quinta-feira, 30 de julho de 2015

terça-feira, 28 de julho de 2015

CLF047. O túmulo ignorado

(Coleção Califórnia, nº 47)
 
 
Um homem avançava inclinado sobre o cavalo, tentando abrigar o rosto do furacão de areia que soprava do deserto; parecia fazê-lo como bom conhecedor do terreno que percorria.
Era ainda jovem, alto e de cabelo louro. Tinha o rosto queimado pelo vento e pelo sol das planícies. Vestia jaqueta de pele e o seu chapéu de aba larga estava bastante deformado. Um pequeno embrulho constituía toda a sua bagagem, além de uma «Winschester» que pendia duma funda a um dos lados e uma pá atada por uma correia no lado oposto.
De vez em quando parava para orientar-se. Era difícil fazê-lo no meio daquele deserto de areia que envolvia com abrasador e infernal calor. Tinha os olhos vermelhos e por vezes era obrigado a tapá-los: com a mão para impedir que o pó o cegasse.
Ao chegar ao cimo duma encosta rochosa, deteve-se pela centésima vez naquela manhã. Mas lesta vez apeou-se e estendeu-se no solo. Durante cerca de dois minutos esteve a observar a planicie que se disfrutava a seus pés, do outro lado da colina.
Em baixo, a menos de cento e cinquenta jardas, distinguiam-se entre a poeira as casas duma aldeia. Tudo parecia ver-se através dum véu amarelo. A paisagem era hostil e só algumas plantas espinhosas e catos ponteavam de verde o fundo amarelo da ressequida terra.
O homem não se moveu enquanto o vento sibilava sobre a sua cabeça. Quando o fez foi para se apoiar à sela do cavalo. Tinha um aspeto preocupado. Era evidente que alguma coisa o intrigava.
Montou de novo e começou a descer a encosta. Era ainda visível a rua que tempos atrás tinha sido a artéria principal de Glennside. Agora estava coberta de pó e de pedras. Era uma artéria morta que conduzia às portas duma cidade morta.
Quando chegou ao fim da única rua de Glenne,side, Ben Ritter parou. Não podia acreditar que aqueles sítios que anos antes tinham sido cenário de tantos acontecimentos memoráveis, agora permanecessem envolvidos num silêncio de túmulo. As casas meio arruinadas, escuras e desordenadas, semelhantes a urna legião de fantasmas ali estavam agrupadas para lhe darem a sua sinistra saudação.
— Tinha que acabar assim — murmurou Ben, a meia voz, enquanto o vento que sibilava forte o impedia de ouvir as suas próprias palavras.
Olhou para o lado e fez o cavalo avançar por entre as casas desertas. Olhou com certa curiosidade o edifício que tinha sido o «saloon» de Webster, fez um gesto de repugnância ao passar em frente do antigo armazém dos irmãos Moody e fixou longamente a casa onde viveu a gentil Pat Bendix. Tinha então dezasseis anos e vivia com os tios, os vadios Clam e Kibb. Ignorava o destino de Clam, mas sabia que Kibb tinha morrido em consequência duma desordem em Glennside. De Pat não sabia nada. Se for viva, deve estar uma senhora. Era isso, pelo menos, o que o Bendix queria fazer da sua sobrinha.
Ben Ritter continuou o caminho até ao extremo oposto da rua. O vento ali soprava com menos violência, mas o pó era igualmente denso.
Ao chegar a um monte de pedras que assinalava o local onde costumavam beber os cavalos que entravam e saíam de Glennside, Ben Ritter apeou-se. Encostou-se a um poste que ali estava e esfregou os olhos para tirar deles o pó acumulado. Em seguida entrou num barracão e ali acendeu um cigarro.
Olhou em volta. A menos de dez passos havia um monte. No cimo, estava urna cabana em ruínas.
Ben agarrou a pá e para lá se encaminhou. Quando chegou procurou como que um ponto de referência. Deu mais alguns passos até ao cimo e voltou-se de novo. Olhou longamente aquilo que restava da povoação. Um sítio de infinita desolação e abandono. Tudo era silêncio, tudo sujeito à implacável ação devastadora do tempo. Nem um ser vivo, nem vestígios de vida por ali.
Aquele exame pareceu satisfazê-lo. Desceu alguns metros até chegar junto de um penhasco. Refletiu um pouco. Andou uns passos para e esquerda. Olhou mais uma vez o alto da colina e o edifício mais próximo.
Parecia satisfeito. Tirou o chapéu e a jaqueta de couro que pôs a seu lado e, agarrando na pá, enterrou-a na terra ardente.
Cinco minutos mais tarde suava copiosamente; mas tinha aberto uma pequena fossa de uns três pês de largura por um de profundidade. Descansou uns segundos continuando depois a cavar.
Se Ben Ritter soubesse que duma daquelas casas em ruínas o estavam a observar tinha abandonado imediatamente o seu trabalho. Mas estava absolutamente convencido que se encontrava só naquela imensidão.
Quando já tinha afundado a cova cerca de dois pés, bateu num objeto duro. O coração de Ben começou a bater com força; mas ao inclinar-se para examinar o que seria, quase que lançou uma exclamação de assombro. Porque o que acabava de encontrar era o crânio duma pessoa ali enterrada.
Ben Ritter ergueu-se e recuou um passo. Durante uns segundos contemplou o macabro achado.
Em seguida, largou a pá, e com a mão tirou a terra que cobria aqueles restos.
Quem seria a pessoa enterrada naquele sítio? Acaso se teria enganado ao calcular o lugar onde devia cavar?
Tirando a terra que cobria aqueles ossos, Ben fez uma nova descoberta. A ossuda mão do morto parecia crispar-se sobre uma corrente de ouro que sustentava um grande medalhão. Ben agarrou-a com um misto de veneração e de medo. Com a manga limpou o pó e examinou o objeto.
Era todo em ouro e apesar do tempo que estivera enterrada conservava-se em bom estado. A curiosidade levou-o a abrir o medalhão.
Continha uma fotografia. Eram as belas feições duma mulher. E, ao vê-la, os lábios de Ben contiveram a custo uma exclamação de assombro.
Mas não o fez, porque no mesmo instante atrás de si, soou uma voz fria e ameaçadora.
— Não te mexas, Ritter. Estou a apontar para a tua cabeça.
Não se mexeu. Ben Ritter sabia que se o fizesse morreria.
— Lembras-te dela, Ritter? -- continuou a pessoa que o tinha surpreendido, ainda sem se deixar ver. — Margaret. Era muito formosa. Cometeste muitas loucuras para lhe seres agradável e esta foi a Última. Mas sei que não foi por isso que vieste de tão longe.
Sim, era o retrato de Margaret, bela e altiva como a tinha conhecido. Parecia olhá-lo com os seus olhos maravilhosamente transparentes, duma tonalidade esmeralda que enlouquecia os homens que cruzavam o seu caminho.
Mas não podia pensar nela. A arma apontada A sua cabeça podia disparar-se de um momento para o outro. E Ben Ritter sentia uma curiosidade imensa em conhecer a identidade daquele misterioso habitante da cidade abandonada que tinha saído das ruínas para o surpreender no seu solitário trabalho.
— Que queres? — atreveu-se a perguntar.
— Olha-a bem — disse o outro. — Pensa no que Margaret faria por ti. Mas já não está aqui para te ajudar. Recordas-te bem dela, maldito Ritter?
 
 
Assim começa este excelente livro de R.C.Lindsmall. Para responder às interrogações do autor, só tem de proceder ao seu O túmulo ignorado.

CLF046. Procura-se um «gun-man»

(Coleção Califórnia, nº 46). Capa e texto indisponíveis

domingo, 26 de julho de 2015

CLF044. A morte não deixa rasto

 (Coleção Califórnia, nº 44)

Um ex-combatente pelo Sul regressou ao seu rancho tendo previamente oferecido trabalho a um amigo. Passado algum tempo, este chegou àquele local e não o encontrou. Aliás, algo se passava de estranho que fazia com que alguns rancheiros desaparecessem. Será que alguém vinha a beneficiar com isso? Este é o fio condutor desta novela de Lindsmall que nos pareceu a mais fraquinha das que nos foi dado ler da sua autoria...

sábado, 25 de julho de 2015

CLF043. "Procura Sarilhos" Jimmy

(Coleção Califórnia, nº 43)
 
Finalmente, chegamos a um dos autores cujas obras em geral lemos com muito agrado: Joe MOgar. Teremos ocasião com outras de ilustrar a sua qualidade narrativa.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

CLF041. O guerrilheiro


(Coleção Califórnia, nº 41)
 
Eis mais uma novela assinada por Cliff Bradley e reportando-se às sequelas da Guerra da Secessão. Uma bela história com certeza, assim nos garantem os pergaminhos do autor. Infelizmente, dela apenas dispomos desta capa. Talvez um dia...
 
 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

BIS090. Rancho Espuela

 
(Coleção Bisonte, nº 90)


Esta novela tem a sua ação no Estado do Utah, num momento em que Brigham Young ainda era o seu governador e os mórmons procuravam proceder à sua ocupação integral. O «Rancho ESpuela» era uma daquelas propriedades que fugia ao seu poderio, já que, na posse de um «gentio», desafiava pela sua capacidade toda a concorrência.
Conway, o seu proprietário, foi assassinado por Cairns, um bispo mórmon, e seus lacaios. A sua bela sobrinha, Nelly, encontrou então na pessoa de um engenheiro chegado para a implentação do caminho de ferro a ajuda necessária para ultrapassar as dificuldades num contexto tão difícl.
Eis mais uma obra bem documentada de Tex Taylor. No entanto, não é entusiasmante, sendo a vida do principal personagem sempre extremamente facilitada. Ele vence sempre os outros e, quando perde, a bala passa de raspão ou já não tem força e  a formosa Nelly aparece para o tratar…
 
Nota: O Estado de Deseret foi um estado provisório dos Estados Unidos, área proposta por colonos mormons em torno de Salt Lake City. O estado existiu por cerca de dois anos, apesar de jamais ter sido oficialmente aceito pelo governo estadunidense. O nome deriva do termo usado para fazer referência à abelha do mel no Livro de Mórmon.

terça-feira, 21 de julho de 2015

PAS509. Um rosto belo na hora da vingança

-- Vim saldar uma dívida de Justiça.
— Pois bem, por que esperas? — desafiou Growell, sem se mover, o mínimo. — Pretendes que suplique e implore misericórdia? Julgas que vou oferecer-te a minha fortuna para reparar o mal que então pudesse ter feito?.
-- Não necessito de um só dólar da tua porca fortuna — exclamou Chuck, irritado. — O sangue do me pai só pode ser vingado com o daqueles que conjuraram para a derramar.
Growell guardou silêncio. Evidentemente, pensava na sua trágica situação ou talvez tentasse ganhar tempo.
— Creio que eu também tenho de dizer algum coisa — quis intervir a mulher que tinha aberto, a porta a Chuck.
— Cala-te! — exigiu Growell com energia. — não imploro piedade, nem quero que outros a solicitem para mim. O teu pai foi morto por Donally em união com Jansen. Para que me serviria mentir, se estou nas tuas mãos?
— Uma última tentativa para salvares a tua repugnante pele.
— Você não pode disparar! — exclamou agora aquela mulher, intervindo para se situar entre Growell e Chuck Aliston. — Isso é o que menos lhe importa a ele. Dar-se-á o caso de não ter dado conta do seu estado? — acrescentou, estendendo um braço para o apontar. — Olhe bem para ele. Inutilizado para o resto dos seus dias e sem poder fazer um único movimento! Já reparais que, apertando o gatilho, não faria senão conceder-lhe um bem?
— Quem te manda a ti falar, velha intriguista? — gritou Growell, sem se poder mover daquele cadeirão. E olhando para Chuck, gritou: — Dispara de uma vez para sempre! Não foi isso que vieste fazer? Vai tremer agora a tua mão, porque sentes medo de descarregar o teu revólver sobre um inutilizado?
A surpresa impediu Chuck de dizer qualquer coisa. Estava surpreendido e abatido. Toda a sua animosidade e sede de vingança que o abrasava se tinham dissipado num momento, em virtude das palavras que acabava de proferir a mulher que estava com eles. Agora, compreendia a atitude de Growell e o seu aspeto tão diferente do que foi sempre.
Retrocedeu uns passos, lentamente. Considerava-se já suficientemente satisfeito pela forma como, aquele homem expiava todas as suas faltas. Uma Justiça superior à administrada pelos homens tinha-o condenado a uma sorte dura, mil vezes pior do que a prisão, pois a paralisia de que Growell sofria reduzia-o- à inutilidade para o resto da sua vida.
Retrocedeu até sentir a porta nas suas costas. Sem se voltar, fez correr o fecho e os seus dedos puxaram o trinco.
— Encontraste o inferno que merecias, Growell — foi a sua despedida. — De que te serviu amontoar dinheiro e mais dinheiro?...
Fez girar o trinco e empurrou a porta, mas esta não cedeu. Tentou novamente para sair dali. A madeira resistia aos seus esforços. Irritado, deu um grande pontapé, mas não obteve melhor resultado.
Compreendeu imediatamente que tinham fechado por fora e que se encontrava encerrado numa ratoeira. Começou a correr para a janela, mas retirou-se prontamente, assim que verificou que em baixo, no jardim, havia alguns homens armados.
O próprio Growell e a mulher pareciam surpreendidos pelo que se estava a passar.
— Vais ordenar que abram imediatamente ou...! — exigiu, apoiando o cano do revólver nas costas do paralítico.
— Ou quê? — troçou. o própria Growell. — Vais disparar se não o fizer? Convences-te, Alston, de que não tens outro remédio senão matar-me?
Growell continuava a troçar dele, da impotência de levar adiante a sua ameaça e do nervosismo que dava mostras, ao ver-se encerrado numa armadilha.
Naquele momento, reparou numa porta lateral, meio oculta atrás de uma cortina e que, até então, não tinha visto. Correu para ali e já estava quase a alcançá-la quando a viu abrir-se e uma mulher entrar no escritório.
Era uma rapariga de uns vinte e dois ou vinte e três anos. Vestia um fato de corpinho justo e saia rodada de veludo vermelho. O seu cabelo negro e caindo-lhe em brilhantes caracóis., pelas costas, era apanhado atrás par uma fita da mesma cor.
— Você é um louco e um irreflectido — reprovou com dureza. — Sabe que podia custar-libe bem caro o que fez?
— Também você faz parte da conjura? — atirou-lhe Chuck, à cara, sem poder conter a sua irritação.
— Se chegasse a tentar alguma coisa contra esse homem, teria passado um mau bocado — acrescentou ela. — Tenho estado a vigiá-lo por aquele postigo. E na minha mão estava um revólver.
Chuck viu que ela apontava um buraco que se via no artesoado do tecto, mesmo por cima de um quadro.
— Sim; teria disparado contra si. Mas qualquer coisa me conteve. E é tudo quanto acaba de dizer. É por isso que tentarei ajudá-lo a sair daqui sem que Blod e os seus homens se apercebam.
Ela desviou-se para um lado e Chuck ;abandonou o compartimento.
— Que é que pretende? — perguntou o rapaz, olhando-a com curiosidade.
— Ajudá-lo. Não lho disse claramente?
— Pata mim não é muito claro. Quem é você e que traz aqui?
— Stanton Growell é meu tio — disse ela — e a mulher que está agora com ele é minha mãe. Há um mês que viemos para Phoenix, porque ele nas mandou chamar. Sentia-se doente e necessitava de nos ter a seu lado. Ao princípio, a minha mãe opôs-se. Conhecia a espécie de vida que Stanton tinha levado; mas ao fim ao cabo, era seu irmão e acabou por aceder.
Tinha atravessado um segundo compartimento e a rapariga adiantou-se para examinar a escada de saída.
— Duvido que possa voltar para onde deixou o seu cavalo — disse-lhe. —  Bloyd deve ter imaginado qualquer coisa, pois está com os seus homens a vigiar a saída. Não há dúvida de que estão à espera que saia.
— Obrigado — disse Chuck, porque não lhe ocorria outra coisa.
— Você veio com um fim que depois se desvaneceu — a jovem sorriu-lhe. — Obrigada estou eu..
Chuck afastou-se, correndo entre as árvores, mas não tinha dado uma dúzia de passos, quando da esquerda partiram uns tiros. Sentiu um forte golpe nas costas, sentindo uma dor aguda. Voltou-se para responder à agressão, mas um tropeção fê-lo perder o equilíbrio e cair de bruços sobre a areia.
Instintivamente, arrastou-se até à protecção de um canal de rega. Ouviu um grito de mulher e viu a mancha avermelhada de vestido da rapariga oscilar de um lado para o outro, aproximando-se de onde ele estava.
Alguém gritou do outro lado do gradeamento e a rapariga respondeu, indignada. Chuck ouvia a sua voz bem timbrada e melodiosa, mas não podia compreender uma única palavra. Sentia que a cabeça se enchia de um crescente zumbido e que uma angústia mortal começava a invadi-la.
Ainda antes da vista se lhe turvar, viu aquele rosto muito pálido e com olhos dilatados pela surpresa e terror, olhar para ele, de muito perto. Era uma agradável visão e Chuck pensou que valia a pena morrer, com a imagem de um rosto tão belo.
Depois, de uma maneira súbita, a visão desvaneceu-se e um mundo de sombras fez-se em seu redor.
 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

PAS508. O agente implacável

Um homem, um desconhecido, apoiava-se na sela do seu cavalo. Observava-a, intrigado, percorrendo o se olhar até pelos mais insignificantes pormenores da sua indumentária. Empunhava um revólver, mas não apontava para ela; talvez lhe repugnasse apontar a uma pessoa indefesa sendo, para mais, uma mulher.
— Interessa-lhe o que acaba de ler? — perguntou com voz fria, embora fosse evidente que tentava ser cortês.
— Parei..., parei para saber quem era esta pessoa — Sally tentou sorrir, ao mesmo tempo que apontaa o corpo do foragido pendurado da árvore.
— Esse foi Jed Kissey — confirmou o desconhecido — Um sujeito que não podia acabar senão, num local como este. Mas por baixo, há outro escrito que se refere a outras pessoas. Leu-o?
Sally confirmou, fazendo um esforço para se dominar. Pensava em Chuck o qual, de onde estava, não podia ver o homem que lhe falava. Mas assim que saíssem das árvores, daria conta de que ela não estava só. Então...
— Sabe alguma coisa dos irmãos Alston? — perguntou-lhe aquele homem.
Sally negou, mas tinha a certeza de que a sua perturbação a denunciava.
— É possível que um deles não ande longe. Esteve em Boswell e lá comprou umas peças de roupa de mulher. Umas peças... muito parecidas com as que você tem.
Sally compreendeu que tinha de se entender com uma pessoa astuta e que conhecia sobejamente a sua identidade.
— O meu marido esteve em Boswell e comprou esta roupa para mim — disse com calma. — Mas ele não se chama Alston.
— É uma estranha coincidência — sorriu o desconhecido. — Como é o facto de você e a menina Foster se parecerem extraordinariamente.
— Não sei quem é essa mulher.
 — É possível -- admitiu aquele homem; mas necessito de me convencer de que o seu... seu marido — repetiu maliciosamente — não é, na verdade, um dos Alston. Onde se encontra, neste momento?
Sally olhou para as montanhas.
— Do outro lado do caminho — disse, procurando que a sua mentira não fosse descoberta. Saí para dar uma volta e aproximei-me daqui, atraída por este espectáculo.
— Nesse caso, peço-lhe que tenha a gentileza de me levar até junto dele. Agradar-me-á saber que o seu marido não tem nada que ver com o cartaz que acaba de ler nesse poste.
Pegou na rédea do cavalo e aproximou-se da rapariga.
— Suba para aí.
Sally não se fez rogar. Não se podia opor às pretensões do desconhecido, porque seria inútil. Por outro lado, pretendia não despertar os seus receios e obedeceu para facilitar a Chuck salvar tão melindrosa situação.
Conduzindo sempre à rédea o cavalo, o homem foi até um sítio, entre as árvores, onde estava a sua montada. Saltou para a sela e, com um gesto, indicou a Sally que fosse à frente.
— Espero que não dará ocasião a que suceda qualquer coisa desagradável — avisou-a, não obstante.
Saíram da espessura das árvores e atravessaram espaço descoberto que os separava das montanhas. Sally estava certa de que Chuck já a teria visto e que estaria a adoptar as necessárias medidas para resolver a situará em que se via envolvida.
Sem hesitar, dirigiu o cavalo para o caminho. Sentiu fixos, nas suas costas, os olhos do desconhecido que, nem por momentos, tinha voltado a guardar o revólver no coldre.
Desta forma, chegaram ao pé da montanha. Sally dirigiu o seu cavalo para a abertura que deixavam entre si as duas elevações.
— Não se esqueça de que, para minha segurança, tenho de apontar as suas costas com o meu revólver — recordou-lhe o homem. — Não queria ter de o fazer, mas não tenho outro remédio.
Sally nem se voltou. Tinha a certeza de que, em qualquer ponto daquela espessura, Chuck estaria aguardando como uma pantera à espreita.
Tudo aconteceu muito antes do que esperava. Ouviu um ruído atrás de si e, ao voltar-se viu que dois corpos rolavam no chão. O revólver que o seu apreensor empunhava disparou-se, mas a bala perdeu-se, silvando entre os ramos que se entrelaçavam sobre a sua cabeça.
Chuck tinha surgido de entre uns arbustos e acabava de saltar sobre a sua presa, surpreendendo-a desprevenido. O primeiro objectivo do ruivo Alston tinha sido alcançado, ao desarmar o seu adversário. Agora tornava-se necessário subjugá-lo.
Sally bem depressa se apercebeu de que Johnnie também estava ao facto do que se passava. Surgiu do lado oposto e dirigiu-se para ela, com o fim de a afastar do campo da luta.
— Temo pelo que possa acontecer a Chuck — balbuciou, assustada.
— Não conheces o meu irmão — Johnnie sorriu. — Podia ter-se livrado desse homem em poucos segundos, mas Chuck gosta de brincar conto faria um gato com um ratinho.
Mas não tardou a convencer-se de que o adversário do seu irmão estava muito longe de ser o inocente ratinho que imaginara. Numa das alternativas da luta, viu-o ficar por baixo do ágil e musculoso corpo da misteriosa personagem. Foi de tal forma, que Johnnie começou a pensar seriamente se não teria chegado o momento de intervir em auxílio de Chuck. Mas, com um poderoso esforço, este livrou-se do seu adversário, lançando-o por cima da sua cabeça e fazendo-o cair de costas.
Chuck refez-se rapidamente e Johnnie foi em seu auxílio. Os dois revólveres apontaram o corpo do homem que tinha caído e que, aturdido pela pancada se esforçava por se levantar, apoiando-se numa árvore
Então, puderam ver que, debaixo do colete, brilhava uma estrela de prata com o distintivo dos Guarda Rurais.
O que haviam receado acabava de suceder. A lei, seguindo os seus passos por mil caminhos diferentes e invisíveis, tinha chegado até eles para os avisar de que não podiam mover-se, sem denunciar a sua presença a, todos os que tinham um enorme empenho em os prender.
— Que vieste fazer aqui? — perguntou-lhe Chuck com voz agressiva.
O homem olhou para um e outro, alternadamente acabando por esboçar um sorriso. irónico.
— Não me enganava, certamente— disse. -- Os dois Alston, em carne e osso, e o seu fiel e abnegado cúmplice, a menina Foster.
— É isto tudo que tens para dizer? — continuou Chuck, impassível.
— Nada mais posso dizer. Estou desarmado e pode dar-me um tiro, quando lhes apetecer. Na nossa profissão, morre-se de qualquer maneira e nos lugares que menos se pode imaginar. Por vezes, perde-nos uma pequena frase, um erro insignificante. E o meu foi acreditar que uma mulher dizia a verdade.
Ele envolveu Sally num olhar expressivo que fez corar a jovem..
— Quem te mandou seguir-nos? — perguntou Johnnie.
— Isso importa muito, porventura? Enviarão outros e, tarde ou cedo, acabar-se-ão as vossas fugas.
— Nós não somos pistoleiros nem criminosos de profissão.
— Não duvido. Antes de matarem Sterling, eu tinha interesse em evitar o irremediável. Reconheço que a razão estava do vosso lado. Mas Sterling não devia entrar nos vossos planos de vingança.
— Tive de disparar para impedir que ele o fizesse sobre nós.
— Era seu dever.
— E o nosso consistia em evitar que se culpasse uma mulher inocente. Na altura, ninguém acreditou nisso e não acreditaram nela, porque necessitavam que alguém respondesse pela morte de Donally. Se a Justiça se preocupasse em proteger o homem honrado e em castigar o delinquente, tanto Jansen como Donally e Growell estariam, há muito tempo, a apodrecer atrás das grades de qualquer penitenciária. E, em vez disso, que se passa? Desfrutam ilegalmente os seus roubos, enquanto as pessoas honradas são perseguidas para evitar que o seu ódio as alcance. É essa a espécie de Justiça que tanto te empenhas em fazer resplandecer?
— O polícia não respondeu. Havia um brilho no seu olhar que, certamente, não refletia animosidade nem ódio por aqueles que procurava.
— Eu não julgo os homens — respondeu. — Limito-me a dar-lhes caça, quando me ordenam isso.
— Não duvido — redarguiu Johnie. — Mas, desta vez coube-te a sorte de perder. Aceitarias renunciar seguir-nos se te deixássemos ir em paz?
— É uma proposta estúpida, Alston — respondeu.
— Já pensaste que estás nas nossas mãos e que podemos matar-te e cavar aqui mesmo a tua fossa? No teu expediente poriam uma simples anotação: «Desapareceu sem deixar rasto».
— Ninguém desaparece sem deixar rasto — o agente sorriu. — E ainda que assim fosse, outros seguiriam as minhas peugadas. Tarde ou cedo, dariam com os dois. Além disso....
— Além disso... o quê?
— Os Alston não são assassinos.
Chuck começou a rir.
— Estás a pretender tocar a nossa corda sensível.
— Não — negou o Rural. — Sei o que os impulsionou a matar Jansen e Donally. Eu, no vosso lugar, talvez tivesse feito o mesmo. Inclusivamente, fiquei aborrecido por me designarem para vos perseguir. Pensei apenas que vos poderia ajudar, impedindo que derramassem mais sangue numa vingança cuja justificação não discutirei. Mas, em Tucson, compreendi que tinha chegado tarde. Talvez... talvez haja uma possibilidade de atenuar a morte de Sterling, alegando que foi defesa própria.
— Nunca cairei nessa cilada, amigo — Chuck sorriu, movendo a cabeça. — Todavia, não tenho o praze de saber quem decidiu amargurar-nos a existência.
— O meu nome é Falker. Sargento Falker da Divisão 16.

domingo, 19 de julho de 2015

PAS507. Uma forca no cruzamento

Sally esporeou o animal e partiu rapidamente, em direcção ao grupo de árvores que se destacavam como uma mancha escura na planície ocre e amarelada. Uma vez, voltou-se e levantou a mão, dizendo adeus a Chuck Não o via, pois a vegetação do acampamento o ocultava mas sabia que ele a estaria a ver e seguia com atenção a sua carreira.
A rapariga depressa chegou às imediações de um dos caminhos. Nele estavam marcados os sulcos que as diligências e outras carruagens traçavam na terra poeirenta. A estrada seguia a direcção sudeste-noroeste e perdia-se nas colinas longínquas. O caminho que ali se cruzava com ela era de menor importância. Ou melhor, tratava-se de um atalho que seguiam os cavalos procedentes do rio e que se dirigiam para as montanhas.
Sally, atraída por uma estranha curiosidade, fez avançar o cavalo até às árvores que davam, no meio da planície, uma sombra protectora aos caminhantes, nos ardentes dias de Verão. A silhueta lúgubre do enforcado destacava-se na dourada claridade que precedia o crepúsculo. Um silêncio solene envolvia aquele local. Nem o menor sopro de brisa movia uma só folha. Parecia que a vida se tinha ausentado daquele lugar destinado à morada da morte.
Por instantes, Sally sentiu-se sacudida por um estranho estremecimento; mas reagiu e continuou a avançar. Ao chegar a poucos passos do condenado, parou e apeou-se do seu cavalo.
Tratava-se de um homem de uns cinquenta anos, com o rosto meio oculto por uma emaranhada barba. Tinham-lhe atado as mãos atrás das costas e as suas feições estavam contraídas numa horrível careta.
A menos de cinco jardas, havia um poste branqueado pelo sol, chuva e ventos agrestes do deserto. Nele tinham prendido uma folha de papel e, logo por baixo, um segundo escrito avisava os caminhantes que por ali pudessem passar.
Atraída pela sua crescente curiosidade, Sally foi até lá e leu:
«Jed Kissey. Julgado e condenado por ladrão e homicida. Assassinou Bill Breehane e sua esposa, para depois os roubar. Os criminosos não escapam à Justiça. Deus tenha compaixão da sua alma.»
O segundo escrito tinha sido colocado ali posteriormente, pois estava preso sobre a borda inferior do precedente. Era mais longo e dizia assim:
«Procuram-se Johnnie e Chuck Alston de 25 e 28 anos de idade. Ambos de elevada estatura. O primeiro de cabelo escuro e o outro ruivo. Estão acusados de três assassínios, um deles na pessoa de Sam Sterling, ajudante do xerife de Tucson. É provável que vá com eles uma mulher de 21 anos, cabelo escuro e cujo nome é Sally' Foster. Dirigem-se de Tucson para Phoenix e podem oferecer resistência a quem tente detê-los São oferecidos dois mil dólares a quem conseguir a sua captura.»
Imediatamente, Sally retrocedeu um passo. Um medo repentino acabava de se apoderar do seu coração. Voltou-se para ir buscar o cavalo e, no mesmo instante parou, como se estivesse cravada no cruzamento dos dois caminhos.

sábado, 18 de julho de 2015

PAS506. Um pouco de luz para almas atribuladas

Chuck colocou a mão sabre os olhos, à maneira de pala, para contemplar a gentil figura de Sally que subia já a encosta, com uma vasilha de água.
— Pensando bem, eu não seria um mau partido para Sally — comentou, como se falasse sõzinho. — Sou tão elegante como tu, talvez não tão atractivo, mas sou mais inteligente e não me assusta o facto de me encontrar junto de uma mulher. Será questão de pensar no caso, devagar, e decidir-me.
Calou-se, porque Sally já estava perto. A rapariga dirigia-se para eles e o próprio Chuck saiu ao seu encontro para lhe pegar na vasilha que trazia.
— Envergonho-me de a deixar trabalhar tanto, enquanto nós ficamos a olhar para si —disse-lhe, como se reprovasse o que ela estava a fazer. — Johnnie é forte e necessita de gastar as suas energias. Deve pedir-lhe que a ajude.
— Como pode dizer semelhante coisa, Chuck? — Sally ficou corada. — Não pretenderá que viva à vossa custa, sem fazer alguma coisa para os ajudar.
— Cuide de Johnnie, enquanto eu vou à procura de algumas provisões à aldeia que vimos lá em baixo.
— Pensas ir lá? — perguntou-lhe o irmão, estranhando a sua decisão.
— Só temos tabaco. E também gostaria de ter qualquer coisa para molhar a garganta e que seja um pouco mais suave do que a água.
— Abre bem os olhos — recomendou-lhe Johnnie.
Sally aproximou-se dele e apertou-lhe o braço.
— Confio que será cauteloso.
— Sê-lo-ei — Chuck sorriu com simpatia. — Você pede as coisas de uma maneira tão diferente de Johnnie, que não saberia negar.
Sally riu-se. Era a primeira vez que a via rir e Chuck sentiu-se feliz por poder levar um pouco de luz à sua alma atribulada.
Montou a cavalo e afastou-se, embora dando urna volta para entrar na aldeia pela parte norte. Os dois jovens permaneceram silenciosos uns minutos, vendo-o partir. Quando Sally se voltou, reparou que Johnnie a estava a observar com expressão preocupada.
— Teme pelo seu irmão? — triste sorriso.
--Não — negou Johnnie. — Chuck sabe livrar-se bem de qualquer perigo. Temo
—Por mim?
—Sim; pergunto a mim próprio constantemente, se a nossa chegada a Tucson não terá servido senão para lhe criar complicações.
Sally moveu a cabeça, negando', enquanto se deixava cair ao pé da árvore em que Johnnie se apoiava.
—Teria sido pior — disse. —Sem o apoio do seu irmão, ter-me-ia visto à mercê de Donally e da sua pandilha de velhacos. Creio que a Providência vos enviou no momento preciso.
— Espero que na Califórnia seja mais feliz do que foi em Tucson.
— Deseja isso, na verdade, Johnnie? — perguntou ela, olhando-o fixamente.
— Dar-se-á o caso de duvidar?
Sally sorriu e voltou a negar.
— Porque não abandonam essa vida perigosa e escolhem outros caminhos para dirigir os vossos passos?
— Resta ainda bastante para fazer.
— É assim tão importante para vocês que esse Growell continue ou não a viver?
Johnnie não respondeu durante os primeiros momentos. Inclinou a cabeça e, durante uns segundos, ficou pensativo.
— Não poderíamos ter um momento de calma, sabendo que esse miserável continua a maquinar contra muitos inocentes. A sua morte é tão necessária como a das feras que entram nos currais e aniquilam o gado.
— Compreendo-o, Johnnie — insistiu Sally, levantando os olhos para ele. — Mas existe um perigo muito grande para os dois. E pode acontecer que não seja Growell o mais prejudicado.
— Não importa — respondeu, secamente. — A sorte de Growell já está decidida. Parecer-me-ia ver, a cada momento, o espectro do meu pai apontando-me com o dedo, por não ter sabido fazer justiça aos muitos crimes desse homem,
— E se eu lhe pedisse que renunciasse a essa vingança, Johnnie? Atrever-se-ia a fazê-lo... só por mim?
Ele olhou-a, com assombro.
— Assusta-me pensar que lhe possa suceder qualquer coisa má, Johnnie — continuou Sally com voz de súplica. — Sinto por si... pelos dois, um verdadeiro afecto. Creio que não poderia separar-me e deixá-los na incerteza de que algum mal lhes viesse a acontecer.
Johnnie atirou para um lado a machada que tinha na mão e sentou-se no chão, junto da rapariga que tanto desejo tinha de o convencer.
— Não volte a falar-me assim, Sally — disse com voz alterada. — Ando a manter comigo próprio uma dura luta e pressinta que as forças me começam a faltar. Não posso atraiçoar o meu irmão nem a memória do meu pai.
Sally levantou-se e encaminhou-se para onde tinha ficado, o balde da água. Pegou-lhe para se dirigir ao local onde estavam as brasas da fogueira meio consumida. Mas antes de lá chegar, Johnnie alcançou-a e pegou-lhe por um braço.
— Sei que é inútil negá-lo — disse apressadamente. — Você fez de mim um joguete, ao seu capricho. Será porventura isto o que pretende?
Salily olhou para ele e os seus lábios entreabriram--se para negar a acusação do rapaz.
— Não; juro-lhe que não foi essa a minha intenção.
— Que é, pois, o que pretende?
— Nada — balbuciou' com voz (trémula.
Johnnie apertava-a com força. Tinha o rosto dela tão perto, que um ardente desejo o envolvia, desvanecendo do seu espírito a força de que tentava rodear-se.
E, de repente, atraiu a rapariga com força e uniu a sua boca à dela, numa ânsia infinita de acalmar aquele desejo que o devorava.
Sally ensaiou uma tímida resistência que, no mesmo instante, abandonou. As suas mãos levantaram-se numa tentativa de o recusar, mas acabaram por subir até aos ombros do rapaz e enlaçar o seu pescoço, num abraço cheio de amor.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

PAS505. Depois da liberdade, um grito de horror

Enquanto Hunt se afastava da sua esquadra, dois homens observavam-no na sombra, de uma ruela escura..
— Reparaste Chuck? — dizia um deles. — Deixou a rapariga ali fechada. Metemos a pobre num bom sarilho.
— E vamos agora preocupar-nos por isso? — respondeu o companheiro.
— Não gosto que inocentes paguem as culpas de outros. Isso foi o que nos aconteceu e tiveram-nos presos durante muito tempo.
— Bah! É uma mulher e todas as mulheres têm habilidade suficiente para se escapar das mãos de juiz. Ela culpar-nos-á a nós. Acreditarão nela e, antes de amanhecer, já estará de novo na rua.
Johnnie Alston negou, sem se deixar convencer.
— Esses bandidos procurarão uma vítima fácil para lhe lançarem as culpas da morte do velhaco do Donally e continuarem a viver dos seus rendimentos.
— Melhor para nós.
— Não me satisfaz — respondeu Johnnie Alston, olhando para o irmão, com um certo desdém. — Não pretendo ocultar a minha vingança nem necessito que uma pobre mulher sofra as culpas de uma morte que não cometeu.
— Vais dizer isso ao xerife? — Chuck olhou para ele, com um sorriso de troça.
— Não, mas sinto-me na obrigação de tirar essa infeliz do sarilho em que a metemos. Ou dar-se-á o caso que vamos tornar-nos tão canalhas corno foram todos eles?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

BIS089. O implacável Falker

~
(Coleção Bisonte, nº 89)

Uma jovem, a quem a vida corria mal, meteu-se em monumental sarilho ao procurar Frank Donnaly no dia da inauguração do bar deste «Belle Sophie», com o objetivo de lhe pedir os documentos da sua propriedade que estavam na posse daquele indivíduo como garantia de uma dívida de jogo assumida pelo seu irmão Rod. Perante a incompreensão do dono do bar, Sally ameaçou-o com uma pistola, mas este acabou por dominar a situação. Quando se julgava perdida, o espaço foi invadido pelos irmãos Alston, Chuck e Johnnie, que abateram Frank para vingar a morte do pai. Aterrorizada viu estes indivíduos fugirem e, quando a lei chegou, foi tomada por assassina de Frank levada para a prisão.
Chuck e Johnnie não eram tão maus como se pode pensar e libertaram Sally provocando mais uma morte e levando-a com eles.
Ao mesmo tempo chega à cidade o agente federal Falker com o objetivo de evitar a vingança dos irmãos Alston. Não o conseguindo, partiu em sua perseguição, procurando chegar antes deles ao último alvo…
Como se vê, trata-se de uma novela muito movimentada e bem contada pelo senhor Lindsmall. A pobre Sally num pequeno espaço de tempo passou por situações incríveis e acabou por encontrar alguma paz junto dos irmãos que, apesar das mortes provocadas, acabaram por encontrar um rumo para a Califórnia sempre ameaçados pela perseguição do implacável agente. Aqui ficam algumas passagens…

domingo, 12 de julho de 2015

PAS504. Os três ensinamentos de Budy King

Na rua, atento ao menor indício, Jess Sylvan ergueu a espingarda e aguardou. Tinha a certeza de que aqueles canalhas faziam combinações. A um lado da taberna, presos à barra de madeira, os cavalos escarvavam empurravam-se mutuamente, tornados pela inquietação Eles representavam a grande chave da luta e tinham o papel mais preponderante se os forasteiros tinham pensado em os utilizar para fugir.
De repente, fazendo fogo da janela e por cima das portas batentes, os revólveres enviaram um jato avermelhado de chumbo. Jess sabia que ainda tinha quatro cartuchos no depósito e que, quando a luta se reduzisse a um encontro cara a cara, a espingarda só poderia servir-lhe de estorvo porque a mobilidade teria tanta importância como a própria pontaria.
Levantou a «Henry» e respondeu ao pistoleiro que defendia a janela. A bala aqueceu o ar junto ao rosto de Collier, que retrocedeu, gelado de espanto. Em seguida, Jess gastou dois tiros para manter quieto o da porta, mas Kinglatt, mais endurecido, aguentou a carga e não cessou de premir o gatilho.
Tinha disparado onze vezes e só um cartucho estava agora introduzida na câmara. Pensava nisso, casualmente, quando unia espécie de bólide humano saltou para debaixo do alpendre e se escondeu com o varandim. Era Pineshead, que acompanhou a sua presença com uma salva de balas.
Luker Farson, como um raio, saiu atrás dele. Dois homens na rua! As coisas mudavam de aspecto!
Luker Parson disparava também, mas a sua maior preocupação consistia emi encontrar um abrigo seguro. O vão de uma porta, a falta de melhor, serviu as suas aspirações. O texano Pineshead, pelo contrário, tinha sangue de lutador dentro das veias e fez frente a Jess com inaudito arrojo. Os «Colts» calibre 45 cantaram uma ruidosa melodia atrás do varandim. Sylvan apontou a arma e disparou para o estômago, porque aos seus ouvidos parecia ecoar, persuasiva, a voz pausada de Budy King:
#1
«— Pensa no coice quando disparares com arma comprida. Aponta ao peito se queres atravessar a cabeça e aos joelhos se te interessa o estômago. É simples, Jess. Basta calcular o impulso que obriga o cano da arma a levantar.»

Budy estava morto, sim, mas os seus sábios conselhos ainda continuavam latentes. Como teriam sido inúteis as armas de Jess sem as suas pacientes lições! O velho pistoleiro de Yegua City soubera inculcar os conhecimentos, fruto da experiência, no discípulo que o Destino pusera no seu caminho e, agora, precisamente então, davam a justa recompensa. Quando apontou a Pineshead, consciente de que ia disparar o último tiro da espingarda, fê-lo apontando ao estômago.
Devia, em boa teoria, meter-lhe o projéctil no peito. A «Henry» encabritou-se, expeliu um penacho de fumo e Pineshead, inclinando-se para o lado, tombou com o coração perfurado por uma bala demasiado dura para se achatar contra o palpitante e frágil órgão. A morte foi coisa tão instantânea que não deu tempo a lamentar-se por ter seguido as ordens do chefe ao pé da letra.
— Matou Pineshead! — arquejou Colher, empalidecendo. — Isto é um desastre!
— Deixa de grunhir! — replicou Kinglatt, apontando o revólver e reatando o tiroteio de proteção. Faz qualquer coisa prática, em vez de te lamentares como uma mulher.
Luker Farson, agachado no vão da porta, sentiu imenso ódio pela sorte imprevista que acompanhava Sylvan. As suas armas despejavam torrentes mortíferas e Jess só teve tempo para se ocultar atrás da parede dos Correios. Ouviu assobiar as balas mais próximo do que nunca, ávidas de se cravarem em carne humana. A 'emoção dominava-o e teve a certeza 'de que o espírito de Budy continuava a seu lado, aprovando a temerária tática, no estilo do Oeste selvagem. Em Kansas, já não se atreveriam a dizer que Yegua City era uma terra de cobardes. Pousou a espingarda no solo e puxou, rápido, do «Colt» de seis tiros.
— Kinglatt! — gritou Luker Farson, com voz de comando. — Preciso de ti!
Sim necessitava de ajuda. O odioso salteador, proscrito e assassino, quo se julgava poderoso, reclamava a assistência de outro dos seus esbirros. Um a um, apagados do número dos vivos, iam desaparecendo todos aqueles que o haviam ajudado a prolongar o seu poder. Porque os malfeitores precisam de mais ajuda que qualquer homem honrado, para manter a sua auréola de terror. Westay, Crapes, Pineshead.... metade do invencível bando derrotado pelos inofensivos habitantes de Yegua City! Uns «novatos» mais experimentados que pistoleiros profissionais! E isso sem contar com Hammer, que fora a primeira baixa!
Jess carregou no gatilho e fez girar o bem oleado tambor. Uma bala arrancou estuque da parede e Luker começou a perceber que o seu abrigo não oferecia segurança. Os cavalos, relinchando e dando coices, apenas a quinze metros de distância, pareciam mais longínquos o inacessíveis que nunca. Saltou de lado e procurou alcançar a esquina oposta.
Na rua, havia probabilidades de se esconder, até poder responder à ofensiva do adversário. Outra bala riscou a fachada, perseguindo-o atrozmente. Jess Sylvan, empunhando o revólver na mão direita e escutando as instruções de Budy, que ressoavam no seu espírito, abandonou os Correios e colocou-se, desafiante, no meio da rua.
#2

«— Há uma forma de matar pássaros a tiro — dizia a voz. — É fingir atacar o que foge... Mas, recebendo de surpresa o que chega em seu socorro. Pensa nisto, Jess. Parece difícil, mas a prática o ensina. O que foge não vai causar-te dores de cabeça. É o que chega quem tem mais oportunidades. E também o que foge confia no que chega. Um jogo duplo, percebes? Agora, Jess, volta-te! O outro deve vir aí!»

Budy King tinha razão. Era velho e todos sabem que o diabo dá mais que pensar por ser velho que por ser diabo. Jess Sylvan voltou-se, velocíssimo, e desco-briu o encolhido Kinglatt, com um revólver em cada mão, surgindo do «Countv Saloon» e procurando loca-lizar Luker Farson. Esperava tudo, absoluta-mente tudo, excepto um inimigo a dez metros dele, atento à sua sa ida.
Um cálculo lógico obrigava-o a pensar que Jess cor-reria atrás de Luker Farson. Mas, a lógica de Budy não se cingia a padrões e por isso chegara a pentear os seus cabelos brancos, enquanto outros pistoleiros que se julgavam mais inteligentes, tinham morrido novos, quase sem se aperceberem.
— Já aqui estou chefe!... — começou imprudentemente a gritar Kinglatt.
Pum!...Pum!... O «Colt» de Jesse Sylvan chamejou duas vezes uma apontando alto e outra baixo. Se alguma das históricas celebridades no manejo das armas tivesse podido vê-lo, teria sorrido de satisfação, porque aqueles tiros infalíveis possuíam o selo do pistoleiro exemplar. A primeira bala despedaçou a testa de Kinglatt, atirando-o de cabeça para trás, e a segunda, diabólica, atravessou-lhe o peito do lado esquerdo. Qualquer das duas era definitiva. Kinglatt tropeçara no invisível fio da morte e apenas pudera dar-se conta de que morria às mãos de um homem mais novo que ele, mais neófito no ofício e mais, muito mais digno em todos os aspetos. O homem que estava a vingar a humilhação sofrida por toda a cidade!
#3
«— Olha o que foge, Jess! — avisou a voz interior. — É a altura de te lembrares dele! Repara que volta confiadamente a cabeça! Já mordeu a isca!».

Sim. Budy King era o mestre perfeito, o catedrático que ensinava e preparava para o triunfo, porque a sabedoria colaborava solidamente com a sua intuição. Luker Farson acabava de atingir a rua quando os estrepitosos tiros soaram aos seus ouvidos como música celestial. Tinha ouvido a advertência de Kinglatt, o matreiro bandido pouco falador, e não teve a menor dúvida de que eram os seus revólveres e não o de Jess que tinham disparado a matar. Era um equívoco que precisava de retificação.
— E caçaste-o, Kinglatt - suspirou, entusiasmado.
Ao voltar-se para contemplar à vontade a obra do outro, seguro de que nada podia temer, só viu, muito direito sobre o pó da rua, um sujeito alto, de chapéu branco e safões de vaqueiro. Os dois antagonistas, como que pondo em prática urna cena muito ensaiada, descobriram-se ao mesmo tempo e, também simultânea-monte, dispararam as armas.
Jess fez fogo uma vez, só uma. Luker Farson, pelo contrário, queimou vários cartuchos... embora nenhum projétil chegasse bastante perto para inquietar o rancheiro. Foi um duelo frente a frente, nobre, digno remate de uma luta sustentada em desiguais condições. Mas, ganhou o melhor, o mais certeiro, o que defendia a justiça contra a violenta injustiça da barbárie irreprimível. Um tiro seco, matemático, que entrara por um pulmão e saíra pelas costas.
Luker, abraçado a si mesmo, enroscou-se no ar e disparara para o chão, erguendo nuvens de poeira. Depois, muito devagar, interminavelmente, caiu de joe-lhos, abrandou a queda com os cotovelos e chocou com o solo. Ali, agonizando, crispou as mãos e ainda disparou nova bala desorientadora que singrou em ziguezague até junto das espantadas montadas, que ferviam de impaciência.
Luker Farson, o chefe, estava morto. Yegua City tinha ganhado a batalha!
— Obrigado, Budy, — sussurrou Jess. — Obrigado por tudo.
Um silêncio irreal, após a tormenta ensurdecedora, caiu sobre a rua. Relinchos de cavalos, coices, sol e pólvora dançando no ar. Sim, era este o panorama, não obstante o qual reinava o silêncio como jamais Jess Sylvan o conhecera no povoado. Tinha ganhado a luta e o seu espírito acabou por se convencer.
 

sábado, 11 de julho de 2015

PAS503. Ecos da morte de Budy King

O estrondo causado pelo tiroteio obrigou Jess Syl-van a dar uni salto quase vertical. Os seus olhos, afastado o sono, perscrutaram em volta, 'abarcando inúmeros pormenores num)) rapidíssimo relance. Tiros em Yegua City! Alguém se lhe havia antecipado ou, então, voltava o caos! Ambas as coisas o afetavam directamentee e requeriam a sua presença imediata na taberna de Pitchman.
Procurou os seus companheiros com o olhar, mas só encontrou o veterinário, que crispava as mãos nos braços da cadeira e acusava os tiros como se fossem chicotadas descarregadas sobre si mesmo. O rosto descomposto, as pupilas contraídas e o ar espavorido, convenceram Jess de que algum facto inesperado tinha tomado forma enquanto dormia. Por isso, antevendo uma verdade que quase lhe parecia monstruosa, perguntou:
— Onde está Budy?
— Não... não sei — respondeu, com voz impessoal, Thompson. — Mente, doutor. O senhor sabe... e vai já dizer-me. Avie-se! Talvez ele precise da minha ajuda!
— Creio que Budy King já não precisa de nada,

PAS502. A morte em glória do pistoleiro Budy King

— Vou sair e espero-os na rua. Se são homens, aceitarão o desafio. Só os cobardes voltam atrás nestas terras.
— Vou... — gritou, colérico, o violento Grapes.
— Cala-te! — atalhou Luker Farson. — Quero ouvir o que o velhote leva dentro do papo. Para diante. Despeje o saco.
— Luta cara a cara. Estarei no passeio oposto, diante da taberna. Deixarei sair os seis. Então, tratem de vender caro as vossas vidas, porque atirarei para matar.
— Fala a sério?
Budy escorropichou o copo de genebra e deixou-o sobre o balcão. O estupefacto Pitchman recuou, esbarrando numa prateleira que limitava o seu retrocesso.
— Eles... queimar-te-ão, Budy -- balbuciou. — Não poderás com os seis.
— Talvez. Mas o lixo que eu deixar será varrido pelo homem que há-de vir atrás de mim.
— Quem? — gritou Luker Farson. — Não guarde nada no bolso do colete.
— Já lhe disse. Um homem. Só pretendo evitar-lhe um pouco de trabalho... porque não está acostumado a tratar com a escória da humanidade.
Cinco mãos nervosas procuraram as coronhas. Budy não se mexeu, aparentando uma frieza capaz de deixar sem alento o mais valente. Luker Farson, erguendo os braços, evitou que a história do velho pistoleiro acabasse ao pé de um vulgar balcão de taberna.
— De acordo -- disse. — Saia daqui.
— Não demorem — pediu Budy.
-- O tempo apenas para que encomende a sua alma ao diabo.
Já estava feito, simples, primitivo, típico da época e da terra em que viviam. Um duelo ao uso antigo, como tantos outros que se haviam travado para anular rivalidades entre profissionais do revólver. Wess Harding, Ben ThomPson, John Ringo, Wild Bill Hickock, Billy lhe kid e até o ignóbil Jess James, tinham passado pelo crisol onde se fundiam os violentos impulsos do Oeste. Encontros a tiro num «saloon», numa estrada ou numa cidade inteira, como acontecera em Tombstone com os Earp e os Clanton, onde morrera com as botas calçadas o também famoso Doc Holliday. Budy King era um produto dessa época, uma relíquia do passado, que se salvara da destruição e que punha em prática o sistema suicida que nunca falhava.
Aspirou o ar que lhe parecia agora frio, em contraste com o morno que predominava no «County Saloon», e atravessou a rua. Yegua Cily continuava adormecida. Um indício de sol despontava no firmamento, clareando a noite. Amanhecia. O último amanhecer da sua vida. Quando alcançou o passeio oposto, deteve-se em frente da entrada da barbearia de Zachary Castle e dedicou um carinhoso pensamento a Jess Sylvan, que depressa teria notícias suas.
O pensamento não foi limito longo, pois a quietação enevoada do alvorecer foi cortada pelo arrastar de pés e pelo bater da porta da taberna. Um, dois, três... Sim. Ali estavam os seis; separados, vigiando os seus movimentos, as mais pequenas reações de um ancião que nessa altura, inexplicavelmente, se sentia vinte anos mais jovem.
Menos de dez metros constituía a largura da rua, o que vinha a significar, noutros termos, que as balas não seriam desperdiçadas. A conversa na taberna servira-lhe para classificar os mais impulsivos do bando. Neles, especialmente, fixou a atenção. Grapes situava-se próximo de um poste. Westay, apático, tinha um pé apoiado numa travessa do varandim e o cinismo brilhava nas suas avermelhadas pupilas de alcoólico. Estavam ali os escolhidos, para iniciar a luta.
— Vamos, «Noé» — disse Pineshead. — Não vais voltar atrás agora, não é verdade?
— Pronto, Luker Farson? — perguntou Budy King contraindo-se paulatinamente.
— Sim. Garanto-lhe que a luta será nobre. Mas, a atirarei a matar.
— Também eu... Adiante, pois!
Seis contra um e falava-se em nobreza! Nem ninguém contava com ela o o grito de Budy foi o clarim que decidiu a batalha. O mesmo clarim, nefasto, que soara em Tascosa, Dodge City, Tombstone, Abilene e Paso, quando a violência saturava as históricas povoações. As enormes mãos de King agarraram as coronhas e os compridos «44» vomitaram um jacto ardente por cada boca. Dois tiros, não teve tempo para mais, porque uma erupção de chumbo chegou do passeio defronte enquanto a cortina de pólvora rivalizava com as brumas matinais. Foi uma salva atroadora, de bateria artilheira, que abalou Yegua City como um tremor terra, mas marcou, paradoxalmente, o primeiro para a sua libertação.
Grapes era tão rápido que o seu tiro atingiu o velho por cima do coração e não teria feito falta
Mais nenhum para o eliminar. O projétil cortou a artéria e Budy quase estava morto quando os seus indicadores apertaram os gatilhos. Mas, também Grapes, apesar da rapidez, recebeu um chumbo idêntico, mas que em, vez de ser por cima, se cravou no centro da sua víscera. O impulso empurrou-o contra o poste, permanecendo de pé uns segundos, embora cata o olhar perdido no infinito.
Cinco metros à sua direita, dobrando-se sobre o varandim, Westay gemeu e deixou sair o revólver que empunhava. O sangue gotejou junto das suas botas em grandes manchas, desiguais e vermelhas, quando caiu de joelhos. Depois, sem mudar a cínica expressão que a sua última careta tinha exteriorizado, estatelou na rua poeirenta o seu corpo sem vida.
No passeio, os quatro homens que engatilhavam fumegantes revólveres voltaram a disparar contra a massa de carne que se negava a cair, a terrível anão chamado Budy King, e a mão direita assinalada pelo tufo de pelos afrouxou os crispados dedos, soltando o «44». A esquerda, apertada, reteve a coronha apesar de o seu pequeno corpo se ter precipitado de bruços no portal da casa de Castle e a sua alma, odiada por todos os habitantes de Yegua City, voara já para a terra da verdade.
— Toma, toma, toma... — gritou o texano Pineshead, disparando a arma até esvaziar o tambor contra a encolhida figura. — Maldito velho intrometido!
— Já basta! — rugiu, pálido, Luker Farson. — Estás esburacando um morto, Pineshead!
— Ele despachou-os, chefe! Não reparaste ainda? Westay e Grapes perderam a vida!
— Já sei! — Luker enxugou a testa com uma manga. — É inacreditável o que se passou! Um homem só... por pouco acabava com metade do nosso grupo.
— Era Budy King — murmurou Kinglatt, guardando o «Colt.». -- Tinha ganhado bem o seu prestígio. E cometemos o erro de vender a pele antes de matar o bicho.
— Preciso de beber qualquer coisa — disse Luker.
—  Sim, chefe. Necessitamos de nos tonificar — acrescentou Collier. — Estou gelado. Pobre Westay! Não voltará a chamar-me imbecil...
— Que fazemos aos cadáveres?
— Mais tarde se pensa, Kinglatt -- respondeu o chefe. — Agora, tenho de refletir... e beber uns copos. Não quero acreditar que seja verdade.
Pineshead carregava de novo a arma olhando de modo assassino o fardo crivado de tiros que formava Budy, ao pé da barbearia. Realmente, teria decorrido apenas um minuto? Luker deu meia solta e penetrou no «County Saloon», afastando o trémulo Pitcheman com um empurrão. Collier e Kinglatt seguiram-no imediatamente. Só o texano, proferindo blasfémias, se entreteve a contemplar os rostos lívidos de Westay e Grapes. Por último, aborrecido, entrou também de rompante na taberna.
Havia já amanhecido. O sol luminoso e áureo vertia o seu calorzinho inicial por sobre Yegua City. Um novo dia. Três vítimas para o começar, como simples amostra do que se seguiria depois. As janelas Abriam-se caras sonolentas espreitavam, receosas, uma após outra. Budy King, ou antes, o seu cadáver, continuara a sorrir. Era o sorriso plácido e feliz de um homem liberto de dívidas.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

PAS501. Preparação do sacrifício

Uma pessoa pode ser valente e sentir medo. Julgar-se forte e chorar. Odiar com paixão e acabar amando. Mas, ninguém naquele momento duvidasse do que Budy King dizia em sussurros, porque o velho proscrito punha a alma em cada sílaba. Qualquer coisa muito parecida com admiração comoveu Thompson e fê-lo tremer. Talvez o pistoleiro chegasse a pensar que a causa seria o firme revólver, mas nada disse. Esperava, com a testa a transpirar e cruel decisão nos lábios. Esperava como sempre fizera: dimanando dele implacável perigo.
— Vá, então — murmurou Thompson. — Creio... creio que nos equivocámos ao julgá-lo.
— Obrigado, doutor. — O revólver, tal como havia surgido, voltou ao coldre. — Deseje-me sorte.
— Se a minha ajuda pode...
— Adeus. Feche a porta. E quando eu morrer... diga a Jess que fui feliz, servindo-lhe de alguma coisa. 
Saiu para o exterior como só o poderia fazer um raio de lua ou um sopro de vento morno. Pegado à parede, sem pressa, caminhou rua abaixo enquanto um sorriso indefinido que jamais o abandonaria neste mundo, ia surgindo nos seus lábios duros e sem cor. Ali, ao ar livre, apreciava-se melhor a iminência do amanhecer. Era uma gigantesca rosa no céu, para a lado do Este, dissipando o negrume intensificado pelas massas de nuvens.
O sol de Kansas iniciava a sua luta surda e não tardaria em brilhar, fraco a princípio e tórrido depois. Estava já longe da casa do veterinário. Estugou o passo e as suas esporas, com alegre sonoridade, tilintaram no silêncio da povoação adormecida, de escuras casas, e no fresco ambiente matinal que ainda mantinha o orvalho nos catos e nas artemísias do deserto próximo.
«COUNTY SALOON»
Viu o letreiro, sujo pelo descuido e estragado pelos anos. Grande e com a pintura meio caída. Dentro da taberna, estavam os homens que ele ia procurar. Antes de se resolver a atravessar o portal, dirigiu um olhar para trás de si: Nada. Rua vazia de vida, solitária, perdendo-se na bruma do fundo. Jess Sylvan ainda dormia, enquanto Thompson, sacudido pela impressão da evidência, talvez tivesse repetido já uma dúzia de vezes que os cidadãos de Yegua City passariam à história pela sua idiotice.
Era o momento de se lançar na peleja, como vinte anos atrás quando o seu nome causava calafrios no norte do Kansas. Tirou os revólveres e tomou-lhes o peso um segundo. Depois, introduzindo-os nos coldres, empurrou a porta e entrou no «County Saloon.» Budy King voltava a ser Budy King. Mais velho, mais cansado, mas tão perigoso como sempre.
Seis indivíduos ocupavam a taberna Sete, para falar exactamente, embora o sétimo estivesse representado por Pltchman, e esse não contava para nada nos seus propósitos.

PAS500. Uma garrafa para ajudar à resistência

— Acomoda-te onde quiseres. E você também, King.
— Obrigado — disse o pistoleiro. — Obrigado, doutor. É a primeira vez que em Yegua City não me consideram um leproso. Até agora, só havia colhido desprezo.
— Talvez aconteça que o amigo Thompson comece a conhecer-te — acrescentou Jess.
— Talvez — admitiu o veterinário. E logo, alcançando a garrafa posta de parte, propôs: — Acabemo-la. Deve dar à justa para nós os três.
Concordaram e beberam cm franca harmonia. Porém, enquanto o forte «whisky» oferecido por Stattun Wolkan ia desaparecendo da garrafa, outra vez a fatídica palavra «realidade» tomou forma no espírito de um dos três bebedores. Agora, tocava a vez a Budy King, o «homem mau» desprezado por todos em Yegua City.
Olhava Jess pelo canto do olho e pensava. Sim. O pequeno pistoleiro ia dando forma no seu desperto cérebro a uma loucura que tinha muito de sublime. Ele, só ele, podia cancelar a dívida contraída com a sociedade e pagar com o seu sacrifício as bondades recebidas do seu patrão. A ideia satisfê-lo e decidiu estudá-la quando se deitasse a descansar.

***
Ainda era noite, mas não tardaria em amanhecer, porque para Oriente pintava-se um rubor que anunciava o nascimento do novo dia. Outro dia... e mais cadáveres para encher o cemitério de Yegua City, o povoado que fora tranquilo e agora vivia dilacerado pelas garras do terror.
Nisto voltava a pensar Budy King, apesar de que não tinha quase deixado de o fazer desde que se acomodara junto da mesa., enquanto, no maior silêncio, começava a levantar-se, felina e sossegadamente. Não produzia o menor ruído, porque o seu mirrado corpo parecia mais o de uma cobra-cascavel que, estranhamente, tivesse tomado a forma humana.
Jess Sylvan, deitado de lado, dormia com uma calma capaz de deixar maravilhado quem estivesse ao corrente dos seus temerários propósitos. Thompson estava quase estendido na cadeira, mas a intranquilidade que o dominava impedira-o de pregar olho durante a interminável noite. Foi ele, tão suave como o próprio Budy, quem se interpôs no seu caminho, impedindo-lhe a passagem.
— Aonde vai, King? — murmurou.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

PAS499. Morto o cão, acabou-se a raiva (epitáfio para um xerife)

— Conheço a minha obrigação, Teker, e não os aconselho a que ma recordem. Farei o trabalho eu só, sem a ajuda de ninguém; para isso sou o xerife. Ocupem-se do enterro do doutor. Persegui-los-ei até ao Texas, se for necessário. Mas, contem com eles e preparem as forcas.
Disse-o com tal convicção que ele mesmo se admirou da sua própria audácia. Sentia frio, embora estivesse coberto de suor. Mas, já estava dito. Não podia voltar atrás. Os que o rodeavam, talvez temendo uma posterior desculpa, não cessavam de o olhar. O xerife Blackford pôs o chapéu na cabeça e saiu para a rua, franzindo o sobrolho e caminhando pesadamente. Ao verem-no tão decidido, em direção ao seu escritório, começaram a respirar aliviados.
— É um bom xerife — disse alguém. — É preciso ter estômago para recusar a ajuda.
— Realmente, tens razão e o facto de ele parecer indolente é porque nunca teve ocasião de demonstrar o seu valor até agora.
— A demonstração terá de ser espantosa. Eles são seis desalentados.
Exatamente a mesma coisa pensava o xerife enquanto caminhava pelo caminho. Seis contra um. Seis profissionais do revólver, rápidos e destros, contra uni cinquentão barrigudo, vencido pela moleza e arrepiado pelo pavor. Mas, a estrela de prata, talvez pelo que simbolicamente significa, dá forças para tentar realizar as mais arriscadas empresas. Blackford sabia que a atuar merecia um prémio pela temeridade, embora, à medida que avançava, os seus passos fossem perdendo a firmeza e se tornassem mais lentos. Quando chegou ao escritório, meia Yegua City esperava ver cristalizados os seus louváveis alardes de valor. Respirou fundo, entrou na cavalariça anexa e começou a selar o cavalo cinzento.

PAS498. Uma bala no coração

Carter suspirou, resignado, e aproximou-se do doente. Não teve de se esforçar para concluir o que prematuramente tinha admitido. Nada contribuía para que modificasse o diagnóstico inicial. A ferida era grande, com orifício de entrada pelas costas. E sangrava com abundância vindo a hemorragia misturada com coágulos negros e secos.
— Que lhe parece?
— Responda antes à minha pergunta. Há quanto tempo?
—. Dois dias ---- confessou Luker, depois de uma pausa. — Mas, isso pouco importa.
— Pelo contrário. Importa muitíssimo.
— E então?
— Suponho que preferirá a verdade sem rodeios.
— Claro.
— Não há remédio. A infeção dominou-o. O seu coração deixará de bater, dentro de umas horas.
O forasteiro semicerrou as pálpebras, friamente, e os seus penetrantes olhos incolores procuraram os do médico.
— Essa não é a verdade. Tem de o salvar. Faça alguma coisa.
— Não há remédio — repetiu calmamente o doutor Carter.
— Extraia a bala. Assim acabará a infeção.
— Talvez não saiba, Farson, mas se este homem vive ainda é graças ao projétil. Está alojado debaixo da víscera cardíaca, roçando o extremo inferior. Tem servido de tampão e por isso o sangue tem ido saindo pouco a pouco. Se lha extraísse, seria como quem abre a válvula dum lavatório. A pequena quantidade de sangue que ainda lhe resta sairia em golfadas e deixá-lo-ia exangue em pouco tempo.
— Tenho ouvido falar em qualquer coisa que se chama transfusão. Tenho cinco homens dispostos a dar sangue.
— Felicito-o. Mas, talvez também já tenha ouvido falar de uma coisa chamada gangrena. Olhe os bordos da ferida. Está tudo gangrenado.
Farson apagou o sorriso dos seus lábios. Pela primeira vez se lembrava de que o doutor Carter não pertencia ao seu bando. Isto tornava-se terrível para um homem tão acostumado a mandar e a ser obedecido como ele. Não aceitaria a negativa que podia desprestigiá-lo perante os seus camaradas.
— Opere-o — ordenou. --- Não consinto que o deixe morrer.
— Não sou eu mas sim vocês que o mataram, obrigando-o a cavalgar dois dias seguidos. O pó, o suor e o sangue...
— Tire a bala! ---- gritou Luker, aproximando as mãos das armas.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

PAS497. Budy King, o pistoleiro de Yegua City

Apenas numa ocasião da sua história, recordada precisamente em atenção à escassez de acontecimentos, o nome de Yegua City correra de boca em boca durante algum tempo. Devia haver já uns bons vinte anos, quando Budy King lhe dera para ganhar a celebridade a tiros de revólver. Budy nascera ali, criara-se entre as terras de pasto, e, certo dia, ansioso de aventuras, selara o seu cavalo para se lançar a galope pela planície.
Devia ter tido alguma contrariedade e, como Budy era ligeiro de mãos, acabara por se converter num «homem mau». A sua fama de pistoleiro propagara-se velozmente, mas fora tão fugaz quanto rápida. Por fim, Budy King regressara a Yegua City e a sua presença, que deveria orgulhá-los nem que fosse apenas pelo terramoto que armara com os revólveres, enchera-os de vergonha.
Agora, Budy estava transformado num velho que vivia encerrado nas suas recordações. A gente nova de Yegua City, que conhecia a sua história de ouvido, mal dava crédito à triste auréola que ainda flutuava em torno da sua lenda. Dizia-se que fora um dos homens mais rápidos e perigosos do Kansas. Todavia, para os novos, Budy King só significava um pobre diabo, amargurado e taciturno, que vivia graças à generosidade de Jess Sylvan, o único rancheiro que não tivera escrúpulos em alojá-lo em sua casa e dar-lhe trabalho quando os demais lho negavam. Estava acabado. Era uma sombra fugidia que não conservava o menor resplendor dos outros tempos. Às vezes, até sentiam vontade de rir ao vê-lo armado com os seus antiquados revólveres, de coronhas cobertas de entalhes denegridos pelo tempo.
 

BIS085. Tiros na cidade

(Coleção Bisonte, nº 85)
 
Após um assalto frustado, um conjunto de malfeitores chega a Yegua City, uma cidade do Kansas. Uma cidade onde nada de anormal se passava, onde a paz imperava.
Um dos malfeitores vai ferido, quase a morrer. Desesperados perante o médico que não o conseguiu salvar, abatem-no. Segue-se o xerife e os habitantes que desorganizadamente tentaram enfrentá-los. Depois, cobardemente todos regressaram às suas casas, deixando a cidade nas mãos daqueles meliantes que se instalaram no principal «saloon».
Um homem decidiu fazer-lhes frente, um homem secundado por um velho pistoleiro a quem ninguém respeitava e este livro de Joe Bennet transforma-se na redenção de um ser humano que era desprezado por todos e, cujo sacrifício, devolveu a dignidade à cidade.
Eis um belo livro de que aqui deixamos algumas passagens

terça-feira, 7 de julho de 2015

PAS496. O homem para quem morrer era um bálsamo

Alex engatilhou o revólver enquanto caminhava... e parou com a arma encostada ao corpo do homem que sorria tranquilo, sem que lhe tremesse um único músculo.
— Não tem medo de morrer, Edison?— matraqueou as palavras, irritado.
— Não. Talvez um pouco por causa deles. Mas, aos meus filhos ninguém ensinará a viver odiando. Eles não procurarão, amanhã, aquele que matou seu pai. Têm uma mãe que sabe o que vai acontecer... e, todavia, foi-se embora, para me deixar expiar as minhas culpas. Ela compreendeu, melhor que ninguém, a minha tortura. Soube que só terminando hoje serei, finalmente, livre. A sua vingança, Brampton, é para mim um bálsamo. E saiba uma coisa: seu irmão era um bom rapaz. Faltou-lhe experiência para adivinhar a traição de Marsh e Clipton, mas teve um belo gesto ao fazer-lhes frente e jogar tudo por tudo. Foi pena que não vencesse.
Brampton dispôs-se a premir o gatilho e disparar sobre o homem que não se defendia. Viu-o, de pé, na, sua frente, sorrindo com serenidade. Como nenhum dos outros que matara. Sinclair Edison, o último do seu «poker» .
 «Parecia arrependido», tinha dito Sheylander a seu respeito. «Rezarei por ti... para que voltes a encontrar a razão e afastes as sombras negras do teu coração», dissera-lhe, depois, uma mulher de olhos cor-de-âmbar, os quais vira à luz das estrelas da Califórnia...
A sua mão direita largou o revólver, que caiu por terra, pesado e barulhento. Com um, ar estupeficado fixou os seus olhos azuis em Sinclair Edison, que continuava a sorrir, ainda que um pouco surpreendido.
— Não sei porquê.... — ciciou Alex. — Não sei como aconteceu, mas... não posso... não posso matá-lo, Edison. Nem mesmo que tratasse de se defender... Não consigo apertar o gatilho...
Invadiu-o uma sensação de bem-estar. Sentiu um alívio intenso, que ia do coração à cabeça, que adoçou o olhar das suas pupilas cor-do-céu. Era como que uma libertação, o quebrar de pesadas cadeias.
— Brampton... porquê? -- perguntou-lhe Edison. — Não pedi clemência, não a espero, nem, tão-pouco, a desejo.
— Já o sei. Você é o único verdadeiro homem que encontrei até agora. Quem sabe, se nos tivéssemos encontrado antes, se não teria impedido a minha vingança. Ou talvez não... Não sei...
— Brampton, você renuncia a...
— Sim — a sua mão tirou, do bolso da camisa, um ás de espadas. A carta da morte. Lançou-a por terra. — No fim de contas, fiz «poker». Afastou a morte de mim., Edison... Um dia poderá dizer a seus filhos que se livrou de morrer quando tinha já um pé no vale das sombras. Adeus, Edison... e queime esse dinheiro ou dê-o para obras de caridade. Garry ficará satisfeito.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

PAS495. Tiros em Madalena

Madalena.
 Sheila Brice saltou do comboio para a gare da pequena estação banhada de sol, o claro e forte sol mexicano. Olhou de novo o letreiro branco, em que os raios de luz se refletiam: Madalena. Era um nome de expiação, do arrependimento e boa vontade de regresso ao bom caminho... Talvez algo superior à vontade de Sinclair Edison elegesse aquele lugar para o epílogo da tragédia de tantos anos. Teria regressado Edison ao bom caminho? Ou seria Alex Brampton quem teria de fazê-lo, precisamente ali?
Sheila não tinha esperança alguma. Alex crescera em ambiente de ódio, do qual ninguém seguiria arranca-lo enquanto existisse a razão desse ódio. Pelo menos, esperava chegar antes de Alex. Se ela dera com o esconderijo de Edison... quanto tempo demoraria Brampton a fazê-lo? E se ele tivesse terminado?
Um calafrio percorreu a espinha dorsal de Sheila Brice. Os seus grandes olhos cor-de-âmbar estudaram minuciosamente o local. Viu a estação de caminho de ferro, um edifício de adobe, escalavrado, e só, no meio da planície calcinada pelo sol.
***

No dia seguinte, Sheila acordou, com pena, no seu amplo leito: cómodo e fofo. Gostaria de ter dormido mais, mas o sol ia já muito alto e queria estar alerta o mais tempo possível, não fossem precipitar-se os acontecimentos. De um momento para o outro podia chegar Alex e, com ele, a tempestade que acabaria com a paz cordial de Madalena.
Arranjou-se em' escassos minutos., saiu para a rua e pôs-se a observar as nuvens escuras que enegreciam o céu, para as bandas de Oeste, como que numa ameaça contra o fone sol que dardejava de Sul. Sheila sentiu um arrepio, à medida que subia a íngreme ladeira que dava para a casa dos Edison. Era como que um presságio...
Nesse mesmo instante, um tiro de revólver quebrou a calma manhã da pequena povoação mexicana. Seguiu-se um outro, quase ao mesmo tempo.
Sheila Brice soltou um gemido, o seu rosto ficou branco como a cal e começou a correr, rua acima, sentindo fraquejarem-lhe as pernas. Ouviu-se um novo tiro, mas este disparado por um «rifle».
— Meu Deus. Não! Não, Alex, não podes tê-lo; feito... ou odiar-te-ei toda a vida! — gemeu, sem parar de correr em direcção à casinha branca de portas e janelas verdes.

domingo, 5 de julho de 2015

PAS494. O homem que não fugiu ao destino

Num gesto de desalento, Sinclair Edison pôs de lado o jornal. Aquela edição de «El Paso», como as de todos os jornais ao Norte da fronteira, falava do caso: «Poker Negro» era uma personagem célebre nas crónicas sensacionalistas. Alcançara já três dos seus objectivos: Randolph Adams, David Marsh, Eli Cripton... Apenas faltava um: ele próprio.
— Queres que te sirva já o pequeno !almoço, meu querido Sinclair — perguntou Cara, com a sua voz sedosa e calma.
— Não, Cora minha vida. Hoje não tenho apetite.
-- Pode saber-se o que se passa contigo? — disse ela, aparecendo à porta. Pequena, grácil, tão forte como ele e muito mais enérgica. — Há uns dias que andas muito enfastiado.
— Ora, não é nada. Nada, querida. Talvez ande um pouco deprimido.
Cora Edison olhou de soslaio para a mesa. Notou a presença do jornal norte-americano e os seus olhos nublaram-se imediatamente, e, sem dizer nada, voltou para a cozinha.
Edison ficou de novo só, na modesta sala, pintada de cores claras: Pela janela aberta, o sol do México entrava em catadupas.
Estava um dia alegre, calmo e apetecível. Mas não para ele. Aquela notícia turvara-lhe toda a alegria. Também Cripton... Três já estavam... Faltava um só ás no jogo... para se completar o «poker» fúnebre. Esse ás que faltava era o seu. Edison sorriu com amargura. Alex Brampton parecia ter-lhe reservado o pior de todos eles: o de espadas, negro e sinistro, símbolo de morte para todos os jogadores supersticiosos. O naipe trágico da negra sorte.
Sentiu um calafrio, apesar do calor do dia. Pôs-se de pé, avançou coxeando ligeiramente até à janela e cerrou as vidraças, deixando-as encostadas. Não queria que sua mulher ouvisse correr os trincos. Alarmar-se-ia.
— E as crianças, Cora? — perguntou, já depois de se ter sentado novamente.
--- Foram para o colégio há mais de uma hora, querido — respondeu-lhe a esposa. Ainda estavas a dormir quando te beijaram à saída.
Edison sorriu. Os seus filhos! Cora e Mike..: Por eles era capaz de tudo. Até de matar Alex Brampton se fosse preciso. Mas não, por esse preço não compraria a sua felicidade, nem a deles. Matar era algo horrível... Sabia-o bem desde havia onze anos. Desde que manipulara um baralho de cartas, com a sua antiga peculiar habilidade, dispondo uma jogada falsa, quatro ases nas mãos de Garry Brampton.
Isso provocara primeiro, uma morte... e, muitos anos depois, várias outras. Um destino, sangrento, ligodo àquela partida funesta, ia acumulando jogadas de sangue e ódio, sem se preocupar com as distâncias, nem com o tempo. Sabia perfeitamente que já não estava em segurança, nem sequer ali, a Sul da fronteira mexicana, em Madalena, um pacífico lugarejo sem conflitos nem violências.
Tal como antes, em Cheyenne, Canyonville ou São Francisco, a morte chegaria também a Madalena, estado de Sonora. Isso aconteceria mais tarde ou mais cedo.
Sinclair Edison nada fazia para o impedir. Absolutamente nada. Não voltaria a fugir, não tornaria a esconder-se do destino. Esperaria ali. Aguardaria o final, que acabaria por chegar um dia.

PAS493. Um sorriso de gelar o sangue

Lentamente, virou o olhar para o homem alto, moreno e estranhamente vestido, que tinha surgido junto da roleta, no salão de jogo. A rapariga vestida de cor-de-morango chegava agora ao seu lado, falava com ele, implorando alguma coisa, ao que parecia. Paul Brighton sorria. Um sorriso insultante, cruel, daninho...
Alex Brampton apertou o copo do refresco entre os seus dedos. O vidro estilhaçou-se, ferindo-lhe a mão e derramando o frio conteúdo por cima da sua manga e do blusão.
— Cuidado, senhor, vai-se ferir! — exclamou um empregado do «bar». Algumas pessoas o olharam surpreendidas.
— Não é nada. — Brampton atou a mão ferida com um lenço de seda. Voltou os olhos, mais gelados do que nunca, para o par. David Marsh, aquele suposto Paul Brighton, conduzia Sheila Brice pelo braço, na direcção de uma porta lateral, coberta por espessas cortinas de veludo vermelho.
Faziam um bonito par. Mas era só na aparência. Alex lembrou-se duma fábula «A bela e o monstro».
O sorriso que assomou aos lábios de Alexis Brampton quando se afastou do «bar», abrindo passagem entre a multidão, teria gelado o sangue nas veias de Marsh, de Dawson e talvez da própria Sheila. Mas ninguém o viu...
 
***

— Não se admire. Os meus empregados informam-me, prontamente, de tudo quanto se passa, de anormal, na minha casa e sei que você ganhou dezassete mil dólares. Se Dawson, o meu sócio, não interviesse, você levaria a banca à glória... e já os dois não poderíamos negociar a salvação de seu irmão.
Sentada à frente dele, na solidão do seu escritório, Sheila sentiu uma aversão profunda, um ódio mortal àquele réptil humano que insinuava a brutal realidade com aquele sadismo. A lembrança do seu irmão em perigo deu-lhe ânimo e força para prosseguir.
— Este dinheiro não me serve para nada, e você sabe-o muito bem, Brighton — disse, em tom agressivo. — Queria ganhar mais, muito mais, mas não foi possível.
Paul Brighton esfregou os compridos e pálidos dedos rejubilando com o fácil triunfo que se lhe oferecia. Sheila Brice... Tinha-a desejado tanto... Os seus olhos brilharam doentiamente.
— Os vales serão seus... dentro dum momento. — Pôs-se de pé, aproximou-se dum cofre e rebuscou nele, tirando um maço de documentos. Dedos nervosos passaram folhas após folhas, até tirar três papéis. Mesmo àquela distância, Sheila reconheceu a assinatura de Dick. — São estes, menina Brice... Bem, melhor será chamar-te Sheila, querida. É mais íntimo...
A infeliz rapariga sentiu náuseas... Aquilo era superior às suas forças. Mas os vales estavam ali, ao alcance da sua mão... Ele mostrou-os, a distância, prudentemente.
— São estes. Um de dez mil, outro de vinte mil e outro de quinze mil. Com os cinco mil de juros, perfaz os cinquenta mil, querida Sheila...
— Canalha! — ciciou ela, incapaz de suportar mais.
— Cuidadinho, cuidadinho. Isso não são maneiras. — O sorriso infame de Marsh alargou-se.
Avançou uns passos. As suas mãos tremiam codiciosas. Era um monstro repulsivo, odioso. Sheila fechou os olhos. Sentiu o contacto repugnante das suas mãos ardentes sobre os seus braços, subindo para os ombros, puxando-a para ele...
 -- Que importuno sou, «não é verdade, David Marsh?».
A surpresa foi demasiado inesperada e brutal. Aquela voz fria, trocista, áspera, rude... Sheila gritou e afastou-se rapidamente enquanto as mãos vibráteis de Paul Brighton a largavam como se, de súbito, fosse um carvão em brasa viva.
— Eh! Quem é você? Como se atreve... a vir até aqui? — rugiu, raivoso, o jogador. Subitamente, pareceu entrar no seu cérebro a ideia de que lhe tinha chamado «David Marsh». — Corno... me chamou?
— David Marsh. — O intruso estava ali, de pé, junto da porta, com uma expressão dura, quase feroz, que assustava Sheila, refugiada num canto. O seu amigo da sala de jogo já não parecia tão jovem, nem tão atractivo. Era demasiado... violento o seu parecer. E o brilho dos seus olhos metia-lhe medo. — David Marsh, não, Paul Brighton. Não é aquele o seu verdadeiro nome?
Marsh recuou dois passos. Estava inquieto, mas conservou o sangue-frio.
— Saia daqui. Não sei como entrou, mas ordenarei que o espanquem como a um cão, se...
-- Se quê? Se continuar a impedir que manche de lama uma flor? — Sheila pensou que parecia impossível que aquele homem, todo dureza e frialdade, pudesse, em tais circunstâncias, ter urna frase bela para comentar o seu sacrifício.
— Basta! Vai sair a bem ou terei de expulsá-lo a tiro?
— Da mesma forma que a Garry Brampton, em Dodge City, Marsh?
Uma palidez mortal cobriu o rosto de Marsh, até o fazer parecer um grotesco palhaço enfarinhado. Recuou, como se fosse ferido no peito. Uns olhos negros, aumentados pelo terror, fixaram-se naquele homem, perigoso, ameaçador, impávido e rude.
-- Quê... que disse? — balbuciou.
— Procurei-te durante muito tempo, Marsh. Venho de Nova Orleães. Já lá não estavas, como julgava Randolph Adams. Mas disseram-me onde te podia encontrar, assassino.
--Randolph Adarns! Você... você matou-o?
-- Eu fiz justiça. Foi o primeiro dos quatro. Tu completarás o par de ases. Ases do crime, do mal, Marsh. Estareis melhor mortos, expulsos do mundo. Mas a conta não termina em ti, não. Ficam outros dois. É um «poker». Tu eras jogador, tu sabes disso. Um «poker» de morte... negro.
— Isso é absurdo -- rugiu Marsh, recuando mais dois passos. — Não pode continuar assim, anos e anos, à procura dos que mataram Garry, vingando-se dessa forma! Por que o há-de fazer, porquê?
— Eu era seu irmão, Marsh. Seu irmão. Tens uma dívida para comigo. Quarenta mil dólares e a vida... O dinheiro pode entregá-lo a esta menina. Perdoo-te os dez mil que sobram. Rasgue você esses vales, menina Brice. Não tenha escrúpulos. É o pagamento duma dívida, não é verdade, Marsh?
— Está bem... — sorriu forçadamente o jogador. Sabia muito bem quando perdia uma partida. Aquele não era como Garry. Não era possível enganá-lo. E ali estava só. Tinha medo. Medo do assassino de Adams, de Sheylander... — Você ganhou a partida, Brampton. Pegue nesses vales e parta de São Francisco, antes que faça seguir o mesmo caminho do seu irmãozinho...
— Não, Marsh, não me compreendeste. — O sorriso arrepiante daquele vingador louro gelou as veias de Sheila. E um medo horrível penetrou na cabeça e no coração de David. — Com isso não sie extingue a dívida. Deixa-te de fanfarronices. Sabes bem que estás perdido. Sabes que não poderás alcançar essa arma que tens aí, na gaveta da secretária. Porque eu puxarei antes pela minha e morrerás no mesmo instante. Vamos, não sejas palerma. Soou a tua hora. Vou cobrar, duma só vez... toda a dívida.
— Não! — interveio Sheila, angustiada. — Não o mate, Brampton. Você... você não tem estofo de assassino. Não é um pistoleiro. Leio-o nos seus olhos, na sua cara, apesar de toda a sua amargura e de toda a sua dor...
— Não pode compreender, menina Brice. — Alex pareceu não dar conta de que Marsh se aproximava cada vez mais da sua secretária. — Criei-me no ódio, cresci com a ideia fixa da vingança, no meu espírito e na minha alma. São três defuntos que me pedem que con clua a minha obra. Até então, eles não descansarão em paz.
— Não diga isso, Brampton! — A rapariga de cabelo cor-de-âmbar falou, apaixonada, influída estranhamente por aquele homem singular e desconhecido que a atraía, a quem não queria ver matar os seus semelhantes como se fosse um pistoleiro vulgar... — Eles descansarão em paz, onde estão, uma vez que desapareceram. Somos nós quem não descansará, julgando que eles pedem coisas tão monstruosas como matar. Matar é uma coisa horrível, Brampton. Não continue a fazê-lo. Deixe a sua vingança, deixe o seu «poker» sangrento incompleto... Os que estão mortos não desejam que continue a matar. Não nos compete a nós vingar ofensas; nem ditar sentenças. Deus está acima de tudo e de todos. Ele disse que devíamos perdoar, para que um dia... Cuidado, . Brampton! Meu Deus, não!
De sua boca partiu primeiro o aviso. Depois a exclamaçáo, perante o inevitável. Tinha querido impedir aquilo, mas... David Marsh aproveitou as suas palavras apaixonadas para alcançar a secretária, para agarrar na arma com uma rapidez de profissional e apontá-la velocissimamente para Alex Brampton. O jovem, arrebatado pelos argumentos daquela rapariga, que lhe falava rumo na vida jamais alguém lhe falara, estivera a ponto de ser vítima fácil. A advertência espontânea, rápida, da rapariga, salvou-o.
Brampton saltou para o lado, evitando a bala disparada por David Marsh, diabólicamente risonho, ao apertar o gatilho, saboreando ferozmente uma tão fácil vitória. Mas o seu chumbo encontrou o vazio e não o coração de Brampton, inclinado sobre a secretária, muito à esquerda da sua posição inicial. Dali, enquanto Sheila tapava os olhos, lançando um grito de terror, fez fogo uma só vez.
Alex Brampton não precisava nunca de repetir o disparo sobre um alvo humano. A bala abriu um orifício negro entre os olhos de Marsh, tão negros como o vácuo da morte. As pupilas vidradas abriram-se-lhe desmesuradamente. Não pôde compreender a razão da sua derrota, no momento em que abraçava o triunfo; Inclinou a cabeça, como a querer rezar uma oração impossível, e que jamais soube, resvalando lentamente para o soalho alcatifado, onde ficou, de joelhos, absolutamente apoiado na secretária.
Sheila, com um gemido, de nervos tensos, correu para os braços do jovem louro, refugiando-se neles da terrível realidade e da emoção vivida.
— Lamento, menina, — murmurou Alex, em, tom duro, largando a arma. — Não tive outro remédio. Você viu... Embora, na realidade, não merecesse outra coisa;
— Meu Deu... Meu Deus!. — gemeu ela, chorando encostada ao forte peito de Brampton. —É a primeira vez que vejo um homem morrer... assim. Mas seria mais horrível... vê-lo morrer a si...
Alex levantou a cara de Sheila com a mão, pegando--lhe pelo fino queixo. Emocionava-o aquele pranto de mulher. Era a primeira vez que uma rapariga como Sheila procurava os seus braços e sentia algo que não sabia explicar.
— Vamos, acalme-se. Já passou tudo — pediu ele. Depois viu-se nos dois redondos olhos cor-de-âmbar, reluzentes e muito abertos, que pareciam convidá-lo a olhá-los mais de perto.
Os seus lábios encontraram-se colocados aos lábios vermelhos e húmidos da rapariga, sem ter bem a noção exacta do que fazia.
 
***

— Vai-se já embora de São Francisco?
— Sim. Amanhã. A minha estadia foi muito curta. Mas não tenho outra solução, Sheila. Você mesmo viu esta noite. Não merecem viver...
— Deixe, então, que Deus os afaste do mundo. Não é tarefa sua.
— E era tarefa sua tirar a vida a meu irmão, quando começava a vivê-la?
— Você quer igualar-se a eles, Brampton, matando com uma simples máquina, vivendo escravo do seu revólver? Quanto tempo durará isso? Um dia compreenderá que o revólver, a violência, a vingança e o ódio não são nada no mundo. Que há outras coisas mais belas da nossa vida. O perdão, a compreensão, o amor...
— O amor... Há tanto tempo que não o conheço, Sheila — suspirou Alex, olhando a jovem. — Creio que meu pai me amou, e meu irmão também... e ela, Jessie...
— A sua noiva? -- O tom de Sheila foi estranhamente amargurado.