Levantou a mão direita, aproximando a mensagem lacrada do congestionado rosto de Geat Butte.
— Este foi o motivo que me trouxe aqui. E uma missiva da sua noiva, Nora Norton. Ela e sua mãe encontram-se em apuros e precisam de si para as salvar. Esta carta era para si. Mas não penso entregar-lha. Serão infinitamente mais felizes se prescindirem da sua ajuda. Eu vim à procura de um homem, não de uma fera carniceira.
O rosto de Geat ficou arroxeado. Fechou os punhos e pronunciou em tom ameaçador:
— Dê-me já essa carta ou lamentá-lo-á toda a sua vida.
Hal rasgou a mensagem aos bocadinhos e atirou-os à cara do outro. Butte, no paroxismo da cólera, lançou-se sobre o jovem esgrimindo os seus poderosos punhos. Abriu a boca subitamente ao receber um terrível soco no estômago.
Dobrou-se pela cintura por efeitos da dor, ao mesmo tempo que tentava fazer chegar o ar aos seus pulmões. Um soberbo soco, dado de baixo para cima, endireitou-o e projetou-o contra a parede do edifício.
Antes que se pudesse recompor, Hal rebentou-lhe o nariz com um selvagem direto. E quando desferiu o último soco contra a orelha esquerda de Butte, o homem tombou pesadamente, arquejando e jorrando sangue pela boca e pelo nariz.
— Estava a precisar de uma lição — disse, dirigindo--se ao vaqueiro, que o olhou com simpatia. — E agora, só falta dar uma lição ao teimoso do Hayden. Claro que as coisas ficaram um pouco complicadas por culpa desta besta, mas, no fundo, ainda foi melhor assim.
«Corvo» estava a engolir os últimos bocados do seu frugal almoço quando o jovem alcançou o lugar onde haviam combinado encontrar-se. Respondeu com um gesto displicente à saudação de Hal, retirando do fogo a cafeteira.
— Trazes o dinheiro? — perguntou.
— Claro.
— Em notas novas?
— Não sou estúpido — respondeu, servindo-se do café. — Hayden é fiel cumpridor da sua palavra, mas talvez opusesse reparos se eu lhe levasse notas fáceis de reconhecer. As notas que eu trago são uma autêntica porcaria, mas como ninguém tem nojo do dinheiro... Bem; tão-pouco trago atrás de mim uma legião de rurais.
—Hayden sabe sempre o que faz. Quando te escolheu a ti para ir buscar o resgate por algo seria.
Meteram pelo trilho da montada, chegando sem novidade à entrada do vale onde Hayden tinha a sua guarida.
O chefe dos bandidos saiu a esperá-los à entrada da povoação. No fundo dos seus olhos negros, brilhava uma chispa de cobiça quando os cravou em Hal para lhe perguntar:
— Tudo bem, Cargan?
— Tudo bem. Nada de notas novas nem de rurais. Geat Butte é um filantropo.
— Opimo. Isso vai poupar-te muitas coisas más. Vou ser sincero contigo. Havia pensado enviar-te balázio atrás de balázio para os braços e para as pernas, de forma a que sofresses a humilhação da derrota antes de morrer. Em paga dos teus serviços, prometo não fazer nada disto. Despachar-te-ei com um balázio na testa para te poupar qualquer sofrimento.
Hal riu com gosto.
— Estás a vender a pele do urso antes de o teres caçado. E com isso arriscas-te a cair em ridículo diante dos teus homens. Chegaram à vivenda de Hayden e Cargan retirou do arção da sua sela de montar um saco de lona que sopesou com um malicioso piscar de olhos.
—Vinte mil dólares são um bom bocado. Um bocado capaz de engasgar qualquer um, mesmo que se trate de um glutão da tua categoria. O
 bandido riu com a piada de Hal. Estava contente com o resultado do trabalho e nem sequer tentava disfarçá-lo. Abriu a porta, voltando-se para o jovem antes de penetrar no interior.
— Dá-me os revólveres, Hal. Só tos emprestei para levares a cabo esta missão. Receei que te visses em apuros em Prescou. Agora, sentir-me-ei mais tranquilo se mos devolveres. Será por pouco tempo.
Hal entregou-lhos com um sorriso. «Corvo» permaneceu do lado de fora para evitar que alguém pudesse incomodá-los enquanto efetuavam a contagem do dinheiro. Hayden sentou-se junto à mesa, para cima da qual Hal atirou o saco.
— Estás enamorado de Nora Norton. Por isso, sabia que voltarias com o dinheiro e que te esforçarias mais do que ninguém em consegui-lo. A velha perguntou-me porque te havia mandado a ti em busca do resgate, sabendo que eu pensava matar-te quando voltasses. Disse-lhe a verdade. Os olhos de Nora arrasaram-se de lágrimas. Parece-me que também te ama.
Enquanto falava, empunhou uma faca e começou a cortar com mãos febris a fina tira de couro que fechava o saco. Hal foi colocar-se silenciosamente atrás do bandido, segurando com ambas as mãos um vaso de barro instalado numa estante encostada à parede com umas quantas flores silvestres. E quando Hayden lançou uma exclamação de surpresa ao verificar que o saco apenas continha recortes de jornais em vez das cobiçadas notas, o jovem, com todas as suas forças, rebentou-lhe o vaso na cabeça. O recipiente fragmentou-se devido à violência do choque, caindo a terra em cascata sobre Hayden, que tombou no soalho com estrépito, arrastando a cadeira na sua queda.
A porta abriu-se de súbito e no umbral surgiu a magra silhueta de «Corvo». O ruído havia-o alertado e mantinha a destra apoiada na coronha do «Colt». O bandido olhou com infinito assombro para a cena que se oferecia aos seus olhos.
As pernas de Hayden assomavam por debaixo da mesa e os pedaços do vaso disseminados pelo solo fizeram-lhe compreender rapidamente o que havia acontecido. Cargan havia atacado o seu chefe e pusera-o inconsciente.
Sacou o revólver, mas a sua ação foi tardia. Hal esgrimiu pela ponta a faca que Hayden utilizara para cortar a tira de couro e arremessou-a contra o foragido. A arma fendeu o ar com um leve assobio, penetrando no peito de «Corvo» até ao cabo.
O bandido cambaleou, pousando os seus olhos vítreos no rosto do jovem antes de tombar sem vida no soalho da vivenda. Hal arrastou o cadáver para o centro do aposento, murmurando:
— Sinto muito, rapaz. Mas tratava-se de escolher entre a tua vida e a minha.
Preparou-se para abandonar a casa depois de se certificar de que ninguém havia presenciado o trágico fim de «Corvo». Antes, porém, cingiu as suas armas. Segundos depois, fechava a porta e percorria a rua vagarosamente, dirigindo-se para a casa onde se encontravam Nora e sua mãe. Diana, ao vê-lo entrar, correu ao seu encontro.
— Butte acedeu a entregar o dinheiro do resgate?
— Claro — disse, sorrindo, ao mesmo tempo que olhava de soslaio para a gorda Berta, que se afadigava com a limpeza da casa. — Vamos. Hayden está à nossa espera.
Desceram as escadas da modesta habitação. Hal conduziu-as diretamente para a vivenda do bandido e fê-las entrar nos estábulos anexos ao edifício, onde selaram três cavalos.
— Que te aconteceu, Hal? — inquiriu Nora. — Acho--te esquisito.
— Não me perguntes nada por agora. Não temos tempo a perder. Temos de fugir seja como for. Não trouxe o dinheiro. Pus Hayden fora de combate. Existe um lugar no vale por onde podemos fugir. É arriscado, mas creio que o faremos com êxito se a sorte não nos abandonar. Explicar-vos-ei tudo mais para diante. Primeiro, porém, temos de pôr a maior distância possível entre nós e este vale. Quando vos deixar a salvo, voltarei para enfrentar Hayden.
Saíram para o exterior sem ninguém os incomodar. Tinham liberdade de circular por todos os cantos do vale por ordem expressa do chefe dos bandidos. Não havia escapatória para aqueles que caiam nas suas garras. Isso, pelo menos, era o que Hayden pensava.
Mas o jovem estava decidido a demonstrar-lhe o contrário. Conduziu-as para o bosquezinho e convidou-as a desmontar. Em seguida, levou-as para o «Salto do Anjo». Assinalou-lhes a cornija, dizendo:
— Temos de passar por ali. O rosto de Diana adquiriu um tom acinzentado ao olhar para o fundo do despenhadeiro.
—É impossível — sussurrou.
— Não temos outro remédio senão fazê-lo. Pelo menos, temos de tentar.
— Aquele suíno do Butte... — explodiu.
— Butte não teve a culpa.
— Nesse caso...?
—É um pouco longo de contar.
Segurou Nora pela mão e levou-a para a borda do imponente barranco.
— Será melhor que vos descalceis. Nora irá à frente e eu no meio das duas. Não olheis para baixo e não penseis em nada enquanto efetuarmos a travessia. Temos de nos deslocar em passos pequeninos. Primeiro arrasta-se um pé e em seguida o outro. E sempre fazendo força para a frente como se tivéssemos de evitar que a parede caia. Eu segurá-las-ei às duas.
Nora subiu para a cornija, seguindo as instruções do jovem. Em seguida foi a vez de Hal e em último lugar subiu Diana. Cargan enlaçou-as pela cintura, iniciando a travessia. O suor corria em abundância pelos corpos dos três. E o ruído da torrente era ali mais ensurdecedor do que sobre o terreno firme do vale.
Cargan divisou através das árvores uma espessa nuvem de pó que se aproximava velozmente, vinda dos lados da povoação. E não tardou a ver perfeitamente os cavaleiros que cavalgavam furiosamente nessa direção. Eram cinco no total.
E não lhe foi difícil distinguir a figura do chefe dos bandidos no indivíduo que vinha à testa da pequena coluna. Alguém havia entrado na casa do chefe, porque o golpe ministrado com o vaso tinha sido suficientemente forte para o manter no mundo dos sonhos durante pelo menos duas horas.
Aquilo dificultava a fuga, embora não a tornasse impossível. Hal Cargan estava disposto a pôr as mulheres a salvo, custasse o que custasse. E quando havia algo que se metia na cabeça de um Cargan, fosse o que fosse podia dar-se por efeito.
Ora além de outras variadas coisas, também se lhe tinha metido na cabeça eliminar David Hayden do mundo dos vivos. Fez um breve cálculo. Tinham a separá-los da parte em que a parede fazia uma curva apenas alguns metros. Teriam tempo de alcançar o cotovelo antes que os seus perseguidores os tivessem ao alcance dos tiros de revólver. Isso significava que tinha metade da partida ganha. Claro que ainda faltava a jogada final...
Nora dobrou o cotovelo rochoso, lançando uma vista de olhos para o trilho que se internava entre as rochas até ao cimo da escarpa. A jovem estava pálida, mas serena, e Hal dirigiu-lhe um sorriso de ânimo. Diana estava a ponto de perder de vista o vale quando começaram a soar os primeiros estampidos.
— Não perca o «controle» dos nervos, Diana — sussurrou o jovem ao senti-la estremecer. — Não atirarão a matar. São demasiado valiosas para eles. Vinte mil dólares é uma quantia tentadora. E não perderam ainda a esperança de obtê-los.
Cargan tinha razão. As balas assobiaram perto, mas mais como sinal de aviso e para os amedrontar. A voz de Hayden chegou até eles por sobre o ruído da borbulhante torrente.
—És um valente, Cargan. Não me importa de reconhecê-lo. Mas não poderás escapar com as mulheres. Caçar-vos-emos como coelhos quando chegardes ao cimo da escarpa.
— Veremos isso fanfarrão — replicou.
Dois dos homens ficaram ali, por ordem de Hayden, reiniciando o tiroteio. Os restantes regressaram à povoação. Hayden preparou o necessário para que um grupo de homens armados saíssem a dar caça ao audaz jovem pelos trilhos da montanha.
Sabia que, sem cavalos, os fugitivos não poderiam chegar muito longe. Só uma leve sombra empanava a sua satisfação. Receava que não pudessem apanhar Hal Cargan vivo. O jovem já o vencera uma vez e ele queria a oportunidade de uma desforra.
Diana esteve a ponto de deitar tudo a perder quando um dos projéteis arrancou fragmentos da rocha uns centímetros acima da sua cabeça. Só a serenidade e o braço poderoso de Hal impediram que a mãe de Nora se precipitasse no vácuo, ao executar uma violenta contorção com o corpo, motivada pelo pânico. O jovem deixou-a readquirir o seu aprumo antes de seguir para a frente.
Segundos mais tarde, alcançavam a base do trilho, perdendo de vista o vale. Correram pela polida superfície da rocha, deixando para trás a pétrea formação, para se internarem por um caminho de terra avermelhada. Hal deteve-se subitamente, apurando o ouvido. Até ele chegou o ruído de cascos de cavalos e as vozes excitadas dos respetivos cavaleiros.
Os bandidos iam-lhes no encalço e não tardariam a apanhá-los. Só havia um meio de sacudir os incómodos perseguidores. Mostrar-lhes a cara e provar-lhes que um Cargan valia pelo menos por dez deles.
Indicou às duas mulheres uma rocha de colossais proporções, convidando-as a esconder-se atrás dela, de forma que os bandidos não dessem pela sua presença. Em seguida, correu para um enorme rochedo, um pouco distanciado do lugar onde tinham ficado as duas mulheres.
O penedo formava um ovo quase perfeito e achava-se à beira de uma depressão do terreno, por cuja base passava um amplo caminho. Aquele caminho conduzia às proximidades da entrada do vale, e Cargan tinha a certeza de que os seus inimigos passariam por ele. Só assim os bandidos poderiam cortar-lhes a retirada e subir com os cavalos ao ponto dominante da montanha.
A sua boca distendeu-se numa careta de feroz alegria ao verificar a veracidade da sua hipótese. Dez homens no total. Vinham a dois e dois num trote vagaroso. Para dizer a verdade, não tinham muita pressa. Sabiam perfeitamente que alcançariam o ponto de saída das montanhas muito primeiro que eles.
Empurrou levemente o rochedo, verificando que cedia com relativa facilidade. E deixou-os chegar por baixo dele antes de se colocar junto do rochedo e de lhes gritar com todas as forças dos seus pulmões:
— Eh, rapazes! Não vos canseis a procurar-me. Estou aqui à vossa espera.
Houve um momento de confusão entre os componentes do grupo. Hal aproveitou esse momento da melhor maneira para se colocar atrás do rochedo antes que os foragidos tivessem tempo de recorrer às armas. O rochedo vacilou no topo da pronunciada encosta enquanto as balas assobiavam à sua volta. Por fim, o jovem conseguiu fazê-lo rolar, lançando-se ao solo para furtar o corpo aos projéteis que os bandidos lhe enviavam. A avalancha caiu sobre o caminho com ruído ensurdecedor, esmagando vários cavalos e cavaleiros que não haviam tido tempo material de fugir à terrível avalancha.
Hal tentou penetrar com a vista a espessa nuvem de pó que alcançava naquele momento a sua densidade máxima. Antes que a nuvem desaparecesse, começou a disparar os seus «Colts» com mortífera pontaria contra as imprecisas silhuetas dos sobreviventes.
Dois homens rolaram sobre o caminho, empreendendo os três que haviam escapado ilesos uma fuga precipitada em direção ao vale. Hal levantou-se, satisfeito com o balanço da breve luta que havia sustentado. Cinco homens haviam perecido sob as toneladas de terra e rochas. E outros dois sob o chumbo dos seus revólveres.
O resultado era, pois, de molde a sentir-se satisfeito. Acudiu junto das duas mulheres, ajudando-as a descer para o caminho pela pronunciada pendente. Desta vez, Diana não opôs qualquer reparo ao facto de ser sua filha a compartilhar o cavalo com o jovem. E tão-pouco pareceu chamar-lhe demasiado a atenção o facto de a jovem ter encostado o rosto às eretas costas de Hal e ter passado os braços à volta da cintura do jovem.

domingo, 18 de março de 2018

BIS160.05 O Salto do Anjo

Hal mergulhou com verdadeiro prazer nas águas do pequeno tanque natural. Demorou um bom bocado antes de fazer desaparecer da sua pele a capa formada pelo suor e pelo pó depois de marcha tão prolongada.
Uma das zonas perigosas havia ficado para trás e isso fazia-o olhar para o futuro com um semblante mais risonho. Com um pouco de sorte, poderiam atravessar as vizinhas montanhas sem contratempos e alcançar Prestou em dois dias.
Prestou ou Califórnia? Só Nora poderia responder a essa pergunta.
A parte mais difícil consistia em dissuadir Diana Norton do projetado casamento com Geat Butte. Claro que primeiro teriam de atravessar as montanhas. E nelas, David Hayden tinha a sua guarida. E entre David Hayden e ele existia uma velha conta por saldar...
— Hal! Sai daí... Nós também estamos a precisar de um bom banho.
Abandonou o fresco líquido e vestiu-se rapidamente. Em seguida, entreteve-se a procurar frutas silvestres para comer, enquanto as duas mulheres se banhavam.
Nora não tardou a apresentar-se diante dele. Vinha só e o jovem começou a adivinhar o que se passava no seu íntimo ao ver a expressão contristada do seu rosto.
— Tira a camisa, Hal. Quero ligar-te a ferida.

sábado, 17 de março de 2018

BIS160.04 Raptadas pelos índios

Nora dirigiu um olhar rancoroso à sobrinha de Morales enquanto a jovem se dispunha a servir-lhes o pequeno--almoço na ampla sala de jantar da vivenda.
Admirou-se de não ver Hal a fazer-lhes companhia, mas preferiu não formular qualquer pergunta a esse respeito. Não queria que a rapariga pudesse suspeitar do que Hal Cargan significava para ela. Mas conteve a própria respiração para melhor ouvir a resposta quando sua mãe inquiriu pelo paradeiro do improvisado guia.
— Saiu de madrugada para estudar o terreno.
— Estudar o terreno?
— A cinco milhas daqui há um. barranco. Atravessando-o, poupam-se quase dois dias de marcha. Mas no período das chuvas o barranco é praticamente infranqueável. A água desce com impetuosidade e corre-se o risco de se ser arrastado pela corrente. Anteontem não choveu por aí além, sobretudo para quem já assistiu a verdadeiros dilúvios, mas Hal queria ter a certeza de que a passagem estaria livre antes de empreender a marcha. Não tardará a regressar.
Um dos vaqueiros penetrou na sala de jantar, dirigindo-se a Lola com expressão um tanto alarmada.
— Vêm aí Pringo e os seus dois amigos.
— Outra vez esses coiotes?
— Fecho a porta e impeço-lhes a entrada?
— Isso com eles não dá resultado. Seriam capazes de a fazer saltar a dinamite. Deixa-os entrar. Pode ser que não venham para criar sarilhos.
No pátio, ouviram-se fortes gargalhadas. Seguiu-se o ruído de um tilintar de esporas quando os homens subiram os degraus e penetraram na sala de jantar.
As três mulheres olharam com receio para o sinistro trio.

sexta-feira, 16 de março de 2018

BIS160.03 Um beijo na noite

Hal Cargan acabou de engolir o último bocado do seu frugal jantar. Em seguida, aspirou com deleite o aroma que se escapava da cafeteira de café colocada sobre as brasas da fogueira, antes de o deitar num púcaro de metal e de o beber em pequenos sorvos.
Ao acabar, lavou os utensílios de cozinha nas águas de uma nascente próxima, lançando-os em seguida descuidadamente para o interior do carromato. Sentou-se sobre a erva fresca, apoiando as costas no tronco ereto de um pinheiro. Acendeu um cigarro e começou a fumar pensativamente.
Sorriu na escuridão ao pensar em Nora. Era indubitável que a rapariga continuava a manter-se fiel à sua recordação.
Fez, de súbito, uma careta ao pensar em Diana Norton. Também era indubitável que esta continuava empenhada em que Nora o esquecesse e se casasse com o dono do «Cruz-D-30». Agora mais do que nunca. O que antes havia negado por uma questão de estúpido orgulho negava-o agora por motivos económicos. Aquele casamento era a única possibilidade de voltar a alcançar uma posição que havia perdido irremediavelmente.
Retesou o corpo quando o inconfundível grito de uma mulher assustada atravessou o silêncio da noite. Ergueu-se e sacou os «Colts». Os gritos voltaram a ouvir-se, desta vez mais próximos e proferidos por duas gargantas femininas. Os cavalos relincharam surdamente, intuindo a proximidade do perigo.
Hal iniciou a marcha a grandes passadas para o ponto de onde provinham os gritos. Acelerou a marcha ao perceber os surdos grunhidos dos adotes. Aquela forma peculiar de grunhir indicava que estavam a ponto de alcançar a sua presa.
A lua fez de súbito a sua aparição do lado do horizonte, iluminando a paisagem com a sua pálida luz espectral. Cargan dirigiu ao astro noturno uma cordial saudação, agradecendo-lhe, no seu foro intimo, a sua aparição tão oportuna.
Ao dobrar um recanto composto por uma formação de rochas de estranhas formas divisou as duas mulheres a correr diante de uma alcateia de coiotes, prestes a serem alcançadas por estes.
Esboçou um ligeiro sorriso ao perceber que se tratava de Nora e de sua mãe.

quinta-feira, 15 de março de 2018

BIS160.02 Roubadas pelo guia

Hal Cargan acabou de deitar feno seco na manjedoura depois de limpar e de alojar os cavalos. Entreteve-se a acariciar as crinas do seu cavalo branco, fingindo não ver a graciosa silhueta de Nora Norton, que acabava de penetrar na ampla cavalariça da estalagem onde haviam marcado aposentos para passar a noite.
Haviam chegado três horas antes a Bridge City. E durante os dois dias que haviam demorado a percorrer o trajeto Silver City-Bridge City, Diana havia arranjado as coisas de forma a que os dois jovens não tivessem podido encontrar-se um {mico instante sem a sua presença.
— Tens um cavalo muito bonito, Hal.
— Sim. E muito fiel.
— A que pensas dedicar-te na Califórnia?
— Depende. Talvez me decida a procurar um filão de oiro, embora não deixe também de me seduzir a perspetiva de arranjar um laranjal.
— Ouvi dizer que a Califórnia é um dos Estados mais belos da União.
— Sim, é. Estive ali uma vez. O ambiente flutua entre o espanhol, o ianque e o mexicano. Eu chamo-lhe a terra das mulheres morenas. As morenas agradam-me.
— Em Silver City parecias ter outra opinião.
— Temos de nos conformar com o que encontramos.
— Que significa na tua vida a loira do «saloon»?
— Apenas uma vaga recordação, que acabará por apagar-se da minha memória mais tarde ou mais cedo. Depende das raparigas de Bridge City.
— Tornaste-te um pouco cínico, Hal.
Como única resposta, o jovem esboçou um sorriso. Parou diante da jovem, pondo-se sério de repente.
— Não desceste até aqui por casualidade, Nora. Que tens para dizer-me? Fala à vontade.
— É um pouco difícil. E não estou muito segura...
— De que é que não estás segura?
—De que tu...
Interrompeu a frase ao ouvir a voz de sua mãe que a chamava da porta do estábulo. Diana dirigiu-lhes um olhar desconfiado e agarrou na filha por um braço.

quarta-feira, 14 de março de 2018

BIS160.01 Duas damas procuram um meio de transporte

Diana e sua filha Dora desceram da diligência, sacudindo das suas roupas o pó nelas acumulado durante a viagem. A jovem tomou conta das duas malas que o condutor desceu do veículo.
— Estou moída, minha filha. Estas viagens são de arrasar. E não quero nem pensar no que ainda nos espera até Prescou. A diligência vai parecer-nos um fofo colchão de penas comparado com outros meios de transporte que temos de utilizar.
— Se vão passar a noite em Silver City, recomendo--lhes o «Hotel Peary». É o melhor e o pior da povoação. Com isto quero dizer-lhes que não existe outro num raio de várias milhas.
As duas mulheres olharam para o velhote que lhes falava, cujas bochechas inchavam alternadamente ao dar voltas na boca ao enorme pedaço de tabaco de mascar.
— De facto, pensamos passar a noite em Silver City — respondeu Diana. — Seria tão amável que nos indicasse onde fica o «Hotel Peary»? Fica no outro extremo da rua principal. Por meio dólar levo-as no meu carro mesmo até à porta. Claro que também levo a bagagem.
O velho carregou as malas numa desconjuntada caleche, convidando-as em seguida a subir para a boleia.
Fustigou a cavalgadura, que empreendeu a marcha com passo vagaroso. Apesar da lentidão da marcha, o carro ameaçava desfazer-se de cada vez que as suas rodas passavam por cima de algum dos inumeráveis calhaus semeados no solo.
— Você acha que conseguiremos chegar até ao hotel neste carro? —inquiriu Diana, com evidente sarcasmo.

terça-feira, 13 de março de 2018

BIS160.00(Prefácio) A segunda partida do Destino

 Diana Norton cravou o seu olhar perscrutador no lindo rosto de sua filha Nora, sorrindo com certo ar de maliciosa satisfação.
Nora era o vivo retrato de sua mãe. Olhos semelhantes, grandes e rasgados. Nariz idêntico, um tanto arrebitado, e igual cabeleira, comprida e negra como o azeviche. Até a boca, de lábios ligeiramente cheios e com duas filas de dentes perfeitos, era semelhante à de sua mãe.
Apenas diferiam um pouco no carácter. Nora pertencia ao tipo comunicativo. Era alegre e distribuía prodigamente os seus sorrisos, sem restrições.
Diana, pelo contrário, mostrava-se sempre reservada.
E não eram poucas as vezes que as suas feições ostentavam um ricto amargo: um desengano, um desejo insatisfeito ou uma ânsia de vingança não cumprida.
Nora atirou o chapéu para cima de um dos cadeirões almofadados e aproximou-se de sua mãe. Beijou-lhe a face, que não havia perdido a frescura com o decorrer dos anos, e sentou-se no divã junto dela.
Encheu um copo de água contida no jarro de vidro que se encontrava sobre a mesinha, e recostou-se nos almofadões.
— Tenho de falar contigo — disse.
Diana olhou para a sua filha de soslaio, antes de responder:
— Imagino o que tens para dizer-me. Não é difícil adivinhá-lo. Estás apaixonada.
— Como conseguiste sabê-lo?
— Há coisas que saltam à vista. Fui jovem como tu e senti o mesmo que estás a sentir agora.
A mulher pôs-se séria de repente ao acabar de dizer isto. Nas suas lindas feições apareceu por instantes aquele estranho ricto amargo. Mas refez-se prontamente.
Quando voltou a fitar sua filha, o seu rosto havia adquirido a serena expressão de sempre.
— Eu conheço-o?
— Creio que não.
— Forasteiro?
— Sim. Conheci-o no ano passado em Las Vegas. Foi na festa do aniversário da tia Mathie.
— Algum abastado fazendeiro do Novo México?
— Não propriamente. Parece que seu pai possuiu extensas plantações na Virgínia.
— Isso quer dizer que já não as possui. A que se dedica?
— Pensa construir um rancho no Arizona e dedicar-se à criação de gado.
— Deves amá-lo muito para estares disposta a esperar que alcance a fortuna para te casares com ele. Antes de três ou quatro anos não poderá tirar qualquer lucro do rancho, a não ser que conte com o dinheiro suficiente para o montar com todos os requisitos.
— Não conta com dinheiro suficiente para isso. Tem algum, pouco, segundo parece, que seu pai conseguiu salvar da ruína.
— Ouve uma coisa, Nora, antes de continuarmos. As miragens não são fenómenos exclusivos do deserto. O coração também as tem. Por vezes, acreditamos estar muito seguras dos nossos sentimentos e depois, talvez demasiado tarde, compreendemos que...
— Compreendo perfeitamente o que vais dizer-me --interrompeu-a Nora. — Asseguro-te que não é o meu caso. Meditei longamente no problema.
— Bem — suspirou. — Podemos estudar com Wilkes o modo de concedermos a esse jovem qualquer quantia a título de empréstimo.
— Não a aceitaria.
— Orgulhoso?
— Não mais do que a maioria dos homens. É audaz, decidido. Só admitirá a prosperidade se esta for o resultado dos seus próprios esforços.
— Isso diz muito a seu favor. Mas continuo a. pensar que três ou quatro anos é demasiado tempo. Podem acontecer muitas coisas. Uma delas é que a ausência esfrie as vossas relações, o que não seria muito grave se fosses tu a primeira a desistir.
— Isso não acontecerá. Casar-nos-emos na próxima semana. Quero fazer a viagem com ele e ajudá-lo na parte mais difícil da missão que se propôs levar a cabo. Não gosto de encontrar tudo feito.
— Não estás preparada para. um trabalho de tal envergadura. E tu sabe-lo melhor do que ninguém.
—O que não significa que o não possa tentar.
Diana olhou para a sua filha de soslaio.
—Vejo que vai ser trabalho inútil tentar dissuadir-te — disse. — Bem; como se chama ele?
— Hal Cargan.
Diana levantou-se como se o assento estivesse em brasa.
— Disseste Hal Cargan?
— Sim. Que tens, mamã? Acaso o conheces?
— É possível que esteja enganada — disse, como se falasse consigo mesma, com o olhar perdido num ponto indefinido. — Mas é demasiada coincidência que o seu apelido seja Cargan e tenha vindo da Virgínia, onde possuiu extensas plantações. Sabes como o pai dele se chama?
— John.
Diana lançou um pequeno grito, avançando para a grande janela que dava para o alpendre da mansão.
— O que eu supunha. Não podia tratar-se de outro.
O Destino pregou-me uma má partida e empenha-se em repeti-la. Mas não o conseguirá. Não haverá força humana capaz de convencer-me. Esta segunda partida do Destino dar-me-á a satisfação da vingança. A minha filha desprezará o seu filho como ele me desprezou a mim. Conhecerá a humilhação do desengano e sofrerá pela sua impotência.
Nora dirigiu-se para junto de sua mãe, olhando com estranheza para o aspeto duro do seu rosto. Não percebia nada do que estava a dizer, mas algo lhe dizia que entre Hal Cargan e ela ia interpor-se uma barreira muito difícil de transpor.
— Queres aclarar um pouco tudo isso que estás a dizer? — inquiriu.
Diana voltou-se para ela, segurando-a pelos braços. E quando começou a falar as palavras brotaram dos seus lábios com a secura de chicotadas.
— Não vou aclarar nada por agora. Algum dia o farei. Quando a recordação desse Hal Cargan não passar de uma longínqua reminiscência na tua memória. Começa já a lutar por esquecê-lo, porque não podes casar-te com ele. Antes preferia ver-te morta do que unida a esse homem.
A jovem olhou para sua mãe através das lágrimas que lhe embaciavam as pupilas. Doía-lhe o tom que sua mãe empregara para lho dizer. E mais ainda, doía-lhe o facto de ter de renunciar a Hal por algo que havia existido no passado entre John Cargan e sua mãe.
— Prepara as malas. Nora— prosseguiu Diana. —Dentro de uma hora partiremos para Las Vegas. Será a melhor forma de não voltares a ver esse homem.
Acompanhou a jovem ao seu quarto e colocou um par de malas sobre a cama.
— Prepara-te rapidamente. Não quero perder nem um minuto.
Saiu, não ligando aos soluços que começaram a acudir ao peito da jovem.
Mudou de roupa e deu ordem para que fosse preparada a carruagem para a viagem.
Olhou para o aprumado criado de cor que acabava de bater à porta do seu quarto e perguntou-lhe o que pretendia.
— Um cavalheiro pergunta pela senhora. Disse chamar-se John Cargan.
Diana alterou-se ligeiramente ao ouvir o nome. Mas refez-se com pasmosa rapidez.
Saiu para o vestíbulo, envolvendo num olhar pletórico de rancor o homem que tinha diante de si, que a cumprimentou com um leve sorriso.
John Cargan conservava aos cinquenta anos a presença varonil que o distinguira na sua juventude. O cabelo e o bigode eram agora completamente brancos, mas o seu rosto, apesar das rugas que o sulcavam, deixava transparecer a serenidade e a doçura de sempre. O traje
de vaqueiro, um tanto coçado, que vestia, não lhe tirava personalidade.
—Nora disse-te que ela e o meu filho?
— Sim. Há exatamente alguns minutos.
— Vim cá por causa disso. Calculo que te tenhas negado completamente e admitir e a consentir que esse noivado siga por diante. Já vês que continuo a conhecer--te bem apesar dos anos. Quis, por isso, fazer-te esta visita, antes que seja demasiado tarde. Tens nas tuas mãos a felicidade de dois seres inocentes. Se antepuseres o amor pela tua própria filha ao rancor e ao orgulho ofendido, Nora e Hal poderão lograr na vida o que nenhum de nós conseguiu.
— Tudo quanto disseres será inútil, John. Resolvi dar este passo e por nada deste mundo voltarei atrás. Esperei por uma coisa assim durante trinta anos. E agora que tenho esta oportunidade não vou deixá-la escapar.
—É a felicidade de tua filha o que está em jogo.
—Ë jovem e esquecerá.
— Tu não esqueceste em trinta anos. A ela acontecer-lhe-á a mesma coisa.
— Tanto se me dá. Estou decidida a isso.
—Pensa bem no que vais fazer. Não te deixes obcecar pela vingança. Pode acontecer que isto acabe por se voltar contra ti.
— Não me importa. Ninguém poderá arrebatar-me a
satisfação que possuo neste instante. Eu era uma humilde rapariga da Virgínia há coisa de trinta anos. E tu, o filho único de um dos mais ricos fazendeiros do Estado. Os teus pais não viam com bons olhos aquilo que consideravam uma loucura tua. E ameaçaram deserdar-te se te empenhasses em levar por diante o nosso noivado. Preferiste a segurança da herança a uma vida de privações ao lado da mulher que amavas.
John deixou pender a cabeça por alguns instantes. Quando a ergueu, havia uma sombra de nostalgia nas suas pupilas.
— Sim, Diana. Nisso tens razão. Fui um cobarde. E asseguro-te que paguei bem caro a minha cobardia.
— Ainda tens de a continuar a pagar. Tive de abandonar a Virgínia para evitar os olhares e as frases de ironia e de compaixão de toda a gente que me conhecia. Mas agora a situação mudou. Que pode o teu filho oferecer a Nora?
John Cargan esboçou um sorriso, cravando as suas pupilas nas de Diana antes de replicar:
—Não sou o mais indicado para te dizer que os bens materiais não são tudo na vida, embora nos empenhemos em considerá-lo assim. Seria uma hipocrisia da minha parte. Como o é da parte de todos os que o afirmam, pois, a verdade, a triste verdade, é que nos mordemos uns aos outros para aumentar a nossa fortuna. Bem; lamento-o por Hal e pela tua filha. Adeus, Diana.
A mulher viu-o partir. Não tentou detê-lo. Fechou os olhos para abafar os gritos da sua consciência e dispôs-se a preparar a sua própria bagagem para a viagem a Las Vegas. Uma única dúvida empanava o brilho da sua vingança. O não saber se Nora conseguiria apagar com o tempo a recordação de Hal. Porque ela, ao fim de trinta anos, havia sentido renascer no mais profundo do seu ser a sua velha paixão à vista do único homem que havia amado deveras na vida.

segunda-feira, 12 de março de 2018

BIS160. O noivo era um cobarde

(Coleção Bisonte, nº 160)
 
Era um ricalhaço com plantações na Virgínia e, cobardemente, não resistiu ao pai quando este o proibiu de casar com a mulher que amava só porque esta era de outra condição social. Mas a vida dá voltas e a situação acabou por se inverter com os seus filhos e, passados alguns anos, foi a mulher rejeitada aquela que, agora com outro poder financeiro, interferiu para impedir que a sua descendente casasse com o filho varão daquele poderoso.
O casamento da jovem acabou por ser combinado com um rancheiro abastado (e cruel) da Califórnia e houve que fazer longa caminhada, desafiar índios e bandidos da pior espécie, para chegar ao leito nupcial. Ironia do destino, após algumas peripécias, a jovem acabou por ser conduzida ao seu destino pelo amado que lhe era recusado e, após se ter apercebido da natureza do marido que lhe era reservado, voltou a cair nos braços do seu verdadeiro e eterno amor.
 
 

domingo, 11 de março de 2018

BIS159. Novo para morrer

(Coleção Bisonte, ñº159)


Ele era filho de um pistoleiro e de uma cantora de saloon. Ignorava quem fora o pai o qual tinha partido sem saber que a jovem estava grávida. Aos dezassete anos, era ajudante de xerife e o destino proporcionou-lhe um inesperado encontro o qual veio a decifrar quando, às escondidas, leu o diário da cantora de saloon.
Este é um daqueles livros que dá gosto ler, apesar da frieza com que sou forçado a examinar estas novelas do Oeste. Ros M. Talbot tem 40 livros registados em Portugal, grande parte dos quais nos anos 80 ou final dos anos 70. Se forem semelhantes a este da década de 60...
A capa, não assinada, mostra um pormenor da luta do jovem indigitado xerife contra um pistoleiro cujo bando assolava Amarillo.

sexta-feira, 9 de março de 2018

PAS858. Duelo na cidade tranquila

Preston estava tranquilíssima.
Estava tão tranquila que nem parecia uma terra sem lei nem ordem. Ken Clayton caminhou pelo passeio a passo calmo, olhando para um lado e para outro, com os polegares no cinturão. Trazia o chapéu ligeiramente inclinado para o rosto, de modo que as luzes da rua não o pudessem ofuscar. O «saloon». A entrada de uma rua.
Um candeeiro numa esquina.
Paz.
Deteve-se no cruzamento de uma rua com a Main Street. Começou a enrolar outro cigarro. Estava a procurar os fósforos quando qualquer coisa aconteceu. Esse «qualquer coisa» foi um galope desenfreado de cavalos que se aproximavam rapidamente. Ken pôs-se rígido no mesmo instante. Atirou o cigarro fora para ficar com as mãos livres.
Esperou.
Três cavaleiros desembocaram na Main Street e detiveram-se diante do «salon». Desmontaram. Um estremecimento percorreu Ken Clayton dos calcanhares à nuca.
Sidney, Zachary e Lionel Scott. Os três ...por fim.
Entraram no «saloon». Ken empurrou o cinturão para baixo, deu uma palmada no chapéu para o segurar melhor e atravessou a rua. Trazia a estrela guardada. De súbito, a seu lado, surgiu de carabina aperrada um habitante da terra, talvez disposto a ajudá-lo. O «saloon» estava muito animado.
Os clientes empurravam-se uns aos outros para arranjar lugar ao balcão e alguns encontravam-se um tanto bebidos. Quatro ou cinco raparigas andavam de um lado para o outro, incitando os homens a beber mais ou a beberem o mais caro.
Ken abriu caminho entre uns e outros, até os três irmãos Scott ficarem no seu campo visual. Pensando talvez melhor, o tal tipo armado' não entrara. Estavam numa das mesas e riam como loucos. Uma das raparigas trouxera-lhes uma garrafa de uísque e entretinha-se a fazê-los beber de jacto, com o consequente desperdício de liquido.
Ken voltou a empurrar o cinturão para baixo e avançou outro passo. O brilho dos seus olhos, a sua atitude, eram inconfundíveis.
Os fregueses que se encontravam mais perto emudeceram. Pouco a pouco, o silêncio foi-se estendendo sobre o «saloon», até não se ouvir nem o voo de uma mosca. A luz dava em cheio na estrela do xerife, que Clayton voltara a pôr, e arrancava-lhe reflexos prateados.
Os três irmãos acabaram por virar a cabeça.
Sidney empalideceu. Zachary pôs-se vermelho. Lionel procurou dizer qualquer coisa, mas a voz não lhe saiu da garganta. Ken avançou um passo mais, ficou diante deles e sorriu com a mesma espécie de sorriso que poderia utilizar um lobo perante meia dúzia de cordeiros indefesos.
—Olá, rapazes.
Toda a Preston sabia que os três irmãos Scott não temiam nada. Os seus desejos eram leis que os demais haviam de cumprir. Mas, de súbito, os três pareceram encolher-se até se converterem em três seres diminutos e tímidos. Como se fossem coelhinhos brancos.
Ken continuava a sorrir, como se o sorriso se tivesse imobilizado no seu rosto duro.
— Não têm nada a dizer?
Foi Sidney quem reagiu primeiro. Ergueu a garrafa de uísque para Ken, como se brindasse, e disse:
— Olá, Ken
Não chegou a beber. Ressoou um estampido e a garrafa saltou em mil pedaços sem que a mão que a sustinha sofresse o menor dano. Ken Clayton soprou o cano do seu 38 e comentou, enquanto o metia no coldre:
— Não é bonito isso de beber sem convidar as pessoas, Sid. Poderia aborrecer-me.
Sidney pôs-se mais pálido ainda. Zachary passou a língua pelos lábios e logrou articular:
— Mas agora não estamos na Florida.
— Claro. — Os olhos de Ken chispavam. — Estamos em Idaho e aqui as pessoas resolvem os assuntos a tiro. É como têm procedido até agora vocês, não?
— Ken Clayton não podes prender-nos por um caso ocorrido na Florida. As leis constitucionais...
— Sei muito bem o que diz a Constituição. Sei-a de memória, se a informação te serve para alguma coisa.
— Então...
— Ainda não terminei, Zachary Scott. Eu deveria matar os três como cães pelo que fizeram de Akasheeta. Converteram-no num pistoleiro ao envolverem-no no assalto ao Banco de Tallahasse. E quando quis voltar ao bom caminho era demasiado tarde, havia cartazes com o seu nome e era considerado por todos um pistoleiro. Benjamin Thorn procurou prendê-lo e Akasheeta matou-o. Não o culpe a ele. Era a única coisa que podia fazer nas suas circunstâncias. Portanto, a culpa é de vocês, ele seria a estas horas o mesmo que sempre foi. E eu não me teria visto obrigado a matá-lo.
Os três Scott entreolharam-se e Lionel murmurou:
— É verdade que o mataste, Ken?
— Ao mesmo tempo que a ele, sentenciei vocês. Não só por serem os culpados da sua morte, mas, também porque, além disso, sou o xerife de Preston e vocês estão a perturbar a ordem da povoação com constantes tiroteios. As pessoas honestas têm direito a sair a porta da sua casa sem perigo de receberem um tiro. De modo que...
— Não nos matarás! — gritou Lionel, histericamente.
Ken olhou-o um momento. Apenas um momento, mas foi o mesmo que se o tivesse traspassado. Lionel teve a sensação de que aquele olhar escorria por si como um jorro de óleo.
— Não os vou matar, Lionel. Isso seria muito cómodo para vocês. Vou prendê-los e conservá-los numa cela até que certas pessoas da Florida se encarreguem de vocês. Cometeram crimes bastantes para serem enforcados. Mas enquanto os não enforcam pensarão cada dia na sorte que os espera e morrerão mil vezes antes que os pendurem verdadeiramente. Essa será a minha vingança.
Houve um silêncio enorme em torno. Os homens contemplavam a cena sem se atreverem sequer a pestanejar. Dois minutos. De súbito, os três Scott entraram em ação ao mesmo tempo. Ken esperava que o fizessem. Esperava-o desde o principio da cena. Por isso, aquela brusca reação não o apanhou desprevenido.
Era preciso muito mais para apanhar Ken desprevenido.
Saltou para trás enquanto sacava os dois «38». Ao saírem dos coldres, os dois revólveres já estavam prontos a disparar. Soou um estampido. A bala fora disparada por Lionel Scott, o mais rápido dos três. Ken sentiu-a zumbir sobre a sua cabeça, inofensiva.
Antes que Lionel pudesse corrigir a pontaria, disparou. O projétil do 38 atingiu o mais novo dos Scott entre os olhos, matando-o instantaneamente. Ainda não chegara ao solo e já Ken se virava para os outros dois, que haviam empunhado os revólveres naquele breve décimo de segundo.
O «saloon» encheu-se de fumo e de tiros. Uma bala passou junto do rosto de Ken, marcando-lhe um sulco vermelho na face. Ken sentiu intenso calor naquele sitio, mas não fez caso.
O seu «38» do lado esquerdo apontava à figura de Zachary Scott, implacável. O tiro atingiu-o no meio da cara, atirou-o para trás e matou-o no mesmo instante.
Saltou em seguida para a esquerda, esquivando-se por centímetros à bala de Sidney. Disparou pela terceira vez e o revólver do último Scott saltou pelo ar e ficou a seis metros de distância, destroçado.
Reinou de novo o silêncio.
A pausa tornou-se tão prolongada e densa que alguns dos presentes chegaram a crer que durou vários minutos. No entanto, foram só dez segundos. Ken recarregou os revólveres calmamente, sem perder Sidney de vista. Depois, disse devagar:
— Um Scott pelo menos tem de chegar à forca. Toca a andar. E cuidado com os truques. Sei-os todos e não te serviriam de nada.
Sidney Scott começou a caminhar em direção a porta, aparentemente dócil. Mas o seu corpo estava tenso. Ao chegar perto do guarda-vento, virou-se como um raio e atirou-se a Ken com toda a força de que foi capaz.
Ken possuía reflexos muito rápidos.
Rapidíssimos.
Demonstrou-o afastando-se para um lado e estendendo o pé direito. Sidney, levado pelo seu próprio impulso, tropeçou e seguiu a cambalear até ao extremo contrário do «saloon», onde o comprido balcão lhe conteve bruscamente a corrida. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Ken alcançou-o em duas passadas e ergueu-o 2m peso pelo colete.
— Deveria matar-te. Mas não o conseguirás.
Ergueu a mão e deu-lhe um murro. Ken tinha uns punhos que pareciam marretas de ferreiro. Foi o que Sidney verificou assim que o punho do xerife o mandou para a região dos sonhos de modo definitivo.
— Idiota — disse devagar, olhando o corpo caído a seus pés.
Carregou-o ao ombro como um boneco e saiu do «saloon». Atrás de si continuava a reinar um silêncio tumular.

quinta-feira, 8 de março de 2018

PAS857. O bruto e a dama

O sol caia sobre a povoação como um banho de fogo.
Fazia um calor infernal.
Estava-se a quinze de Agosto. Num estado tão ao norte como Idaho, o mês de Agosto costuma ser tórrido.
Preston era um povoado totalmente aberto.
O frio e o calor caiam sobre ele como a maldição de Deus sobre Sodoma e Gomorra. Ken Clayton caminhou ao longo do passeio com o chapéu sobre os olhos, a agitar de um lado para o outro os agressivos «38» que pendiam do cinturão.
Vestira uma camisa lavada e escovara cuidadosamente as calças e as botas. Não se parecia em nada com o cavaleiro poeirento que entrara na povoação meia hora antes, exceto na estatura. Uma rua transversal cortava a Main Street.
Resolveu seguir por ela e virou a esquina com as suas largas e despreocupadas passadas. O encontrão foi maiúsculo. Ouviu o ruído de embrulhos a caírem no chão, uma assustada exclamação feminina de medo e surpresa e, sem dar por isso, encontrou-se com uma rapariga nos braços.
Ouviu-a dizer asperamente:
— Largue-me ou solto-me eu, seu bruto!
Noutra ocasião, teria gostado de ver como se soltaria ela. Mas naquele momento encontrava-se tão aturdido que a largou imediatamente e murmurou uma desculpa:
—Perdoe, «miss», eu... eu creio que ia um pouco distraído.
Ela baixara-se para apanhar os embrulhos. Ken baixou-se junto dela para a ajudar e viu perto do seu rosto juvenil, vermelho de indignação, de olhos relampejantes e lábios ligeiramente grossos. A jovem virou-se furiosa quando lhe estendeu um dos embrulhos.
— Retire-se!
Não teria mais de vinte anos. Para os trinta e quatro de Ken Clayton foi como um sopro de fresca brisa depois de prolongada travessia do deserto. Sorriu. Disse:
—Lamento, «miss». Já lhe disse que foi sem querer.
— Pois ainda... ainda...
Estava deveras indignada. Ken sorriu de novo. Isso diminuiu a dureza das suas feições e tirou-lhe até alguns anos de cima.
— Se não a segurasse teria dado um trambolhão mais que regular. — E conciliador: — Vamos, repito-lhe que foi sem querer. Não podia adivinhar que dobraria a esquina. Além disso, não sou um caçador de mulheres novas. Palavra.
Disse isto com tal entoação que ela o acreditou. Viu-a esboçar um sorriso tímido.
— Pode ser uma comédia, senhor desconhecido, mas acredito-o. Ajude-me a levar os embrulhos até à minha casa.
— Como castigo por tê-los deitado ao chão?
— Admitamos que sim.
Não se tratava de capricho feminino. Nos olhos da rapariga brilhavam mil chispazinhas travessas. Parecia uma garota que tramasse uma diabrura.
Ken ajudou-a a apanhar o resto dos embrulhos e ficou com os maiores e mais pesados. Começaram a caminhar pelo passeio, lado a lado. Houve um • instante de silêncio. Quebrou-o a rapariga para dizer:
— Chamo-me Milly.
— Milly?
— Emily, mas chamam-me assim desde pequena. E você?
— Ken.
— Mais nada?
— Ken Clayton. É suficiente. Noutro tempo chamei-me «Beeteia». Mas isso foi há muitos anos.
Ela fitava-o interessada.
— «Beeteia» é um nome índio.
— Criei-me com os «cherokees», na Florida. Próximo de Tallahasse.
— Ah!
O sol marcava círculos redondos debaixo deles, como único rasto de sombra. Os portais das casas encontravam-se mergulhados em agradável penumbra. Fazia um calor infernal. De súbito, Milly perguntou:
— Ken, que veio fazer a Prestou?
Ken sobressaltou-se. Diabo de rapariga!
Mas disse:
— Os homens vão sempre a algum lado por uma causa determinada. Apenas, com frequência, não querem confessar qual é.
— E você?
— Toda a Preston sabe já porque vim: matei Akasheeta Kis-Klisay. Só vim por isso e, agora que cumpri a minha missão, partirei de novo.
— Mas você não o queria matar.
Ken semicerrou os olhos. Fitou-a. As pupilas femininas eram muito mais profundas do que pareciam à primeira vista. Num simples momento ela parecia ter adivinhado toda a história. —Desejo esquecer isso, Milly. Não me pergunte mais nada, por favor. Ela guardou silêncio e desviou a vista para outro lado. Ken agradeceu-lhe do fundo do coração. Poucos minutos mais tarde, ela deteve-se diante de um estabelecimento. Havia uma tabuleta por cima da entrada: «Larh Store». (Armazém Larh). Virou-se para a rapariga.
— Você chama-se Emily Larh?
— Bur Larh é meu pai. Temos este armazém há alguns anos. Chegámos quando Preston não passava de um amontoado de casas sem importância. Então vivíamos tranquilos. As coisas complicaram-se e...
Deixou a frase no ar. Enquanto ela tirava uma chave e a metia na fechadura da porta, Ken perguntou:
— Gosta de viver em Preston? — Dantes era uma terra bonita. Mas agora não se pode sair sozinha à rua sem perigo de que algum pistoleiro dos muitos que andam por aí tente qualquer coisa. Os próprios irmãos Scott...
— Que se passa com os Scott?
Milly encolheu os ombros.
— Bom, talvez não os conheça. São três pistoleiros muito famosos que se dedicam a semear o terror na povoação. Aparentemente não trabalham para ninguém, mas meu pai diz que têm de estar a soldo de alguém dos dois criadores de gado que disputam a posse de Preston. Como lhe dizia, esses três dedicam-se a dar o exemplo. Lionel, o mais novo dos irmãos, jurou que casaria comigo, quer eu queira, quer não.
—E seu pai, que diz a isso?
Milly encolheu os ombros e os seus olhos puseram-se tristes.
— Meu pai não sabe de nada. Não lho quiseram dizer, Ken. Seria preciso um pistoleiro para os enfrentar... e ninguém se atreve a tanto. Se meu pai se lhes opusesse, matá-lo-iam como a muitos outros.
Ken estava a interessar-se pelo caso. O rosto suave, doce, ingénuo da rapariga começava a impressioná-lo mais do que desejaria.
— Ninguém se atreve a ser xerife, Milly?
— Tenho rezado muitas vezes para que chegue um verdadeiro homem e meta as coisas na ordem, mas nunca se produziu o milagre. Todos têm demasiado medo para isso. — Tirou das mãos masculinas os últimos embrulhos, abriu a porta e virou-se um momento para o fitar com um longo e triste sorriso. -- Obrigada pela companhia e pela conversa, Ken Clayton. E não me ligue importância. Meu pai diz que ainda sou uma garota.
Ken inclinou-se para ela. Não podia estender-lhe a mão porque a jovem tinha as mãos ocupadas com embrulhos, mas apertou-lhe um braço afetuosamente sem que Milly lho impedisse.
— Você é uma mulher encantadora, Milly. Palavra. — E com um sorriso: — Até à vista.
— Quer dizer que voltaremos a encontrar-nos?
— Talvez sim. Milly Larh ficou imóvel à porta até a alta e • elástica figura de Ken Clayton desaparecer na primeira esquina da rua. Então, suspirou profundamente e entrou, fechando a porta atrás de si.
 

quarta-feira, 7 de março de 2018

PAS856. A vida para o mais rápido

Era um homem alto.
Era um homem tão alto que dava a impressão de que o cavalo lhe ficava pequeno.
No entanto, o cavalo era um garanhão avermelhado, dos maiores que se tinham visto em Prestou, Idaho.
O cavaleiro deteve-o diante de um estabelecimento da Main Street, desceu com movimentos pausados e entrou. Era um armazém. Um homem estava atrás do balcão, a aviar duas libras de grão de bico a uma mulher alta e forte, que quase avultava tanto como o forasteiro.
— Bons dias.
As cabeças da mulher e do empregado voltaram-se para o recém-chegado. Houve um momento de silêncio. Depois, o forasteiro:
— Isto é Preston?
Olhar entre o empregado e a mulher. Foi ela quem respondeu:
— Claro que é Preston. Não viu a tabuleta no caminho ou não sabe ler?
— Não a vi. Só havia um buraco. Suponho que a tabuleta devia lá estar antes de alguém a arrancar.
O empregado resmungou qualquer coisa entre dentes, que ninguém entendeu. Por fim, murmurou:
— Devem ter sido os homens de Radford ou de Meers. Há certo tempo que se dedicam a essas coisas. — E ao notar que o forasteiro o fitava com intenso interesse, desviou a conversa e disse em tom friamente profissional:
— Desejava mais alguma coisa que a informação?
—Cartuchos de calibres trinta e oito, se não se importa de mos aviar — respondeu com ironia. O empregado olhou-o de soslaio e foi buscar os cartuchos.
 A mulher começou a aguardar o saco de grão de bico numa grande bolsa de lona que trazia no braço. Dissimuladamente, observava o homem. Viu três coisas dominantes na sua pessoa: uns olhos claros, metálicos e profundos, umas mãos compridas e ágeis, calçadas de luvas negras, e dois revólveres de calibre 38, muito baixos, metidos em coldres de couro negro e presos às coxas por correias muito finas de cor branca, O cinturão cartucheira tinha outros adornos, brancos também, e uma inicial por cima de cada um dos coldres.
A do lado esquerdo era um «K», a do lado direito um «C». Aquele cinturão devia ser uma boa presa para os caçadores de lembranças e de pistoleiros. Porque o forasteiro era um pistoleiro. Dos pés à cabeça. Isso notava-se logo. E a mulher estava habituada a ver pistoleiros diariamente. Perguntou:
— Qual dos dois o contratou?
— Como disse?
Ela abespinhou-se e franziu o sobrolho.
— Ouça, não se faça de novas. Sabe muito bem a que me refiro. Foi Radford ou Meers?
O homem pareceu sorrir debaixo da aba do chapéu.
— Garanto-lhe que não compreendo nada, minha senhora.
A sua voz tinha uma inflexão estranha. Uma pronúncia ligeiramente arrastada, lenta, cadenciada, doce como a fala das pessoas do Sul. Mas aquele homem não era do Sul. A mulher não poderia dizer porquê, mas não parecia texano nem de nenhum outro estado vizinho. Aquele homem parecia um índio das planícies vestido de vaqueiro. Eis a descrição exata.
Aquele homem era tão moreno, tão ágil, tão esbelto e felino como um índio. Como um «apache», ou um «comanche», ou um «sioux»... ou talvez um «cherokee». Perturbou-se o acudir-lhe semelhante ideia, ao recordar-se de que Radford tinha ao seu serviço um índio «cherokee tão implacável como um tigre sempre esfomeado. Se aquele homem era igual a Akasheeta  Kia--Klisaè, Preston ver-se-ia inundada de sangue mais depressa do que muitos imaginavam. Gaguejou:
— Tenho muito que fazer... Adeus.
E saiu a correr, seguida pelo olhar atónito dos forasteiros. O empregado voltou então com uma caixa de cartuchos que devia pesar bastante, a julgar pelo que lhe custava transportá-la, e pô-la em cima do balcão, enquanto observava o recém-chegado com olho crítico.
— Quantos quer?
— A caixa inteira.
O homem esteve a ponto de cair redondo.
— A... caixa inteira?
— Sim. — Uma chispa irónica brilhou nas pupilas claras do homem. — Vou praticar um pouco o tiro ao alvo, sabe?
— Já... já com... compreendo.
Começou a embrulhar nervosamente a caixa num papel grosso, que saiu pequeno de mais. Pôs outro, que também não chegou. Acabou por se atrapalhar com os papéis. O forasteiro riu brevemente.
— Deixe. Levo-a assim.
Pagou com uma nota nova, que o empregado examinou várias vezes, como se quisesse convencer-se de que era autêntica e de que não estava manchada de sangue. Ao dar-lhe o troco, as luvas negras do forasteiro roçaram as mãos do outro. O empregado estremeceu como se tivesse tocado uma serpente piton.
— Adeus.
— A... deus.
Saiu com a caixa debaixo do braço, como se nao pesasse nada. Já no passeio, prendeu-a aos alforjes do cavalo e começou a caminhar pelo meio da rua com o animal pela brida, a olhar para um lado e para outro.
Preston era uma povoação vulgar. Nem grande nem pequena. Talvez tivesse cinco mil habitantes. Passava por possuir um par de «ranchos» de certa importância e os seus pastos não eram maus de todo. Quando a linha de caminho de ferro a alcançasse, começaria a crescer. Isso era sabido por quase todos os habitantes da região. E ao pensar nisto, no rosto do forasteiro desenhou-se um breve sorriso.
Claro que toda a gente o sabia. Sobretudo certo trio de irmãos que andava fazendo das suas por ali havia vários meses. Sentia vontade de se encontrar com eles. Parou diante da fachada escandalosamente vistosa de um «saloon» e passou as rédeas do cavalo pela barra horizontal. Subiu o passeio em duas passadas e entrou no estabelecimento. Penumbra. Depois da luz crua do sol que inundava a rua, aquela penumbra era agradável. Aproximou-se do balcão.
— Cerveja.
O «barman» examinou-o com a mesma preventiva curiosidade que a mulher e o moço do armazém. Tal como eles, viu um homem muito alto.
Um homem altíssimo e magro, esbelto, com aspeto de ser ágil, de mãos compridas enluvadas, dois revólveres enormes muito baixos, olhos claros, rosto magro, ancas estreitas.
Notou que aquele rosto necessitava urgentemente de uma boa barbeadela e que as roupas do recém-chegado estavam cobertas de pó.
-- De muito longe?
O forasteiro ergueu o rosto. Apenas durante um momento, mas foi o suficiente para que o outro se sentisse totalmente indefeso diante do seu olhar.
— Da Florida — disse simplesmente.
Como se fosse um passeio, quando se tratava de mil e trezentas milhas em linha recta.
— Quantos anos levou, amigo?
— O caminho de ferro existe para alguma coisa, digo eu.
Mesmo assim, o caminho de ferro não chegava a toda a parte. Eram vários meses de viagem através de chuvas, ventos, neves, calores... Porquê?
Perguntou-lho:
— Porquê?
O forasteiro sorriu.
— Isso é comigo.
E era.
O «barman» disse qualquer coisa em voz ininteligível e começou a arrumar uma prateleira que não precisava de ser arrumada: Um silêncio. Dez minutos.
De súbito, começaram a acontecer coisas. Naquele «saloon» não aconteciam coisas havia várias semanas. porque só era frequentado pelos homens de Meers, que nunca lutavam entre si.
Mas aquele dia ia ser diferente na história de Preston, e o primeiro sinal foi que no «saloon» sucederam algumas coisas estranhas. A primeira, que o forasteiro mudou o copo da mão direita para a esquerda, como se pressentisse só ele sabia o quê. O seu rosto ficou tenso debaixo da aba do chapéu e mostrou os dentes num sorriso de lobo.
Um minuto.
O guarda-vento abriu-se para dar passagem a um homem.
Aquele homem era o «cherokee» Akasheeta Kis-Klisay, o primeiro pistoleiro de Radford.
Jamais, desde que o «saloon» se instalara, o haviam pisado homens de Radford. Fora Meers quem o montara com o seu próprio dinheiro, para que os seus homens se divertissem nos fins de semana sem perigo de se envolverem em tiroteio com os de Radford, que frequentavam o outro «saloon» da cidade. E agora aquele índio, chefe dos pistoleiros do mesmo Radford, entrava ali.
O «barman» apressou-se a esconder-se atrás do balcão. Os quatro ou cinco pacíficos e neutrais clientes que havia àquela hora correram a pôr-se fora da linha de tiro. O forasteiro continuou de costas para a porta, com o copo na mão esquerda... sem afastar a vista do espelho que lhe devolvia a imagem do índio.
— Olá, Akasheeta. Estás mais magro desde a última vez que te vi em Tallahasse.
— Olá, Ken. Não esperava que me encontrasses.
— Bem vês que sim.
-- A Florida é muito longe.
— Devias saber que para nós não há fronteiras.
O índio avançou outro passo. De novo soou a campainha. O forasteiro virou-se então e ficou de frente para Akasheeta, sem largar o copo, com a mão direita apoiada ao cinturão. Sorria. De forma tão fria e gelada como poderia sorrir a morte. Akasheeta disse:
— Envergonho-me de ti, «Beeteia».
O rosto do forasteiro contraiu-se.
— Não me chamo «Beeteia».
— Houve um tempo em que te chamavas assim.
— Bem sei. Mas agora sou Ken Clayton.
Custou-lhe dizer isto. Criara-se entre os «cherokees». 'raives fosse isso que lhe emprestava a sua aparência tão semelhante à de um índio. Os «cherokees» tinham feito dele um perfeito seguidor de pistas e chamavam-lhe «Beeteia». Mas agora nada disso contava.
Agora era Ken Clayton e não podia ter em conta que a familiar e alta figura de Akasheeta Kis-Klisay fora em tempos seu irmão de sangue. Viera para outra coisa.
— Akasheeta, mataste Benjamin Thorn. Lembras-te?
— Sim.
— Porque o mataste?
— Tínhamos de acabar assim.
Um silêncio. Olharam-se fixamente durante uns segundos. Uns segundos apenas.
— Akasheeta Kis-Klisay, vim buscar-te.
— Bem sei, Ken Clayton. Mas não me levarás. Pelo menos não me levarás... vivo. Foste meu irmão de sangue. És o único que tem o direito de me matar. Fá-lo.
O rosto de Ken Clayton contraiu-se. Tornou-se cinzento debaixo da aba do chapéu. Pousou lentamente o copo de cerveja no balcão.
—Não te poderia entregar à forca ainda que quisesse, Akasheeta. Seja. A vida para o mais rápido.
A atmosfera pareceu carregar-se de eletricidade. Durante três segundos exatos as duas figuras permaneceram em completa imobilidade, observando-se. E, de súbito, puseram-se em movimento simultaneamente.
Akasheeta deu um salto para trás. A campainha tilintou baixinho. O revólver pareceu brotar da mão do índio, negro e mortífero. Antes que pudesse, sequer, visar a alta figura de Ken Clayton, os dois «38» deste entraram em ação.
Ninguém soube entender o motivo daquela meteórica velocidade.
Akasheeta era o pistoleiro mais rápido de Preston. Contudo, isso não lhe serviu de nada. Silêncio. O fumo da pólvora dirigia-se lentamente para a porta, arrastado por uma brisa ligeira.
Ken Clayton meteu os revólveres nos coldres com lentidão. Sentia uma tremenda dor física ao ver aquela figura estendida a seus pés. Amaldiçoou naquele momento o impulso que o levara a tornar-se amigo de Benjamin Thorn, a fazer parte dos seus.
Ajoelhou-se junto do cadáver.
Afagou as faces do morto com o rosto rígido como o de um índio, mas sofrendo como se o coração se lhe estivesse a desfazer ao compreender que uma parte de si mesmo morrera também com Akasheeta.
— Lamento, irmão.
Lamentava-o, mas já não podia fazer nada. Ou talvez sim. Os três Scott que andavam pela região tinham arrastado Akasheeta para o caminho de pistoleiro. Se não os tivesse conhecido, Akasheeta -estaria agora nos seus pântanos «cherokees», em vez de morto num «saloon» de Preston. Ergueu-se do chão. Os Scott estavam sentenciados desde aquele instante.

terça-feira, 6 de março de 2018

BIS157. A lei sou eu

(Coleção Bisonte, nº 157)
 
Ken Clayton chegou a Preston com o objetivo de encontrar o seu irmão de sangue Akasheeta que, arrastado pelos irmãos Scott, tinha cometido um crime na pessoa de Benjamin Thorn. Ken, criado no seio da tribo Cherokee, tinha aspeto de índio e conhecia todas as suas formas de luta o que, aliado à sua velocidade no manejo de revólveres, o levou a abater o irmão de sangue e a ser imediatamente contatado pelos habitantes da cidade para impor a ordem.
Preston vivia um momento particularmente mau já que dois rancheiros faziam acusações um ao outro e tinam contratado pistoleiros para se combater. A agravar esta situação o envenenamento de algumas cabeças de gado junto a um ribeiro que não pertencia a qualquer deles, mas a um terceiro interveniente tornou a situação assaz preocupante. O que estaria por trás destes acontecimentos na cidade?
Com a sua capacidade com as armas, Ken em breve se viu na necessidade de lutar com outros homens e abatê-los o que levou o receio a alguns habitantes da cidade. Apenas uma jovem e o pai mantiveram a confiança nele, mas esse apoio foi suficiente para levar a bom cabo o impor a ordem.
Mais uma obra muito interessante de Ros Talbot.

segunda-feira, 5 de março de 2018

BIS156.09 Consumada a vingança, há espaço para o amor

Ira Holker encontrava-se na sala de jantar do seu «rancho» a contemplar os nomes gravados na viga. quando se inteirou de três desagradáveis noticias. A primeira, foi a morte de Jess Craige; a segunda, o desaparecimento do dinheiro que o cofre-forte continha; e a terceira, foi que Dieter, Ronnie e a rapariga haviam regressado ao «rancho» dos Lanuza. Esta última noticia significava que nunca poderia apossar-se daquelas terras nem das ricas nascentes que existiam nelas.
Durante cinco minutos pareceu ter enlouquecido de raiva. Quando começou a acalmar-se, chamou os quatro pistoleiros contratados pelo falecido Felter e gritou:
— Vamos acabar com o maldito Dieter e com o seu amigo Ronnie!
Começou a dar ordens secas para que os vaqueiros os acompanhassem, mas os homens negaram-se em massa. O furor apoderou-se de Holker e, friamente, disparou contra o vaqueiro que tinha ocupado o lugar de Felter. Sem a intervenção dos quatro pistoleiros que se colocaram atrás dele, empunhando as armas, a vida de Ira Holker teria acabado naquele instante.
— Fora das minhas terras imediatamente, maldito bando de cobardes! — ordenou secamente, contendo os seus desejos de disparar pela segunda vez.
Os vaqueiros não se fizeram rogados. Levantaram o cadáver do seu companheiro e, silenciosamente, dirigiram-se para os estábulos.
— Vamos, rapazes. Passaremos pelo «Fortuna» e alguns dos jogadores acompanhar-nos-ão — disse o «rancheiro».
— Não creio que sejam necessários. Somos cinco contra dois... e todos sabemos manejar as armas — respondeu Mansell.
— Eu encarregar-me-ei de matar Dieter — acrescentou Byrne Purvis, acariciando as coronhas dos seus revólveres.
— Apesar de tudo, passaremos pelo bar — insistiu Holker.
Mansell encolheu os ombros. Pensava que o «rancheiro» ia obter um resultado muito parecido ao que havia tido com os vaqueiros. As mortes de Felter, Waltis, Riester e Craige tinham demonstrado a todos os habitantes de Desolação que Dieter e Ronnie eram dois inimigos muito perigosos. O melhor era manterem-se afastados dos seus revólveres.
Mansell, inclusivamente, pensava daquela forma, mas ele recebia dinheiro por matar e, se reconhecesse ter medo, a sua carreira como pistoleiro por conta de outrem teria terminado.
— Você manda, patrão — limitou-se a dizer, enquanto montava no seu cavalo.
Os cinco homens saíram do «rancho» a todo o galope, enquanto os vaqueiros recolhiam os seus escassos haveres e se preparavam para abandonar definitivamente aquele lugar.
Holker estava tão furioso que não tinha pensado no gado que se encontrava nos currais e nos pastos. A sua única ideia era matar os dois homens que se tinham atrevido a fazer-lhe frente. Tinha-se transformado numa fera sedenta de sangue.
Os contínuos fracassos sofridos na localização de Dieter e Ronnie tinham-no enlouquecido de furor e de raiva. Havia mais de quinze anos que não estava habituado a fracassar em nada.
O assassínio de Karl Ritter e de Cole Treger, no desfiladeiro, tinha sido o principio da sua prosperidade.
Quando os cinco cavaleiros chegaram ao povoado, eram exatamente onze horas da manhã e o bar do defunto Bremer estava quase deserto. Os oito homens que tinham sido tirados dos seus quartos para enterrarem os Lanuza tinham decidido sair de Desolação antes que as coisas piorassem e os sacrificados mexicanos perdessem o resto da paciência e fizessem uma matança geral.
-- Regressaremos algum dia. Quando isto for um povoado meio civilizado — disse um dos jogadores, ao sair da povoação.
Atrás do balcão, havia apenas um empregado, meio adormecido, e nas mesas encontravam-se meia dúzia de habitantes e os dois jogadores que haviam tomado parte no assassínio dos Lanuza.
Esfregando as escadas que conduziam ao piso superior, achava-se Guadalupe. A mulher, quando viu entrar Ira Holker, prestou muita atenção ao que se ia dizer.
— Onde está Loube? — perguntou o «rancheiro», sem perder tempo com saudações inúteis.
O empregado do balcão despertou por completo ao ouvir a voz de Holker. Maquinalmente, começou a polir a brilhante madeira do balcão.
— Não sei -- respondeu.
Dizia a verdade. Loube, depois do que acontecera no seu quarto, não dava sinais de vida, pelo menos no bar. Passava as horas fechado na casa de um amigo.
Holker lançou uma maldição e ao descobrir os dois jogadores fez-lhes um sinal para que se aproximassem. Ambos se levantaram ao mesmo tempo e juntaram--se ao «rancheiro», enquanto os pistoleiros aproveitavam a ocasião para beber uns copos de uísque.
— Ides acompanhar-me — disse Holker.
— Quanto? — perguntou um dos jogadores, referindo--se ao preço.
— Cem.
— Não nos interessa, Holker. Supomos que pensas atacar o «rancho» dos Lanuza para acabares com os tipos que eliminaram o juiz, o banqueiro e o armazenista. São demasiado perigosos.
— Tendes medo? — perguntou, ironicamente, Holker.
— Por cem dólares, sim -- respondeu o jogador.
— E por duzentos?
— Menos... mas continuamos a tê-lo.
— Trezentos — ofereceu Holker.
— Já não temos medo — disse o jogador, sorrindo.
— Preparai os vossos cavalos e as armas. Vamos sair imediatamente — ordenou o «rancheiro».
Guadalupe subiu as escadas e, pouco depois, abandonou o estabelecimento pelo lado posterior. Com passo ligeiro, dirigiu-se para a casa dos irmãos Mendoza e repetiu tudo o que tinha ouvido.
Antes que Holker e os seus pistoleiros saíssem da povoação, Pedro e Porfírio fizeram-no a todo o galope, dirigindo-se para o Este, para o «rancho» dos Lanuza.
Quando o «rancheiro» e os seus homens chegaram à distância de cem metros dos edifícios que formavam o «rancho», Ira levantou o braço e deteve a sua montada para examinar o terreno.
— Parece que está deserto — comentou Mansell, que cavalgava à esquerda de Holker.
— Talvez alguém se tenha dedicado a caçoar connosco — acrescentou o gigante Harrow.
— Disparai contra as janelas! — ordenou o «rancheiro».
Uma descarga cerrada rompeu a calma da manhã, e um bando de pássaros levantou voo enquanto os vidros das janelas saltaram feitos em mil fragmentos. Mas nenhum disparo respondeu à descarga. O «rancho» parecia abandonado e Holker começou a recear que o gigantesco pistoleiro tivesse razão.
— Vamos atravessar o pátio — disse o «rancheiro».
— Pode ser perigoso. Dieter e Ronnie podem estar à espera do momento oportuno para dispararem contra nós — disse Mansell, que sempre havia sido um assassino muito cauteloso.
— Tens medo? — perguntou Holker.
— Vai para o inferno, estúpido! — vociferou Mansell, fazendo avançar o seu cavalo.
O pequeno grupo pôs-se em movimento, com grandes precauções, de armas empunhadas. Avançavam em semicírculo e no centro iam o «rancheiro» e Mansell.
Num dos extremos, no da esquerda, cavalgavam os dois jogadores e no outro seguiam Harrow e Josh Carver. Byrne Purvis encontrava-se ao lado de Marsell e dos seus lábios não havia desaparecido o irónico sorriso.
O grupo penetrou no amplo pátio rodeado pelos edifícios dos celeiros, palheiros e currais. Em frente, tinham o edifício principal e as nascentes tão desejadas por Ira Holker. Não sucedeu nada até que os cavaleiros se encontraram a trinta metros do edifício principal.
Quando se encontraram no centro do pátio, cinco carabinas fizeram fogo de pontos diferentes. Duas «Winchester» abriram fogo do edifício central; outras duas fizeram-no de um celeiro situado à esquerda e a quinta ladrou de um dos currais vazios. Uns amigos dos Lanuza tinham-se encarregado de cuidar das poucas reses que estes tinham e, por esta razão, no «rancho» não havia uma única cabeça de gado.
O resultado daqueles cinco disparos foi desastroso para os homens de Holker. Os dois jogadores foram arrancados das suas selas pela força do chumbo. Um deles ficou imóvel, com a cabeça atravessada por um balázio, mas o outro conseguiu levantar-se apesar da ferida que tinha recebido no peito. Deu dois passos, a cambalear como um ébrio, mas Porfírio Mendoza apertou o gatilho pela segunda vez e o jogador tombou no solo com um projétil alojado no coração.
— Estúpido! — exclamou Mansell, quando o chumbo assobiou por cima da sua cabeça.
Referia-se ao «rancheiro» que lutava para dominar o seu cavalo, ferido por um dos projéteis. Mansell desmontou, pois em cima do cavalo oferecia um alvo, perfeito. Também Byrne desmontou e correu para os currais. Josh Carver disparava contra as destroçadas janelas e o gigante loiro arrastava-se pelo solo com uma bala no ventre.
Byrne Purvis sofreu a maior surpresa da sua vida. Uma surpresa desagradável... que teve a virtude de ser a última. Quando lhe faltavam apenas seis metros para atingir os currais, um homem cortou-lhe o caminho.
— Dieter! — exclamou o pistoleiro.
Levantou o braço direito e preparou-se para disparar contra o seu inimigo. Hesitou apenas durante umas pequenas frações de segundo, mas foi o suficiente para que Dieter acabasse com ele.
O jovem tinha abandonado a carabina e empunhara um dos seus revólveres. Naquele momento, demonstrou que tinha assimilado todos os ensinamentos de Read Cline, o velho pistoleiro. Um seco estampido brotou do seu revólver e Byrne encolheu-se ao encaixar o balázio no estômago. Um segundo disparo obrigou-o a girar sobre si mesmo.
Caiu sobre os joelhos e, em seguida, tombou de bruços. Estava ferido de morte e, no entanto, o sorriso não se tinha apagado dos seus lábios. Ainda tinha o revólver na mão e tentou disparar contra Dieter. Este voltou a apertar o gatilho e o projétil atravessou o corpo do pistoleiro levantando um pequeno repuxo de pó ao enterrar-se no solo.
— Nunca vi um bicho que custasse tanto a morrer — murmurou Dieter.
Do edifício principal, Ronnie apontou ao peito de Mansell e, quando o ponto de mira se imobilizou por altura do segundo botão do casaco de cabedal, apertou o gatilho. Mansell sentiu o impacto do chumbo no peito e apoiou--se na parede de um depósito de feno. Tentou levantar o revólver, mas compreendeu que não tinha forças.
— És um estúpido, Holker! — exclamou, enquanto caía lentamente.
A morte alcançou-o quando se encontrava sentado e com as costas apoiadas na parede do palheiro, enquanto dois balázios acertavam em cheio em Josh Carver e o enviavam para o inferno, antes que pudesse soltar um grito.
Porfírio e Pedro Mendoza estavam a pagar-se do assassínio de seu pai. O celeiro tinha sido um excelente posto de caça e disparavam com grande tranquilidade, escolhendo cuidadosamente os lugares onde queriam alojar os seus projéteis.
O gigante Harrow continuava a arrastar-se, cravando as unhas no pó e deixando atrás de si um rasto de sangue. Foi Ronnie quem pôs fim aos seus sofrimentos, fazendo-lhe voar parte da cabeça com uma bala certeira.
Dos sete homens que haviam tentado o ataque, apenas um continuava a viver: Ira Holker. Tinha desmontado e procurado a proteção que lhe oferecia um monte de lenha cortada. Mas, ao ver cair os seus homens, o pânico apoderou-se dele.
Os cavalos galopavam desenfreadamente pelo pátio, aterrados pelos contínuos disparos que atroavam o ar da manhã. Holker pensou que conseguiria apoderar-se de um dos animais e fugir. Abandonou a proteção que a lenha lhe oferecia e correu com todas as suas forças para um dos animais, mas Dieter descobriu-o e, com um único tiro, destroçou--lhe o tornozelo esquerdo. Holker deu um salto, como um coelho apanhado por um projétil em plena corrida.
Ao cair, perdeu o revólver, e, antes que pudesse apanhá-lo novamente, a bota de Dieter pisou-lhe os dedos impiedosamente.
— Terminou a tua carreira de assassino, Holker —disse Dieter.
— Não me mates, «Pecos»! — gritou o «rancheiro».
Os irmãos Mendoza abandonaram o celeiro e colocaram-se ao lado do bandido, com as carabinas prontas a fazerem fogo. Também a rapariga e Ronnie haviam saído do edifício principal.
— Toma, Dieter — disse o jovem, entregando uma corda ao seu amigo.
— Vão enforcar-me? — perguntou Holker, aterrado.
— A Lei diz que os assassinos devem morrer na forca... e tu és um assassino — respondeu Dieter.
Porfírio encarregou-se de desarmar Ira Holker e com um violento pontapé afastou o revólver que tinha ficado muito perto da sua mão. Dieter retirou a bota que esmagava os dedos do «rancheiro». Deixou cair o laço por cima da cabeça de Holker e apertou-o, mas permitindo que o «rancheiro» pudesse falar e respirar. Ao sentir a corda à volta do pescoço, Holker chiou e as suas mãos agarraram-se ao instrumento de morte, tentando afrouxá-lo, mas Dieter manteve a corda esticada e o assassino apenas conseguiu partir as unhas.
— Levanta-te e caminha, canalha! — ordenou, secamente, Dieter.
Holker tentou fazê-lo, mas o tornozelo destroçado impediu-lho. Dos seus lábios começou a sair espuma e estranhos gemidos que recordavam os de um cão doente. Nenhum dos irmãos Mendoza, nem Ronnie, nem a rapariga fizeram o menor gesto para o ajudar. Tão-pouco o fez Dieter, mas ao ver que o assassino de seu pai permanecia imóvel no solo, começou a arrastá-lo para uma das árvores. Escolheu a mesma onde havia sido enforcado António Lanuza.
Passou a corda pelo mesmo ramo e puxou com todas as suas forças. Todas estas operações se realizaram no meio de um silêncio impressionante que apenas era rasgado pelos gemidos de Holker. Estava a suar, e a dor e o pânico misturavam-se nos seus olhos. Os seus pés mal roçavam o solo e a corda obrigava-o a manter o pescoço dobrado.
— O meu nome é Dieter Ritter e no meu corpo há uma cicatriz causada por um balázio que tu me disparaste quando eu era apenas uma criança. Chegou a hora de ajustar contas, Ira Holker — disse, secamente, o jovem.
— O filho de Karl Ritter! — exclamou o «rancheiro».
— O próprio. Os «apaches» não acabaram comigo e tu tão-pouco o conseguiste. Agora, vais pagar pelas mortes de meu pai, de Cole, dos Lanuza e de muitos outros que desconheço — respondeu Dieter.
Os irmãos Mendoza seguraram a corda e, lentamente, içaram Holker. O último grito deste foi cortado bruscamente. Tentou afrouxar a pressão que o afogava... mas a morte tirou-lhe todas as forças.
— Fez-se justiça — limitou-se a dizer Dieter, quando o corpo do assassino se imobilizou.
O galope de vários cavalos fê-los empunhar as armas, mas deixaram-nas novamente nos coldres quando reconheceram vários habitantes de Desolação. Guadalupe tinha-se encarregado de espalhar a notícia do ataque e alguns homens acudiam a prestar a sua ajuda.
— Já não é necessária — disse um dos recém-chegados.
— Obrigado, amigos, mas o pesadelo terminou. Podem ficar com o «rancho» de Holker. Na realidade, pertence--me porque o comprou com a prata que roubou a meu pai... e eu ofereço-vo-lo — disse Dieter.
Em seguida, segurou as mãos de Mercedes e disse--lhe:
— Disseste que se vingasse a morte de teu pai e irmãos obedecerias às minhas ordens fielmente.
— Sim, é verdade.
— Vou dar-te apenas uma, Mercedes.
— Fala.
— Segue-me quando abandonar Desolação — disse Dieter.
— Irei contigo — respondeu, suavemente, a rapariga, em cujos grandes olhos apareceu um clarão de amor.
— Por tua vontade ou por agradecimento? — perguntou Dieter, sem soltar a rapariga.
— Por minha própria vontade... e com muito prazer -- respondeu Mercedes, acariciando o jovem com o olhar.
Dieter olhou para Ronnie e disse:
— Podes ficar com este «rancho», e antes de regressar ao Novo México, para tomar conta do «rancho» de Read Cline, mostrar-te-ei uma mina de prata; eu não a quero porque não desejo mais lutas, mas tu és muito jovem e suponho que deves ter ambições.
— Apenas desejo ser um homem honrado... como tu — respondeu Ronnie.
— Sê-lo-ás, se o decidires ser. Em seguida, passou um dos seus braços por cima dos ombros da rapariga e começaram a andar para as nascentes.
Tinham muitas coisas que se dizerem e era impossível fazerem-no diante de tanta gente.
— Para onde vamos? — perguntou Mercedes.
— Agora, procurar um lugar solitário para eu poder beijar os teus lábios vermelhos... e depois para o Novo México, uma terra mais tranquila que esta.
A rapariga estremeceu ao compreender que Dieter também a amava; ambos tinham sofrido tanto que nem haviam tido tempo para falar de amor. Mas, no Novo México, iam dispor de uma vida inteira para o fazer. Ronnie Denker viu-os desaparecer para lá das nascentes e um alegre sorriso surgiu nos seus lábios.
— O meu amigo tem direito a um pouco de felicidade — murmurou.
De lha dar, encarregou-se a apaixonada e ardente Mercedes Lanuza.